Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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domingo, 12 de março de 2023

FINANCEIRIZAÇÃO, ESPECULAÇÃO E ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: três fatores da crise do capitalismo

Desde sexta-feira passada, que os clientes do SVB (Silicon Valley Bank) não têm acesso às suas contas para levantar dinheiro «em espécie» (cash) de que precisam, ou para pagar contas. Com efeito, o segundo banco dos EUA faliu e essa derrocada foi súbita, efetuou-se em 48 h. O banco falido foi tomado por uma companha de seguros, a «Petro Insurance Corporation».

                                     
Esta falência sucedeu a outra, a do «Silvergate Bank», que detinha o nº16 no ranking das instituições bancárias americanas. 
A economia dos EUA é, há muito tempo, um castelo de cartas, assente em nada, ou seja, no «ar quente» da especulação de Wall Street. 
Parece que este banco SVB perdeu muito dinheiro em empréstimos aos «venture capitalists», porém esta suposição não me parece a mais adequada, para explicar o colapso, pois eles tiveram como principal fator a desencadear a falta de solvabilidade, a subida acentuada dos juros das obrigações.



 No mercado bancário, a compra de obrigações, principalmente de Obrigações do Tesouro, tem importância,  devido a que os bancos podem apresentar melhores ratios entre capital emprestado e capital próprio, o que lhes dá a possibilidade de expansão das suas operações de crédito. Sendo a valorização das obrigações tanto mais baixa, quanto mais a sua taxa de juros sobe, não é surpreendente que a subida, em ritmo acelerado, dos juros das Obrigações do Tesouro nos EUA, provoque a descida da capitalização dos bancos, visto que aquelas obrigações formam boa parte das suas reservas.
A financeirização da economia traduz-se, nos EUA, na perda substancial de rendimento do capital financeiro, quando os juros se aproximam da normalidade, ou seja, da sua média histórica. 




Noutros países, como por exemplo, na Coreia do Sul, a crise manifesta-se num setor diferente: No imobiliário, onde existe o sistema muito particular de Jeonse (40% do mercado dos apartamento para aluguer) . Neste sistema, os inquilinos, em vez de pagar renda ao proprietário, emprestam-lhe, a juro zero, uma soma correspondente a uma certa percentagem do valor do apartamento. O proprietário tem de devolver a quantia, passados dois anos. Nas décadas passadas, o sistema funcionou bem, pois havia uma carência de imobiliário, havia um crescimento vigoroso da economia e os preços dos apartamentos iam subindo  (80% das economias das famílias estão investidas no setor imobiliário, neste país). Agora, com uma das taxas mais baixas de fertilidade do mundo e correlativo envelhecimento da população, a Coreia do Sul encontra-se num contexto completamente diferente dos anos de expansão. Os preços dos apartamentos estagnaram ou diminuíram.  
Os mercados de exportação contraíram-se, a construção do imobiliário parou, em simultâneo com o encarecimento das matérias-primas (incluindo alimentares). 
Este aumento generalizado de preços, ao nível mundial, é resultante da inflação desencadeada pelas sequelas da frenética impressão monetária, das ruturas das cadeias de produção e abastecimento, causadas pelos «lockdowns» do COVID. Finalmente, as subidas bruscas do petróleo e outras fontes de energia, decorrente das sanções ocidentais às exportações de combustíveis da Rússia (o maior exportador mundial de gás natural e de petróleo), afetaram severamente todos os mercados em 2022. 
O resultado destes fatores conjugados, é que a Coreia do Sul (e, provavelmente, outros países com economias similares) deixou de ser um exportador líquido, para ser um importador líquido, ou seja, a economia sul-coreana gasta mais dólares a abastecer-se de produtos que importa do estrangeiro, do que os dólares que obtém pelas suas exportações. Isto é uma inversão muito notável pois, com exceção da grande crise de 1996-7, este país asiático tinha durante décadas um balanço positivo nas trocas comerciais.    
 
