POESIAS 2016-2021 [OBRAS DE MANUEL BANET] (*)
Desde que comecei a escrever poesia (há quase 50 anos), desejei falar verdade, com simplicidade e beleza.
Nem sempre escrevo algo publicável, tem então de ficar no caderno de rascunhos, ou no caixote do lixo. Só dou a público o que plenamente me satisfaz!
As palavras, para mim, são esculturas, as frases são paisagens que pinto ao longo das linhas. Desenrolam-se, às vezes, como melodia: Só esperando o talento dum compositor para serem postas em música.
Não imponho a mim próprio uma forma, um estilo único: Mas colho, ao acaso das minhas leituras, impressões que ficam e me ajudam a distinguir o que é poesia verdadeira, do resto.
Muitas vezes, chamam «poesia» a coisas escritas em verso. Falta-lhes, no entanto, arte poética. Outros textos não são, nem pretendem ser poemas; porém, são poesia pura.
Não consigo definir poesia, portanto. Para mim, é música. Qualquer que seja o estilo da composição, tem de ter melodia, vibração, emoção. Mas, sobretudo, autenticidade, pois tem de reverberar no auditor.
Talvez a poesia verdadeira esteja para lá da literatura, como voz da natureza, os sons da maré, da chuva caindo, o cântico das aves, o céu trovejando. Não que ela deva imitar a natureza; apenas estaria condenada ao ridículo. Mas, que nos faça estremecer e nos evoque - tal como cordas vibrando por simpatia - fortes impressões das nossas memórias, de episódios reais ou sonhados.
Manuel Banet
(Murtal - Parede, 23 de Julho de 2020)
*NOTA: Os poemas aqui recolhidos são produção poética já publicada no blog «MANUEL BANET, ELE PRÓPRIO» entre 2016 e 2021. São diferentes, no estilo e no propósito, de outros textos de poesia, que acoplei a vídeos com peças musicais e que pertencem a uma recolha separada.
Na sua primeira versão, os textos da presente recolha vinham acompanhados de fotos ou de pequenos vídeos: o facto de não publicar quaisquer imagens, foi minha escolha deliberada. Com efeito, se um texto tem qualidade, vale por si próprio. A ilustração de um texto apenas vai restringir o «campo de imaginação» do leitor.
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1- Canção: UM AMOR VERDADEIRO
Olhei para o mar, Amor
e vi teus olhos
Olhei para a areia, Amor
e vi tua pele
Senti o vento fresco, Amor
e soube que eras tu
Comigo passeias na praia
comigo cantas baixinho
Contigo estou na onda, no vento
na areia, no sol, nas aves, nas montanhas
nos rios, nas fontes, na terra, nas árvores
no sorriso e nas canções das crianças
3 - Desejo de azul
(Murtal, Parede, Jan. 2017)
4- CAMBRIDGE, MON AMOUR
Vejo e beijo estas pedras vetustas,
Talhadas, de fino grão, âmbar sombreado,
Como as areias da minha distante costa
Este fino grão ecoa do murmúrio de um salmo
O também fino raio de luz, equação
Newtoniana cintilação plácida do rio
Gentilmente patrulhado pelos gansos
Monásticos guardas deste lugar
Olho o crepúsculo, por cima dos torreões
Sobrevoando colégios e capelas
Farrapos improváveis de fantasmas
em tons púrpura, bailando e fundindo-se...
Sinto que estás aqui, que me acompanhas...
«Aquele quadro, aquela fonte, aquela esquina, lembras-te?»
Evocarás os breves instantes de Cambridge
Um piscar de olho, uma cotovelada, um puxão de orelha
Abrirão meu rosto, nos meus velhos dias, e sorrirei.
(06-07-2017)
5- O CUIDAR DAS COISAS EFÉMERAS
O cuidar das coisas efémeras...
As essências que de nós emanam, são acaso mais que os dias?
A nossa procura é sempre brincadeira de criança solitária
Colhemos rosas em Setembro, sem qualquer malícia
Visitámos recônditos antros e neles buscámos o sonho
Porém, da ausência se fez presença e do silêncio, brado
Soubemos -por fim- a sabedoria: nossas naus,
ardidas em praia calcinada, olhando para elas
nos acordámos.
I.
Alvejavam já os cortinados, soprados pela brisa; as aves não buliam
Pelas pálpebras dormentes, um frémito perpassou
Depois, voltou a mergulhar em sono profundo
Por dentro do secreto casulo de seda
O sonho desenrolava-se, denso, incompreensível
II.
Estava deitado, olhando a abóbada celeste
Perto de mastros destroçados e velas rasgadas
Mas, seu olhar não podia ver as estrelas
Nem, tão pouco, seu ouvido podia ouvir
Estas vagas suaves que se enrolam na areia
III.
