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sábado, 12 de julho de 2025

CRÓNICA DA IIIª GUERRA MUNDIAL (Nº45): «Guerra Contra Os Povos»

 




Pesem embora as meritórias posições e ações de partidos, grupos e pessoas contra a guerra na Europa, parece que se caminha para uma inexorável extensão do conflito bélico Ucraniano-Russo, como aliás era previsível desde a primeira hora.
Com efeito, este conflito - logo na sua estreia e antecedentes - estava repleto de hostilidade e mesmo de histeria bélica, dum Ocidente dominado pelos «falcões», que não cessaram de provocar a Rússia em todas as tribunas da OTAN e, sobretudo no terreno. 
Por exemplo, vários anos antes de se iniciar o conflito armado: Colocaram bases secretas da CIA, dedicadas ao bioterrorismo, na proximidade da fronteira russo-ucraniana; protegeram o regime criminoso e ilegal de Kiev, fechando os olhos às óbvias violações dos direitos mais elementares das populações (ucranianas) russófonas, etc.
Agora, após três anos e meio de confrontos armados entre as duas nações eslavas (e partilhando uma longa história comum), podemos ver com maior recuo, como se desenvolveu a estratégia do chamado «Ocidente»:

- Do lado da OTAN, a escalada começou com um apoio disfarçado e «indirecto», com o treino de certas unidades ucranianas e o fornecimento de material bélico «não-letal», progredindo para um apoio cada vez mais decidido, no plano financeiro, no fornecimento de armamento e de homens que o sabiam manejar.
- Também foram de natureza mista, as operações encobertas do lado ocidental, com intuitos - sobretudo - de propaganda, por mais mortíferos que fossem: O atentado contra a ponte que liga a Crimeia ao território russo; os atentados contra a frota russa sediada em Sebastopol; os atentados terroristas massivos contra um hall de concertos nas proximidades de Moscovo; a sabotagem de Nord Stream I e II, os gasoductos que forneciam gás russo à Alemanha e Europa ocidental; os vários atentados mortíferos contra intelectuais bem conhecidos; a destruição, com mísseis de médio e longo alcance, de refinarias de petróleo; a invasão de território russo em Kursk, numa zona destituída de interesse estratégico, mas possuindo uma central nuclear russa... Todos estes atentados e ações foram executados por tropas especiais e de elite, treinadas, enquadradas e apoiadas por especialistas da OTAN, em todas as suas fases; são prova de que o lado OTAN-ucraniano se dedicou desde cedo ao terrorismo. Mas são também prova de que tudo o que fizeram do lado ucraniano, era impossível de realizar sem o apoio logístico, a espionagem, a informação via satélite e os meios tecnológicos de ponta (ex. mísseis teleguiados, de última geração), que o exército ucraniano não possuía.

Dentro da minha caracterização da Terceira Guerra Mundial como guerra essencialmente híbrida, esta envolveu as periferias, sobretudo, visto que a confrontação direta estava vedada pelo perigo de guerra nuclear auto-destruidora. É enquanto ações contra um associado aos grandes (Rússia e China) que podemos caracterizar os ataques contra o Irão, perpetrados por Israel e os EUA, em íntima colaboração (de que eles se felicitaram, aliás). Este facto vem mostrar como se está próximo da guerra total. Num cenário onde as alianças entre países fossem automaticamente accionadas, já estaríamos agora numa guerra direta OTAN/Ocidente/Israel, contra Irão/Rússia/China/outros membros dos BRICS.

A agressividade do chamado Ocidente não se fica por aqui: Na U.E., transformada numa espécie de OTAN bis, Van de Leyen* toma a iniciativa, forçando a mão aos vários governos nacionais titubeantes, para um rearmamento acelerado, priorizando despesas militares sobre quaisquer despesas sociais e de «welfare», que estivessem programadas nos diversos países. O objetivo de 5% de despesas militares para os membros da UE cumprirem no prazo mais curto é a figura brutal, seguindo a imposição de Trump, que a UE se apressou a cumprir, supostamente para «manter os EUA dentro da OTAN».
Esta justificação cai pela base se pensarmos que a OTAN foi, desde o princípio, o instrumento dos EUA para manter a Europa ocidental - e depois quase todo o continente- submetida aos objetivos do super-poder imperial.

O império precisava agora, de propagandistas, como Marc Rutte, Kala Kallas e Úrsula van der Leyen que, pelo seu extremismo e suas poses, fizessem crer que a vertente europeia da OTAN tinha algum poder.
Assim, também foi evoluindo a guerra psicológica, onde os discursos e narrativas são mais importantes (pelo menos, até agora) do que os atos, propriamente ditos. Os atos, sejam eles de natureza económica, política, militar (ou mistos), precisam dum manto «justificativo», permitindo neutralizar críticos como sendo «pró-Putin», ou outra calúnia do género, enquanto se atrevem a espezinhar as constituições, e tratados (incluindo da UE e da OTAN), no que diz respeito à salvaguarda da paz, à procura de soluções pacíficas para os conflitos, etc.




A cidadania está num estado de torpor e terror, profundamente aterrada como efeito da propaganda, quer acredite naquelas atoardas, quer não. O estado em que as pessoas se colocam na defensiva, por instinto biológico de preservar sua própria vida e a dos seus, é o estado presente. Ele foi devidamente planificado e executado, pelos especialistas em guerra psicológica. Neste «mix» entram também uma série de mitos, preconceitos, imagens fantasmagóricas, construídas ao longo do tempo. «Os Russos, são assim»; «Putin é assado»; etc. A maioria das pessoas está incapaz de distinguir o verdadeiro do falso; pois isso implicaria ter tempo e disponibilidade para se ocupar de assuntos que não são de imediata relevância para a sua sobrevivência. A maioria está demasiado ocupada com o imediato, pois a ofensiva do grande capital não se fez esperar, atacando não só o poder de compra dos salários, como a estabilidade do emprego e promovendo o terror nos locais de trabalho (assédios, despedimentos ilegais, abusos e violações dos contratos laborais, etc.)

A subida do fascismo sem disfarce não deveria surpreender as pessoas com cultura política e histórica: O instrumento «fascismo», ou «nazismo», ou outro equivalente, foi sempre a jogada da alta burguesia, desejosa de aplacar uma classe operária rebelde, ou potencialmente revoltosa, com movimentos ditos «populistas». Estes tinham (e têm) como característica serem dirigidos aos fenómenos que afetam a classe trabalhadora autóctone, como a imigração excessiva e ilegal (promovidas pelo patronato), ou minorias étnicas (ciganos, negros, e outras), mas estas não são as verdadeiras ameaças ao emprego dos cidadãos, nem constituem um risco real para a sua segurança, ao contrário do que dá a entender a imagem amplificada pelos media.

Estão -portanto- lançados os dados para o alargamento mundial do conflito. Este, não poderá ser evitado nem por atores sábios, nem por nações prudentes, ao contrário do que visões fracas e retóricas, nos querem fazer crer. Não nos parece que Xi Jin Ping, ou Vladimir Putin ou qualquer outro dirigente mundial, sejam os poços de sabedoria e prudência que seus apologistas proclamam: Mas, mesmo que o fossem, não estaria nas mãos deles evitar que as ações continuem o seu curso. Eles e os outros chefes de Estado e governo, são apenas figuras, que representam o papel de «timoneiros», numa barca desconjuntada e sacudida pelos ventos tempestuosos. 
Somente os povos poderão fazer algo. Quanto aos  chefes, sejam eles quais forem, estes apenas irão precipitar o caos, a desordem máxima, a guerra mundial generalizada.