Em qualquer dos casos, a economia dos países capitalistas típicos está condenada. 
No caso das economias largamente financeirizadas, como é o caso dos EUA e também do Reino Unido, as sucessivas perdas de rentabilidade do capital tornam insustentáveis todos os esquemas de tipo Ponzi, em que assentam as suas economias, desde a banca, até aos fundos de pensões (sejam elas públicas ou privadas).
No caso das economias industriais e exportadoras muito dinâmicas, como a Coreia do Sul (igualmente para o Japão e outros países do extremo-Oriente), as dificuldades são acentuadas pela insustentabilidade demográfica: Uma economia capitalista tem de crescer para sobreviver e, para isso, tem também de crescer em termos demográficos. Em paralelo, ocorre o «encolhimento» dos mercados-clientes incapazes de absorver a oferta dos produtos industriais produzidos, devido à severa crise prolongada que lavra em países do Ocidente, principais clientes dos produtos industriais do Extremo-Oriente.
O resultado de todos estes fatores conjugados, traduz-se num comportamento caótico global da economia capitalista, num grau tal, que provocará uma grande destruição de capital. Segundo opiniões avalizadas, entrámos numa depressão, pelo menos tão severa como a depressão de 1929.

PS1: O artigo de Michael Hudson, que pode consultar AQUI, dá-nos a panorâmica do que se passa nas falências sucessivas dos bancos americanos. Tal como eu escrevi, Hudson põe à cabeça como causa para estas falências em série, a subida das taxas de juro dos bonds do tesouro, que constituem parte substancial das reservas de qualquer instituição bancária nos EUA. Os valores das obrigações diminuíram acentuadamente (quando o juro aumenta, a obrigação vale menos), esta quebra foi contagiar, por sua vez, as descidas no imobiliário e nas ações.

PS2: O mecanismo de funcionamento dos empréstimos fracionários é explicado por Richard Wolf

PS3: Um grande número de bancos tiveram de suspender a sua cotação nos mercados de ações, tendo as suas ações descido em média de 80%.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O «SEGREDO» DA ECONOMIA CAPITALISTA OCIDENTAL


Preço em euros do ouro (quilogramas) durante os últimos 20 anos

Não é por «culpa» de Putin, ou da guerra na Ucrânia, ou da pandemia de COVID. 
Os mercados assinalam, desde há vinte anos, a perda acelerada e constante de valor aquisitivo das diversas divisas. No caso do ouro, metal monetário (significa que é considerado «dinheiro»), a sua subida não é real, pois apenas reflete a descida exponencial das divisas-fiat, sejam elas consideradas «fortes» ou não, em relação ao dólar. O dólar é apenas uma das divisas que está a ser mais intensamente impressa, pelo banco central respetivo (Federal Reserve), sendo também o euro (pelo Banco Central Europeu) e outras divisas ocidentais. A média corporativa é dominada por interesses (capitais) relacionados com a economia financeirizada. Por isso, será muito improvável que possas encontrar este gráfico acima, e estes comentários, em tais órgãos de «informação».
 Assim, a elite do dinheiro vai continuando a fazer os seus jogos. Quem perde são os que veem seu salário, sua pensão de reforma, suas poupanças, «encolherem». A inflação, é simplesmente a excessiva impressão de unidades monetárias, em relação aos bens disponíveis nos mercados. Na linguagem comum diz-se que tal ou tal item, ou o «custo de vida» em geral, está mais caro
Na realidade, o que acontece é que a inflação é criada pelos banqueiros, quer os dos bancos comerciais, quer dos bancos centrais. São eles que criam as unidades de valor em brutal excesso em relação ao total de mercadorias disponíveis para venda, nos mercados. A consequência inevitável é o «aumento» do preço dessas mercadorias, medidas em termos de unidades de valor que estão permanentemente encolhendo. 
Como os ricos e seus conselheiros sabem isso, vão jogando de forma a aumentarem o valor REAL das suas posses, obtendo bens que não estejam sujeitos à erosão da inflação (como imobiliário, terrenos agrícolas, matérias-primas, objetos de arte ou de coleção, ouro e prata ), contra ativos cujo poder de compra vai sendo erodido pela inflação (todos os bens financeiros, tais como: o próprio dinheiro, ativos bolsistas, fundos, obrigações estatais ou privadas, derivados, etc.).
Portanto, as pessoas só têm uma maneira de não serem trituradas, das suas posses não serem anuladas, neste período de involução e destruição acelerada do capital, sob todas as formas: É investirem em bens não financeiros. Estes, aconteça o que acontecer, guardarão a sua utilidade, haverá sempre quem queira comprá-los, terão tendência no longo prazo, a conservar o valor real, ou seja, não medido em divisas fiducitárias. É sabido que TODAS as divisas acabam por ter o seu valor descendo até zero
          Valores das divisas-fiat (escala logarítmica) em função do ouro, retirado de AQUI

