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sábado, 18 de novembro de 2023

4 FRAGILIDADES DO IMPÉRIO [ Parte II]

Na Parte I deste ensaio, analisámos as fragilidades dos EUA em relação ao sistema monetário mundial e a situação precária do dólar, enquanto moeda de reserva global. Nessa mesma parte I, analisámos igualmente a disponibilidade de energia, suas diversas fontes e sua gestão, assim como a importância da mesma nas guerras levadas a cabo pelo Império.
Na parte II, iremos nos debruçar sobre as fragilidades imperiais do poderio militar e sobre a media corporativa (a «mass media»), enquanto instrumento de propaganda do novo totalitarismo.





PODERIO MILITAR



Todos os impérios baseiam-se na força sobre outras nações e na expansão territorial. Ambas as características são dependentes de um exército, uma máquina de guerra bem equipada e treinada, que possa conquistar, manter as conquistas e forçar a submissão dos povos.
O exército dos EUA tem de corresponder às missões que lhe são confiadas pelo poder político. Mas este, dominado nas últimas décadas pela fação mais belicista ,«neocon» do Status Quo, tem usado a força militar a torto e a direito. As guerras do império são essencialmente de agressão, quer ocorra ou não a invasão terrestre do território inimigo, quer haja ou não uma coligação com potências vassalas.
O facto mais saliente, em termos geopolíticos, é que desde o 11 de Setembro de 2001, as guerras em que os EUA se envolveram, foram todas derrotas militares, o que tem um efeito dentro dos próprios EUA, mas também junto dos outros governos e povos, aliados ou adversários.
Os EUA mantêm cerca de 800 bases em todo o Globo; algumas, têm poucas centenas de soldados; outras têm dezenas de milhares. O dispositivo para este domínio global é muito complexo e pesado.
Tanto em equipamento, como armamento, combustível, meios de transporte e logística, estas bases são uma pesada e complicada estrutura, que tem o Pentágono como vértice.
A OTAN, com sede em Bruxelas, reúne grande número de países europeus, mas é controlada por Washington. O comandante-chefe é sempre um general dos EUA. Várias bases na Europa são utilizadas para armazenar cabeças nucleares e vetores correspondentes (mísseis ou aviões). Estas bases estão em violação de leis de países como Itália, que proíbem o estacionamento e trânsito de armas nucleares.
Quase oitenta anos após o fim da II Guerra Mundial, uma potência vencedora (os EUA) continua a ocupação militar da Alemanha, da Itália e de outros países. Teoricamente, estes exércitos de ocupação americanos fazem parte do dispositivo multinacional da OTAN. Porém, as bases da OTAN funcionam segundo o modelo americano e estão submetidas à cadeia de comando, dominada por generais dos EUA. Formalmente, os EUA não estão a «ocupar» estas nações. Mas, é assim que parte significativa da população os vê. O mesmo ou semelhante, se passa com o Japão e a Coreia: Nestes casos, trata-se apenas de contingentes dos EUA. O modelo é reproduzido noutras paragens, em maior ou menor escala.
Em bases de maior dimensão, os militares têm bairros separados nas vilas ou cidades próximas dos quartéis, onde vivem com as suas famílias. Estas pequenas amostras de «American way of life» vivem em circuito fechado, ignorando largamente a vida e cultura dos países onde estão instalados. Isto provoca grande frustração na população autóctone e também torna as bases menos capazes de se defenderem de um ataque. É verdade que eles têm militares e polícia dos próprios países ocupados, que podem servir como agentes repressores de qualquer movimento de contestação violenta, ou pacífica das bases. Mas, tal não impede o surgimento de movimentos significativos de rejeição das bases. Em vários pontos (Okinawa, no Japão, Jeju, na Coreia do Sul, em La Rota, em Espanha, etc.) essa contestação pacífica tem feito manifestações todos os anos.
De um momento para o outro, num país qualquer, pode despoletar-se um processo que obrigue à saída duma base dos EUA nesse território. Tal é verosímil que aconteça na Síria ou no Iraque. Também é possível na Turquia, um importante membro da OTAN: As posições tomadas pelo seu presidente, Erdogan - para as quais tem apoio popular massivo - têm entrado em choque com as posições de Washington.
O dispositivo de domínio global dos EUA, por mais forte e potente que seja, é demasiado frágil para aguentar ataques em simultâneo às suas bases, em pontos geográficos distantes.
Também se verifica que - no terreno - as forças dos EUA não estão capazes de combater numa campanha antiguerrilha, como se verificou no Afeganistão e noutros cenários recentes. Em consequência disso, a estratégia dos EUA tem consistido em arrasar todas as estruturas «revertendo-as à idade da pedra». Mas, tais «feitos de armas» são horrendos crimes de guerra que ficam gravados na memória coletiva dos povos-mártires.
A doutrina de que os EUA podem usar, em primeiro lugar, armas nucleares «táticas» foi emitida e aprovada, logo no início deste século. Esta doutrina foi um recuo em relação à doutrina prévia. Anteriormente, os EUA usariam a arma nuclear como dissuasora, como resposta a um ataque nuclear, nunca preventivamente. Tal posicionamento era mais adequado ao desanuviamento entre superpotências. Mas justamente, é isso que os «neocons» querem evitar. Eles estão convencidos que os EUA podem ganhar uma guerra nuclear e assim manter sua hegemonia mundial. É para esse objetivo que apontam o programa (o PNAC) dos neocons, as suas declarações e os seus atos. A China e a Rússia são vistas como inimigas, sujeitas a provocações ou, mesmo, a «guerras através de intermediários». Isto acontece, porque os neocons têm dominado sucessivas administrações, quer elas sejam Democratas, ou Republicanas.




