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sábado, 1 de abril de 2023

Inflação: o imposto oculto

 Não existe ainda uma consciência na generalidade das pessoas, sobre o modo como o Estado obtém o financiamento para as despesas que faz. Teoricamente, ele funcionaria com o dinheiro dos impostos. Mas, é fácil constatar que ele gasta muito mais do que recebe e, ainda por cima, tem despesa que não está inscrita no Orçamento de Estado.

Como é que os Estados se mantêm, muitas vezes com défices orçamentais que se avolumam de ano para ano?

Existem vários mecanismos que levam a um aumento da receita de imposto, sem que isso se torne muito óbvio para a generalidade das pessoas. Assim, se houver um aumento geral dos preços, todos os produtos que têm o imposto de valor acrescentado (IVA) aumentam na mesma proporção. Dirão: mas o valor maior cobrado vai cobrir as maiores despesas do Estado, portanto em termos líquidos, não é propriamente um aumento.

- Certo, só que as despesas do Estado são, numa grande fatia, despesas fixas ou que pouco aumentam: Estou  a referir-me a despesa com ordenados dos funcionários e agentes do Estado, assim como as pensões de reforma e invalidez. Estas despesas deveriam aumentar na devida proporção do aumento do custo de vida, mas tal não acontece nunca. Um funcionário público, ou um pensionista do Estado, terão mais alguns euros no seu ordenado ou pensão, mas de forma nenhuma tais aumentos atingem o valor que corresponderia à inflação.

Além do mais, o índice de inflação não é objetivamente avaliado. Desta forma, o Estado não tem de desembolsar tanto como seria o caso, se a inflação fosse avaliada corretamente. Se o verdadeiro índice de inflação for de 12 % ao ano, o «cozinhado» que fazem com as estatísticas poderá dar um índice (falso) de 8%. Nestas circunstâncias, não apenas o Estado desembolsa menos 4% com ordenados e pensões, como vai buscar mais na receita do IVA. 

Em geral, o Estado, sobretudo quando estiver em défice, cobre as despesas emitindo obrigações do Tesouro,  títulos de dívida que vencem a prazos de 2, 5 ou 10 anos, por exemplo. Nesse intervalo, o Estado vai dar um juro fixo. Se nesse intervalo de tempo houver uma inflação maior do que a taxa de juro fixo, o Estado vai pagar menos (em valor real) pelo empréstimo feito: nominalmente é a mesma coisa mas, tanto o principal da obrigação, como o juro a ela associado, terão menor valor real (menos capacidade aquisitiva). 

Os Estados do Euro, têm sido «premiados» com a compra automática das obrigações que colocam no mercado e que não encontraram comprador,  pois o BCE (Banco Central Europeu) comprometeu-se a comprar todos os títulos do Tesouro dos Estados aderentes ao Euro. Então, os juros foram baixando para estas obrigações, até ao ponto em que Estados muito débeis, em termos financeiros, como Portugal, tinham um juro associado a sua dívida semelhante, ou mesmo inferior, a Estados com melhor situação económica e financeira. Assim, Portugal estava obrigado a pagar juros da dívida no valor (por hipótese) de 3% em média durante um longo período, mas semelhante juro era o de obrigações estatais de países com muito melhor situação global. Era como se os compradores da dívida portuguesa aceitassem adquiri-la, embora o valor real das obrigações fosse muito menor. 

Com efeito, o valor de uma obrigação é tanto maior quanto mais baixo for o seu juro. Isto reflete o cálculo do mercado sobre os riscos que correm os compradores de - ao fim do tempo definido - não receberem pagamento do principal (situação de bancarrota do Estado), ou de haver interrupção temporária no pagamento dos juros, ou outro tipo de incumprimento. Nestas circunstâncias, o apoio sistemático do BCE através da compra de obrigações dos Estados mais débeis, reflete-se a vários níveis: Estes empréstimos têm comprador garantido, com juro mais baixo e com menor despesa nos orçamentos públicos desses Estados (Os juros da dívida pública são obrigatoriamente inscritos no orçamento de Estado).  

Os ordenados e pensões são sistematicamente depreciados: o seu «ajuste» é feito tardiamente, num intervalo que pode ser dum ano; é baseado num índice oficial de inflação fictício; nalguns casos, provoca o aumento no imposto (IRS), por mudança  de escalão, o que anula o pequeno aumento recebido. 

Os grandes capitalistas também aproveitam a inflação em seu favor. Não apenas nos ordenados que têm de pagar; mesmo aumentando-os, estes terão menos valor, em termos relativos. Eles «antecipam» as subidas de preços, colocando a mesma mercadoria, cuja compra foi ao «preço antigo», com preço inflacionado ou aumentando a margem de lucro porque decidem vender a um preço muito maior que a inflação, que eles próprios sofreram no processo de fabrico.  

Em Portugal, o Estado não tem verdadeiros motivos para se preocupar muito com a subida dos preços, até certo ponto. O ponto crítico é a capacidade da população em suportar uma forte descida do seu nível de vida. Esta descida pode significar a caída na pobreza extrema, para alguns, e o empobrecimento relativo para a imensa maioria. Penso que a generalidade das pessoas estaria de acordo que, em Portugal, o bem-estar económico tem diminuído para a grande maioria, desde há alguns anos, sobretudo desde há cerca de ano e meio, com o agravamento da inflação.

