terça-feira, 21 de outubro de 2025
COMO VIVERMOS NUM TEMPO DE CRISE
segunda-feira, 11 de agosto de 2025
APOSTILA - Mais um devaneio [OBRAS DE MANUEL BANET]
Como vivem as pessoas
São iguais a ti e a mim
Mas elas parecem movidas
Por estranhos impulsos
Movia-me num sonho
Daqueles em que a pessoa
Vive como na realidade
Onde tudo acontece
Eu falava com as pessoas
E elas respondiam-me
Naturalmente, sem mistério
O sonho, denso, parecia real
Tudo se movia no quotidiano
Nem estranho, nem encantado,
Somente a banalíssima
Vida que todos nós tecemos
Porém, algo, não sei bem o quê,
Apoderou-se do meu espírito,
Quis rasgar o véu ilusório
Daquela realidade fictícia
Ao abrir uma porta, recebi
O fôlego poderoso do espaço
E do tempo, das cores e dos sons
Dos movimentos das ondas
... Das falas entrecruzadas
Num mercado ao ar livre
Do brouhaha indistinto num café,
Do caminhar da sombra...
Senti então um imenso desgosto
Como se tivesse abandonado
O verdadeiro mundo
Como se ele não fosse sonhado
Durante algum tempo senti
Nostalgia dos meus devaneios
Mas, por fim fiquei em paz
Com o mundo e o meu ser:
Tudo o que existe é sonho
Sonhado. Podemos dele sair
Para logo entrar noutro.
A realidade é um efeito
Ela tem o poder da ilusão
Tudo o que se vê acordado
É uma representação
Nada mais, um teatro
Se nos conformamos
Com o nosso papel,
Seremos bons atores
Na peça chamada Universo
segunda-feira, 14 de julho de 2025
APOSTILA - «A GRANDE ILUSÃO» - PARTE II
Há cerca de 12 anos, escrevi um extenso ensaio intitulado «A Grande Ilusão». Este, está inserido neste blog, embora o seu aparecimento seja anterior à existência do blog.
Mas, o que me importa mais agora é escrever uma espécie de apêndice ou postfácio, enfatizando aspectos da Grande Ilusão que não eram visíveis, na altura, pelo menos de forma representativa. Quero referir-me à persistente ilusão dos homens dominarem a Natureza, de serem eles a ditarem as regras, a imporem as leis e julgarem que estão no cerne do funcionamento dessa mesma Natureza.
E digo que isto cabe perfeitamente sob o mesmo título, pois é uma tendência generalizada e os mais inteligentes caem na armadilha com maior facilidade ainda, que os estúpidos e os ignorantes.
Por isso mesmo, se verifica um tipo especial de estupidez, «a estupidez dos inteligentes», em que a sofisticação do raciocínio, a riqueza da argumentação, a erudição medida pelas numerosas referências, tudo isso junto, produz um resultado prático irrisório, ou manifestamente inoperante: Traduz-se numa incapacidade patológica de apreensão do real.
Porém, é essa mesma estupidez dos inteligentes, que tem maiores hipóteses de fazer carreira, de ter sucesso, numa sociedade plena de ilusões, incapaz de distinguir a realidade, da projecção da mente, sem qualquer outro critério de «verdade», que não seja essa filosófica nulidade chamada estatística.
A verdade não é nem pode ser uma questão estatística. Se todos errarem menos um, é este que tem razão, não importa quantos disserem que é esse indivíduo que está enganado. Em filosofia, o número não faz a prova e, sobretudo, não faz a razão. Verdades tão evidentes como esta, temos com frequência de voltar a enunciá-las, a reafirmá-las no nosso espírito, para mantermos a calma e a força da razão no meio do desvario.
A ilusão mais perniciosa - ao fim e ao cabo - talvez seja a de quem se «colocar no lugar de Deus». Este facto mantém-se válido quer acredites em Deus, quer não: É completamente independente da nossa posição em relação à existência da Divindade Cósmica, pois postula a impossibilidade ab initio da posição peculiar dos indivíduos que pensam tudo saber, capazes de tudo equacionar, de terem solução para tudo e - se lhes for fornecido o que exigem - serem capazes de tudo fazer. Estamos aqui perante um delírio agudo ou crónico de inflação do ego, uma extrema confusão entre o limitado e falível, efémero e fraco, ser humano e aquilo que ele consegue se aperceber do Universo, na sua limitadíssima visão do mesmo.