Caminheiros das estrelas
Fomos enganados por fogos fátuos
as centelhas do nosso ego
que nos desviavam da rota de vida
Nós estávamos no seio do Universo
A vida veio e abriu-nos os corações
simples momento de iluminação
despidos de morte
só luz e entendimento
da palavra «amor»
6- FRAGMENTOS
SOBRE ARTE TRANSCENDENTE
Há algo de transcendente na arte, por mais humana que seja sua expressão e por mais humanos que sejam os seus temas. Na verdade, ninguém saberá explicar exactamente a transcendência da arte. Não se estará nunca em condições de o fazer, porque esta qualidade é do foro emocional, não do racional.
Algumas pessoas poderão dizer que todos os juízos sobre arte e, mesmo, todos os objectos de arte, se valem. Mas igualizar assim, de modo brutal, tudo o que seja produção artística, soa antes a um sofisma: Com efeito, a comunicação em arte ocorre, se e somente se houver transmissão da emoção, do sentimento, do objecto ou do ser representado, para o observador.
A emoção em bruto, ressentida pelo artista, é filtrada, é trabalhada interiormente e transmite-se ao espectador/receptor... Será isto a essência do que se considera arte?
Na verdade, a arte estará sempre presente. Pelo olhar, estou sempre a ver arte: A natureza que contemplo, o mar, o céu, o jardim e os animais que se abrigam nele, tudo isto faz parte do meu mundo emocional. A arte, o encontrar beleza nas coisas, nos objectos, ou nas pessoas, está no olhar...
Com os anos, aprendi a apreciar as coisas ótimas ao meu alcance, já não me preocupando que os outros tivessem ou não os mesmos gostos.
Sempre soube, ou intui antes de o teorizar, que o passado é que é real, mesmo que já não se possa experimentar directamente a emoção dum instante passado.
Confesso ser influenciado pela música, pela pintura, etc. de eras passadas. Recebo a reverberação do passado sobre o presente. O passado, reactualizado na vivência do presente, está presente ...
SOBRE SABEDORIA
Estar em modo de abertura e - ao mesmo tempo - centrado em si próprio, seria a base da sabedoria e da paz de espírito. Sabemos que o mundo sempre se agitou com paixões, com ambições, com desejos, com violência de vária ordem e com imenso amor, também. Compreendemos que não é coisa fácil, aceitar o mundo tal como ele é; será indispensável, porém, para uma tranquilidade de espírito. Os grandes sábios, os mestres iniciadores de religiões e correntes filosóficas, ao longo das eras, souberam dominar o medo e olhar sem vendas para o mundo tal como ele é. O princípio da sabedoria, poderia enunciar-se deste modo: manter a abertura para o mundo tal como ele é, sem descurar as tarefas necessárias para preservar o nosso ser.
SOBRE OS INSTINTOS
Seria inútil ou mesmo impossível, toda e qualquer acumulação do saber e de arte se, a cada geração, fosse necessário tudo refazer.
Tal equivaleria ao ciclo de vida típico dos insectos, em que a geração filial está separada temporalmente da geração parental: os novos seres nascem de ovos, na estação favorável, quando seus progenitores já estão todos mortos.
Em consequência disto, o comportamento destas espécies tem de ser quase todo determinado pelo instinto, pois não têm oportunidade de realizar aprendizagens, durante sua curta existência, que lhes ensinem como sobreviver e prosperar.
À medida que se passa às formas mais complexas, mais elaboradas de seres vivos, a parte de instinto no comportamento vai diminuindo, a parte de cultura vai aumentando.
O humano, será, afinal, um ser animal cujos instintos, não foram suprimidos, mas apenas dominados: no interior, pela mais recente aquisição evolutiva do cérebro (o neocórtex) e, no exterior, pela organização social e pela cultura, no sentido lato.
SOBRE A EDUCAÇÃO
Atribui-se uma importância primordial à educação. Esta não deveria estar centrada nos aspectos cognitivos, nas aprendizagens dos saberes teóricos, somente, mas deveria desenvolver-se enquanto prática social integradora, não amestradora, não castradora, dos jovens. A observação por dentro do sistema de «educação» permitiu-me constatar que, apesar de todos os discursos, a prática integradora exercida pela instituição escolar é ainda sobretudo «amestradora e castradora», ou seja, limitadora da liberdade dos indivíduos. Pelo contrário, a componente de aprendizagem potencialmente emancipadora, o adquirir de competências socialmente úteis e capazes de gerar rendimento e, portanto que auxiliasse à autonomia real do indivíduo, tem estado atrofiada, marginalizada nos programas escolares e académicos. Tive ocasião de constatar que é algo que tem vindo a acentuar-se, cada vez mais, da escola básica até à universidade, inclusive.