MÍDIA CORPORATIVA OU DE MASSAS

A «liberdade de imprensa» é porventura a característica mais saliente da democracia liberal. Mas as chamadas «democracias liberais» já não são nem uma, nem outra coisa.
A era da Internet foi uma decepção, pois não deu fácil e livre  acesso à informação e à difusão de informação «cidadã», com um mínimo de impacto. O dispositivo cedo foi controlado por grandes conglomerados de mídia, encerrando os internautas numa espécie de mundo fictício - a verdadeira «matrix» - de que só alguns têm plena consciência.   
Os provedores de Internet pertencentes às grandes corporações da Silicon Valley foram abordados pelo poder político em relação aos «abusos» que podiam cometer os usuários da Internet. Serviram-se de pretextos, como o do combate à pedofilia, à pornografia infantil, ao terrorismo islamista, etc. para os forçar a desempenhar o papel de agentes de vigilância massiva. Assim, o pequeno mundo de Google, Facebook, Microsoft, Youtube, etc ficou perante o seguinte dilema: ou mantinham uma estrita neutralidade e ficavam confinados às margens, ou aceitavam jogar o jogo e teriam imensos contratos do governo. Inclusive tiveram e têm contratos em parceria com as agências de «inteligência» (de espionagem), a NSA, a CIA, etc., permitindo a estas realizar atividades de espionagem em massa, de censura e de intoxicação da opinião pública, proibidas pela constituição às agências governamentais. Agora são o domínio de «entidades privadas», que recolhem e analisam os nossos dados e depois os fornecem ao Estado.
O que resta, em termos de «democracia», é uma paisagem esquálida, onde mais de 90% de cidadãos não têm efetivamente acesso a informação significativa, apenas recebem informações de agências, televisões, jornais, sites internet, «sérios», «credíveis», que fornecem informação aprovada pelo governo, ou pelas agências deste. 
O caso mais patente foi aquando da encenação da pandemia de Covid: Esta foi o pretexto para calar (enquanto não se podem eliminar) os dissidentes, lançando campanhas de difamação pública, perante as quais não havia a mínima possibilidade de retorquir, desmentir, ou contradizer. Depois, foi a campanha histérica anti-russa, aquando da invasão russa da Ucrânia, que «justificou» mais umas tantas excomunhões. Agora mesmo, é a campanha terrorista unânime dos media «de referência», equiparando as pessoas que estão contra a limpeza étnica dos palestinianos por Israel, a terroristas, antissemitas, apoiantes do Hamas, etc. 
Que podemos dizer? 
Sem informação livre, não existe democracia. Estamos a atingir o ponto em que os poderes das  chamadas «democracias ocidentais», deixam cair a máscara e se revelam como executantes de dispositivos totalitários, pondo em cena o pesadelo orwelliano ou plagiando as medidas de controlo social da China «comunista».
As pessoas viveram numa atmosfera de relativa liberdade de opinião, no Ocidente, quando isso era importante para afirmar o contraste com os regimes totalitários da URSS e de seus aliados. Estava-se numa era de confronto entre duas superpotências, dois modos de conceber o mundo, dois modelos de sociedade. Assim, a imprensa ocidental foi - durante algum tempo - relativamente livre e relativamente independente do poder de Estado. Não deixo -porém - de relativizar, pois muita imprensa estava nas mãos de grandes magnates. Estes não iriam permitir que tudo fosse publicado, sobretudo se colidia com os seus impérios.  
O chamado «4º poder» significou que a imprensa tinha independência em relação aos outros três poderes do Estado (poder legislativo ou parlamento, o executivo ou governo e  o judicial ou os tribunais). Agora, «o 4º poder» significa que a imprensa e media em geral são os porta-vozes do poder do dinheiro, o qual tem os políticos na mão.  
Se os donos dum grupo de media acharem que isso coincide com seus interesses,  deitam abaixo um governo; se acham que um governo impopular deve ficar, custe o que custar, vão promover campanhas a favor do governo e de difamação da oposição.
Quem não reconhece a situação, ou faz parte do dispositivo governamental/ mediático, ou é mantido na ignorância sobre os mecanismos do poder e  a manipulação das consciências.   
O que acontece com este processo, é que (citando Hannah Arendt): «Se todos te mentem constantemente, o que vai acontecer, não é que passas a acreditar nas mentiras; é que deixarás de acreditar seja no que for». 
Já há cada vez mais pessoas que rejeitam as narrativas do poder e que são céticas radicais. Esperemos que elas consigam contrariar a deriva totalitária a que assistimos no Ocidente.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

A ÁFRICA ESTÁ A EMANCIPAR-SE DO JUGO NEOCOLONIAL

 A África é um continente jovem, com o número de jovens, em relação à população total, mais elevado. 

É, também, o continente mais antigo no sentido de, em África, a espécie humana ter tido o seu berço.

 Infelizmente, este continente foi dilacerado e dominado pelas potências coloniais (entre as quais Portugal, além de muitos outros países da Europa). 

O neocolonialismo foi a «esperteza» dos americanos; eles fizeram-se passar por auxiliadores das lutas anticoloniais.

 Por exemplo, em Angola, foram os EUA suportes ativos de Holden Roberto, o fundador e dirigente da FNLA. 

Esta política americana foi desenvolvida em vários países africanos para neutralizar a influência soviética. 

Mais recentemente, o poder imperial deixou cair a máscara, quando - com Obama, o primeiro presidente negro - arrasou a Líbia, transformando-a num «não-Estado», sob pretextos falsos, que Obama e Hillary bem sabiam sê-lo. 

Mas a sabedoria milenar dos povos africanos encontra agora, com a ajuda da China, uma saída para o ciclo de dominação neocolonial. 

O que se joga no continente africano é fundamental, não apenas para os africanos, como para o mundo.

Veja e oiça o vídeo seguinte:






quarta-feira, 26 de outubro de 2022

RULES BASED ORDER; O QUE É, AFINAL?


Imagine alguém que tivesse estado em hibernação durante - pelo menos - uma década, que acordasse e ouvisse a expressão que enche a boca e os altifalantes dos políticos atlantistas e globalistas de «uma ordem baseada em regras» (ou «rules based order»). Essa pessoa poderia, ingenuamente, pensar que estão a referir-se ao respeito pela lei internacional, cumprir-se acordos, tratados, ou decisões de instâncias internacionais. Nada mais longe da verdade, porém. Se o nosso personagem imaginário prestasse mais atenção, repararia que os que usam esta expressão, não a definem nunca. Nunca dizem explicitamente o que são estas regras. Nunca dão sequer um exemplo concreto do que é respeitar ou desrespeitar esta ordem. Ou dizem que a Rússia é culpada disso, mas sem explicitar porquê ela realmente a violou, e sobretudo, no concreto, o quê... Não é por acaso que isto acontece. Uns, meros papagaios, repetem o que seus donos lhes mandam dizer. Mas outros, ardilosamente, nunca irão fornecer detalhes sobre essa tal ordem e essas tais regras, pois sabem muito bem que o dono dessa tal ordem mundial (ou que pretende sê-lo) tem infringido os acordos, tratados, convenções, regras, que tem assinado com outras potências, grandes ou pequenas, aliadas ou adversárias. Os EUA e os seus vassalos da OTAN têm infringido a lei internacional, os princípios da Carta da ONU, princípios esses que são bem claros, além de terem ignorado ou cancelado acordos importantes com repercussões na paz mundial, como sejam os de controlo e redução de armamento nuclear, entre outros.
É mentira que a Rússia tenha infringido as regras da ONU, quando foi em socorro das duas repúblicas separatistas do Don, que estavam a ser submetidas pelas tropas de Kiev, a bombardeamentos em áreas civis, o que - em si mesmo - configura um crime de guerra. Ir em socorro de populações civis sujeitas a bombardeamento é lícito e defensável. Os Ocidentais, tão picuinhas em relação aos direitos humanos, quando lhes convém, para denegrir um regime de que não gostam, mostraram-se, nos oito anos que medeiam entre 2014 e 2022, totalmente indiferentes à sorte das populações do Don, maioritariamente russófonas. Os batalhões «especiais» ucranianos (Regimento Azov) e as forças armadas ucranianas, enquadradas por pessoal militar da OTAN podiam atacar, dizimar, fazer incursões nesses dois territórios, causando para cima de 15 mil mortes civis, muita destruição e em total violação dos acordos de Minsk. Estes acordos foram endossados pela Alemanha, França e Rússia, como potências externas que se encarregavam de vigiar o seu cumprimento pelas partes. O governo de Kiev mostrou logo que não tinha qualquer intenção de os cumprir, sendo este comportamento tolerado e mesmo encorajado pelos governos ocidentais (França e Alemanha e os restantes países da OTAN, implicitamente ).

Vejamos então alguns exemplos da tal "Rules Based Order":

Os EUA lançaram uma guerra contra o Afeganistão, essa sim não provocada, visto ser mentira que os ataques do 11 de Setembro tivessem sido planeados e executados a partir do Afeganistão, ou mesmo que os possíveis culpados desses ataques estivessem em solo afegão. Usaram a tática de arrasar com «carpet bombing» zonas extensas desse país, além de terem dado rédea solta às milícias dos senhores da guerra e traficantes de ópio, que cometeram atrocidades sem nome. Torturaram, os soldados e agentes americanos com a conivência de seus aliados, milhares de «suspeitos». Os esbirros da CIA e do Pentágono mataram pessoas, muitas delas completamente inocentes, em todo o mundo.

Fizeram uma guerra de extermínio com a invasão do Iraque, que causou vários milhões de mortes civis, entre elas, muitas crianças. Sua justificação foi baseada em informação falsa fornecida ao Conselho de Segurança da ONU.

Com a Líbia, foi igualmente a partir de mentiras que desencadearam uma campanha aérea bárbara, seguida de total destruição do país, entregue às diversas milícias rivais. As forças Jihadistas beneficiaram do armamento americano, por ordem de Hillary Clinton e Barack Obama, com o qual iriam depois combater na Síria, contra um governo não islâmico...


