domingo, 5 de janeiro de 2020

No imediato, SAÍDA DO IRAQUE. Depois, DERROTA TOTAL

A «hubris» é o termo grego que designa a embriaguez do poder absoluto, a sua arrogância e incapacidade para se dar conta da realidade. Tudo isso, e a ausência total de moral, desencadeiam a fúria dos deuses, que lançam decretos fatais para castigar a personagem e todos aqueles que a seguem.

                              General Qassem Soleimani 440f3

É portanto o momento da viragem, este 2 de Janeiro, em que Trump decide assassinar o general Qasem Soleimani, o militar de mais alta patente do Irão, em visita ao Iraque. Este ataque brutal, que matou outros destacados membros da comitiva assim como das milícias xiitas iraquianas, tem o cunho de uma hubris, de uma loucura sem qualquer justificação ética, ou até, meramente de oportunidade. 
Agora, o destino dos EUA na região está traçado. As condições de sua permanência vão ser tão gravosas em termos militares e diplomáticos, que terá de «aviar as malas» e abandonar esses países, que tem ocupado e martirizado ao longo das duas primeiras décadas do século XXI.
O papel de criador, fornecedor secreto e protector do ISIS por parte dos EUA e de seus serviços secretos, está agora mais patente do que nunca, sabendo-se que Soleimani foi o mais destacado inimigo dessa organização terrorista, tendo as forças iranianas por ele comandadas desempenhado um papel fundamental na derrota do «Estado Islâmico» no Iraque e depois na Síria. 
Fica também tristemente patente a relação de Trump à expressão mais brutal e descarada de «nazi-sionismo», do primeiro-ministro Natanyahu: «o que o primeiro-ministro de Israel deseja, o presidente dos EUA faz».
A guerra de genocídio no Iémene pelos Sauditas e Emiratos, apoiada pelos EUA e pelos seus lacaios, França e Reino Unido, vai tomar uma viragem muito significativa.
O Médio Oriente todo vai entrar numa fase de intensificação dos conflitos, aos quais os regimes clientes dos imperialistas não poderão responder, pois serão os próprios povos a entrar em guerra insurreccional contra os seus governos. 
Muito deste fervor é causado por sentimentos religiosos ou nacionalistas. Mas, na base  estão sentimentos de injustiça, de indignação, perfeitamente compreensíveis por quaisquer humanos. 
Embora o sofrimento de povos inteiros, sujeitos a odiosas campanhas de supressão e mesmo de genocídio, tenha até agora deixado indiferentes as massas ocidentais (Europa e América do Norte), perfeitamente anestesiadas no seu conforto egoísta, este sofrimento não pode deixar de se repercutir na perda total de imagem do Império, visto como aquilo que é, uma besta sanguinária, que nem sequer sabe cuidar dos seus próprios interesses. 
Com efeito, os EUA são a nação excepcional, no sentido de que não têm a mínima preocupação com leis, tratados, acordos internacionais, dos quais são - eles próprios - signatários. 
Julgam-se invencíveis, usando a ameaça da força e a força bruta militar, sempre que acham conveniente e sem dar conta das consequências dos seus actos. 
Destaca-se também como país excepcional, pela indiferença em relação aos seus pobres, aos fracos, até mesmo, no modo como trata os veteranos das suas guerras. 
São um país sem uma diplomacia digna desse nome, por isso mesmo, tido como não credível pelos outros. 
Conforma-se em tudo com a definição de «Estado pária» (rogue State), termo que seus dirigentes inventaram para descrever regimes (como o Iraque de Saddam Husein, a Coreia do Norte,  o Irão, ou outros), que eles derrubaram, ou tentaram derrubar. 
O facto mais importante nesta situação é que o Estado-pária EUA não pode apontar uma arma à cabeça dos regimes Iraniano, Sírio, ou Iraquiano ... Porque agora estes têm meios para resistir e têm o apoio, na retaguarda, da Rússia e da China. 
Estas duas grandes potências vão ganhando terreno em todos os planos: 
- financeiro: o dólar como moeda de reserva está sendo destronado, como se pode ver pela generalizada corrida ao ouro
- diplomático: China e Rússia estão  de boas relações com muitos países, incluindo os da órbita dos EUA e ganham maior simpatia internacional e firmam acordos importantes económica e estrategicamente , cada dia que passa, pela sua política de não ingerência nos assuntos internos dos outros países;
-militar: têm desenvolvido armas com um enorme alcance e não detectáveis pelos dispositivos dos EUA, o que torna os sistemas de armamento dos EUA obsoletos;
- económico: têm crescido em termos de PIB, de exportações e de auto-suficiência e isto tudo, apesar das sanções ilegais e unilaterais a que os EUA os têm sujeitado;
- geo-político: os EUA estão numa postura defensiva (especialmente, depois do assassínio do General Soleimani) enquanto o eixo Russo-Chinês, tem vindo a agregar potências da Ásia Central, na Organização de Cooperação de Xangai.

Como tenho dito noutros artigos neste blog, a besta ferida pode ainda causar muitas mortes, muita devastação, mas já não pode vencer. 
Quando uma grande potência chega ao ponto de cometer actos completamente estúpidos, com efeitos inteiramente negativos para o seu jogo, é sinal de que o fim está próximo.
  

5 comentários:

Manuel Baptista disse...

Tal como escrevi, sai esta notícia, umas horas depois:
https://www.zerohedge.com/geopolitical/iranian-mps-chant-death-america-iraq-votes-have-us-troops-removed-country

Manuel Baptista disse...

Uma fuga para a frente de Trump desesperado em distrair o público americano? https://www.youtube.com/watch?v=fNP2L0JrSv8

Manuel Baptista disse...

asiatimes.com/2020/01/article/financial-n-option-will-settle-trumps-oil-war/
Um artigo memorável de Pepe Escobar.

Manuel Baptista disse...

«A vingança serve-se fria», realismo e contenção... um excelente artigo de Scott Ritter: https://www.theamericanconservative.com/articles/iranian-revenge-will-be-a-dish-best-served-cold/

Manuel Baptista disse...

Segundo a descrição de Robert Fisk a decadência do império USA pode ter durado anos (décadas, mesmo) mas a sua queda dura poucos meses...
https://www.independent.co.uk/voices/coronavirus-trump-iran-iraq-troop-withdrawal-afghanistan-a9412216.html