Mas, são esses indivíduos, inflados no seu narcisismo, que têm a maior probabilidade de arrastar as massas, as quais estão sempre em adoração do que elas consideram ser um «génio». As massas idólatras de super-homens e super-mulheres de pacotilha, são capazes de fazer as maiores loucuras, acreditar nos maiores absurdos, sendo estas crenças tanto mais fanaticamente defendidas, quanto mais absurdas forem.
Num mundo assim, é muito difícil ser-se racional, um pouco céptico e comedido. Num mundo assim, o sábio é frequentemente assimilado ao louco, ou ainda pior, ao dissidente. O seu destino não é invejável, pois vai do «gulag» para uns, até à fogueira, para outros. E porquê tanto ódio contra pessoas que pensam diferentemente da maioria? - Será que a grande maioria pensa, ou apenas repete slogans, lugares-comuns erigidos em grandes visões e todas as parafrenálias das ideologias? Se a maioria fosse composta por pessoas que pensam, elas não teriam problemas com os que têm um pensamento outro, dissidente. As suas capacidades cognitivas até ficariam estimuladas perante um pensamento dissidente e nunca lhes passaria pela cabeça «contrariar» uma teoria com uma sentença de morte ou de prisão, ou um linchamento.
Os ditadores e demagogos de todas as espécies e variedades, sabem perfeitamente que uma maioria da espécie humana não pensa. Sabem que não é difícil enfiar-lhes na cabeça uma série de automatismos mentais, como aliás a «educação» se esmera a fazer, em todas as nações, de todos os continentes.
Com as técnicas de condicionamento da psique, podem ver a massa das gentes, (no sentido próprio, por vezes...) executar os que se atrevem a não acatar, os que não se submetem à «verdade» da multidão furiosa.
Estes comportamentos surgem, não espontaneamente, mas por condicionamento, aberto ou disfarçado, em muitas sociedades. Muitos fanatismos são completamente «reversíveis», no sentido em que se pode mudar-lhe etiquetas, sinais, protagonistas, mas continuam a ser reflexos pavlovianos. Trata-se, porém, de um ser humano na aparência, mas que o medo, o desejo de pertença, a imaturidade, fez submeter-se ao que lhe aponta um chefe.
O engodo da «IA», tem servido para fazer passar as mais extremadas posições e manipulação dos factos e isto, ao bel prazer dos multimilionários que possuem as empresas de «IA». Nada deste extremismo induzido surge ao olhar do público como insano, como totalmente repelente, etc. porque foi emitido (supostamente) por um algorítmo «IA» o qual teria a virtude de «pensar mais e melhor» que a mente humana.
Junta-se a ignorância do que sejam estas máquinas informáticas e os algorítmos, com o complexo de inferioridade frente àquilo que não se compreende, que se julga demasiado complexo.
O resultado é uma regressão, não apenas à infância, como ao «estado larvar»: Os indivíduos estão dentro de casulos, são alimentados e mantidos, consumindo o que os mantém em vida, mas uma vida do tipo zombie...
Assim, a redução do número de efetivos nas diversas populações pode prosseguir (com vários métodos), até ao limite que os Senhores desejarem. O limite para a redução dos efetivos, é que deverá haver um número suficiente de escravos para manutenção do mundo de conforto dos Senhores.
Quanto aos escravos, em breve, nem terão a capacidade de reprodução. Esta deixará de estar dependente de um «ato animal»; será um complexo de operações de tecnologia biológica. Logicamente, as pessoas «vulgares» (a plebe, os escravos), serão produzidas em série, por clonagem. Assim, por uma técnica muito simples, produzem-se «seres sem defeitos». Estes terão sua recompensa num pouco de comida, um mísero abrigo e serão «processados» e substituídos quando sua produtividade baixar.
Se olharmos retrospectivamente, compreendemos que muitos fenómenos sociais, muitas situações «aberrantes» até, já se podiam delinear, pois despontavam nas sociedades onde ocorreram, mas as pessoas contemporâneas desses fenómenos não deram por nada, aparentemente. Embora, de facto, haja sempre algumas pessoas que não se deixam iludir e tentam dar o alerta, este nunca é tomado a sério ou pior, é considerado subversivo, vindo dos inimigos da sociedade.