Todos estes e outros «feitos» internacionais das administrações sucessivas dos EUA, Bush, Obama, Trump e agora Biden, se fizeram à margem da legalidade internacional, sem qualquer respeito pelos civis e pelos direitos humanos, etc.
Os dirigentes dos EUA sabem que estão ao abrigo de serem acusados e julgados no Tribunal Penal Internacional de Haia: Este é uma farsa, na sua essência, visto que são julgados políticos e governantes de países fracos, como o Ruanda ou a Sérvia. Porém, está garantida «imunidade» aos militares e políticos dos EUA e, por extensão, aos seus aliados da OTAN.

Quando alguém vos falar de «rules based order», pergunte se está a referir-se a crimes de guerra, genocídios, crueldades (documentadas) dos americanos, tanto de agências civis, como de militares.
A realidade já só pode ser ocultada com artimanhas verbais. Quando isso não basta, usam a coação. As vozes que dizem a verdade são «canceladas», as pessoas dissidentes dos poderes arriscam sua segurança e integridade física. A «rules based order» dos americanos é a pirueta verbal para dizerem que «quem manda somos nós, americanos, e ai daquele que não se submeter»!

quinta-feira, 24 de março de 2022

CRÓNICA (nº4) DA TERCEIRA GUERRA MUNDIAL - ECONOMIA, O NERVO DA GUERRA






 É atribuída a Napoleão a expressão de que «o dinheiro é o nervo da guerra». Ou, por outras palavras, é o fator que mais importa, numa guerra. O facto continua a ser verdadeiro, hoje. Embora as guerras do século XIX sejam tão diferentes, em muitos outros aspetos, das guerras atuais. Para não irmos demasiado longe, as guerras levadas a cabo pelo império Yankee, apenas no século XXI, tiveram todas elas uma forte componente económica por detrás:

- Antes de mais, a necessidade de vender equipamento militar, incluindo novos armamentos, que a indústria de guerra americana constantemente produz. O lobby da indústria dos armamentos é um dos mais poderosos com influência muito vasta em Washington; 

- O acesso às matérias-primas e fontes de energia: O Afeganistão possui recursos minerais cobiçados por multinacionais, o Iraque, a Líbia, a Síria e o Iémen têm petróleo. O controlo das matérias-primas estratégicas, assim como dos combustíveis fósseis, é considerado um argumento válido para se fazer a guerra, para os falcões que enxameiam os estados -maiores e «think-tanks» da NATO. Lembro-me que, do lado americano, por alturas da invasão do Iraque, argumentavam que a  «guerra se pagaria a si própria» com as «royalties» do petróleo. Estas, seriam vertidas nas contas dos EUA, como «indemnizações de guerra». 

Note-se que os americanos não tardam em tomar de assalto o banco central nos países invadidos e a roubarem o ouro. Na sequência do golpe da Maidan, ficaram com as toneladas de ouro do banco central da Ucrânia, à sua «guarda» e não o devolveram, nem nunca o farão. O mesmo com o Iraque, a Líbia e o Afeganistão

As motivações, na presente guerra Russo/Ucraniana, são mais complexas. Penso que o aspeto estratégico, na perspetiva russa, ultrapassa o aspeto económico, apesar deste estar presente, ao nível das sanções e contrassanções. Parece-me que estará fora das intenções dos russos anexarem a Ucrânia. Porque haveria, em tal hipótese, somente custos, sem quaisquer benefícios: Se ocupassem permanentemente a Ucrânia, teriam de reconstruir a sua economia, teriam de a sanear, visto ela ter sido profundamente depauperada em todos estes anos de corrupção. Eles querem apenas que a Ucrânia seja um Estado neutro, com um relacionamento normal e não hostil, com a vizinha Rússia. 

Aqui, jogam considerações geoestratégicas, joga também uma visão integrada do que se passa na esfera económica. Em vez de uma guerra para tomada de matérias-primas, ou outros recursos*, trata-se de uma guerra imposta pela pressão constante dos EUA/NATO, sobre as fronteiras da Rússia. Esta, não podia continuar a fazer de conta que não era grave para a sua existência, enquanto nação independente. A história da guerra atual deverá recuar, pelo menos, a 1991. Deverá registar e analisar as muitas peripécias dramáticas e trágicas, incluindo o golpe de Maidan.  Além disso, em todos os anos do Século XXI, os EUA e seus aliados estiveram envolvidos diretamente, ou através de forças por eles apoiadas, em guerras regionais. 

Na perspetiva russa, a possibilidade da NATO incluir oficialmente a Ucrânia - já com extensa colaboração com a NATO - implicava o risco de que os russófobos mais extremos tivessem acesso a sofisticados mísseis e armamento nuclear. Com efeito, Zelensky na Conferência de Segurança de Munique de 2022, sugeriu que a Ucrânia deixaria de subscrever o acordo de Budapeste, segundo o qual a Ucrânia renunciava a possuir ou estacionar armamento nuclear. Por outro lado, a tresloucada declaração de Stoltenberg da NATO, com certeza incitada pelos americanos, de que a cada queixa russa, iram redobrar as forças e dispositivos da NATO, às fronteiras da Rússia, soou-me como uma declaração de guerra da NATO, como um momento funesto de húbris, de rejeição de qualquer abertura negocial e de provocação para o desencadear a guerra.  

A invasão da Ucrânia, pode-se pensar que foi uma má jogada de Putin. Porém, ela foi explicada ao povo russo e este - na sua imensa maioria - aceitou a explicação. Segundo Putin, não podia ser de outro modo, pois os americanos e a NATO estavam a tentar realmente «apontar uma arma à cabeça da Rússia». 

A guerra que se está a desenvolver tem muitos aspetos militares complexos. Um dos mais notórios, é as forças russas terem começado por neutralizar toda a força aérea, todas as defesas antiaéreas e toda a frota dos ucranianos. Depois, graças a uma penetração muito rápida no Leste, para bloquear qualquer tentativa de invasão dos territórios separatistas do Don, o exército russo cercou, em grandes áreas, o que eles chamam «caldeirões», as forças ucranianas. Estas, estavam concentradas no Leste (cerca de 75 a 60 mil homens), prontas a atacar as repúblicas autónomas de Donetsk e de Lugansk. Progressivamente, as forças russas fecharam o cerco e agora estão a encerrar o remanescente das brigadas ucranianas em «caldeirões» mais pequenos. Esta é a ação militar mais relevante, no terreno, pois estas forças ucranianas são a melhor parte do seu exército. 

A cidade de Mariupol, na costa do Mar de Azov, foi  cercada e, perante a resistência das tropas sitiadas, tem vindo a ser conquistada em lutas urbanas. Não há utilização maciça da força aérea, pois os russos não pretendem arrasar a infraestrutura. É isso que leva alguns agitados ocidentais a gritar que as forças russas estão a encontrar dificuldades. Querem alimentar a falsa esperança, de que as forças ucranianas conseguem contra-atacar. Mas, isto é completamente ilusório.

No caso de Kiev, é particularmente notório que a estratégia russa tem sido de poupar a capital, de poupar o próprio governo, pois precisam de ter interlocutores com quem negociar um cessar-fogo e uma paz. Se eles quisessem arrasar as urbes, não teriam qualquer dificuldade em fazê-lo. Como prova disso, basta notar como os mísseis certeiros, disparados de enormes distâncias, liquidaram centenas de mercenários em dois acampamentos, que se situavam perto da fonteira com a Polónia. 