SOBRE A MEMÓRIA
A possibilidade de reescrever o passado existe, por mais estranho que pareça, à primeira vista: ela resulta da propriedade chamada resiliência. Sem ela, a existência dos humanos seria impossível, ou seria apenas mera sobrevivência. Seria útil reequacionar o conceito de memória humana como emanação dum órgão, como tendo uma essência orgânica. Não é ela de essência maquinal, como a memória de um computador. A analogia cérebro-computador está errada, ao nível profundo. Os mecanismos e modos de funcionamento inseridos nos planos de construção respectivos são completamente distintos:
- A memória humana é plástica, selectiva, altamente subjectiva, umas vezes precisa, outras vezes vaga. Ela também se pode auto-estimular, auto-construir e reconstruir-se; não tem nada que ver com máquinas fabricadas pelos homens. Estas podem simular, apenas e de modo muito imperfeito, o raciocínio lógico cerebral. Quanto ao domínio emocional, permanece exclusivo do cérebro humano (e animal).O funcionamento da memória permite que sejamos quem somos, que tenhamos consciência de nós próprios. Não existe qualquer máquina com verdadeira consciência de si própria, por mais que os romances de ficção científica tentem tornar isso verosímil, os mundos dominados por robots.
SOBRE O NARCISISMO
As pessoas confundem, muitas vezes, o conhecimento de si próprio com narcisismo. Enquanto o mito de Narciso tem profundo significado psicológico, o termo «narcisismo» é usado - de forma redutora - para designar uma patologia, uma forma extremada do amor de si. Mas o facto de estarmos atentos e olharmos nossa imagem ao espelho da alma, não somente será saudável, consiste mesmo na base do comportamento reflectido, da consciência, da ética. Só um certo grau de auto-conhecimento pode proporcionar ao individuo que este veja o mundo (e se veja no mundo) de forma equilibrada. A visão do real está implicitamente centrada no ser que observa. Só podemos observar literalmente com os próprios olhos, com o nosso ponto de vista. Porém, o fio que separa a auto-consciência, da auto-indulgência (do narcisismo patológico), pode ser bastante ténue. Será necessária uma certa dose de amor de si, de auto-estima. Como traço estruturante da psique e do relacionamento na sociedade, será bem diferente do «narcisismo patológico».
Algumas pessoas poderão dizer que todos os juízos sobre arte e, mesmo, todos os objectos de arte, se valem. Mas igualizar assim, de modo brutal, tudo o que seja produção artística, soa antes a um sofisma: Com efeito, a comunicação em arte ocorre, se e somente se houver transmissão da emoção, do sentimento, do objecto ou do ser representado, para o observador.
A emoção em bruto, ressentida pelo artista, é filtrada, é trabalhada interiormente e transmite-se ao espectador/receptor... Será isto a essência do que se considera arte?
Sempre soube, ou intui antes de o teorizar, que o passado é que é real, mesmo que já não se possa experimentar directamente a emoção dum instante passado.
Confesso ser influenciado pela música, pela pintura, etc. de eras passadas. Recebo a reverberação do passado sobre o presente. O passado, reactualizado na vivência do presente, está presente ...
SOBRE SABEDORIA
Tal equivaleria ao ciclo de vida típico dos insectos, em que a geração filial está separada temporalmente da geração parental: os novos seres nascem de ovos, na estação favorável, quando seus progenitores já estão todos mortos.
Em consequência disto, o comportamento destas espécies tem de ser quase todo determinado pelo instinto, pois não têm oportunidade de realizar aprendizagens, durante sua curta existência, que lhes ensinem como sobreviver e prosperar.
À medida que se passa às formas mais complexas, mais elaboradas de seres vivos, a parte de instinto no comportamento vai diminuindo, a parte de cultura vai aumentando.
O humano, será, afinal, um ser animal cujos instintos, não foram suprimidos, mas apenas dominados: no interior, pela mais recente aquisição evolutiva do cérebro (o neocórtex) e, no exterior, pela organização social e pela cultura, no sentido lato.
SOBRE A EDUCAÇÃO
- A memória humana é plástica, selectiva, altamente subjectiva, umas vezes precisa, outras vezes vaga. Ela também se pode auto-estimular, auto-construir e reconstruir-se; não tem nada que ver com máquinas fabricadas pelos homens. Estas podem simular, apenas e de modo muito imperfeito, o raciocínio lógico cerebral. Quanto ao domínio emocional, permanece exclusivo do cérebro humano (e animal).
As pessoas confundem, muitas vezes, o conhecimento de si próprio com narcisismo. Enquanto o mito de Narciso tem profundo significado psicológico, o termo «narcisismo» é usado - de forma redutora - para designar uma patologia, uma forma extremada do amor de si.