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* Nem a Comissão Europeia, nem Van der Leyen, sua presidente, têm o direito de se imiscuir nos assuntos de defesa. Os tratados são bem claros: o domínio da Defesa é exclusivamente assunto de soberania de cada um dos Estados-membros. Mas os dirigentes nacionais submetem-se à ditadura de Bruxelas...

terça-feira, 19 de setembro de 2023

IMPLOSÃO MONETÁRIA NO JAPÃO

Praticamente, durante mais de 30 anos, o Japão viveu no marasmo, embora também numa relativa estabilidade de preços. Como é que foi possível este estranho equilíbrio, nos três decénios de marasmo?
É preciso recuar aos anos de 1990 e ao facto do Banco Central do Japão ter inaugurado uma política que - mais tarde - seria batizada de «quantitative easing». Como se sabe, consiste na impressão monetária pelo banco central, que utiliza as notas frescamente impressas (ou seus equivalentes digitais) para comprar Bonds (obrigações) do Tesouro. Assim, financia a dívida estatal (emissões de dívida através de «bonds do Tesouro»), mas também vai aumentar a massa monetária. No caso dos EUA, este aumento fica «diluído», apesar de muitos anos de política inflacionária, porque os EUA são detentores da divisa de reserva mundial. Isso significa que existe sempre procura para os dólares emitidos nos EUA mas - em grande parte - exportados para todo o Mundo.
Quanto ao Japão, tem sido mais ou menos o contrário disso. O ex-Império do Sol Nascente é um país de gentes muito trabalhadoras, disciplinadas, muito  poupadas (exatamente como os chineses e coreanos, nestes aspetos). A taxa de poupança dos japoneses é da ordem dos 40%. Isto significa que o seu próprio povo é o financiador da economia, com a sua poupança, que investe em contas a prazo, bonds do Tesouro, bonds de empresas, ou em ações da bolsa. A somar a isto, no Ocidente, os traders têm jogado com o par Yen/ Dólar, a chamada «Japanese carry trade»: Pedindo emprestado em Yen, obtinham capital para investir em ativos financeiros. Se bem aplicados, estes iriam dar lucro. Ainda por cima, havia o lucro adicional de devolução do empréstimo numa divisa cada vez mais fraca: O Yen desvalorizou-se cerca de 13 % face ao dólar, nos meses desde Janeiro deste ano, até agora. Se alguém obteve um empréstimo em Yen em Janeiro e com ele conseguiu gerar lucro, a devolução da dívida faz-se em Yen, ou seja, numa divisa valendo menos 13%, em relação ao momento do empréstimo*. E não é tudo, pois os juros são mais baixos que noutros países industrializados. Os juros dos bonds estatais japoneses - que dão a bitola para todo o espectro de juros bancários - têm um valor artificial, próximo de zero. Isto é consequência do constante «quantitative easing», ou seja, da compra dos bonds estatais pelo Banco Central do Japão. Este, na verdade, tem sido o único comprador de dívida estatal japonesa desde há muitos anos.
O endividamento deste país é dos mais altos do Mundo, mas mantém-se graças ao referido sistema artificial de auto-compra pelo banco central; assim, conseguem manter a economia a flutuar, apesar de mais de 30 anos de depressão/recessão.
Os trabalhadores são os que sofrem mais com a erosão - ainda mais severa, recentemente - do poder de compra dos salários. São eles que suportam o peso duma economia comatosa, há muitos anos.
              Gráfico: Inflação dos alimentos no Japão de Outubro 22, a Julho 2023

Os preços, apesar da estabilidade relativa no passado, têm recentemente aumentado, porque o Japão está dependente da importação de muitas matérias-primas, desde o petróleo até aos produtos alimentares. A sua economia, frágil por definição, depende de importação destes bens essenciais. Ela precisa de produzir muito, para exportar e gerar excedentes, obtendo assim divisas estrangeiras fortes. O que tem mantido a situação ao longo de décadas, é a produção industrial e a acumulação de dólares ,em mãos privadas ou públicas (Banco Central), nomeadamente sob forma de bonds do tesouro americano. Talvez o montante global de «US Treasuries» na posse do Japão, hoje ultrapasse o da China. A China Popular tem levado a cabo uma política de se desfazer dos bonds americanos, com o objetivo de fazer baixar o dólar. Tudo leva a crer que ela continue a mesma política, para viabilizar uma futura «moeda dos BRICS».
Porém, os japoneses, face ao aumento generalizado dos preços de matérias-primas nos mercados mundiais, têm de se desfazer dos bonds americanos por razões totalmente diversas. A sua subsistência económica está em jogo: Não conseguem exportar bens industriais, neste contexto de recessão mundial, em quantidade suficiente para obterem os dólares necessários para pagar os bens importados.

Nesta situação, todas as saídas são más:
- Se o Japão deixar que a inflação cresça ,isso vai pressionar um aumento dos juros dos seus bonds do Tesouro. Ora, o Japão está já está demasiado sobre-endividado. Um aumento significativo dos juros dos bonds estatais equivaleria a carregar  o orçamento do Estado com o pagamento de juros mais altos. Isso implicaria um aumento de impostos... Mas, os impostos já são muito altos; logo, inibiria a atividade económica, desde a produção, ao consumo, causando menor rendimento em impostos. Um círculo vicioso!
-Porém, se o Japão continuar a travar a inflação com auto- compra dos bonds do Tesouro, como tem feito durante décadas, haverá um efeito dramático na desvalorização do Yen. Ninguém, fora do Japão, quererá ter contas em Yen, pois sofreria perdas demasiado grandes. Seria, também, o fim da «Yen carry trade».

Se a moeda dum país é desvalorizada, escapando ao controlo do governo e do banco central, isto significa que este país está no caminho da hiperinflação.
Os bonds americanos detidos pelo Japão têm sido vendidos em grandes quantidades porque a economia japonesa está num beco sem saída. Só consegue pagar as suas importações à custa das reservas estratégicas em divisas (dólares), que são normalmente armazenadas em «Treasuries». Tais vendas maciças somam-se ao processo em curso de de-dolarização: Conjugam-se com a guerra monetária levada cabo pelos BRICS, em especial pela China, a principal detentora de «US Treasuries».
Não existe qualquer interesse dos países - quer sejam ou não vassalos dos EUA- em serem detentores de dólares/treasuries como reserva. Verifica-se que, agora, um país pode abastecer-se em petróleo no mercado internacional, comprando, quer à Rússia, quer a países do Golfo, quer à Venezuela, ou a outros, simplesmente pagando o petróleo com ouro, ou com sua divisa nacional, ou com produtos que os países petrolíferos vendedores precisem, etc. Estamos perante o ponto final do império do petrodólar. Tudo isto tem acontecido e não pode ser ignorado. O dólar, enquanto moeda de reserva mundial, está realmente no fim. A hegemonia está posta em causa, por duas razões principais:
A questão da estabilidade das cotações, por um lado: sempre existiu grande especulação com a cotação das divisas dos outros países, em relação ao dólar. Devido a este facto, o comércio e investimento tornam-se mais incertos.
Por outro lado, a utilização do dólar como instrumento de guerra na política externa dos EUA, com as suas sanções, embargos, extorsões, chantagens e roubos.
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(*) Uma visão da perda rápida do valor da divisa japonesa é-nos dada pelo gráfico da cotação do ouro em yen. Nestes últimos 5 anos, o valor de um quilo de ouro em yen duplicou: Agora é de 9.180.000 yen/kg; há 5 anos era de 4.500.000 yen/kg.