São inúmeros os exemplos que nos dá a História, talvez os mais célebres sejam a depreciação do denário, no final do império romano, dos «assignats», na revolução francesa, ou dos «reichmark», na república  de Weimar. Mas o ouro, por contraste, no longo prazo, mantém o mesmo poder aquisitivo
Um dos mais importantes índices, é o preço do petróleo. Pois bem, em termos de gramas ou onças de ouro, o preço do barril de petróleo pouco variou desde 1950 até hoje, como se pode ver pelo gráfico abaixo:


Mas, se vires o mesmo gráfico, em termos de preço em dólares / barril de petróleo, no mesmo intervalo de tempo, verás oscilações brutais e um crescimento geral do preço em dólares.
 
Na figura seguinte, vê-se o preço do petróleo em EUROS (cinza) e onças de OURO:



Como se pode verificar, o preço do petróleo em ouro, permanece quase constante neste intervalo de tempo. 
O petróleo e todos os outros combustíveis, têm uma importância tal, que seu custo vai influenciar todos os outros preços, desde matérias-primas, a transportes, a alimentos, etc. 
Os políticos começaram a modificar os critérios para medição da inflação, no início dos anos 80, para poderem disfarçar a real perda de valor das divisas e continuarem a fazer o mesmo jogo, de gastar muito mais do que a receita dos diversos impostos permitia. Assim, puderam levar a cabo políticas deficitárias, com orçamentos aldrabados, tal como os montantes dos PIB.
Vê a comparação entre os índices oficiais, e índices de inflação calculados pelo método usado ANTES  das ditas alterações metodológicas, nos anos oitenta (a azul, com a metodologia anterior às modificações; a vermelho, as inflação segundo os critérios oficiais):




Não é nada misterioso, o modo como os ricos conseguem ser mais ricos, com a ajuda da classe política, associada com a classe capitalista, em geral. Se a classe capitalista não consegue corromper um certo político, acaba por destruí-lo, de uma maneira ou de outra. 
É assim que as pessoas humildes, com seu esforçado trabalho alimentam o enriquecimento ilegítimo dos que já são muito ricos. Os jornalistas e outros «fazedores de opinião», também estão comprados, pelo que não se pode esperar que eles nos forneçam as informações que eu delineei acima. 
Se quiseres saber mais e melhor sobre a realidade, aconselho-te a fazer a tua própria pesquisa! 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

ENTREVISTA COM O PROF. MICHAEL HUDSON (PARTE I)

Da última vez que falámos foi para o magazine alemão "Four" em junho.  Agora também trabalho para a MEGA Radio, uma estação rádio de notícias para a Alemanha, a Áustria e a Suíça. Emitimos a partir de Viena e estamos localizados em Berlim, Baviera e Áustria.

Gostaria de o convidar para uma entrevista, a gravar no ZOOM, para o programa de rádio. Seria uma atualização da nossa última entrevista. Talvez tenha uma duração de 20-30 minutos.

O leitor, que veja também a nossa conversa anterior.

Aqui estão as minhas perguntas:

(1.) Fez algumas previsões na nossa entrevista para o magazine «Four» que se realizaram.

Falou sobre a crise das companhias alemãs em relação à produção de fertilizantes.  Esse assunto ocupou as primeiras páginas poucas semanas após a nossa entrevista.

Também afirmou:  “O que caracteriza o bloqueio do Nord Stream 2, é realmente a política de comprar americano." Isto tornou-se agora mais do que claro após a destruição dos gasodutos Nord Stream.

Poderia comentar sobre isso?

MH: A política exterior dos EUA tem-se concentrado, há bastante tempo, no comércio de petróleo internacional. Este, é decisivo como contributo para a balança de pagamentos dos EUA e o seu controlo dá aos dirigentes dos EUA a capacidade de impor estrangulamentos noutros países.