É falso pensarmos que não existe mais religião, baseados na premissa errada de que as pessoas abandonaram os respectivos templos. Há uma religião e está mais viva do que nunca, embora as pessoas não consigam identificá-la como tal. Por um lado, é transversal às diversas religiões, tradicionalmente prevalecentes. Por outro, ela flui pelos interstícios da sociedade, confundindo-se com as atividades mais triviais e indispensáveis no dia-a-dia. Não é religião que erga templos explícitos para culto dos fiéis. No entanto, o seu culto é muito divulgado e tem um número de fiéis certamente maioritário, em relação a todas as outras. Falo da religião do dinheiro.
No passado, ela existia também, diga-se: mas era temperada por outras coisas, como seja uma moral (religiosa, ou com raízes religiosas), que prescrevia o que se devia fazer ou não fazer, além de toda uma moldura de valores, de virtudes, às quais os devotos deveriam se conformar. Ou, pelo menos, na aparência.
Agora, o fator mais importante de ascenção social é o dinheiro. Não importa como foi obtido, nem como é gasto... É a sua acumulação que provoca «respeito religioso», da parte da multidão. Assim, ser rico - muito rico, na verdade - tornou-se virtude. Claro que as pessoas sempre admiraram e cobiçaram os ricos, no passado. Porém, a passagem do dinheiro a culto religioso, fez dos detentores do capital, simultâneamente, sacerdotes, magos, semi-deuses...
Bem podemos dizer e demonstrar que por este andar, a Terra fica esgotada, que os equilíbrios estão rompidos, que a diversidade biológica se vai reduzindo perigosamente, que ecossistemas estão a entrar em ruptura, que o esgotamento dos recursos ou sua contaminação vão tornar muito difícil a vida das gerações vindouras. Não, as pessoas estão viradas exclusivamente para «ganharem mais», para consumir agora, aquilo que antes estava acima de suas posses, e só conseguem equacionar a felicidade ou o sucesso dentro de sua comunidade, com seu enriquecimento.
Não procurei ser futurólogo no texto inicial de «A Grande Ilusão». Aqui, nesta segunda parte, atrevi-me a descrever tendências, que já se podem ver despontar no presente e têm já uma repercussão, mas que não se tornaram ainda, lugares-comuns.
domingo, 2 de fevereiro de 2025
Nº7 Espectrografias: ALAN WATTS, Nós enquanto organismo
terça-feira, 28 de janeiro de 2025
LUCRÉCIO, «DE RERUM NATURA» a realidade histórica e a lenda
terça-feira, 26 de novembro de 2024
PANTEÍSMO DE ESPINOZA, FILÓSOFO JUDEU DE ORIGEM PORTUGUESA
domingo, 25 de agosto de 2024
OS PODERES ENLOUQUECIDOS*
A crise do imperialismo é relativamente fácil de se compreender. Chegou aos seus limites: A destruição que provoca é como «serrar o ramo onde está sentado». Tornou-se depredador, numa escala insustentável: Tanto em termos de capacidade de regeneração dos ecossistemas naturais, como de alimentação das populações (abandono da agricultura de autossubsistência, pela agricultura industrial virada para exportação); até mesmo as novas tecnologias são reorientadas, com o objetivo de reforçar os dispositivos de vigilância das oligarquias no poder. A produtividade, num sistema onde o lucro fácil da especulação tem rédea livre, não pode deixar de ficar afetada gravemente. Necessariamente, desce a produtividade real, ou seja, a relativa aos produtos e serviços, que são úteis à sociedade.
Tudo isso sabemos, embora haja uma esquerda que insiste em conceitos marxistas completamente caducos, que podem ter parecido adequados numa altura em que o capitalismo (no séc. XIX) era sobretudo industrial, por oposição ao capitalismo do século XXI, financeiro e digital.
Com efeito, a crise da esquerda é paralela à crise do capitalismo. Ela não conseguiu integrar, de forma harmoniosa, os interesses dos trabalhadores e da humanidade, com os da natureza, nem tem sabido como combater as novas formas de exploração. Muitas pessoas são encaminhadas para falsas conceções teóricas pois os que controlam os aparelhos partidários, se fossilizaram nesta ou naquela versão do marxismo.