PS1: A economia do Japão, desde meados dos anos 80, revela-se como um enorme «esquema de Ponzi», que está agora a desmoronar-se. Pode ser a antevisão do que se vai passar com esquemas de Ponzi ainda mais monstruosos, que são as economias americana e da Europa. Veja o documentário seguinte, em francês:


terça-feira, 25 de abril de 2023

A economia global entre Caríbidis e Cila

 



Os bancos centrais andaram durante muito tempo a jogar com a quantidade de dinheiro (aqui, entenda-se divisas fiat). Inicialmente, puderam iludir as pessoas, incluindo economistas sofisticados, de que se tratava de suprimir as oscilações periódicas da economia, dando aos mercados a quantidade de dinheiro que eles precisavam para não entrarem em deflação.
 Segundo a ortodoxia dos banqueiros centrais e dos governos ocidentais, a existência de um «pouco» de inflação era benéfica e saudável. Mas, esta inflação acontecia num contexto de atividade industrial muito deprimida, após a grande crise financeira de 2008.
 Depois, baixa ou alta, a inflação é trituradora dos rendimentos das pessoas, principalmente dos assalariados e pensionistas. O aumento do custo das coisas básicas e elementares era muito maior do que de coisas que se podem considerar «não essenciais». 
É o rochedo chamado «Cila», que representa a inflação. Os turbilhões na proximidade do rochedo, iam tornando a economia cada vez mais deprimida, sobretudo no que toca aos investimentos produtivos, por oposição aos especulativos. 
O resultado de se lançar «dinheiro fiat» (sob forma eletrónica, principalmente) para os mercados, acentuava os redemoinhos, perto de Cila. Não resolvia a questão de fundo: estimular a produção de bens e serviços e não as atividades especulativas (o casino das Bolsas).
Na tentativa de manter o «status quo» e de não prejudicar os ricos detentores de grandes empórios financeiros (Banca comercial, fundos de investimento...), vieram com a falaciosa teoria de que aqueles «criavam riqueza». Na verdade, ao apostarem na financeirização, desencaminham a riqueza. Os capitais investidos em especulação financeira não participam realmente em atividades produtivas da economia. 
Mas, depois de 2008, os banqueiros centrais e os governos, fingiam que acreditavam nesta teoria, para verter somas abismais aos banqueiros que tinham sofrido perdas. Estas perdas eram expectáveis, pois eles tinham jogado no «alavancar» dos fundos que geriam. 
O que aconteceu foi aquilo que qualquer pessoa com bom-senso poderia prever: Em vez de investirem, eles próprios, ou de emprestarem o dinheiro recebido para crédito à produção, foram aparcá-lo em contas na FED ou noutros bancos centrais, que forneciam à banca comercial juros muito pequenos, mas sem risco. Outra parte do dinheiro recebido pelos bancos, foi para jogar na bolsa (incluindo a auto-compra das ações).
Como era inevitável, a inflação monetária e o estímulo de atividades especulativas, fizeram aumentar a massa monetária, atingindo extremos tais, que os capitais disponíveis globalmente eram, pelo menos, 20 vezes o PIB mundial. Ao certo, não sabemos, porque uma parte importante desses capitais está investida em derivados,  instrumentos que não são registados nos balanços de instituições de crédito, mas que pesam na solvabilidade destas.
A subida dos juros de referência pela FED (seguido pelos outros bancos centrais ocidentais), implicava o aumento do custo do crédito e a diminuição correlativa do valor das reservas. Os bancos comerciais têm em reserva, principalmente, obrigações do tesouro do seu próprio país ou de outros (uma obrigação vale tanto mais quanto o seu juro for mais baixo). 
Os 4 bancos que faliram recentemente nos EUA, assim como o Crédit Suisse (um banco «sistémico»), não conseguiram corrigir a tempo o desequilíbrio causado pela perda do valor dos seus ativos em reserva. Caríbidis será o nome simbólico da enorme parede de pedra; o «rochedo» das taxas de juro crescentes e as consequências nefastas para as instituições bancárias, obrigadas - por lei - a ter parte das reservas em obrigações (bonds) do Tesouro. 

A expressão proverbial, recorrendo à mitologia grega, diz que alguém (ou instituição) «vai de Caríbidis para Cila», para exprimir que ambas as alternativas vão desembocar no naufrágio, ou no desastre total. É, portanto, fútil e perigoso nos mantermos dentro dos parâmetros dos que querem ir de Caríbidis para Cila, ou vice-versa.

A «solução» dos banqueiros e dos oligarcas é a de causarem o máximo de perturbação na economia, na economia produtiva, para as pessoas - desesperadas -se renderem à «hidra de sete cabeças» ou outros monstros, que são as «moedas digitais emitidas por bancos centrais» (CBDC)
A solução para a gente comum, os não beneficiários do casino da finança globalista, é completamente diferente: Passa por uma reforma do sistema monetário mundial, onde não exista uma moeda de reserva enquanto tal, mas onde as moedas nacionais sejam usadas nas trocas. Os diferenciais, serão saldados em ouro ou noutro metal precioso (Prata, Paládio, Platina). 
Assim sendo, não haverá nação, por mais poderosa que seja, que possa impor-se às outras, como têm feito os EUA. O seu domínio em todas as transações em dólares, deu-lhes a possibilidade de confiscarem importantes somas e imporem sanções TOTALMENTE ILEGAIS. São atos de pirataria financeira, que têm afetado negativamente as relações comerciais entre países. Aliás, esta é uma das principais causas de haver muitos países, aliados dos EUA, a quererem entrar para os «BRICS».

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

ACREDITAR OU NÃO ACREDITAR, EIS A QUESTÃO!

NA CIÊNCIA, ACREDITAMOS? 

NO ESTADO, ACREDITAMOS? 

NOS MEDIA, ACREDITAMOS? 

NAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, ACREDITAMOS?

                William Banzai: https://www.zerohedge.com/news/2022-12-27/trust-science

Não sei se repararam, o verbo «acreditar» é que junta estas frases todas entre si. Mas o que é acreditar: É dar crédito a ...uma pessoa, uma ideia, uma religião, etc. 

As coisas repetem-se, no que toca à credulidade. 

Fazem as pessoas acreditar que um coronavírus é muito perigoso e causa imensos estragos, que a única maneira de nos vermos livres desse pesadelo é andarmos mascarados, enquanto não recebemos uma injeção duma «vacina» experimental (= um veículo de clonagem contendo um gene viral), e nós temos de «acreditar» que esta seja salvadora (1).  

Depois, constatamos que acreditámos nos media, nas autoridades de Saúde, nos fabricantes de vacinas, mas eles «enganaram-se» um pouco e, afinal, estas vacinas não previnem o contágio (curioso, como conservam o nome de «vacina» para algo que nem sequer previne o contágio). O pior é que as tais vacinas, «totalmente seguras», causam miocardites, AVCs e outros efeitos secundários graves, em pessoas saudáveis, com frequência superior a quaisquer outras vacinas, para outras doenças, que tenham sido aplicadas a largas populações.  A partir daqui, passam a chamar de «mortes por COVID», às mortes por injeção de «vacina» contra o COVID (2). 

No caso da guerra com a Ucrânia, dizem eles que a culpa é toda dos russos e de Putin. Mas, «esquecem-se» de dizer que, pelo menos 6 milhões de russos étnicos, vivendo nas Repúblicas separatistas do Don, foram, durante 8 anos acossados, bombardeados, massacrados, num conflito étnico brutal. O silêncio mediático e das chancelarias ocidentais, não foi suficiente para que tais atos fossem completamente ignorados e existem bastas provas desses crimes (3).