O chinfrim sobre a «zona de exclusão aérea», era apenas propaganda dos mais extremistas da NATO, ou pró-NATO, sem substância alguma. Aliás, a impossibilidade de tal coisa, foi reconhecida pelo presidente Joe Biden. Se existe uma exclusão aérea, é aquela que os russos impuseram. Não há aeronave que possa cruzar o espaço aéreo ucraniano, sem ter autorização deles. 

O número de falsidades propaladas pela media ocidental sobre o desenrolar da guerra, é também aumentado pelas mais incríveis histórias que são reproduzidas, sem «fact-checking»: São meras peças de ficção, oriundas do governo ucraniano, ou dos seus partidários. Acossado em Kiev, o governo Zelensky não é autorizado, pelos americanosa negociar um cessar-fogo, só a arrastar as negociações. Os partidários do governo de Kiev fazem a «guerra informativa», já que perderam a guerra no terreno. É por demais evidente que os EUA e a NATO estão a assoprar os ventos da guerra, incitando à formação de legiões de mercenários e despejando armas de todo o tipo**. A esperança (vã) dos dirigentes dos EUA/NATO,  é que a guerra se prolongue, o mais tempo possível. Isto implicaria mais mortes (inúteis) e destruições avultadas. Eles esperam que haja uma espécie de guerrilha mas, de facto, estão completamente enganados. 

Não se trata do Afeganistão. Os russos conhecem muito bem o território e as gentes. Além disso, devem ter planeado a invasão com muita antecedência. Têm mostrado grande precisão no que toca à «inteligência militar»: Inúmeros depósitos de combustível, de munições, de partes suplentes para veículos do exército ucraniano, foram destruídos. O modo como as forças russas têm atuado, indica que querem sobretudo quebrar a resistência do exército. Para tal, manobram para cercar as forças militares ucranianas e depois bombardeiam até estas se renderem, ou ficarem fora de combate. Eles estão a evitar a tomada de cidades, com exceção de Mariupol e de mais duas ou três, de pequeno tamanho. Os russos querem evitar muitas baixas civis e grandes destruições. Tanto Kiev, como Kharkov, estão isoladas. Mas, não é um cerco total, há saídas possíveis, porque querem que o máximo de gente fuja destas cidades.  

Do ponto de vista técnico-militar, vários especialistas militares americanos têm dito que a guerra - para as forças ucranianas - está perdida. Isto, porque não existe a possibilidade duma unidade (uma divisão, ou brigada) se coordenar com outra. Só assim poderiam travar a ofensiva russa e desencadear uma contraofensiva. Os que agitam histórias fantasiosas «a favor» da Ucrânia, não estão a fazer favor nenhum à Ucrânia e às suas forças armadas. Quanto pior for o estado das forças armadas sobreviventes, no fim da guerra e quanto mais durar a sua resistência, sem benefício tático nenhum, pior serão as situações, militar e política,  futuras. Uma Ucrânia, como Estado independente, precisa de um cessar-fogo, de negociações e duma situação de paz. É isso que os imperialistas americanos mais temem: a paz. Pois, eles têm realmente uma visão imperial dos povos. O povo ucraniano só lhes serviu para desestabilizar a Rússia, esta é a sua obsessão. 

Creio que a Rússia está muito bem preparada para enfrentar o boicote, o embargo total pela Europa e pelos EUA; muito melhor do que estes jamais pensaram. A arrogância dos que se julgam (ainda!) donos do mundo, está levá-los a descolar completamente da realidade. As sanções contra a Rússia só têm fortalecido a aliança Sino-Russa. Contrariamente à mentira propalada no Ocidente, muitos países continuam a ter relações diplomáticas, comerciais e outras, com a Rússia. Pelo contrário, devido à vaga de sanções anti Rússia, o Ocidente já «garantiu» para si próprio, uma recessão severa que se irá abater, sobretudo, na Europa ocidental. 

Do ponto de vista global, tanto no plano económico, como das alianças políticas e militares, o bloco ocidental fica cortado de toda a espécie de trocas com mais de metade da população mundial e de boa parte das matérias-primas estratégicas. Perde também mercados importantes para seus produtos. Mas, o pior seria o seguinte: Se houver uma escalada de sanções contra a China e, em retaliação (muito provável),  cessarem as exportações chinesas para os EUA e Ocidente, será o golpe mais devastador para as nossas economias. 

A loucura dos dirigentes ocidentais deve-se ao seu sentimento de superioridade, a um racismo muito profundamente entrincheirado no seu subconsciente, que transmitem aos seus povos respetivos. Daí, a onda de histeria, que se observa agora nas populações ocidentais. Os que glorificam os dirigentes imperialistas ocidentais e demonizam Putin e o povo russo, os que mentem, não somente impedem que o público tenha uma imagem objetiva do que se está a passar; estão a ser coniventes de crimes. 

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(*)Embora, caso os russos capitulassem, os imperialistas iriam explorar os recursos riquíssimos da Rússia, tal como fizeram na era de Yeltsin e como têm feito no Terceiro Mundo.

(**) o perigo destas operações é que as armas vão parar ao mercado negro, as que não são destruídas pelos russos, assim que passam a fronteira. 

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PS1: Faço notar que o Mundo já estava a braços com uma crise profunda, a qual não foi causada pela guerra na Ucrânia, nem pela pandemia covidiana. Os media irão martelar que as subidas de preços, a escassez de bens essenciais, o desemprego e todo os males do mundo se devem exclusivamente à situação de guerra. Porém, a realidade dos mercados mundiais mostra-nos que o mesmo se passaria, quer houvesse, ou não, crise ucraniana, pois as raízes do mal são profundas e têm a ver com o sistema financeiro mundial. Leia o esclarecedor artigo de Egon von Greyerz sobre esta questão: 

https://goldswitzerland.com/all-hell-will-break-loose/

PS2: Publiquei sob o mesmo título genérico, «CRÓNICA DA TERCEIRA GUERRA MUNDIAL», os seguintes artigos neste blog: 

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_0396436697.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_13.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial.html 

PS3: Em resposta à exigência russa de pagamento em rublos para as suas exportações de combustíveis, sobretudo gás, a UE estabeleceu contrato com os EUA para entrega de gás liquefeito LNG, em navios-cisternas. 

PS4: O vídeo AQUI coloca a questão da divisa de reserva (o dólar, até agora) e a sua relação com os sistemas de pagamento SWFT, o sistema CIPS, chinês e o significado das mudanças em curso.

PS5: Fala-se de «nova Guerra Fria» e do consequente aumento das despesas militares. Porém, nos piores momentos da Guerra Fria Nº1 (guerras da Coreia e Vietname), a despesa militar dos EUA foi menor do que AGORA !

https://consortiumnews.com/2022/03/25/warnings-for-washington-about-cold-war-2-0/

PS6:  Ontem o jornal britânico de grande tiragem Daily Mail confirmou a informação oficial russa, de que encontraram provas de que Hunter Biden estava envolvido no financiamento dos laboratórios secretos na Ucrânia, que efetuavam pesquisa aplicada de bio armas por conta dos EUA 

PS7: Falham-me as palavras, tal é o meu espanto! E o espanto é que a verdade vem pela boca de um tonto. Veja:

PS8: Uma exposição clara, em artigo de Joe Lauria, de Consortium news sobre os esforços de vários presidentes americanos para desestabilizarem a Rússia. As afirmações recentes de Biden, na Polónia e Bruxelas, são suficientemente transparentes. Se postas em contexto, não deixam dúvidas sobre qual a estratégia dos imperialistas de USA/NATO, para chegarem aos seus fins: Sanções, prolongamento da guerra na Ucrânia, desestabilização do regime russo, derrube de Putin, colocação de governo dócil e subjugação completa da Rússia, incluindo seu desmembramento. 

sexta-feira, 11 de março de 2022

CRÓNICA (nº1) DA TERCEIRA GUERRA MUNDIAL - MÚLTIPLOS TIROS NO PÉ




Vivemos em tempos interessantes; interessantes, no sentido de algo inédito. Não é todos os dias que se observa um Império a desmoronar-se. Pois creio, sinceramente, que é este espectáculo que temos diante dos nossos olhos.