Por outro lado, tal esquerda ficou «órfã», porque durante anos e decénios, se limitou a arvorar o «socialismo real» como modelo. Pelo menos, agora, um número significativo de pessoas, à esquerda, já percebe que o «socialismo real» não existe; ou que nunca chegou a existir, na verdade.
Por muito tristes que sejam as experiências passadas de «socialismo real» em vários países, não se deve fazer tábua-rasa delas; é importante examiná-las criticamente. Pois, «quem não estuda a História, está condenado a repeti-la». Seria a coisa mais estúpida e trágica, repetir os erros de pessoas, partidos e governos, que se intitularam socialistas ou comunistas! Será que as pessoas de esquerda não conseguem descolar das etiquetas, dos slogans, das narrativas heroicas, e usarem as suas faculdades de pensamento?
Sei que existem dentro das fileiras da esquerda pessoas sinceras e inteligentes, que compreendem as tragédias que foram - em numerosos casos - os desempenhos das esquerdas no poder. Provavelmente, muitos têm receio de ir até ao fim do raciocínio, ou de o formular de um modo límpido:
- Serei eu melhor para fazer tal coisa? Não, por certo: Pela simples razão de que não sou historiador, nem politólogo; não me considero competente para fazer uma «nova síntese». E não teria qualquer efeito prático, mesmo que a fizesse, e que ela fosse bem feita. Pois, essa nova síntese só teria impacto, se fosse conhecida e discutida. Porém, sabemos como a dinâmica política é tributária da publicidade; se não fores muito conhecido, ninguém te vai ouvir/ler.
Penso, no entanto, que do ponto de vista filosófico, é necessário nos libertarmos dos conceitos dicotómicos que têm moldado o discurso da política, assim como a forma como costumamos pensar a moral e muitos outros assuntos.
Um primeiro passo, será nos centrarmos no código de conduta interior, a nossa ética pessoal, uma ética não egocêntrica, mas realista. Uma ética em que nos sentimos ligados, através de laço espiritual, ao Universo e tentamos descortinar, no livro da Natureza, o sentido da nossa caminhada.
Se a sociedade não está capaz de nos compreender, não vamos gesticular para tentar agradar-lhe. Não vamos tentar ganhar adeptos. Mais frutuoso - em qualquer situação - é agirmos de acordo com o nosso código interior. Isto acabará por dar seus frutos, junto das pessoas que nos são próximas.
É pelos atos, não pelas palavras, que as mentes se podem abrir. Não devemos ter ilusões de poder. É ilusório crermos que somos capazes de mudar as sociedades, individualmente. No entanto, as sociedades mudam e as vontades e consciências têm um peso neste processo.
quarta-feira, 14 de agosto de 2024
O SENTIDO DO SAGRADO E A TRAGÉDIA DA HUMANIDADE
Sinto-me, por vezes, completamente fora de tudo o que se passa, nestes dias, não por me desinteressar, ou por «desligar» das notícias, mas antes por estar em profunda contradição com a modernidade ou a pós-modernidade e com as atitudes levianas das pessoas de poder e dos que fazem quotidianamente comentários e tecem considerações sobre o que vai no mundo. Mas não é minha intenção falar aqui sobre o jornalismo de sargeta, nem a escumalha parasita dos estados e das sociedades.
Quero dizer-vos em como a mente humana tem capacidade única de interrogar-se sobre a natureza das coisas, quer seja uma mente alojada num «civilizado», numa das nossas cidades-formigueiros, quer seja de um «primitivo», vivendo num local inóspito, debatendo-se para conseguir a sua subsistência. Todos os humanos são eminentemente questionadores. São capazes de abordagens do real, tanto mais argutas, quanto significam um ganho de bens materiais, ou melhor capacidade de subsistência. Mas também, uma melhoria de estatuto, ganhar ou guardar a admiração dos outros e inclusive na sedução para satisfazerem seus desejos amorosos. Mas, para além destes aspetos - chamemos utilitários - existe um fundo de curiosidade não motivado por qualquer espécie de ganho (material ou simbólico). É essa curiosidade que levou muitos, já muito antes dos séculos «científicos» (o séc. XVII e seguintes), a descobrirem, inovarem. Foi o homem de há mais de dez mil anos a iniciar empiricamente a seleção das espécies vegetais e animais assim como tratamentos para várias doenças, administrados juntamente com encantamentos, porém com eficácia prática.