Na realidade, segundo o ponto de vista de altos responsáveis de países da NATO, não é «tolerável» que um país (a Rússia) seja tão privilegiado, que tenha, não apenas petróleo e gás natural suficientes para mais de um século, para si e para vender; também com tantos minerais estratégicos, com tanto território (o maior país do mundo, em área) e com potencial que não foi totalmente explorado (4).

Embora não seja frequente - nos media ocidentais - ser discutida a questão das riquezas naturais da Rússia, é ainda menos frequente ouvir-se falar daquilo que os responsáveis da NATO gostariam de fazer com ela: Ou seja, transformar este imenso território numa manta de retalhos de pequenas nações, onde cada nova entidade ficaria sem poder efetivo para negociar a cedência (por preços ridículos) de tais riquezas que, como devem calcular, estarão destinadas aos «civilizados» do Ocidente. Naturalmente, estes mesmos que têm iluminado as  nações que ajudam (5). 

Basta ver os «fogos de artifício» resultantes da alegria dos autóctones, desejosos de aderir ao modo de vida ocidental ... ou será  fogo causado por bombas napalm, bombas de fragmentação, e outras «prendas» que os prestimosos serviços aéreos lhes enviam como «ajuda», a esses povos atrasados???

Como não podia deixar de ser, visto que há guerra na Ucrânia, temos da acreditar nos «correspondentes» ocidentais em Kiev, ou nas capitais de países da OTAN. Eles não param de enviar copiosas «análises», do que se passa no terreno. Diga-se, em abono da verdade, que são totalmente impermeáveis à propaganda russa. Pelo que os órgãos de informação ocidental têm mostrado que as forças armadas ucranianas têm estado a vencer a guerra e que - a qualquer momento - virá a contraofensiva que destruirá o moral das tropas russas e logo  a população russa irá erguer-se em massa contra Putin, o pior facínora que jamais apareceu à face da Terra. Enfim, apenas vos dou uma pequena amostra da «objetiva» media ocidental, que tem alimentado a «reflexão» de tantos defensores da democracia, que é uma maravilha.    Só me resta uma dúvida; Por que razão eles não se mexem ou falam, quando são oprimidos e esmagados países pelas tropas «especiais» do mesmo Ocidente e os mercenários por eles alimentados e armados? Vá-se lá saber porquê... um mistério!

Têm os governos e a media ocidentais declarado que esta guerra na Ucrânia é muito perigosa, que pode desencadear uma escalada para um confronto nuclear. Porém, este facto objetivo nunca é justaposto na média e nos discurso oficiais, com o não menos objetivo facto de o tão odiado Putin ter repetidas vezes dito estar aberto a negociações de paz. Mas a isso, a resposta das chancelarias do Ocidente é um silêncio ensurdecedor. Ou antes, em vez de resposta da diplomacia, enviam-se armas, em cada vez maior número e mais poderosas, aos beligerantes do «nosso» lado, os «Azov» e outros nazis. Não há dúvida que o mundo todo deveria estar extasiado pela bondade e generosidade do Ocidente. 

Se tal não acontece, é porque são uns ingratos, só merecem aquilo que têm: São países atrasados, que apesar do nosso papel civilizador em África, Ásia, América Latina e Oceânia, não souberam aproveitar os benefícios da nossa ocidental generosidade. Agora voltam-se, os ingratos, para a China, que lhes proporciona «pequenas coisas» tais como caminhos-de-ferro, boas estradas, modernos portos e aeroportos, em condições muito razoáveis para os tais países em desenvolvimento, com pagamentos suaves, em períodos alargados.  É verdade que, com isso, poderão arrancar-se ao ciclo do neocolonialismo, deixarão de ter de vender os minerais e produtos agrícolas aos países do Ocidente, a troco de armas, aviões, carros blindados, obsoletos aqui no Ocidente, mas que são perfeitos para as guerras regionais que carinhosamente nós lhes cozinhamos, para os entreter!

Ouvi -no outro dia- alguém, um académico estrangeiro, vaticinar que o Ocidente está muito perto da derrocada, que em todo o lado há sinais de decadência, de corrupção e de brutalidade, que estes sinais já não podem ser disfarçados por retórica «democrática». Mas, claro, vê-se logo que não passa dum «agente de Putin». Porque os principais líderes de opinião do Ocidente, desde Biden a Van der Leyen, desde Trudeau até Klaus Schwab, todos eles nos dizem que estamos no início duma era nova, a «4ª Revolução Industrial». Porque não haveria de acreditar neles? A comunicação social está sempre a apresentar-nos os pontos de vista de personalidades célebres: Todos eles concordam com tal visão do futuro. Quem sou eu para duvidar de gente tão ilustre?

E os bancos? Ah, os bancos e instituições financeiras... como eles gostam do nosso dinheiro! É um mimo vê-los a aproveitarem-se da nossa insaciável gula, do nosso desejo de enriquecer, para eles se banquetearem. Os media também aqui prestam um excelente serviço, embora mais às instituições financeiras, do que a ti, caro leitor.  Se eu lesse todas as coisas que escrevem e se «acreditasse» nelas, seria - com certeza -  «tosquiado» e alguém ficaria um pouco mais afortunado, do que já era. A bolsa é um «jogo» de soma zero: O que significa que, aquilo que uma pessoa ganha, outra perde. Na economia, em geral, pode não ser assim: por exemplo, numa empresa que saiba aplicar uma estratégia inteligente, os empréstimos que fizer irão para o aumento da produtividade, ou para a expansão do negócio.  

Mas, numa economia financeirizada como é a nossa (6), as empresas vão antes fazer lucros através das suas aplicações financeiras. É típico grandes empresas fazerem auto compra dos seus títulos nas bolsas, para aumentar artificialmente o valor das ações. Multiplicaram-se as empresas que se dedicam à gestão de produtos financeiros (por exemplo CDS, ou outros derivados). Tais empresas sabem proteger-se das perdas; os riscos e potenciais perdas, são transferidos para os compradores desses produtos financeiros. Quanto às pessoas atraídas pela miragem dum lucro fácil, elas vão investir no topo dos ciclos. Estas, de certeza, irão ter perdas avultadas. O facto de acreditarem em miragens do dinheiro especulativo, é sinónimo, para tais investidores, de serem depenados!

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(1) O artigo abaixo descreve como as coisas se passaram, em relação ao «golpe de estado global» a pretexto da pandemia de covid: 

 https://unlimitedhangout.com/2022/11/investigative-reports/covid-19-mass-formation-or-mass-atrocity/?utm_source=substack&utm_medium=email

(2) Os numerosos casos de efeitos secundários graves, incluindo letais, da «vacina anti- COVID» foram denunciados por vários autores. Mas, esta inquietante realidade ficou encoberta «casualmente» pela invasão russa de 24 de Fevereiro:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/02/lesoes-e-mortes-subitas-apos-vacinas.html

(3) É esclarecedora a leitura crítica que Patrick Lawrence faz das declarações da ex-Chanceler Ângela Merkel a dois jornais alemães. Mostram tais entrevistas, o real posicionamento do Ocidente face à Rússia:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/12/a-alemanha-e-as-mentiras-do-imperio-por.html

(4) Na realidade, para os neocons que controlam o Estado profundo nos EUA a Guerra Fria (nº1) nunca acabou: 

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2017/11/campanha-contra-russia-assemelha-se-as.html

(5) Os recursos, sempre os recursos... É esta a motivação real das forças atlantistas, para a nova Guerra Mundial não declarada, mas efetiva:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/02/mais-um-episodio-da-iii-guerra-mundial.html

(6) Não conheço melhor que Michael Hudson, para nos explicar em que consiste a viragem na economia ocidental, do capitalismo industrial para o  capitalismo financeiro:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/12/entrevista-com-o-prof-michael-hudson.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/12/entrevista-com-o-prof-michael-hudson_20.html

sábado, 16 de julho de 2022

MITOLOGIAS (VIII) MIDAS E A ECONOMIA FINANCEIRIZADA

 


Tenho estado a ler Michael Hudson. Já tinha tido contacto com este autor, desde há alguns anos, através artigos lidos na Internet, bastante esclarecedores e originais*, do ilustre professor de economia. Mas, ler um livro «em papel» é realmente outra coisa. Sobretudo, quando esse livro nos traz tanto conhecimento verdadeiro sobre economia, desfazendo os mitos que enformam a nossa época. 