O gigante americano ficou ébrio da vitória sobre seu arqui-inimigo, a URSS. Desde então (1991), tem multiplicado as agressões. Começou depressa e em solo europeu. Lembremos que foi por sua iniciativa e com ajuda do governo vassalo da República Federal da Alemanha, que  começou o desmembramento da República Federativa da Jugoslávia. O Ocidente mostrou particular raiva contra os sérvios, que sempre foram russófilos. Toda a história da horrível guerra civil jugoslava está manchada pela ingerência «humanitária» (criminosa, na verdade) dos ocidentais, com ou sem a capa da ONU, até ao ponto máximo da guerra dita do Kosovo (1999), em que foi bombardeado pela NATO um país europeu, a Sérvia, que não estava a ameaçar nenhum membro daquela Aliança. Foi um crime de guerra, agravado pelo facto de terem efetuado bombardeamentos aéreos indiscriminados, matando e ferindo inúmeros civis, nomeadamente, em hospitais e noutros locais sem função militar, assim como na embaixada da China, um muito sério incidente diplomático. 

Mas, eles não se ficaram por aqui. Como vingança contra os Talibans, que afinal de contas, tinham dito apenas que queriam ver provas de que Osama Bin Laden estava implicado nos ataques do 11/9, para o entregar às autoridades americanas, decidiram fazer um ataque-relâmpago ao Afeganistão, com «carpet bombing», ou seja, um attaque aéreo com uma densidade de bombardeamento que não deixava pedra sobre pedra, nem qualquer sobrevivente. Foi assim que iniciaram a campanha. Depois, puseram no governo de Kabul,  fantoches por eles escolhidos:  Senhores da guerra, subsidiados pela CIA, que se dedicavam a proteger o cultivo do ópio e a traficá-lo na Ásia Central. Também tinham interesse num projetado gasoduto, que conduziria o gás natural da Ásia Central, para portos nas costas da Ásia do Sul e daí, para o resto do mundo (projeto da UNOCAL). 

Digo isto, porque as pessoas são bombardeadas pela falsa narrativa (fake news) de que «nunca tinha havido uma guerra no solo europeu desde 1945»! Com esta falsa narrativa, tipicamente orwelliana, a media mainstream está a tentar erradicar a memória do crime da chamada guerra do Kosovo. Continuam a fazer o jogo da superpotência americana e dos seus «gnomos» europeus. Quando referem a invasão e ocupação do Iraque, mostram-se falsamente objetivos, pois escondem que as causas desta invasão foram completamente diferentes. A superpotência americana não tolerava que Saddam Hussein (o ex-vassalo, que fez guerra por procuração contra o Irão Xiita, lembrem-se) se tivesse rebelado e iniciado a venda do petróleo noutras divisas (nomeadamente, o euro), que não o dólar. Isso custou-lhe a vida e de um milhão de civis iraquianos, que - supostamente - os americanos e seus aliados tinham vindo «libertar» ! 

Mas o monstro globalista entendeu que não era ainda chegado o momento de partilhar o poder, fosse com quem fosse. Obama e Hillary e os neocons que os apoiavam, fizeram a guerra da Líbia, outro Estado próspero. Era o Estado com mais elevado nível de vida, em toda a África. E tudo isto, porquê? Porque Kaddafi tinha tido a ousadia de propor, numa cimeira africana, uma moeda única africana (à semelhança do euro) para os africanos deixarem de entregar suas riquezas, a troco duma moeda sobre a qual não tinham qualquer controlo (em dólares e/ou euros). Para cúmulo, tinha proposto que o «novo dinar» fosse garantido pelas reservas de petróleo dos participantes e em ouro. Duram até hoje os efeitos da destruição da Líbia e sua transformação em campo de treino e ação para diversas fações da Jihad. Fizeram reverter à miséria total um país que foi rico. Foi transformado num Estado falido onde, nas praças centrais, se podem observar mercados de escravos (em pleno século XXI). Só quem está fanatizado, é que não vê os intuitos civilizacionais e democráticos do «Ocidente»!

A densidade e velocidade dos acontecimentos faz com seja difícil manter atualizada uma cronologia. Para mim, é ponto assente, que os que em 2013-14 incitaram e promoveram o golpe Neo-Nazi de «Euromaidan» (Victoria Nulan, o embaixador dos EUA na Ucrânia e o Presidente Barack Obama), deveriam sentar-se na bancada dos réus, dum tribunal penal internacional. Mas, tal tribunal teria de se guiar pelas regras do Direito Internacional para fazer justiça. Embora eu não acredite que tal aconteça, estou convicto que, para estes criminosos não haverá nunca perdão. São criminosos contra a humanidade. As pessoas que reviram os olhos e pensam que estou a exagerar, infelizmente, só "sabem" o preconceito, não sabem Direito Internacional, nem as Convenções de Genebra, nem a Jurisdição resultante dos Julgamentos de Nuremberga, nem os princípios e declarações vinculativas da ONU, etc.

Claro que nenhum dos povos-mártires vai esquecer. Só para falar dos últimos 25 anos: ex-Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iémen. E, agora é a vez da Ucrânia, incitada pelos americanos a fazer a guerra nos territórios do Donbass, causa imediata da intervenção russa. Também não esquecerão, que têm sido objeto de bárbaras e ilegais sanções económicas, definidas (pela ONU) como actos de guerra. Têm sofrido sanções ilegais os seguintes países: Rússia, China, Irão, Venezuela, Coreia do Norte, Cuba, etc., países não alinhados com Washington. Lembro que as convenções internacionais consideram crime, o que os ocidentais fazem constantemente: Impor sanções unilaterais (ou seja, sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU), sabendo muito bem que, quem sofre é a população inocente dos crimes, supostos ou reais, cometidos pelos governos respetivos. 

A loucura dos chamados «líderes» do Ocidente, chegou ao ponto de diabolizarem e encorajar atitudes raivosas e histéricas de discriminação, quando não de agressão, contra cidadãos russos. Estes, para manterem seu posto de trabalho, teriam de vir a público e por escrito declarar que estão contra Putin e contra a invasão. Estes, que não se ajoelham, mesmo que estejam de acordo com ambas as afirmações, podem recear ser destituídos da nacionalidade russa, em consequência de declaração pública, assimilável a traição. Seja qual for o motivo da recusa, os recalcitrantes são corridos, enxotados, demitidos, expulsos dos empregos. Ah! Esta União Europeia, paladina dos Direitos Humanos, estamos realmente edificados pelo seu sentido de justiça, de equidade! Que belo exemplo estão dando ao Mundo!

Agora, com as loucas sanções, o senil Joe Biden e sua coorte de neoconservadores (disfarçados, ou não) pensa estar a dar o golpe mortal à economia russa, proíbindo a importação de petróleo russo. Este constituía cerca de 7% do petróleo total importado pelos EUA, muito pouco, mas o suficiente para impedir a operação de muitas refinarias que, durante décadas, estiveram adaptadas a processar petróleo «pesado» venezuelano e, depois das sanções impostas à Venezuela (e do roubo das suas contas e de seu ouro!), recorriam ao petróleo do Yukon (Rússia) com uma composição compatível com as ditas cujas refinarias. Seria surpreendente que Biden conseguisse a reviravolta do Congresso, para anular as sanções impostas. Mas, mesmo nesta eventualidade, para a Venezuela  iria demorar dois anos, responder à procura acrescida de «crude», porque teria de repor em funcionamento poços e meios para transportar o petróleo. O preço do crude e da gasolina refinada, aumentaram exponencialmente, nos EUA. Coisa que determina - em qualquer país - uma recessão económica, visto que com o preço da gasolina, sobem os preços de todas as mercadorias, dos alimentos aos produtos das indústrias que ainda lá restam. A medida recebeu um «não» da UE e dos países tradicionalmente aliados de Washington, pois atualmente dependem em 40% (petróleo e gás) em média, das importações vindas da Rússia.