7- ESTÂNCIAS
Hoje, como outro dia qualquer
Podia ser Primavera
Marulhar de seixos rolados
N' areia firme da baixa-mar
Na espuma de dias
Coleantes sem fim...
Assumo como passos na areia
Este destino
Imanente ilusão e
Real se misturam
Aqui estou;
Posso descrever, pintar,
Ou fotografar a paisagem
Mas, como fazê-lo
Com a paisagem interior?
Esta beleza que me mata
E me embala
Tenho fome de azul
O dentro está fora e fora o dentro
Sábio? Louco? - Eu sei lá
Gosto de pedras castanhas
Com laivos de roxo
Erodidas conchas encastoadas
Junto ao cristal
Podia ser noutro tempo
Podia, eterno instante
Ave cruzando o horizonte
A espuma e a rocha
A falésia intemporal
Naquele dia vi
Vi sempre com devoção
Recordarei
Sempre e sempre voltarei
Ao recôndito lugar
Do teu templo
Aqui neste preciso lugar
Da minha escrita
Um dia sonhei a minha morte
E fiquei tranquilo
Guardo imagens dela
sem igual no coração
e nos olhos quando se fecham
Meu pobre intelecto!
Sempre descrente
Sempre a duvidar
Da natural divindade
Da Natureza
Até sempre, doutor!
Apenas lhe desejo coisas boas,
Bom caminho, boa viagem!
Gosto de estar aqui
Não lamento aqui ficar
Aqui, além, noutro lugar,
Em ti mesmo estou
Estarei em ti somente
Tu... que sabes
Um simples calhau
Mais que todas as palavras
Deu eco à rocha
No calor do raio solar
Que me afaga o rosto
Neste instante preciso
Tudo é eterno
O tempo não existe
O mundo é vibração-onda
Eleva-se esvai-se
A onda sempre
Não se cansa e segue sempre
O sopro da respiração
Mar primordial
Te adoro e venero
Te dou e me dou
Mudo de encanto
S. Pedro do Estoril, 28-01-2018
8- SE, ALGUM DIA, LHE ESCREVESSE UM POEMA DE AMOR
Se, algum dia, lhe escrevesse um poema de amor
Ah, ela nunca saberia, nunca por nunca lho diria
Dentro de mim o guardaria, sem jamais lho mostrar!
Bem melhor que ela nem suspeite estes devaneios
De palavras. São falsos brilhantes. Não merece seu peito
Tal dúbio enfeite; ou, por vezes, num punhal embainhado
Seu resplandecente olhar jamais cairá sobre versos
De Romeu de opereta, falsos como todos os
Que dizem o que não se diz, o que não se pode...
Morram as palavras nas masmorras cranianas!
Sem qualquer piedade eu as imolo todas
As queimo diante do severo ou divertido juízo
Este sem-sentido da vontade inebriada
Estonteada que me compele a escrever
Em segredo a dor antiga no peito calada
Nunca deixarei que sonoros bramidos fendam
O ar em seu redor, violentando a natural harmonia
- No silêncio vivem seus nobres pensamentos
Com sinceridade e por querer jamais darei
Nome ou sinal: ela corre invisível pelas ruas;
Em meus braços carinhosos se vem acolher
Não, este tosco escrevinhar apenas confessa
A impossibilidade de dizê-lo, o amor
A futilidade das palavras e a nossa vaidade
9- VERSOS LUNÁTICOS
Atiro invectivas à Lua, escravo da minha loucura
Seria mais fácil tornar-me Chopin, do que reviver
Os momentos felizes da ilusão passada.
Gostaria de sonhar para fora com palavras a borbotar
Nos lábios tremendo salmo sussurrado
Antes que a Morte diga: Vem a meus braços e fica tranquilo
«Fiz o que pude e não me arrependo; não quero pena ou compaixão.
Apenas vivi e sofri como os demais.
Uma mudança de estado, só isso. Sim, estou tranquilo perante ti.»
Assim lhe responderei
Só a Lua reflectirá no silêncio do lago o que agora estou murmurando.
Sem ela, não haveria música nas águas nem cantos nocturnos nos bosques.
Como, como saberia todas as coisas que me ensinou, o caminho dos sonhos?
Vieste, mais uma vez na límpida noite, gentil fantasma, melodia sem descanso.
Repousa no velho e cansado peito na lembrança das coisas terrestres.
Saberei guardar silêncio, fantasma também o sou, contigo me casei...
Agora que decidi tudo falar, que verdade tenho para dizer?
Como estátua pousada num ermo ou estrela distante...que importa?!
O som que escorre dos meus versos só ele conta; só o som, a música!