E que tem isso a ver com a lenda do Rei Midas, que recebera de Dionísio (Deus da embriaguez, do amor sensual e dos excessos...) o dom de transformar em ouro, tudo aquilo em que tocasse? O ouro, nessa altura, era sinónimo de riqueza, a mais óbvia forma de riqueza, a forma de entesouramento preferida por reis e grandes comerciantes.  

Na realidade, o que nos diz o mito, tem a ver com riqueza acumulada que não corresponde a nenhum contributo prévio do seu possuidor. Um proprietário de terrenos aluga esses terrenos a agricultores; estes pagam uma renda. Um proprietário de dinheiro, moedas de ouro e de prata, empresta a juros, aumentando assim seu património, sem que tenha  contribuído com algo, do seu próprio esforço, para o aumento da riqueza geral. 

Michael Hudson sublinha que a riqueza adquirida por alguém sem que esta tivesse, de uma ou outra forma, contribuído para o acréscimo de riqueza ou bem-estar geral, os chamados «rentistas»,  era uma preocupação central das doutrinas económicas clássicas, desde Adam Smith, David Ricardo, J.S. Mill, Marx e outros. Até ao final do século XIX, muitos estavam a favor do capitalismo industrialista, contra um capitalismo rentista. Este não era senão uma herança do feudalismo, que as revoluções burguesas derrubaram, nos finais do séc. XVIII e ao longo do século XIX. Pois, se houve revolução política com o advento do Estado burguês, ao nível económico subsistiam muitos resquícios de feudalismo, como a classe dos terra-tenentes, tão relevantes na Itália do Sul, na Espanha e em Portugal, nomeadamente. O seu domínio estendia-se sobre aldeias inteiras com seus habitantes, situadas no meio de  quilómetros quadrados de terra pertença do senhor feudal, do latifundiário. 

Hoje em dia, o rentismo, ou extração de riqueza sem ter contribuído com nada de positivo para a economia, para a subsistência, o conforto ou a melhoria da sociedade, pode dizer-se que se estendeu e diversificou como nunca: Com efeito, a economia financeirizada é isso mesmo. A glorificação desta financeirização veio acompanhada de ideologia própria: O reaganismo-theacherismo e todos os seus derivados, incluindo o chamado «socialismo de terceira via» (Tony Blair e muitos outros); sobretudo, com as teorias neoliberais em economia (Milton Friedmann, e tutti quanti...).

Se o mito de Midas não fosse mais que uma fábula moralista, não seria suficientemente estimulante, para mim. Compreendo agora a metáfora, a um nível mais profundo, graças a Michael Hudson. Com efeito, a economia de renda «transforma em ouro (em riqueza)» tudo aquilo em que toca, no sentido do rentista obter acréscimo de riqueza, devido à exploração dos que não possuem meios de escapar à extração dessa renda: Não apenas sob forma da mais-valia salarial, como pela necessidade de recorrer ao crédito, para ter acesso a casa própria (os juros hipotecários dos bancos), ou para pagar os estudos, ou para comprar um carro (muitas vezes instrumento de trabalho do trabalhador precarizado, o «empresário individual»), etc. 

Do ponto de vista do rentista há um acréscimo, ao capturar rendimento, o que - aliás - se vai traduzir por aumento correspondente no PIB dum país, mas sem que tal corresponda a um verdadeiro aumento da riqueza global. Com efeito, se alguém - o indivíduo A -desvia parte do seu rendimento, não para consumo pessoal ou para investimento produtivo, mas para pagar uma «renda», (em termos atuais...) prestações incluindo juros, a quem lhe emprestou dinheiro. Se o rendimento desviado vai para a conta de B, então não houve acréscimo de riqueza. Houve apenas uma transferência, duma conta para outra, do excedente gerado por A. Este excedente corresponde ao que A conseguiu pôr de lado, sem deixar de satisfazer as necessidades básicas próprias e da família. É evidente que, sob o capitalismo, quando a capacidade dos pobres e das classes médias diminui, devido às crises periódicas que o assolam, eles perdem os bens que estavam a adquirir a prestações (incluindo a sua casa própria), ou são espoliados de bens dados em garantia, indo essa riqueza material parar às mãos dos proprietários do capital, em geral, membros da oligarquia: No nosso tempo, a oligarquia é sobretudo a detentora do capital  financeiro e imobiliário;  na Grécia antiga, onde foi originado o mito do Rei Midas, era sobretudo a dona da terra, da propriedade agrária.

O Rei Midas transformava em ouro tudo aquilo em que tocava, mas o ouro não é vida, o ouro é estéril, aquilo que se transforma em ouro deixa de participar na economia produtiva, apenas fica entesourado. Como analogia perfeita, note-se que o entesouramento vai traduzir-se numa perda da sociedade no seu conjunto, porque esse capital não é posto ao serviço da economia. O Rei Midas armazenava-o numa torre, onde ia deliciar-se, tocando nas riquezas que eram dele e só dele. 

Hoje, como exemplos de capital não produtivo, temos «buy backs» ou auto-compra de ações de empresas cotadas em bolsa, que assim desviam potencial investimento produtivo para manterem as suas ações artificialmente altas. Temos os capitais especulativos (hedge funds, bancos de investimento) que «vivem» do saber antecipado dos movimentos e oportunidades dos mercados, normalmente, pelo insider trading, pois não possuem uma «bola de cristal»! E também, as muito importantes e generalizadas rendas de monopólio, é o caso dos preços praticados por  grandes empresas de informática e de tecnologia da informação entre outras, que conseguiram eliminar os concorrentes. Nestes casos, o preço cobrado não tem qualquer relação com o custo e produção do bem ou serviço, mas com aquilo que a empresa monopolista estima ser a capacidade aquisitiva e/ou o desejo do consumidor, condicionado pela publicidade. Tudo isto, são diversas formas de extração de «renda», ou seja, um rendimento não resultante de input real  do proprietário do capital.  

Michael Hudson, recentemente, deu uma conferência  em que fez o historial das diferenças entre civilizações da antiguidade. Nos impérios do Médio-Oriente e da Ásia, havia a noção de que ser credor dava demasiado poder e que as dívidas tinham, de tempos a tempos, de ser perdoadas (os anos de jubileu, ou de Shemitah) para que reinasse a paz social. Enquanto nos reinos e impérios do Ocidente (Grécia e Roma), a oligarquia conseguiu impor a sua lei: O credor tinha sempre o direito do seu lado. A restituição do que estava em dívida, tinha prioridade jurídica absoluta. Foi assim que os agricultores endividados ficaram espoliados das suas terras e  foram transformados em proletários, em servos ou em escravos.

Esta interpretação jurídica do direito de propriedade e da prioridade que têm os credores sobre os bens das pessoas endividadas, continuou até hoje, no Ocidente,  através do direito romano e logo do direito anglo-saxónico, atualmente imposto como a norma em grande parte das relações mercantis, económicas e financeiras internacionais. 