 É notável que a Rússia, no meio de tantos atos hostis, de sanções contra o seu banco central (ação inédita, o congelar dos ativos do mesmo), da expulsão do sistema SWIFT de muitos bancos russos etc., não tenha decidido fechar a torneira do gás e não receber novas encomendas de crude, dos países que adoptaram tais sanções. 

Esta guerra é híbrida. No teatro da Ucrânia, há operações militares, com mortos e feridos,  deslocados, destruição de infraestruturas. Noutro plano, o da economia e finanças, há a outra guerra, de sanções e contra-sanções. A consequência é o que estamos a presenciar em todo o mundo (inclusive, em países neutrais): os preços dos combustíveis fósseis sobem em flecha; há escassez de matérias-primas, por não-produção, ou por falta de abastecimento, ou estrangulamentos nos transportes; há receio fundado de uma crise alimentar mundial, visto que os adubos precisam de componentes do petróleo. Além disso, a Rússia e a Ucrânia, juntas, asseguravam uma percentagem muito elevada das exportações de trigo (da ordem de 30% do total mundial, salvo erro). A Rússia não usou (até agora) a arma alimentar; caso o fizesse, as nações mais atingidas seriam as do Terceiro Mundo. Vão, os «mentirosos» dos governos e da média dizer que isto tudo «é culpa do Putin», etc., mas quem se deixa convencer por tais «argumentos», é a faixa da população mais desinformada e acrítica. 

A guerra contemporânea joga-se em múltiplos planos. Não falei aqui dos ciber-ataques, prefiro deixar o tópico para outra ocasião. Resumindo, a guerra contemporânea reveste-se, simultaneamente: 

- Da forma clássica, com tropas, armamento, etc. 

-De guerra diplomática, com nações não envolvidas, a serem capturadas e arrastadas para tomar posição. 

- Da guerra económica, que no presente atinge o auge, com sanções e contra-sanções, bloqueios e mudanças rápidas de parcerias comerciais.

- De guerra cibernética, com ações de «hackers», ao serviço das agências de espionagem, quer para obter informação do inimigo, quer para danificar seus ficheiros e dispositivos.

- Finalmente, a guerra «cognitiva» (ou guerra de propaganda), está dirigida tanto às populações inimigas, como amigas

Todos nós - queiramos ou não - estamos envolvidos; quer estejamos a milhares de quilómetros das operações militares ou muito próximos, vamos ter dificuldades económicas, devido à hiperinflação, a escassez de bens (quer por falta de produção ou de transporte, ou devido ao regime de sanções); seremos bombardeados por notícias ( tal como na pandemia do COVID), muitas falsas, distorcidas, fora do contexto, impondo uma «ortodoxia» sobre todos os assuntos relativos à guerra e a posição que seria «correto», «moral», «patriótico», tomar. 

Receio que a minha posição de condenar toda e qualquer guerra e de levantar a voz por conversações de cessar-fogo, seguidas de conversações de paz, não se faça muito ouvir, nestes tempos. A «bandeira» da liberdade de expressão, sem a qual não existe democracia liberal, já caíu das mãos dos que, ontém, se diziam seus defensores. Eles são, agora, defensores duma censura férrea!

A ruína do sistema mundial capitalista está em curso. A globalização está completamente posta em causa. O dólar está em apuros e não acredito que possa continuar durante muito tempo a ser a principal moeda de reserva do sistema bancário, ou até, em termos comerciais. 

As criptomoedas mostram a sua instabilidade inerente: Não terão, no futuro, capacidade para substituir o sistema monetário, dito de Bretton Woods, já muito abalado. Mas, a única forma dum mundo caótico funcionar, quando a paz voltar, quando for necessário estabelecer um novo sistema monetário, é a seguinte: 

- Haverá várias divisas, assim como ouro e petróleo (e, talvez, outras matérias-primas), formando um cabaz, parecido com o atual «SDR» (Special Drawing Rights) do FMI, mas com estatuto muito mais amplo. Com efeito, os SDR funcionam sobretudo como moeda contabilística interna do FMI, embora seja possível os governos fazerem empréstimos em SDR e podem também ter fundos em SDR. Mas, o dólar americano continua a ser a moeda de reserva mais usada, pelos bancos centrais do mundo inteiro. Ora, isto inclui a China, a qual possui perto de um trilião em bonds do tesouro dos EUA . Ela vai tirar as suas conclusões do comportamento do Ocidente, que rouba o ouro e as reservas dos bancos centrais. Foram os casos recentes, com a Venezuela e Afeganistão. Agora, também, com o roubo das reservas do Banco Central da Rússia. A ligação estratégica entre a Rússia e China vai-se reforçar e aprofundar. Um maior fluxo comercial existirá entre eles, os dois gigantes do Continente Euro-asiático. Uma fatia substancial do comércio, abrangendo também outras nações, vai fazer-se em rublos ou em yuan, ou até com troca de mercadorias por ouro (ou certificados-ouro). O ouro vai de novo, tal como fez durante milhares de anos, entrar por via das trocas comerciais, no sistema financeiro mundial. Isto equivale à morte do dólar, enquanto moeda de reserva. Pois, será claro para muitos países que, em vez de reservas em dólares, que podem ser congeladas, ou mesmo expropriadas por decisão de Washington, mais vale terem ouro em reserva, podendo facilmente transacionar bens de importação ou exportação, por ouro (os bonds em Yuan convertíveis em ouro, no mercado de Xangai, são para isso).

Os EUA e aliados da NATO e UE, têm estado a dar tiros no pé; as medidas que tomam contra a Rússia estão a «fazer boomerang». Estranhamente, eles próprios estão a precipitar a queda do Império do dólar, a perda de sua hegemonia mundial. Não perfilho os sistemas políticos e ideológicos vigentes na Rússia ou na China; porém, reconheço que seus governos estão a usar, com inteligência e astúcia, os instrumentos ao seu dispor, nesta guerra total e híbrida, característica da  IIIª Guerra Mundial.


PS1: Omiti a guerra biológica na panóplia da guerra híbrida: Talvez seja tão ou mais horrível que a guerra atómica. Os russos encontraram na Ucrânia laboratórios, financiados pelos EUA e cumprindo encomendas dos mesmos, dedicados ao fabrico e testagem de armas biológicas, perto da fronteira com a Rússia.  

PS2 : O «think tank» Rand Corporation é extremamente poderoso e influente na determinação da política externa e na geo-estratégia do governo dos EUA. Aqui, Manlio Dinucci dá-nos a análise impressionante dos seus planos em relação à Rússia, com particular destaque para o papel da Ucrânia.  

Overextending and Unbalancing Russia.

https://www.globalresearch.ca/rand-corp-how-destroy-russia/5678456

PS3: O fim do reino do dólar está próximo. Prova disso, é a proclamada vontade da Arábia Saudita em vender petróleo, recebendo yuans. Embora continue a vender uma maioria do petróleo em dólares, a outros clientes , o «tabu» está quebrado. O Emirato de Abu Dhabi já está a alinhar-se pela mesma posição. Se os produtores de petróleo começarem a aceitar outras divisas, que não o dólar, a base financeira do império americano fica ferida de morte. Saiba porquê no artigo seguinte: 

https://www.zerohedge.com/markets/petrodollar-cracks-saudi-arabia-considers-accepting-yuan-chinese-oil-sales


domingo, 23 de fevereiro de 2020

[Thierry Meyssan] «NATO Go Home!»

