terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O CAMINHO PARA A PAZ PELO COMÉRCIO

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No passado remoto, as rotas comerciais eram abertas a golpes de espada ou tiros de canhoneira.
Basta pensarmos na maneira como Vasco da Gama e seus sucessores no Índico impuseram um monopólio comercial português e expulsaram os comerciantes árabes, aí instalados desde há vários séculos.
Ou ainda, como o Reino Unido, no tempo da Rainha Vitória, impôs o comércio de ópio à China, através de duas guerras cruéis, das quais resultaram tratados humilhantes para os chineses.
Com efeito, a «liberdade de comércio» que foi imposta pelos marinheiros e soldados dos impérios ocidentais não tem grande coisa que ver com as teorias de livre comércio dos liberais. Em vez de livre comércio trataram de impor o seu domínio imperial, a todo o mundo não europeu. Muitas das desgraças de hoje têm as suas raízes diretas nessa época, de expansão agressiva e bélica dos colonialismos.
Porém, por outro lado, constata-se que a realização de tratados comerciais ou a aceitação de regras comuns às trocas comerciais é um primeiro passo para a normalização de relações diplomáticas ou que estas têm como corolário imediato, o desenvolvimento das relações comerciais.
A abertura da China, ainda no período de Mao nos anos 70,  foi devida de facto, ao seu desejo de fazer comércio e esse desejo foi correspondido por poderosos interesses privados ocidentais.
A negação de comércio, como sejam as guerras de tarifas ou ainda pior, as sanções, os embargos, os bloqueios, são armas muito cruéis e absolutamente ineficazes, no mundo de hoje. Tal tem sido a atitude dos EUA e seus vassalos «aliados» da OTAN e UE …
A guerra comercial ou económica começou com a Rússia depois do golpe na Ucrânia, que depôs um governo legítimo, mas que tinha optado por união económica com o espaço Russo e não com a União Europeia. Essa guerra económica só trouxe dificuldades aos comerciantes, agricultores e industriais dos países ocidentais.
No campo russo, trouxe uma reação de defesa nacionalista, de se autonomizar do «Ocidente»; sobretudo, de produzirem eles próprios, tendo – portanto - um efeito estimulante na indústria e na agricultura.

Já no caso da Venezuela, o bloqueio e guerra económica por parte dos EUA, já duram há cerca de um decénio, mas a severidade foi aumentando neste último ano, ao ponto de um relator especial das Nações Unidas, considerar que as políticas de sanções dos EUA podiam configurar um crime contra a humanidade, nos termos da definição da ONU.
A guerra económica dos EUA contra Cuba vem desde o triunfo da revolução que depôs o ditador favorável aos EUA. Ela perdura desde há 60 ou mais anos e não trouxe mais do que sofrimento e privações para a população da ilha, sem nenhum efeito de fragilização do regime castrista. Claro que, para eles, este objectivo de subversão de um regime adverso é perfeitamente válido e «moral»: para eles, imperialistas, não contam as populações que serão sempre as primeiras vítimas de tais bloqueios.
A noção de que estes países, que se designam a si próprios por «democracias ocidentais», não são mais do que países governados por mafiosos, que querem impor, por meios de chantagem e pela força, a sua lei a outras nações, pode parecer exagero às pessoas imbuídas de cultura «ocidental», porém nos países que agrupam três quartos da população mundial, esta noção é absolutamente trivial.
A existência de uma fina capa ideológica de «liberalismo», não resiste a dois segundos de análise, quando nos debruçamos sobre políticas concretas. Se «liberalismo», significa sobretudo liberdade de comércio, representada pela tradição liberal de Locke, Adam Smith, etc., então a China e Rússia de hoje, assim como vários dos seus parceiros são porta-estandartes e verdadeiros obreiros desse liberalismo.
A liberdade de comércio é vital para aquela enorme parte de humanidade (no mínimo, 6 mil milhões), pois ela tem como meio de subsistência essencial a produção de bens agrícolas, de matérias primas minerais, ou de bens manufacturados.
A evolução dos países «ocidentais» [América do Norte, Europa ocidental, Austrália, Nova Zelândia e Japão] no último quarto de século, foi no sentido da «terciarização» da economia, da desindustrialização ou seja, do abandono da economia produtiva para a economia especulativa.
Nestes países, cuja riqueza assentou sobre séculos de pilhagem das colónias e escravidão, a estratégia de «terceirização» foi saudada pelos mais míopes e corruptos, visto que é realmente preciso fazer um esforço para acreditar que uma economia se pode sustentar com «serviços» e onde o lema tem sido «consumir, consumir, nem que seja a crédito».
As transformações na estrutura produtiva na China, mas também na India, Paquistão e outros, foram muito rápidas e conseguiram produzir a maior transformação de que há memória, de populações secularmente carenciadas, com padrões de nível vida muito baixos; uma saída da pobreza para grande parte da população. O enorme crescimento da classe média, nestes países, tem permitido um crescimento exponencial, pois os produtos manufacturados já não terão como escoadouro exclusivo a exportação, mas também vai crescendo o mercado interno para estes produtos, incluindo os de gama alta, o que permite não estarem tão dependentes dos caprichos das ex-potências coloniais e imperialistas.
As «Novas Rotas da Seda» são realmente a concretização imparável deste extraordinário florescimento económico, o qual terá repercussões benéficas também noutros países, que tinham mantido um grau incipiente de desenvolvimento.
Para todos os intervenientes nas redes comerciais, a questão central vai ser a estabilidade das condições de trocas. Daí que haja um interesse material pela paz, o que é sempre muito mais poderoso do que qualquer ideologia.
Mas, se ideólogos no Ocidente quiserem defender o liberalismo na sua pureza, pois aí terão oportunidade de se colocarem do lado dos que querem manter abertas as rotas comerciais, querem estabelecer e manter trocas benéficas para todas partes… deverão repudiar os militaristas, os loucos que querem o mundo inteiro sob sua hegemonia e relações baseadas na força e no medo.
A evolução das relações internacionais pode sofrer muitos episódios, nem todos beneficiando a liberdade de comércio. Mas, no longo prazo, a humanidade que produz irá decidir como e em que termos se farão as trocas, aplicando as boas práticas de reciprocidade, de não ingerência, de relações mutuamente vantajosas, de resolução pacífica dos diferendos…
… será um renovo da civilização.

2 comentários:

Manuel Baptista disse...

A prova de que a política de sanções não funciona. A Moody's aumentou a classificação da Rússia de Ba1 para o rating de investimento, de Baa3, com perspectiva estável...
https://www.rt.com/business/451346-foreign-investment-russia-record/?utm_source=browser&utm_medium=aplication_chrome&utm_campaign=chrome

Manuel Baptista disse...

https://www.zerohedge.com/news/2019-02-14/china-dramatically-cancels-uk-trade-talks-hours-after-defence-secretarys-bellicose
O Reino Unido acaba de perder biliões em contratos potenciais porque o seu secretário da defesa fez ameaças muito directas de uso da força contra a China. A China respondeu, cancelando imediatamente as conversações sobre comércio!