Este processo, onde o credor tem um poder de vida e de morte sobre o devedor (a etimologia do termo inglês para hipoteca, «mortgage», vem do francês antigo, literalmente: «fazer um juramento sob pena de morte», caso ele não seja cumprido), abafa as forças produtivas em qualquer sociedade submetida a ele. 

Muito capital é desviado para as mãos dos credores. Este capital, é (em grande parte) entesourado, não é reinvestido na economia produtiva: O resultado é o empobrecimento geral da sociedade visto que o rendimento disponível global (o capital disponível para ser investido) vai sempre diminuir.

Como tentei explicar, a lenda do Rei Midas poderá ser muito mais rica de significado, do que uma banal história moralista sobre a ganância e os males que advêm aos gananciosos.

*Por exemplo, From Junk Economics to a False View of History ,recentemente publicado, que resume algumas partes do livro The Destiny of Civilization

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MITOLOGIAS (VII) O GRANDE MITO DO NOSSO TEMPO

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MITOLOGIAS (VI): ASTROLOGIA

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MITOLOGIAS (V) : COSMOGONIAS, OS MITOS DAS ORIGENS

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MITOLOGIAS (IV)TRANSFORMAÇÕES ZOOMÓRFICAS

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MITOLOGIAS (III) QUIMERAS

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MITOLOGIAS (II): PROMETEU AGRILHOADO

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MITOLOGIAS (I) : OS CICLOPES

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sexta-feira, 3 de junho de 2022

O PIOR SINAL: «FOGOS-DE-ARTIFÍCIO» DAS AÇÕES NAS BOLSAS

                
                    Figura: um sem-abrigo, algures, numa urbe afluente.


Como muito bem diz Alasdair Mcleod, um surto inflacionário é sempre um fenómeno monetário. Ou seja, não são os preços que aumentam, na realidade, mas o poder aquisitivo do dinheiro que desce.

Esta distinção pode parecer especiosa, mas na verdade não o é. Porque os monetaristas e os keynesianos apresentam sempre o problema como de uma falta de oferta e/ou excesso de procura, nomeadamente dos bens correntes, o que não é quase nunca o caso, aliás. Ou, pelo menos, não é este o motor principal da crise inflacionária. O principal é sempre a falta de confiança nos ativos financeiros, a começar pela própria divisa (dinheiro «cash»), assim como nos instrumentos financeiros, contabilizados nessa (s) divisa(s).
Por que razão se experimenta (como agora) uma subida espetacular nas bolsas, ou em ativos não-financeiros, durante um processo inflacionário?
- Porque, o que se compra, na aquisição de ações, é não-financeiro, na verdade: é uma fatia de propriedade duma empresa. Se esta empresa tem viabilidade e dá lucro, o detentor das ações irá receber dividendos.
- Quando a economia entra em descalabro, em crises inflacionárias, como, por exemplo, na Alemanha em 1920-23, o que acontece? As pessoas com poder de compra e visão a longo prazo, investiram em ações das empresas que estavam muito sub-cotadas, nessa altura, e ficaram ricas. Outras, compraram quarteirões inteiros de prédios, nas zonas centrais das cidades, e também ficaram ricas.
- O Zimbabwé e a Venezuela são outros exemplos de países cujas divisas foram destruídas pela inflação. Numa fase da crise, muitos pequenos investidores  compravam ações nas bolsas respetivas desses países, pois era a única forma de se verem livres de Bolivares ou de Dólares do Zimbabwe, que - a cada dia que passava - perdiam valor.
Eles esperavam que algumas das empresas cotadas em bolsa resistissem e se valorizassem. Talvez assim pudessem recuperar parte dos investimentos feitos. Por isso, assistia-se à subida espetacular nas bolsas de Caracas ou de Harare, com ganhos muito maiores que nas bolsas dos grandes centros financeiros.
Em muitas outras ocasiões históricas, tanto nas bolsas de valores, como no imobiliário, a crise inflacionária tem sido assinalada por subidas exponenciais de certos ativos. É o que os economistas da Escola Austríaca (Von Mises, Hayek...) designaram de «crack-up boom».
Num contexto de instabilidade e de inflação crescente, os alimentos e matérias-primas industriais (metais industriais como o ferro, o cobre, o alumínio, etc.) aumentam brutalmente de preço. O mais notório é o petróleo, condicionando a subida dos restantes produtos. Os combustíveis são indispensáveis, não só para os transportes, como para processos industriais, aquecimento, fabrico de adubos, de plásticos, etc. Praticamente tudo, na nossa civilização, depende dos combustíveis fósseis. Mas, na verdade, quando o preço dos combustíveis aumenta, é o poder aquisitivo do dólar ou das outras divisas, que está a ser erodido.
A confiança da sociedade nas divisas, que se depreciam em relação às mercadorias, é cada vez mais baixa, na proporção inversa da inflação experimentada. As pessoas começam a querer desfazer-se do dinheiro, enquanto este guarda algum valor, pois sabem que no dia seguinte, apenas terá uma fração do mesmo.
Mas estas crises de confiança não são despoletadas por movimentos irracionais das multidões: Elas apercebem-se, de forma intuitiva - algumas de forma refletida - que o valor do dinheiro vai decrescendo.
O «método garantido» para sabotar o valor do dinheiro, é fazer uma impressão excessiva do mesmo. É coisa que os governos e bancos centrais têm feito em grande escala, principalmente após o colapso de 2008. Decidiram imprimir quantidades astronómicas de unidades monetárias e comprar com elas «papeis sem valor» (invendáveis), mas pelo seu valor «nominal». Estes, estavam na posse dos bancos. Foi assim que fizeram para resgatar os mesmos bancos. Infelizmente, estas operações continuaram durante doze anos, sempre com o pretexto de «salvar a economia». Agora, as economias ocidentais estão de rastos, em consequência das políticas dos bancos centrais e dos governos.
No capitalismo, a falência faz parte das ocorrências possíveis para as empresas: Quando isso ocorre, em geral, trata-se de empresas mal geridas, mal dimensionadas, ou que ficaram para trás na competição.
Se, pelo contrário, as empresas (incluindo os bancos comerciais) são protegidas da falência, então, não importa se cometem erros, se os investimentos são mal dimensionados, ou que haja perda de competitividade. Estas empresas têm sempre a "mão caridosa" do Estado ou do Banco Central, para vir em seu socorro.
Muitas grandes empresas e bancos ditos sistémicos, tornaram-se, de facto, parasitas da economia produtiva. São mastodontes ou «elefantes brancos» que acumulam perdas, nunca gerando lucro e sem capacidade para funcionar normalmente. Seria melhor, para a economia do país, elas fecharem as portas. Outras empresas, mais dinâmicas, com maior potencial, irão preencher as partes de mercado deixadas vagas. É esta a dinâmica do capitalismo «clássico». Digo isto, para sublinhar que aquilo a que assistimos nestes 12 anos, é muito diferente.
O efeito Cantillon explica isso. Trata-se do efeito obtido por alguns intervenientes no mercado, devido ao facto de estarem em «primeira fila» para receberem crédito. Se têm acesso fácil, a um juro baixo, terão vantagem competitiva, em relação aos outros, com maior dificuldade de acesso e que só consigam taxas de juro mais elevadas.
Imaginem uma grande empresa de tecnologia (Apple, Microsoft, etc.) e, em comparação, um pequeno negócio. Este último pode ser gerido com prudência, de forma inteligente, fornecendo produtos ou serviços de real utilidade para os consumidores. De qualquer maneira, terá muito maior dificuldade em obter crédito: Se o conseguir, será com juros bem mais elevados que aquelas grandes empresas. 
Mas, além disso, as grandes empresas, para manter artificialmente suas ações sempre elevadas, utilizam o crédito barato para a auto compra das suas ações. Os dirigentes executivos dessas empresas também ganham, pois obtêm bónus mais generosos, pelo facto das suas empresas «levitarem» nas bolsas. O efeito Cantillon, previsivelmente, vai enriquecer os que já são muito ricos e vai tornar a economia menos competitiva, pois impede que pequenas empresas com potencial consigam «descolar».
Tudo o que os bancos centrais fazem, resume-se a falsear a concorrência, adiando o inevitável. Quanto mais se continuar neste processo, mais o valor remanescente do dinheiro vai ser menor. Haverá uma espiral descendente, que destruirá o valor das divisas, mesmo as que parecem «muito sólidas».
A colocação artificial - em valores ridículos - dos juros de referência (obrigações soberanas, a juro negativo!) e a impressão monetária «non stop» em quantidades absurdas, pelos Bancos Centrais, não são apenas uma «arma apontada» às empresas produtivas: São uma arma apontada à cabeça da sociedade no seu todo, porque as dívidas que se acumulam, são, em grande parte, dívidas dos Estados, dívidas que são, já hoje, impossíveis de reduzir.
O mecanismo é simples de compreender: Se a quantidade de juros que os Estados têm de pagar for superior às possibilidades de o fazer, entram em insolvência. Se os mesmos juros fossem deixados variar de acordo com o mercado, atingiriam valores da ordem de 5 a 6 % ou mais. Devido às somas que seria necessário incluir nos orçamentos, estas taxas são incomportáveis para os Estados.
Na realidade, as «curas de austeridade», «congelando» ordenados de funcionários e pensões, quando a inflação é de dois dígitos, é o equivalente a faltar às suas obrigações. O valor nominal pago pelo Estado mantém-se, mas o valor aquisitivo do ordenado ou da pensão, desce a um ritmo brutal.
Os que detêm «dívida soberana» ou obrigações estatais, são as instituições financeiras, os bancos nacionais e estrangeiros. Estes vão receber, durante algum tempo, os juros respectivos. Estas instituições capitalistas são muito menos penalizadas que os assalariados: Poderão ter alguma dificuldade em vender as obrigações nos mercados. Mas os Estados, vão fazer os possíveis para continuar a «honrar» as suas dívidas, quando os seus detentores são capitalistas ou instituições. Têm muito menos preocupação em «honrar» as dívidas ou compromissos assumidos em relação aos cidadãos comuns. São sempre estes que pagam as crises.
Os dirigentes políticos sabem que esta dívida nunca será paga. Eles fingem que não o sabem e continuam a pedir (e obter) empréstimos. Deste modo, levam os seus países à bancarrota. São os causadores das maiores misérias aos seus próprios povos. A revolta e a revolução, são eles que as provocam, afinal!