[REDE VOLTAIRE | DAMASCO (SÍRIA) | 19 DE FEVEREIRO DE 2020


Desde há duas décadas, as tropas norte-americanas impõem a sua lei no Médio-Oriente Alargado. Agora, países inteiros estão privados de Estado que os defenda. Populações inteiras foram vítimas da ditadura dos islamistas. Assassínios em massa foram cometidos. Também imperaram fomes. O Presidente Donald Trump impôs aos seus generais o repatriamento dos soldados, mas o Pentágono entende prosseguir a sua campanha com os soldados da OTAN.

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Chegada ao Conselho Atlântico do Comandante Supremo das Forças norte-americanas para a Europa, e Comandante Supremo da Aliança do Atlântico Norte, o General Tod D. Wolters (Bruxelas, 12 de Fevereiro de 2020).

O Presidente Trump consagrará o último ano do seu primeiro mandato a trazer os Boys (“Rapazes”- ndT) para casa. Todas as tropas norte-americanas estacionadas no Próximo-Oriente Alargado e em África deverão ser retiradas. No entanto esta retirada dos soldados não significará, de forma alguma, o fim da governança dos EUA nestas regiões do mundo. Muito pelo contrário.
A estratégia do Pentágono
Desde 2001 —e é uma das principais razões dos atentados do 11-de-Setembro—, os Estados Unidos adoptaram, em segredo, a estratégia enunciada por Donald Rumsfeld e pelo Almirante Arthur Cebrowski. Esta foi evocada na revista da Infantaria do Exército, pelo Coronel Ralf Peters, dois dias após os atentados [1] e confirmada, cinco anos mais tarde, pela publicação do mapa do Estado-Maior do novo Médio-Oriente [2]. Ela tinha sido mostrada em detalhe pelo assistente do Almirante Cebrowski, Thomas Barnett (Capitão-ndT), num livro para o grande público The Pentagon’s New Map (O novo mapa do Pentágono) [3] [4].

Tratava-se de adaptar as missões dos exércitos dos EUA a uma nova forma de capitalismo, dando o primado à Finança sobre a Economia. O mundo deve ser dividido em dois. De um lado, os Estados estáveis integrados na globalização (o que inclui a Rússia e a China); do outro, uma vasta zona de exploração de matérias-primas. Por isso é que convêm enfraquecer consideravelmente, idealmente arrasar, as estruturas estatais dos países dessa zona e impedir o seu ressurgimento por todos os meios. Este «caos construtor», segundo a expressão de Condoleeza Rice, não deve ser confundido com o conceito rabínico homónimo, mesmo que os partidários da teopolítica tudo tenham feito para isso. Não se trata de destruir uma ordem má para refazer uma ordem melhor, mas, sim de destruir todas as formas de organização humana para impedir qualquer forma de resistência e permitir às transnacionais explorar esta zona sem restrições políticas. Trata-se, portanto, de um projecto colonial no sentido anglo-saxónico do termo (não confundir com a colonização de povoamento).

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Segundo este mapa, extraído de um Powerpoint de Thomas P. M. Barnett, aquando de uma conferência no Pentágono em 2003, todas as estruturas estatais da zona rosada deviam ser destruídas.

Ao iniciar o lançamento desta estratégia, o Presidente George Bush Jr falou de «guerra sem fim». Com efeito, já não se tratava mais de ganhar guerras, e de vencer adversários, mas de as fazer durar o maior tempo possível, «um século» dissera ele. De facto, esta estratégia foi aplicada no «Médio-Oriente Alargado», quer dizer, numa zona indo do Paquistão até Marrocos e cobrindo todo o teatro de operações do CentCom e a parte Norte da do AfriCom. No passado, os GIs garantiam o acesso dos Estados Unidos ao petróleo do Golfo Pérsico (doutrina Carter). Hoje em dia, eles estão presentes numa zona quatro vezes mais vasta e ambicionam derrubar qualquer tipo de ordem, seja ela qual for. As estruturas estatais do Afeganistão desde 2001, do Iraque desde 2003, da Líbia desde 2011, da Síria desde 2012 e do Iémene desde 2015, já não são capazes de defender os seus cidadãos. Contrariamente ao discurso oficial, jamais se tratou de derrubar governos, mas muito mais de destruir Estados e de impedir a sua recuperação. A título de exemplo, a situação das populações no Afeganistão não melhorou com a queda dos Talibã, há 19 anos, antes piora inexoravelmente de dia para dia. O único exemplo contra poderia ser o da Síria que, de acordo com a sua tradição histórica, conservou o seu Estado apesar da guerra, absorveu os golpes e, muito embora arruinada hoje em dia, atravessou a tormenta.

Note-se de passagem que o Pentágono sempre considerou Israel como um Estado europeu e não como sendo médio-oriental. Portanto, ele não é envolvido neste vasto sobressalto.
Em 2001, o Coronel Ralf Peters entusiasmado assegurava que a limpeza étnica «funcionava!» (Sic), mas que as leis da guerra proibiam os EUA de a aplicar eles próprios. Daí a transformação da Alcaida e a criação do Daesh (E.I.) que fizeram por conta do Pentágono, o que ele desejava, mas não podia abertamente empreender.
Para bem captar a estratégia Rumsfeld/Cebrowski, convêm distingui-la da operação das «Primaveras Árabes», imaginada pelos Britânicos seguindo o modelo da «Grande Revolta Árabe». Nessa, tratava-se, então, de colocar a Confraria dos Irmãos Muçulmanos no Poder, tal como Lawrence da Arábia tinha colocado no Poder a dos Waabitas em 1915. 

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Objectivo oficial, mesmo que não assumido publicamente, do Estado-Maior dos EUA: fazer rebentar as fronteiras do Médio-Oriente, destruir os Estados, tanto inimigos como amigos, aplicar a limpeza étnica.

Os Ocidentais, em geral, não têm qualquer visão do Médio-Oriente Alargado como uma região geográfica em si. Só conhecem alguns países e imaginam cada um deles isoladamente dos outros. Deste modo, convencem-se a si mesmos que os trágicos acontecimentos experimentados por esses povos têm todos razões específicas, aqui uma guerra civil, acolá o derrube de um sanguinário ditador. Para cada país, dispõem de uma história bem escrita quanto à razão do drama, mas nunca têm nenhuma para explicar por que é que a guerra dura para além disso e, sobretudo, não querem que alguém os questione quanto a tal assunto. Em cada oportunidade, denunciam «a incúria dos Americanos» que não conseguiriam terminar a guerra, esquecendo que eles reconstruiram a Alemanha e o Japão após a Segunda Guerra Mundial. Recusam constatar que, desde há duas décadas, os Estados Unidos aplicam um plano, enunciado com antecedência, ao preço de milhões de mortos. Jamais se sentem, portanto, como responsáveis por estes massacres.
Os Estados Unidos, esses, face aos seus cidadãos negam aplicar esta estratégia. Assim, o Inspector-Geral encarregado de investigar a situação no Afeganistão redigiu um relatório lamentando-se sobre as muitas ocasiões falhadas pelo Pentágono em conseguir a paz, quando, exactamente, este nunca a desejava.


A intervenção russa
De forma a pulverizar todos os Estados do Médio-Oriente Alargado o Pentágono montou uma absurda guerra civil regional, da mesma maneira como havia inventado a guerra entre o Iraque e o Irão (1980-88). Por fim, o Presidente Saddam Hussein e o Aiatola Khomeini perceberam que se matavam por nada e fizeram a paz contrariando os Ocidentais.
Desta vez, é a oposição entre sunitas e xiitas. De um lado, a Arábia Saudita e os seus aliados, do outro o Irão e os seus. Pouco importa que a Arábia Saudita wahhabita e o Irão khomeinista tenham combatido juntos, sob o comando da OTAN, durante a guerra na Bósnia-Herzegovina (1992-95), ou que inúmeras tropas do «Eixo da Resistência» não sejam xiitas (100% dos Palestinianos da Jiade Islâmica, 70% dos Libaneses, 90% dos Sírios, 35% dos Iraquianos e 5% dos Iranianos).
Ninguém sabe por que é que estes dois campos se confrontam, mas acabam levados a sangrarem-se mutuamente.