Perdi alegre o sentido do verso, que naquela melodia encontro
Mais verdade e puros sentidos. Mais real que o sonho não há;
E da realidade, apenas desejo a brisa acariciando os cabelos
Na Lua há sempre alguém ouvindo os loucos e eles nem precisam falar
- Basta-lhes mentalmente dedicar um verso.
Da Lua, alguém responde: Nem deusa, nem astronauta, mas a própria alma
Ondas sonoras concêntricas sobre o lago onde me afundo
A canção serena e silenciosa. Lua, secreta amante, responde
Assim poderei nascer de novo à tempestuosa paixão...
(Murtal, 12 de Agosto, 2018)
10- CANÇÃO DO VENTO E DAS PEDRAS
Não esqueças a voz do vento
aquela voz que te embalou
aquele olhar que te ensinou
a simples dádiva d’amor
Não creio que te vás esquecer
em imaginário país d’oriente
das humildes pedras batidas
por ventos e sóis poentes
Um dia mais tarde, depois
a teu porto retornarás
tranquilo e sem medo, dirás:
o vento é sol que trazes na mão
Murtal, Parede (23 Novembro 2018)
11 - COMPOSIÇÃO
Fazer poesia com as mãos
Moldar estátuas de fumo branco
Entoar as horas pelos valados
De noite escalar as dunas
De dia ouvir zumbidos no lugar
Assim irei rente ao rio
Canoa sem mastro e sem remos
Serei aquela ave de falcoaria
Ou aquela raposa assustada
Clandestina senha do juncal
Mais não saberei que meus dias
Minhas errantes caminhadas
Aquelas visões de poente
E me extinguirei sem dor
Sem assumir dívida ou herança
Apenas assoprado como vento
Da alma entregue ao universo
(Murtal, Parede, 23 de Janeiro, 2019)
12 - PRECES AO VENTO
Antes que o vento na colina me leve
quero ficar um pouco, sozinho, olhando o mar
quero beber o cristal das ondas, em silêncio
afagando a areia, ao de leve, como pele
Seria muito pedir, antes que o vento norte
entre por essa porta e me envolva de gelo,
que eu possa a terra molhada respirar
inebriado pelos aromas d' ervas humildes?
Serei surdo a todas as canções
que ao meu ouvido sussurram,
menos à sábia melodia em surdina
que se escapa dos lábios do vento
Mas, que quer isto tudo dizer, afinal ?
Nada, absolutamente. Somente
peço-te, coração, não te amargures
eleva-te como a brisa no Verão
[Murtal, 4 de Abril 2019]
13 - O DIA EM QUE MORREU A CIVILIZAÇÃO DO DINHEIRO
[Por ocasião do Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2020]
Esta esgotada civilização já só se arrasta pelo mundo das aparências
Abandonámos o encanto da Natureza, o encanto do mistério cósmico, a troco de quê?
Duma arrogante e vazia pretensão de saber? Mas de que saber?
Um saber apostado em destruir, em desfazer o que é produto da Natureza.
O próprio saber ancestral dos homens - tudo!- foi espezinhado
Em proveito do deus dinheiro, o deus impiedoso,
Que sacrifica os humanos, os submete aos piores sofrimentos:
Estes ainda suspiram por suas cadeias, por seus alçapões fedorentos...
Há quem diga, perante esta esmagadora evidência, que a humanidade foi um erro do Criador,
Que, em breve, ela se vai auto-extinguir neste planeta ínfimo, insignificante, nesta galáxia banal.
Mas, eu estou em desacordo com isso - não por ter esperança ou ilusão na bondade intrínseca dos humanos.
Não; apenas que as civilizações são mortais, que esta civilização está a morrer
Em frente dos nossos olhos. Pois que morra! e nos libertemos!
A civilização que vier, que não esqueça os abismos de estupidez Destes longos decénios de decadência...
Espero que saiba encontrar seu caminho
No respeito dos ecossistemas e do Cosmos.
Caso contrário, nem valerá a pena construir nova civilização ...
Não sei quanto tempo irá durar a transição;
Sei que virão grandes perturbações, haverá muita destruição,
Mas será também um novo amanhecer.
Que se cumpram as promessas mais belas:
As que brilham no olhar das crianças.
14- SÓ ME RESTA ALUCINAR
Só me resta alucinar de ver a realidade em frente
A realidade sem fardo ou cenário pintado
A realidade como a que vejo pela janela
A que tão bela me penetra na alma
Serpenteia pelo cérebro como serpente
Lasciva serpente que enrodilha o tronco,
Sussurra sem mal, sem perfídia nenhuma
Nem qualquer suspeita de romantismo
Apenas assim, como é
Como a corda da guitarra que vibra
Ela está em consonância comigo
E eu com ela, simplesmente sem pensar
Assim de chofre como o azul sem mácula
Deste céu de Verão, acima do muro branco
Das traseiras.