Há perdas acentuadas nos pequenos comércios e nos serviços, que são as empresas mais criticamente dependentes da retração brusca da clientela. Muitos têm de abrir falência, outros têm de reduzir pessoal para fazer face ao novo contexto. Esta concentração favorece os grandes grupos, por exemplo os hipermercados, ao eliminar a concorrência do pequeno comércio de bairro.  

Por fim, a injustiça desta taxa, ou imposto oculto, ressalta se verificarmos que as pessoas pobres, ou com rendimentos médios-baixos, têm como principal despesa a alimentação (e outras necessidades quotidianas): A inflação é sempre mais acentuada neste item. Ora, os ricos têm, proporcionalmente às despesas, muito menos impacto, com o aumento dos preços da alimentação:  A alimentação pode representar uns 60% do rendimento, numa família pobre e somente 20% numa família rica. 


Alimentos subiram 20% na UE, num ano.


sexta-feira, 3 de junho de 2022

O PIOR SINAL: «FOGOS-DE-ARTIFÍCIO» DAS AÇÕES NAS BOLSAS

                
                    Figura: um sem-abrigo, algures, numa urbe afluente.


Como muito bem diz Alasdair Mcleod, um surto inflacionário é sempre um fenómeno monetário. Ou seja, não são os preços que aumentam, na realidade, mas o poder aquisitivo do dinheiro que desce.