Foi preciso a arrogância de «novos-ricos» de alguns intelectuais do Séc. XVIII, os enciclopedistas, os «sábios» das luzes, para enterrar tudo o que fosse ou soasse a «gótico», tendo sido este termo usado com conotação pejorativa, como sinónimo de Idade das Trevas. Por outro lado, a Antiguidade Greco-Romana, o berço civilizacional da Europa, era guindado a modelo inultrapassável de civilização. Por exemplo, as conceções políticas dos primeiros republicanos eram fortemente influenciadas pelas suas leituras das instituições da Grécia antiga e de Roma.
Não foi o advento das teorias marxistas ou anarquistas, no século XIX, que diminuiu a adoração dos intelectuais pelo passado, mas um passado peneirado de forma a só serem evocados os pedaços que serviam «a causa». Evidentemente, a utilização ideológica de dados objetivos, científicos, sempre existiu. Porém, neste século XIX, a arrogância dos «iluminados», que se consideravam herdeiros da «filosofia das luzes», tornou-se mais pesada, não só diziam estar de acordo com a ciência; iam ao ponto de substituir-se à ciência. Não irei aqui dissertar sobre as monstruosidades resultantes, das «ciências» que vigoraram nos regimes nazistas ou leninistas. Ficará para outra ocasião.
O que me angustia é que as pessoas continuam a ser crédulas e a tomar como verdadeiras as construções mais falsas, que lhes são servidas pelos aparelhos de media, que veiculam as formas atuais da propaganda. A propaganda que atinge melhor o seu objetivo e que, portanto, é mais insidiosa, é a que combina a falsa informação, com informação truncada ou distorcida, misturada com elementos reais, mas descontextualizados. A maioria dos que recebe essa informação, dificilmente terá acesso a outra, devido à censura que entretanto se instalou por todo lado: primeiro, a pretexto de «desinformação» sobre o COVID, logo seguida sobre a guerra Russo-Ucraniana. Portanto, pode-se dizer que tanto nos media convencionais, como nos vários canais de Internet, a moldagem das mentes de milhões de pessoas tem sido feita, impunemente, pelos detentores do poder do Estado e do Capital.
quarta-feira, 17 de abril de 2024
COMO SITUAR O CONCEITO DE «REVOLUÇÃO», NA HISTÓRIA?
A história que nos é ensinada nas escolas, desde há gerações, segue uma vulgata marxista, o mesmo é dizer, que é algo ideológico.
No cerne dos preconceitos que enformam as gerações de estudantes formados após o 25 de Abril de 74, sobressai o de «revolução». Nenhum conceito poderia ser ensinado de modo mais confuso e mais ideológico. Fala-se de revolução a torto e a direito, a propósito de golpes de Estado e outros derrubes mais ou menos violentos, em contradição com os sistemas políticos instituídos.
Mas, na verdade, não houve senão duas revoluções, no sentido marxista (sem ironia!): pois a teoria marxista acentua o facto de uma revolução implicar profundas modificações no modo de produção, por sua vez, transformando as relações sociais, em profundidade e de modo duradoiro. A partir da consolidação da nova ordem, muitos aspetos super estruturais das sociedades, ficam profundamente modificados.
Para se aderir a esta visão do que seja «a revolução», teremos necessariamente de excluir as «revoluções políticas», as mudanças políticas, mesmo que elas nos pareçam muito significativas. De facto, o que é apontado como revoluções não o foram, por certo; mas foram antes epifenómenos de algo que estava a agir em maior profundidade.