quarta-feira, 16 de março de 2022

QUEDA DA TAXA GERAL DE RENTABILIDADE DO CAPITAL; REALIDADE OU MITO?



Muitas pessoas têm uma pobre educação em ciência e estimam que as doutrinas marxistas se baseiam «na ciência». Ou até, acreditam que o marxismo é a «única interpretação verdadeira» da realidade social, económica e histórica. 
Sem dúvida, este complexo mental durou muito tempo, na Europa pelo menos, desde a fase do triunfo da revolução bolchevique, até aos tardios revolucionarismos marxizantes, com conotação "esquerdista": Trotskismo, Maoismo, Guevarismo,  Escola de Fanckfurt, Situacionismo, etc. 
Todas estas correntes têm algo do marxismo inicial, mas estranhamente, como aliás já tinha feito notar, enganam-se mesmo na essência do marxismo. Para se ser marxista hoje, seria antes de guardar o método, a metodologia, o primado da prática, não a fixação em dogmas. Esta fixação dogmática, auto-iludida é (ou foi) comum em regimes oficialmente «comunistas», como na URSS ou na República Popular da China e nos partidos e correntes comunistas, na sua confusão de «internacionais».

Primeiro, é preciso compreender o contexto geral em que Marx e seus seguidores produziram e difundiram suas doutrinas. Deve ter-se em conta os aspectos panfletários desses escritos, que não estão ausentes, mesmo e sobretudo, em textos de «polémica teórica». Mas, todas as discussões, com adeptos ou opositores, banhavam num mesmo paradigma, ou mentalidade predominante. Este contexto mental e ideológico, na época dos fundadores do marxismo, pode resumir-se numa palavra: «cientismo». 
O cientismo apropria-se dalguns resultados ou conceitos das ciências, para concatenar uma ideologia, supostamente «objetiva». Com isso, pretendem os polemistas «varrer» quaisquer objeções, invocando a «infalibilidade da ciência» (1).  
O cientismo, não é sinónimo de se ter em elevada estima a ciência e de querer estar o mais perto possível dos avanços práticos e teóricos das diversas ciências. Não; o cientismo é uma ideologia. Utiliza elementos da ciência (a sua embalagem, sobretudo) para fazer passar uma dada visão do mundo.
Entenda-se que eu NÃO digo que o marxismo, na sua análise do capitalismo, seja uma teoria completamente inútil, das que se pode «deitar para o caixote de lixo» ou, para «guardar na estante das obras que apenas conservam interesse para a história das ideias»! 
Mas, para tal, será necessário nos debruçarmos sobre a teoria marxista, contextualizando o seu teor às condições sociais e históricas em que surgiu, coisa que não irei fazer aqui, obviamente (2).

Apenas quero dirigir a minha atenção para um ponto, que aparece sempre, como se fosse uma verdade inapelável, uma «lei» das sociedades, da economia, da história. Estamos perante um fenómeno de assimilação acrítica, de «cientismo marxista». 
Com efeito, dificilmente nas fileiras marxistas se vê algum questionar do estatuto filosófico da «lei». Sobretudo do modo como é transposto das ciências físicas e naturais (Física, Química, Biologia...) para as ciências humanas: Economia, Sociologia, Psicologia, História. 
Este mecanicismo, aliás, fica completamente posto a descoberto com a constatação de que os conceitos supostamente científicos nunca são formulados de modo a que possam ser postos à prova da experiência («falsificáveis», segundo a terminologia de Carl Popper): 
Isso não é feito, pela simples razão de que não se trata de formular uma hipótese científica,  algo que é perfeitamente aceite no domínio da ciência, mas antes de impor uma afirmação dogmática que coloca o marxismo no mesmo plano que uma religião.

A questão da «lei» da taxa de lucro geral decrescente (3) do capitalismo é um absurdo, pois não existe qualquer maneira de medir propriamente essa taxa geral. 
Nós podemos avaliar a rentabilidade do capital num determinado projeto; podemos - fazendo extrapolações e inferências - alargar este conceito à rentabilidade geral num setor produtivo, mas será absurdo estar a calcular, por exemplo, a rentabilidade do capital investido em todos os setores e em diversos momentos históricos, num país ou em vários países.
Porque querer atribuir uma rendibilidade geral ao capital, que tem imensas vertentes (capital financeiro, capital fundiário, capital industrial, etc.), não faz sentido.  É como pretender decidir sobre o «gosto da fruta, em geral», juntando o sabor do ananás, da laranja, da pêra, do alperce, da uva, etc!
Aliás, se um capitalista deseja máxima rentabilidade para o capital investido, isso não significa que ele não seja capaz de diferenciar seus investimentos, em prazos mais largos, ou mais curtos. A lógica dum investimento no setor imobiliário, não é igual à dum investimento na bolsa de ações. Ora, não só a duração, como as rentabilidades típicas para estas 2 categorias, são muito diferentes.