Não esperem algo sobrenatural, não
A realidade das cores e a densidade dos sólidos
Estão para meu entendimento
Como a superfície para a espessura
Como o reflexo para a laguna
Não tem outro mistério, que o de tão aberto
Estar a todos... e se todos são cegos
Que culpa tenho eu, que culpa tens tu?
Já sei que não sei pintar uma paisagem
Mas será para isso que escrevo?
Ou para produzir um milhão de ruídos,
sons, cores, pedras e odores
Da realidade em que me passeio
Pelo sonho de estar aqui sentado e escrevendo
Este chorrilho de palavras e imagens
Soltas.
Que o vento as leve, mas as leve mesmo
Que não fiquem
Aqui, nem por mais um instante!
Que levantem voo, ou serpenteiem ou se escapem
como fumo de lareira pela chaminé
Ou ainda, como a osga que me visitou ontem
Porque só as coisas naturais me importam
Só as coisas e seres que não tenho
De explicar porque elas são
Existem por si e para si
Não preciso de teorias para as entender
Até para dialogar com elas
Portanto, só a realidade me interessa
E o mais é ilusão, cansaço, tédio
Falso esplendor e pouca vergonha
Nada que valha a pena ser meditado
Dizia que a realidade me entra pela janela adentro
Mas ela também jorra de dentro de mim
Para fora
Sim; a verdade é que estou envolvido
No que vejo e perceciono.
Nada que não soubesse!
De momento, estou pouco interessado em filosofar
E menos ainda em filosofar o olhar, o ver
A realidade apresenta-se a mim: eu bebo-a
Sou ébrio de beleza
No estado puro, forte licor de realidade
Incomensurável, estarei sempre sedento de ti
Enquanto estiver cá, neste Mundo
Para além de todas as palavras que eu possa dizer
Para além dos equívocos que delas possam surgir
Para lá também da moral e dos ritos sociais
Contemplo o mar, o meu mar, o céu, o meu céu
A terra, a minha terra, a floresta, a minha floresta
Tudo o que existe
Porque tudo o que existe, eu me aproprio
E não preciso de pedir licença
É o bem de todos, que eles o aprendam também
E dou graças a Deus, pelo que me deu
Sem jogos ou negócios, pagas ou empréstimos
Ele dá verdadeiramente de graça.
Só Ele dá de Graça!
E como não sou nada fora da natureza,
Sou inteiramente criatura Dele
Faça o que fizer, estarei sempre na Sua mão.
É melhor ficar sentado
e esperar que a loucura passe
àqueles que se agitam, ao luar de néon
Apenas reflectem os espectros
que habitam seu interior
Descurei viver demasiado tempo
agora contemplo pensativo
este mundo sem sentido
que não nos foi ofertado
Talvez um dia viaje de novo
apesar de saber que a Terra
é redonda e se move
igual a si própria, no vazio
Mas que me importa
se for para resgatar o sonho,
uma vez mais, das aves
agoirentas que pairam
no ar?
16 - OUTONO NO MEU JARDIM
O Outono chegou pontualmente ao meu jardim. O Sol entre nuvens, lança tímido, um ou outro raio. Sua luz aquece, sem porém secar as folhas das árvores e plantas.
17 - OS ASTROS, INDIFERENTES
Na conversa, ritmada pelos rodopios dos planetas,
Lançam, entre si, meteoros, ondas magnéticas.
Assim, trocam argumentos e pontos de vista
E, que dizem eles:
- Nada mais cómico do que ver a humanidade, estas formigas que se tomam por deuses: Estão tão convencidas da sua importância, que julgam que nós existimos para eles e suas paixões! Estão convencidos que os nossos percursos no espaço são apenas sinais de aquilo que os preocupa!
- É realmente cómico verificar que esta espécie, incompletamente amadurecida, tem constantes atitudes de total irracionalidade e - no entanto - se autointitulam de «animais racionais».
- Mas, não se fica por aí pois, no meio das desgraças, ainda tem energia para fabricar narrativas míticas onde deuses (nós!) se iriam imiscuir nas suas vidas de térmitas, de formigas, de bactérias...
- A sua soberba não tem paralelo, a não ser com a sua parcialidade. Consoante estejam a favor ou contra alguma nação, ou algum grupo dentro dela, designarão tal grupo ou nação de «bom» ou «mau», «justo» ou «pecador», «progressivo» ou «reaccionário». Enfim, seus juízos são sempre absurdos e sem qualquer justiça.
- Gostam de revestir-se dos mantos da legalidade e das leis. Deste modo, com esses mantos ilusórios, designam o «bode expiatório», do momento. Graças essa capa, vão cometendo os piores massacres e barbaridades, sempre com boa consciência.