A «revolução francesa», por exemplo, foi o derrube de uma ordem monárquica mas, nem por isso foi a transformação radical da forma produtiva, nem sequer da dominância das classes. A transição da sociedade agrária para a sociedade industrial estava muito avançada quando, a 14 de Julho de 1798, um grupo de populares parisienses tomou a Bastilha. As relações de produção continuaram as mesmas, antes e depois da «revolução», não foi pelo facto de um certo número de cabeças rolarem, nem de propriedades, que antes pertenciam a aristocratas, passarem a pertencer a burgueses, que se modificou em profundidade a relação entre as classes e nem sequer ao nível do poder político. Note-se que os cargos políticos, já antes da chamada revolução, eram largamente ocupados por elementos da alta burguesia, os quais exerciam esses cargos no poder central e provincial do Estado, muitas vezes relacionados com funções legislativas e da justiça. Mesmo nos altos postos das forças armadas, um campo supostamente reservado à nobreza, as classes não nobres iam progressivamente tomando conta de mais e mais postos. Não devemos ficar iludidos pelo facto do monarca enobrecer um alto funcionário ou uma alta patente do exército: era uma forma, por um lado, de mostrar confiança nesse indivíduo e, por outro, demonstrar que, servindo o reino, se podia ascender aos cargos e privilégios mais elevados, independentemente da origem social. Napoleão, auto- coroando-se de imperador dos franceses, apenas acentuou essa tendência, que já vinha de longe, criando uma nova aristocracia, desde barões a príncipes.
Não se encontra, no domínio da política, nenhum aspeto de fundo que tenha modificado realmente a estrutura das relações sociais. Alguns burgueses tiveram oportunidade de enriquecer, tomando as propriedades das ordens religiosas. Note-se que, eles já pertenciam aos extratos elevados da burguesia, quando compraram (por bem pouco!) os bens das ordens religiosas, postos à venda pelo Estado «revolucionário».
Poderíamos facilmente mostrar que, ao longo do período napoleónico, contrariamente à mitologia, as classes populares (operários, artesãos, camponeses), não só ficaram subjugadas pelos mesmos ou por outros senhores, como se acentuou a proletarização brutal. Foram colocadas pessoas de ambos os sexos, de todas as idades e incluindo crianças, numa relação de dependência e precariedade, que se traduziu em miséria para as classes populares urbanas. As pessoas esquecem muitas vezes a enorme sangria que foram as guerras revolucionárias e napoleónicas: Durou cerca de 25 anos, em várias partes da Europa. Foi um rasto de destruição «a ferro e a fogo», desde Lisboa até Moscovo. Estas guerras forçaram comunidades rurais inteiras a migrarem para as cidades, visto que as suas explorações agrícolas tinham sido devastadas ou tinham perdido sua viabilidade económica.
Do ponto de vista estritamente político, após as guerras napoleónicas reconstituiu-se rapidamente a aliança entre a alta burguesia e a aristocracia. Os governos e monarquias constitucionais que se formaram em quase toda a Europa, são o resultado disso. De fora, ficaram apenas elementos mais radicais, como os republicanos, que continuaram a ser perseguidos: não houve «liberdade de imprensa», nem liberdade de qualquer espécie, durante largos períodos do século XIX, tanto nos países onde tinha havido forte apoio às ideias revolucionárias, como nos que não se deixaram seduzir por elas.
Na verdade, o fenómeno político, as revoluções liberais, anti autoritárias, anti monárquicas, que houve ao longo do século XIX, são sobretudo o epifenómeno duma profunda transformação na estrutura produtiva. A revolução industrial, que se tinha desenvolvido bem antes, desde o século XVIII, pelo menos, estava a transformar as relações entre classes em profundidade, mas de uma forma silenciosa, não em consequência de qualquer proclamação de princípios revolucionários. O que houve de revolucionário (sem aspas) ao nível da produção, foram, entre outros, a primeira mecanização, a utilização de máquinas a vapor e a concentração de trabalhadores em grandes manufaturas. Estes, eram frescamente saídos dos campos, onde seu trabalho deixou de ter viabilidade económica.
A concentração de proletários nos centros urbanos, por sua vez, obrigou à transformação das práticas agrícolas: a utilização de processos mecânicos, a generalização dos adubos, os tratamentos fitossanitários, a maior racionalidade no uso dos solos e das culturas, produziram aumentos significativos da produtividade agrícola. Assim se criaram os excedentes que permitiram alimentar a massa humana cada vez maior, nas cidades industriais, porém utilizando muito menos braços nas tarefas agrícolas.