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                  Um terço das populações do Eixo xiita da Resistência não é xiita.

Seja como for, em 2014, o Pentágono aprestava-se a fazer reconhecer dois novos Estados de acordo com o seu mapa de objectivos: o «Curdistão livre» (fusão do Rojava Sírio e da província curda do Iraque, ao qual uma parte do Irão e todo o Leste da Turquia deveriam ser posteriormente adicionados) e o «Sunnistão» (composto da parte sunita do Iraque e do Leste da Síria). Ao destruir quatro Estados, o Pentágono pensava abrir a via a uma reacção em cadeia que devia, por ricochete, destruir toda a região.

A Rússia interveio então militarmente e fez respeitar as fronteiras da Segunda Guerra Mundial. Escusado será dizer que estas são arbitrárias, decorrentes dos acordos Sykes-Picot-Sazonov de 1915, e por vezes difíceis de aceitar, mas sendo ainda menos aceitável modificá-las pelo sangue.
A propaganda do Pentágono sempre fingiu ignorar aquilo que estava em jogo. Ao mesmo tempo, porque não assume publicamente a estratégia Rumsfeld/Cebrowski como porque iguala a adesão da Crimeia à Federação da Rússia a um golpe de força.
A “troca de pele” dos partidários da estratégia Rumsfeld/Cebrowski
Após dois anos de luta encarniçada contra o Presidente Trump, os oficiais generais do Pentágono, dos quais quase todos foram pessoalmente formados pelo Almirante Cebrowski, submeteram-se a ele mas sob certas condições.
Assim, eles aceitaram não
criar qualquer Estado terrorista (o Sunnistão ou Califado) ;
modificar as fronteiras pela força ;
manter tropas dos EUA nos campos de batalha do Médio-Oriente Alargado e de África.
Em troca, ordenaram ao seu fiel Procurador Robert Mueller —que já tinham utilizado contra o Panamá (1987-89), a Líbia (1988-92) e durante os atentados do 11-de-Setembro (2001)— para enterrar o seu inquérito sobre o “Russiagate”.
Tudo se desenrolou então como uma pauta musical.
A 27 de Outubro de 2019, o Presidente Trump ordenou a execução do califa Abu Bakr al-Baghdadi, principal figura militar do campo sunita. Dois meses mais tarde, a 3 de Janeiro de 2020, ordenou a do General iraniano Qassem Soleimani, principal figura militar do Eixo da Resistência.
Tendo desta maneira demonstrado que os EUA continuava a ser o mestre do jogo ao eliminar as personalidades mais simbólicas dos dois campos, reivindicando-o e sem incorrer em resposta significativa, o Secretário de Estado, Mike Pompeo, revelou o dispositivo final, a 19 de Janeiro, no Cairo. Este prevê prosseguir a estratégia de Rumsfeld/Cebrowski já não mais com os exércitos dos EUA, mas com os da OTAN, incluindo Israel e os países árabes.
A 1 de Fevereiro, a Turquia oficializava a sua ruptura com a Rússia ao assassinar quatro oficiais do FSB em Idleb. Depois, o Presidente Erdogan dirigiu-se à Ucrânia para gritar em coro a divisa dos Banderistas (os legionários ucranianos do IIIº Reich contra os Soviéticos) junto com a Guarda Nacional Ucraniana e para receber o Chefe da Brigada Islamista Internacional (os Tártaros anti-russos), Mustafa Djemilev (dito «Mustafa Kırımoğlu»).

                       
O Conselho do Atlântico Norte aprova a ida de formadores da OTAN para o Médio-Oriente Alargado (Bruxelas, 13 de Fevereiro de 2020).


A 12 e 13 de Fevereiro, os Ministros da Defesa da Aliança Atlântica tomaram nota da retirada inevitável das forças dos EUA e da próxima dissolução da Coligação Internacional contra o Daesh (EI). Muito embora sublinhando que não destacariam tropas de combate, eles aceitaram enviar os seus soldados para treinar os dos exércitos árabes, quer dizer, supervisionar os combates no terreno.
Os formadores da OTAN serão prioritariamente colocados na Tunísia, no Egipto, na Jordânia e no Iraque. Assim: - A Líbia será cercada a partir do Oeste e do Leste. Os dois governos rivais, de Fayez al-Sarraj —apoiado pela Turquia, pelo Catar e com já 5. 000 jiadistas vindos da Síria, via Tunísia— e o do Marechal Khalifa —apoiado pelo Egipto e pelos Emirados— poderão ir-se matando entre si eternamente. A Alemanha, muito feliz por retomar o papel internacional, do qual estava privada desde a Segunda Guerra Mundial, fará de pregador agitado dissertando sobre a paz para abafar os gemidos dos agonizantes. - A Síria será cercada por todos os lados. Israel é já de facto um membro da Aliança Atlântica e bombardeia o que quer e quando quer. A Jordânia é já o «melhor parceiro mundial» da OTAN.
O rei Abdalla II veio a Bruxelas para conversações muito demoradas com o Secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, em 14 de Janeiro, e para participar numa reunião do Conselho Atlântico. Israel e a Jordânia dispõem já de um gabinete permanente na sede da Aliança. O Iraque receberá também instrutores da OTAN, muito embora o seu Parlamento tenha acabado de votar pela retirada das tropas estrangeiras. A Turquia é já membro da Aliança e controla o Norte do Líbano graças à Jamaa Islamiya. Juntos, eles poderão fazer aplicar a lei «César» dos EUA que interdita qualquer empresa, seja de onde for, de ajudar na reconstrução deste país.
Assim, a pilhagem do Médio-Oriente Alargado, iniciada em 2001, prosseguirá. As populações mártires desta região, cuja única falha é a de estarem divididas, continuarão a sofrer e a morrer em massa. Os Estados Unidos conservarão os seus soldados em casa, no quentinho, como anjinhos de coro, enquanto os Europeus irão carregar com os crimes dos Generais dos EUA.
Segundo o Presidente Trump, a Aliança poderia mudar de nome e tornar-se talvez a OTAN-MédiOriente (OTAN-MO/NATO-ME). A sua função Anti-Russa passaria para segundo plano em favor da sua estratégia de destruição da zona não-globalizada.
Coloca-se a questão de saber como a Rússia e a China reagirão a esta redistribuição de cartas. A China precisa, para se desenvolver, de ter acesso às matérias-primas do Médio-Oriente. Portanto, ela deverá opor-se a este controle ocidental muito embora a sua preparação militar seja ainda insuficiente. Pelo contrário, a Rússia e o seu imenso território são auto-suficientes. Moscovo (Moscou-br) não tem nenhuma razão prática para se bater. Os Russos podem até ficar aliviados com a nova orientação da OTAN. No entanto, é provável que, por motivos espirituais, eles não deixem cair a Síria e talvez apoiem mesmo outros povos do Médio-Oriente Alargado.
Tradução


[1] “Stability, America’s Ennemy”, Ralph Peters, Parameters, Winter 2001-02, pp. 5-20. Reproduit in Beyond Terror : Strategy in a Changing World, Stackpole Books.
[2] “Blood borders - How a better Middle East would look”, Colonel Ralph Peters, Armed Forces Journal, June 2006.
[3] The Pentagon’s New Map, Thomas P.M. Barnett, Putnam Publishing Group, 2004.
[4] The Pentagon’s New Map, Thomas P.M. Barnett, Putnam Publishing Group,