- Não aprendem nada, pois vão repetindo até ao infinito as piores travessuras e os erros mais graves, cometidos ao longo da sua história. Têm conhecimento do passado, conhecem mesmo as causas das suas desgraças passadas. Mas têm uma doença estranha - amnésia social e colectiva. Basta uma geração, para que repitam os mesmíssimos erros do passado, que conhecem e às suas nefastas consequências.
- Que erijam alguns de sua tribo em profetas salvadores, nas suas variadas religiões, não surpreende por aí além. O que surpreende é que façam tudo para transgredir os ensinamentos e mandamentos das mesmas, e dos seus profetas respectivos. Então, que sentido faz adorarem esses profetas, esses ditos mensageiros dos deuses ...
Assim dialogam entre si os Corpos Astrais que sulcam o Cosmos, deveras divertidos com a grotesca farsa que os humanos representam, milénio após milénio, atribuindo as «culpas» aos astros, aos deuses ou às «forças malignas»!
Murtal, Parede, 25 de Dezembro de 2020
18- PERANTE A NOVA IDADE DAS TREVAS
Dias estranhos vieram e parece que vão ficar. Mais dia, menos dia, as coisas mudarão, sim. Mas, entretanto, o tempo passa e nada daquilo por que ansiámos se realiza.
Quando eu estiver a fazer barro
Sim, que resta de tudo o que este corpo desejou
Quando eu estiver num diálogo com os vermes
Que amor se acalenta ou se acabou?
Estamos sempre escutando aquela voz
Que nos diz sermos eternos
Porém, da vida eterna descremos
Não há coerência, nem senso
As coisas transitórias eu amo
Na sua transitoriedade,
A sua fugaz aparência
Não me ilude, mas encanta
Assim somos feitos, como sempre
Sem qualquer renúncia a tomar
O que é efémero, por eterno
E o eterno, menos que um sopro
Vogue eu, venhas tu,
Acordados neste sonho, para
Mais viajarmos em voo
Não de asa, mas de vento
Só nos cantos obscuros da mente
Encontro aquele fio de lã
Que nos dá o discernimento
De Ariadne nos Infernos
O resto é como uma barca,
Que se toma sonhando, no Verão
E as gaivotas deslizam audazes
Junto dos nossos mastros
Navego pelo sonho como pela vida
Sem distinguir, não vá eu acordar
Numa terra desconhecida
Acordar sim, mas no outro lado,
Naquele sereno céu estrelado
20 - LIBERDADE MINHA
22- PALAVRAS QUE SE EVADEM DO PRESÍDIO
Assim começa a história, assim se compõe a vida; somente um sopro de vela na vela da despedida
Como saber o que seria, se não fosses -tu- presença do quotidiano?
Sonhar outros mundos: assim se escapa da realidade, se esquece - por instantes - o olhar impiedoso do espelho.
Vou sinceramente procurar ser como um bicho, um animal que sente e reage e não pensa; não pensa, isto é... pensa, mas com as células todas do corpo.
Numa manhã de nevoeiro, imaginei-me a caminhar pela beira-mar. Não sei o que lá fazia; nem porquê. Apenas a brisa recolhia, que me beijava os lábios e os cabelos.
Sonho secreto dum eu que não se manifesta, que se esconde numa toca, uma doninha ou um coelho. Como viver, afinal? Respeitando o animal secreto, deixando-o tranquilo, lá na sua toca? Sim, sem dúvida!
Se tu não existisses, o mundo seria totalmente diferente; seria muito diferente, porque a tua existência é um facto indelével da realidade; é uma realidade indelével do real; sem ti, o mundo não seria o mesmo; porque o mundo precisa de ti, tanto como tu precisas do mundo. Com isto, não deves orgulhar-te nem encolher-te. Deves aceitar o facto, como um simples constatar de que a equação matemática está correta.
Oiço o teu respirar no silêncio da noite: é como se ouvisse a minha respiração... é a minha respiração.
23- ODE À MÚSICA ETERNA
Música, que nos comunicas calor na escuridão dos tempos,
Dás vida e desejo de prosseguir, em plena luz e d'alma inteira
Quero te adorar e te beber como criatura eternamente no Éden.
Sem ti, a sensaborona mediocridade arrastaria tudo para o abismo.
Imerso em ti, oceano sem limite, o espírito ressalta, retemperado.
Espontâneo, instintivo, o que desmascara o sorriso?
Desmascara o ser por detrás da máscara,
Com ou sem ela, tanto faz;
Estou satisfeito pelo contacto humano que revelas
Não te conhecia há instantes
Agora, levo-te comigo
Desconhecido velhote,
Ou desconhecida empregada de balcão,
Desconhecido miúdo de sacola às costas,
Ou senhora anónima passeando o cão.
Afinal, não estou sozinho, no mundo; há pessoas
Que sorriem, que devolvem os meus sorrisos.