Portanto, a revolução industrial é o grande motor das transformações. Estas, não se limitaram ao século XIX:
Obviamente, a «grande revolução russa» correspondeu à transformação do país essencialmente agrário, numa potência industrial moderna. Que esta transformação se tenha operado a partir de 1917 sob um governo despótico, totalitário, não impede que tal transformação tenha sido o principal aspeto estrutural da «revolução russa». Os bolcheviques, para efetivação da sua tomada de poder, souberam aproveitar as simpatias de partes do campesinato e do proletariado citadino, por determinadas ideias sociais, o socialismo, o comunismo e o anarquismo. Estes foram instrumentalizados, por vezes esmagados, para a transformação desejada pela «elite» soviética. Não esqueçamos a famosa fórmula de Lenine: «o comunismo consiste nos sovietes, mais a eletrificação do país».
É estranho, mas os que se dizem marxistas não conseguem fazer leituras objetivas dos fenómenos sociais e políticos, quando neles estão envolvidos partidos e correntes «comunistas». A mesma incompreensão dos fenómenos leva certos «revolucionários auto-proclamados » a fazerem uma leitura totalmente errada do maoismo e do processo de emancipação da China, da sua passagem de uma sociedade atrasada, com características feudais, para uma grande potência industrial e tecnológica.
Nós - porém - não estamos bloqueados por preconceitos ideológicos. Temos acesso a um manancial de factos registados, pelo menos desde o início do século XIX, até hoje: não precisamos de distorcer a realidade, ou de fabricar «narrativas convenientes», para convencer os outros de que temos razão, que estamos na linha justa, etc.
É necessário compreender que a revolução industrial continua, que ela não parou: não é como um comboio que parte dum ponto, para chegar à estação de destino final. A revolução industrial tem vários episódios, continua a modificar a infraestrutura produtiva, a transformar as relações sociais, a condicionar a vida das nações e dos indivíduos e (como epifenómeno) segrega ideologias, as quais são uma espécie de «secreção» que o tecido social produz, enquanto este vai sofrendo inúmeras micro transformações.
A outra grande revolução na história da humanidade, é a revolução agrária. Ela dura desde há cerca de 10 mil anos. No presente, também continua e as suas transformações estão interligadas com as transformações da revolução industrial. Talvez, um dia escreva sobre a revolução agrária. De qualquer maneira, está tão ligada com as primeiras civilizações, que seria necessário compulsar um número impressionante de dados, só para darmos conta da origem e do desenvolvimento desta revolução agrária. É como fazer a história da humanidade, excetuando o longo período paleolítico.
Não poderei pretender mais, neste pequeno texto, do que delinear as questões teóricas em relação com o conceito de revolução e expressar estranheza, perante a «cegueira voluntária» dos que se assumem como sábios, como sabendo em profundidade as coisas, mas que cometem as mais grosseiras falhas de lógica, de bom-senso, para já não falar de método científico. Não poderei convencer tais indivíduos de que estão errados. Estão numa esfera do tipo crença religiosa, dentro dos seus casulos mentais, sem nenhuma abertura para a realidade...
Assim constatei, em vários, ao longo da minha vida. Felizmente, existem espíritos mais abertos, que conseguiram aperceber-se das falsidades que lhes andaram a contar durante boa parte da sua vida.
Mas, aos outros, que não estejam vinculados às falsas religiões das ideologias, digo-lhes: - Vejam este escrito como chamada de atenção e um apelo ao vosso espírito crítico. Não é por algo ser crença de muita gente à vossa volta, que isso é «verdade», nem tão pouco, que seja a verdade a versão oficial, canónica da História, ensinada desde a escola primária, à universidade!
Eu não pretendo ser detentor da verdade. Apenas tento equacionar os dados do problema ... claro que posso também me enganar. Porém, espero que o meu comportamento desinibido desencadeie nalguns o desejo de inquirir estes assuntos por eles próprios.
segunda-feira, 18 de março de 2024
OPUS. VOL. III 7. VIVER É SOFRER
Mas a maior parte das pessoas
Está tão ocupada com a simples sobrevivência
Que não tem possibilidade de filosofar
A vida é sofrimento, sente-se de vários modos:
Com o corpo e com a mente
Em várias circunstâncias
A ausência de sofrimento é assimilado
Ao bem-estar, ao prazer
Mas tal não é assim;
Seria antes o sofrimento
A reinar sobre nós
Como tortura sobre o corpo
E o espírito.
Os sofrimentos materiais e morais
São menos intensos, não desaparecem
Mas podem ser esquecidos
Por instantes.
É nessas ocasiões que nos iludimos
E acreditamos que somos «felizes».