A questão de se saber qual a rentabilidade geral do capital investido, quando olhada de perto, coloca imensos problemas, a começar por se determinar se o próprio conceito faz sentido. Só fará, caso se possa medir tal rentabilidade com critérios minimamente aceitáveis (consensuais). Aliás, no mundo real há imensos problemas que não são solucionáveis com generalizações. A complexidade do real é algo que não entra na cabeça de pessoas dogmáticas. 

Mas, as palavras pomposas dão a aparência de «explicação científica» a muitos ingénuos. Esta pseudo-explicação da "queda da taxa geral do rendimento do capital ao longo do tempo", é simplesmente um mito. Tanto mais que o capitalismo soube transformar-se e operar em domínios de atividade que ontém - já para não falar de há dois séculos atrás - não eram sequer conhecidos, ou sonhados. 

Admitindo que, geralmente, o propósito do capitalista individual seja o de maximizar a taxa de lucro, a verdade é que muitos capitalistas (e justamente, os maiores) têm a prudência de diversificar e colocar parte dos investimentos em algo, que possa ter um retorno mais baixo, mas que confere segurança. Correntemente, há todo um ramo da matemática e estatística aplicadas (ver as obras de Nassim Taleb, por exemplo) que se dedica a avaliar o risco e a ponderar a hipótese de lucro, com esse risco.  

Outra questão associada ao referido mito, tem a ver com algo que muitos (pseudo?) marxistas parecem não conhecer: Refiro-me ao capital fictício. Se, no tempo de Marx, existia especulação, se alguns se dedicavam a extrair lucros, sem acrescentar algo à esfera produtiva, tratava-se de um fenómeno bastante marginal, ao fim e ao cabo. Estava-se no auge do capitalismo industrial, em que os industriais tinham a mão de cima, dominando as outras esferas do capital e, mesmo, o Estado burguês. 
Defino o conceito de capital fictício, como o capital que resulta da especulação e não tem origem num fenómeno de criação de riqueza verdadeira, sob forma de mercadorias ou de serviços...
Na fase terminal do capitalismo que estamos agora a viver, disparou o enriquecimento por parasitismo (cronyism). Este, é um privilégio dos muito ricos e é levado a cabo com a participação plena das maiores instituições financeiras, os bancos «sistémicos» e «hedge funds» de maiores dimensões (Blackrock, Vanguard, etc.). Tal desvio de capital para vantagem de alguns (muito poucos) observa-se ao nível de monopólios, com as chamadas «rendas de monopólio»(4), mas também ao nível das operações de QE (FED e bancos centrais do Ocidente), com a inundação dos bancos (ditos) sistémicos com biliões e triliões de dólares. Tais somas servem para que estes especulem com toda a panóplia de ativos financeiros, eles próprios, ou emprestem (a baixo juro) às grandes empresas, que fazem a retro-compra das ações, para as fazer subir artificialmente. Estas manobras especulativas vão inflacionar os ativos financeiros (ações, obrigações, derivados), mas não vão acrescentar nada à capacidade produtiva das empresas. Os ativos financeiros descolaram completamente da realidade, deixaram de ter qualquer relação com a rentabilidade e o valor real das empresas e países respectivos. 
Forma-se, assim, um excedente de capital fictício. Este, não apenas se acumula, como vai sendo utilizado para tomar o controlo sobre tudo o que seja «interessante», desde empresas, a terras agrícolas. O capital que, anteriormente, seria canalizado para atividade produtiva fica a acumular-se em atividades especulativas, sem reflexo direto ou indireto na produtividade. Os empreendimentos produtivos ficam menorizados (5), há um défice real de investimento nos setores produtivos. 

A conceção marxista tradicional considerava que o valor concentrado no capital, era uma espécie de «trabalho congelado», fosse ele fundiário, imobiliário, das empresas e fábricas, dos equipamentos, mercadorias... Mas, também, concentrado no capital financeiro, no dinheiro líquido e em todos os ativos financeiros (ações, obrigações, outros títulos). Esta teoria do valor aguentou-se mais ou menos bem, enquanto o capitalismo não atingiu a fase da «financeirização». 
O que aconteceu, com a financeirização, a partir dos anos 80 do século passado, foi o avolumar da predação do capital financeiro sobre todas as outras esferas da vida económica e social. Observando a evolução do PIB nos diversos países, as atividades típicas do sistema bancário e financeiro tomaram a dianteira sobre a parte de formação de riqueza tangível, ou seja, os setores industriais que satisfazem necessidades básicas das pessoas.  
Não admira que o próprio poder político tenha caído refém do capital financeiro omnipotente. Ele criou um mecanismo de auto-reforço, visto que conseguiu levar o governo e restantes órgãos do Estado a produzir legislação benéfica para eles, mega-empresas, a dar-lhes vantagens fiscais, isenções diversas, créditos bonificados, uma fiscalização de atividade quase ausente, etc. 
O capital financeirizado é como o Ugolino que devora os seus próprios filhos.  

Bronze de Jean-Baptiste Carpeaux: Ugolino e seus filhos 


Não seria bom que as pessoas que se auto-intitulam marxistas, se debruçassem sobre a metodologia de análise, sem dogmas? Que os conceitos fossem vistos de modo dinâmico, cuja evolução deve sempre acompanhar de perto a realidade social e económica? 
Não é fácil, embora fosse ideal, aplicar o método científico a áreas do saber que -por natureza- são muito mais difíceis de abranger, pela simples razão de que não podem (ou não devem, por razões éticas e deontológicas) ser sujeitas a experiência científica, delimitada, controlada e avaliada pelo experimentador (Economia, Sociologia, História, Psicologia)

Devemos dedicar-nos a aprofundar aspetos metodológicos e filosóficos do método científico. Lamento que alguns dos que se revestem da etiqueta de revolucionário, estejam bem mais precisados de descer das «nuvens revolucionárias» onde costumam situar os seus debates.
Não tenho nada contra as pessoas que sinceramente querem a revolução, pelo contrário. As que lutam e investem toda a sua energia na transformação do mundo. Se alguém pensa que o escrito acima tem uma centelha de desprezo pelos revolucionários de todas as sensibilidades, peço desculpa. O meu intento é o oposto, é o de clarificar. Porque vejo demasiada confusão mental em pessoas fundamentalmente honestas. Este escrito destina-se a ajudar ver a realidade das coisas. Se as pessoas virem a realidade sem vendas nos olhos,  serão mais capazes de um trabalho eficaz na construção da sociedade onde sejam abolidas a exploração do homem e a depredação da Natureza.    

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(1) Tivemos um ressurgir recente dessa mentalidade, que se revelou com os ataques contra os objetores da narrativa padrão, sobre a epidemia de COVID e sobre a forma adequada de a tratar.
(2) Leitura perfeitamente em linha, note-se, com a teoria marxista genuína (por oposição à «vulgata»)
(3) Entre uma infinidade de artigos que citam a mesma «lei», escolhi este. Ele é um bom artigo, de Colin Todhunter, mas enferma do preconceito aqui tratado: https://off-guardian.org/2021/11/15/saving-capitalism-or-saving-the-planet/
(4) «Rendas de Monopólio» a expressão é do Prof. Michael Hudson; não tem nada que ver com o sentido trivial de «renda de casa».
(5) O capital disponível é desviado para especulação (por exemplo, auto-compra de ações) ou acquisições predadoras sobre empresas concorrentes. Nem num caso, nem no outro, são contribuições para o aumento ou diversificação da produção, ou para a inovação tecnológica. Estes investimentos produtivos são preteridos porque resultam num retorno de investimento mais baixo, ou a mais longo prazo.