São pessoas, não são robots, são pessoas sensíveis
Ao contrário de tecnocratas e sociopatas, embora
Estes também sejam homens e mulheres
Que também foram menino ou menina,
Completamente inocente.
O que lhes terão feito para serem soldados
No exército devorador das nossas vidas?
Assim vai o mundo. Mas só, isolado, eu não estou!
Desafio as pessoas a sorrirem-me, a falarem-me,
Convido-as a não terem medo umas das outras.
Querem um antídoto para o vírus mortífero
Da estupidez?
Aqui têm: Sorrir...
Sentirmos que somos humanos,
Que a simpatia para connosco
E de nós para com os outros
Nos faz viver e ter esperança.
25- SONHOS QUE SÓ EU SONHEI
Emergi do sonho, ainda estonteado pela vertiginosa corrida, que fizera na dimensão onírica, onde tudo é possível e onde nada é aquilo que parece.
A pouco e pouco, as imagens maravilhosas esfumam-se.
Viro-me para o outro lado, na cama. Mas o sonho foi-se, nada o poderá fazer regressar.
Ficou-me o sabor a insólito, a sensação de segunda vida, o quarto secreto que se fecha quando voltamos ao quotidiano banal.
As respostas que tanto ansiava, tardavam em chegar, e os dias iam passando.
Só as noites eram minhas, e dormindo acordava no reino onde outra vida - forte - desabrochava.
Tudo o que me interessava estava para além do racional, da experiência sensível comum.
Mas não buscava o esotérico, nem sensações estranhas, ou visões alucinogénias.
Estava à beira de desvendar um grande mistério, não havia ponto de referência nesse oceano cósmico
Em suspensão durante o dia, em que todas as tarefas se repetiam sem surpresa, levantava voo nas asas do sonho
Realmente, não é demasiado difícil vogar assim.
Exercitava manter o equilíbrio entre o sonho e o real, naqueles instantes quando se está prestes a acordar
Agia por intuição, não de forma deliberada. O que me atraía?
Um mundo onde as coisas e pessoas se moviam, comunicavam, de forma semelhante à nossa realidade «vulgar».
Porém, nada era vulgar, nele. Tudo se revestia duma solene e tranquila sabedoria.
Eu emergia dessas viagens imóveis, inspirado, pousando lúcido olhar sobre os meus problemas diurnos.
Pelo sonho, vinha-me a chave para a melhor forma de enfrentar a vida.
Se isto tudo é ilusório, se é real, não sei!
Serão descargas de neurónios cerebrais, ou reflexo de universos paralelos, onde nos movemos? Não sei!
Possuo esta fonte de beleza, de sabedoria e de força anímica dentro de mim, e conto com ela.
Não quero - nunca me passou pela cabeça - domá-la, mas estou grato por ela zelar por mim,
À Deusa Cósmica, que desce em silêncio, que se manifesta no sonho e se despede de mim, quando estou semiacordado.
26 - MEDITAÇÃO, OUVINDO CHOPIN
E neles próprios, mas estão
Fechados à maravilha do sopro
Vital que transforma o ser
Estou contigo, que me dás este bem
Infinito - a música! Estou com o espírito
De Deus, essência criadora e propulsionadora
27 - AS MONTANHAS DA LUA
Estou no tempo de contemplar
através da janela mais bem situada
o espetáculo sempre renovado
da natureza não desnaturada
que sempre me dá razão de viver
As montanhas da Lua
erguem-se maciças, tranquilas
com um relevo semelhante
à Deusa reclinada e esquecida
Ela veste-se de Sol e nuvens
de escuras nuvens de tempestade
ou de suave manto branco
pelas secretas encostas desenrolado
É para junto dela que vou procurar
a frescura do arvoredo, no Verão
a cálida fermentação foliar
no Outono, o uivo do vento
nas árvores, no Inverno
na Primavera, pérolas d' orvalho
irisadas nas verdes ervas
Sempre esteja eu próximo de ti
Deusa-Natureza, do oceano
à terra, dos astros à montanha
28 - TESTAMENTO
Não quero morrer sem escrever um testamento.
29- A MANJEDOURA
- Mas, afinal, já não tenho dúvidas, nenhumas, desde que vi a manjedoura,
as palhinhas onde repousou o Salvador
e nos disse:
«Aqui estou, entre vós
Humilde e humano
Sem mal ou astúcia
Enviado pelo nosso Pai
Que vós, meus irmãos,
Escutais ou esqueceis,
Mas que não adorais,
Não seguis, nem amais!»
Mais, não me disse Ele.
Fechou-se o pedaço de céu aberto, na grisalha de Dezembro.
Paciente vou caminhando.
O Tempo Novo virá, Ele nos prometeu!
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