Além disto, quero dizer-vos
Que a ideia de que existem afortunados
Que não sofrem, ou sofrem pouco,
Porque são ricos, poderosos, inteligentes ...
É falsa. Não existe correlação entre o poder
E evitar o sofrimento.
Quem aguenta o sofrimento
e não fica tão traumatizado
Como os outros, tem maior resistência
Ou resiliência, a capacidade de enfrentar
As coisas duras da vida.
Não procuro sofrer. O sofrimento
Não me trouxe paz, trouxe-me
Um início de sabedoria
A vontade de evitar sofrimentos
Inúteis, em mim e nos outros.
Sei que soa a demasiado pouco
Mas, este evitar ou menorizar
Da dor e do sofrimento
É ensinamento de séculos e séculos
Da filosofia e da educação moral
sexta-feira, 26 de janeiro de 2024
MEDITAÇÃO
Se queres partir do princípio que Deus exista, seja.
Se queres designar um livro sagrado, como fundamento da tua religião (a Bíblia, o Alcorão, os Sutras, os Vedas, etc), seja.
Mas, se Deus nos fez suas criaturas, então o que ele nos deu foi a inteligência e o livre-arbítrio: a inteligência permite que nós possamos ler as histórias de um livro sagrado, dentro do contexto; que possamos aprender a sabedoria e compreender o sumo da questão que estava em causa nessa história. As interpretações literais, as interpretações facciosas, etc. são demasiado falsas para que as pessoas que as produzem (muitas delas, capazes intelectualmente e bastante cultas) beneficiem da «presunção de inocência». Para mim, estão realmente a pecar pois, intencionalmente, usam esses livros ou passagens, que dizem venerar, para promover suas agendas; para dominar e persuadir os outros a fazerem o combate deles, claramente com o objetivo do poder.
Refeitório do Mosteiro de Alcobaça, Portugal
Para mim, Deus não precisa de intermediação nenhuma; pode ser «lida a vontade de Deus» em toda a sua Obra; pode ser lida no interior de nós próprios.
René Descartes
Contrariamente ao «Cogito» de Descartes, eu sei que existo, pela íntima certeza de ser «filho de Deus». Coisa que não tem que ver com cogitar, pois se trata de sentir, essa íntima certeza não pode ser demonstrada; ela apenas pode ser expressa, ou seja, vivida na sua plenitude e na sua humildade.
Outros dirão que Deus é isto ou aquilo, eu considero impossível reduzir a palavras, dizer o indizível: como dar conta verbalmente do Cosmos, do Universo? A única forma de o dizer é paradoxal: está para além do que se pode conceber, para além do que se possa exprimir, transcende todo o entendimento e toda a racionalidade. Não é incognoscível; é porém impossível de o abarcar no seu Todo: É por isso que qualquer constrangimento ou coação dos nossos semelhantes, seja qual for a intenção com que isso é feito, é uma violência, é um verdadeiro crime contra a essência do Espirito Cósmico. As religiões são desviadas dos seus propósitos nobres pelos teólogos que, nos seus escritos, teorias ou doutrinas, defendem a legitimidade dessa coação.
Por esse motivo separo claramente o fenómeno religioso, da espiritualidade: a espiritualidade que se desprende de todo o Universo vem até mim, os meus canais de sensibilidade acolhem-na. Eles têm de estar bem abertos, para que o meu ser possa receber e banhar nesse espírito.
William Blake: «Newton» - desenho à pena e aquarela
Querer impor a minha maneira de ver as coisas de Deus, do Mundo, do Universo, da sociedade ou da ciência, seria fútil e contraproducente. Antes, devo estar aberto a que os outros - ou a própria Natureza - me corrijam, me façam evoluir na procura da sabedoria, que aceite profundamente em mim aquela semente divina, ou seja, aceite e siga a Natureza, porque ela é boa, ela é a vontade de Deus. Quanto às limitações, elas vêm de mim. Eu posso não ter capacidade intelectual ou sensibilidade do coração para entender plenamente essa vontade.
Kurt Gödel
Sou limitado, não por algo externo, mas ontológico; pela impossibilidade enunciada no teorema de Gödel: é impossível a parte ser capaz de abarcar o Todo. O mais que ela pode fazer, é intuir ou conjeturar que existe um Todo, que está para além da nossa compreensão limitada.