Esta distinção pode parecer especiosa, mas na verdade não o é. Porque os monetaristas e os keynesianos apresentam sempre o problema como de uma falta de oferta e/ou excesso de procura, nomeadamente dos bens correntes, o que não é quase nunca o caso, aliás. Ou, pelo menos, não é este o motor principal da crise inflacionária. O principal é sempre a falta de confiança nos ativos financeiros, a começar pela própria divisa (dinheiro «cash»), assim como nos instrumentos financeiros, contabilizados nessa (s) divisa(s).
Por que razão se experimenta (como agora) uma subida espetacular nas bolsas, ou em ativos não-financeiros, durante um processo inflacionário?
- Porque, o que se compra, na aquisição de ações, é não-financeiro, na verdade: é uma fatia de propriedade duma empresa. Se esta empresa tem viabilidade e dá lucro, o detentor das ações irá receber dividendos.
- Quando a economia entra em descalabro, em crises inflacionárias, como, por exemplo, na Alemanha em 1920-23, o que acontece? As pessoas com poder de compra e visão a longo prazo, investiram em ações das empresas que estavam muito sub-cotadas, nessa altura, e ficaram ricas. Outras, compraram quarteirões inteiros de prédios, nas zonas centrais das cidades, e também ficaram ricas.
- O Zimbabwé e a Venezuela são outros exemplos de países cujas divisas foram destruídas pela inflação. Numa fase da crise, muitos pequenos investidores  compravam ações nas bolsas respetivas desses países, pois era a única forma de se verem livres de Bolivares ou de Dólares do Zimbabwe, que - a cada dia que passava - perdiam valor.
Eles esperavam que algumas das empresas cotadas em bolsa resistissem e se valorizassem. Talvez assim pudessem recuperar parte dos investimentos feitos. Por isso, assistia-se à subida espetacular nas bolsas de Caracas ou de Harare, com ganhos muito maiores que nas bolsas dos grandes centros financeiros.
Em muitas outras ocasiões históricas, tanto nas bolsas de valores, como no imobiliário, a crise inflacionária tem sido assinalada por subidas exponenciais de certos ativos. É o que os economistas da Escola Austríaca (Von Mises, Hayek...) designaram de «crack-up boom».
Num contexto de instabilidade e de inflação crescente, os alimentos e matérias-primas industriais (metais industriais como o ferro, o cobre, o alumínio, etc.) aumentam brutalmente de preço. O mais notório é o petróleo, condicionando a subida dos restantes produtos. Os combustíveis são indispensáveis, não só para os transportes, como para processos industriais, aquecimento, fabrico de adubos, de plásticos, etc. Praticamente tudo, na nossa civilização, depende dos combustíveis fósseis. Mas, na verdade, quando o preço dos combustíveis aumenta, é o poder aquisitivo do dólar ou das outras divisas, que está a ser erodido.
A confiança da sociedade nas divisas, que se depreciam em relação às mercadorias, é cada vez mais baixa, na proporção inversa da inflação experimentada. As pessoas começam a querer desfazer-se do dinheiro, enquanto este guarda algum valor, pois sabem que no dia seguinte, apenas terá uma fração do mesmo.
Mas estas crises de confiança não são despoletadas por movimentos irracionais das multidões: Elas apercebem-se, de forma intuitiva - algumas de forma refletida - que o valor do dinheiro vai decrescendo.
O «método garantido» para sabotar o valor do dinheiro, é fazer uma impressão excessiva do mesmo. É coisa que os governos e bancos centrais têm feito em grande escala, principalmente após o colapso de 2008. Decidiram imprimir quantidades astronómicas de unidades monetárias e comprar com elas «papeis sem valor» (invendáveis), mas pelo seu valor «nominal». Estes, estavam na posse dos bancos. Foi assim que fizeram para resgatar os mesmos bancos. Infelizmente, estas operações continuaram durante doze anos, sempre com o pretexto de «salvar a economia». Agora, as economias ocidentais estão de rastos, em consequência das políticas dos bancos centrais e dos governos.
No capitalismo, a falência faz parte das ocorrências possíveis para as empresas: Quando isso ocorre, em geral, trata-se de empresas mal geridas, mal dimensionadas, ou que ficaram para trás na competição.
Se, pelo contrário, as empresas (incluindo os bancos comerciais) são protegidas da falência, então, não importa se cometem erros, se os investimentos são mal dimensionados, ou que haja perda de competitividade. Estas empresas têm sempre a "mão caridosa" do Estado ou do Banco Central, para vir em seu socorro.
Muitas grandes empresas e bancos ditos sistémicos, tornaram-se, de facto, parasitas da economia produtiva. São mastodontes ou «elefantes brancos» que acumulam perdas, nunca gerando lucro e sem capacidade para funcionar normalmente. Seria melhor, para a economia do país, elas fecharem as portas. Outras empresas, mais dinâmicas, com maior potencial, irão preencher as partes de mercado deixadas vagas. É esta a dinâmica do capitalismo «clássico». Digo isto, para sublinhar que aquilo a que assistimos nestes 12 anos, é muito diferente.
O efeito Cantillon explica isso. Trata-se do efeito obtido por alguns intervenientes no mercado, devido ao facto de estarem em «primeira fila» para receberem crédito. Se têm acesso fácil, a um juro baixo, terão vantagem competitiva, em relação aos outros, com maior dificuldade de acesso e que só consigam taxas de juro mais elevadas.
Imaginem uma grande empresa de tecnologia (Apple, Microsoft, etc.) e, em comparação, um pequeno negócio. Este último pode ser gerido com prudência, de forma inteligente, fornecendo produtos ou serviços de real utilidade para os consumidores. De qualquer maneira, terá muito maior dificuldade em obter crédito: Se o conseguir, será com juros bem mais elevados que aquelas grandes empresas. 
Mas, além disso, as grandes empresas, para manter artificialmente suas ações sempre elevadas, utilizam o crédito barato para a auto compra das suas ações. Os dirigentes executivos dessas empresas também ganham, pois obtêm bónus mais generosos, pelo facto das suas empresas «levitarem» nas bolsas. O efeito Cantillon, previsivelmente, vai enriquecer os que já são muito ricos e vai tornar a economia menos competitiva, pois impede que pequenas empresas com potencial consigam «descolar».
Tudo o que os bancos centrais fazem, resume-se a falsear a concorrência, adiando o inevitável. Quanto mais se continuar neste processo, mais o valor remanescente do dinheiro vai ser menor. Haverá uma espiral descendente, que destruirá o valor das divisas, mesmo as que parecem «muito sólidas».
A colocação artificial - em valores ridículos - dos juros de referência (obrigações soberanas, a juro negativo!) e a impressão monetária «non stop» em quantidades absurdas, pelos Bancos Centrais, não são apenas uma «arma apontada» às empresas produtivas: São uma arma apontada à cabeça da sociedade no seu todo, porque as dívidas que se acumulam, são, em grande parte, dívidas dos Estados, dívidas que são, já hoje, impossíveis de reduzir.
O mecanismo é simples de compreender: Se a quantidade de juros que os Estados têm de pagar for superior às possibilidades de o fazer, entram em insolvência. Se os mesmos juros fossem deixados variar de acordo com o mercado, atingiriam valores da ordem de 5 a 6 % ou mais. Devido às somas que seria necessário incluir nos orçamentos, estas taxas são incomportáveis para os Estados.
Na realidade, as «curas de austeridade», «congelando» ordenados de funcionários e pensões, quando a inflação é de dois dígitos, é o equivalente a faltar às suas obrigações. O valor nominal pago pelo Estado mantém-se, mas o valor aquisitivo do ordenado ou da pensão, desce a um ritmo brutal.
Os que detêm «dívida soberana» ou obrigações estatais, são as instituições financeiras, os bancos nacionais e estrangeiros. Estes vão receber, durante algum tempo, os juros respectivos. Estas instituições capitalistas são muito menos penalizadas que os assalariados: Poderão ter alguma dificuldade em vender as obrigações nos mercados. Mas os Estados, vão fazer os possíveis para continuar a «honrar» as suas dívidas, quando os seus detentores são capitalistas ou instituições. Têm muito menos preocupação em «honrar» as dívidas ou compromissos assumidos em relação aos cidadãos comuns. São sempre estes que pagam as crises.
Os dirigentes políticos sabem que esta dívida nunca será paga. Eles fingem que não o sabem e continuam a pedir (e obter) empréstimos. Deste modo, levam os seus países à bancarrota. São os causadores das maiores misérias aos seus próprios povos. A revolta e a revolução, são eles que as provocam, afinal!