O petróleo é um fornecedor chave de energia e o crescimento da produtividade e do PIB das economias principais tende a refletir o aumento de energia usada por trabalhador.  O petróleo e o gás não são apenas para serem queimados, produzindo energia, mas também são uma matéria-prima química básica para os fertilizantes e, portanto, para a produtividade agrícola, assim como para boa parte da produção dos plásticos e doutros produtos químicos. 

Por isso, os estrategas dos EUA reconhecem que cortar os países do petróleo e seus derivados irá bloquear a sua indústria e agricultura. A capacidade de impor tais sanções pode permitir que os EUA tornem os países dependentes das suas políticas como meio para não serem «excomungados» do comércio de petróleo.

Os diplomatas dos EUA têm estado a dizer à Europa, desde há muitos anos, para esta não se basear no gás e petróleo russos. O objetivo é duplo: por um lado impedem um fator decisivo para o superavit comercial da Rússia e, por outro, capturam o vasto mercado europeu para os produtores americanos de petróleo e de gás. Os EUA convenceram os dirigentes governamentais alemães a não aprovar o gasoduto Nord Stream 2 e finalmente, usaram a desculpa da guerra da OTAN com a Rússia na Ucrânia para atuarem unilateralmente e conseguirem sabotar os gasodutos 1  e 2 do Nord Stream.

(2.) Para o nosso público:  No seu novo livro “The Destiny of Civilization: Finance Capitalism, Industrial Capitalism, or Socialism”,

...postula que a economia mundial está a fraturar-se em duas partes, os EUA e a Europa, na sua parte dolarizada

...e que esta unidade neoliberal ocidental está a levar a Eurásia - e a maior parte do Sul Global - para um grupo separado. Acabou de afirmar isso numa entrevista dada em Novembro.

https://michael-hudson.com/2022/11/the-rentier-economy-is-a-free-lunch/

Poderia explicar isso para o nosso público?

MH:  A separação não é apenas geográfica, mas sobretudo reflete o conflito entre o Ocidente neoliberal e a lógica tradicional do capitalismo industrial. O Ocidente des-industralizou as suas economias ao substituir o capitalismo industrial pelo capitalismo financeiro, inicialmente na procura de conseguir manter salários baixos e depois ao tentar e estabelecer privilégios de monopólio e mercados cativos, ou ainda elementos essenciais de tecnologia, das armas (e agora de petróleo), transformando-se em economias de rentistas.

Há um século, o capitalismo industrial estava no ponto de evoluir para o socialismo, com os governos a fornecer as infraestruturas básicas (tais como sistemas de saúde, de educação, comunicações, investigação e desenvolvimento) para minimizar o custo de vida e a proporcionar os negócios. Aquilo que são hoje os EUA, a Alemanha e outras nações, construíram desse modo o seu poder industrial, o mesmo que a China e outros países euro asiáticos têm estado a fazer mais recentemente.

Mas a escolha do Ocidente de privatizar e financeirizar a sua infraestrutura básica, desmantelando o papel do governo e entregando a planificação a Wall Street, à City de Londres e a outros centros financeiros,  deixou-os com pouco para oferecer a outros países - salvo a promessa de não os bombardear ou a tratá-los como inimigos, caso eles procurem criar riqueza por suas próprias mãos, em vez de a transferirem para os investidores dos EUA e de corporações internacionais.

O resultado é que, quando a China e outros países constroem as suas economias de modo idêntico ao que os EUA fizeram, desde  o pós Guerra Civil, até à IIª Guerra Mundial, são considerados como inimigos. É como se os diplomatas dos EUA vissem que o jogo está perdido e que a sua economia se tornou tão dependente da dívida, privatizada e com elevados custos de produção, que só esperam conseguir fazer que os outros países sejam seus tributários, dependentes enquanto for possível, até que o jogo chegue ao fim.

Se os EUA conseguirem impor o neoliberalismo financeiro no mundo, então as outras nações acabarão por ter os mesmos problemas que os EUA estão a sofrer.

(3.) Agora os primeiros terminais para gás liquefeito ( LNG) dos EUA estão abertos. Como é que isto afetará o comércio e a dependência /interdependência entre a Alemanha e os EUA? 

MH: As sanções dos EUA e a destruição de Nord Stream 1 e 2 tornaram a Europa dependente dos fornecimentos dos EUA, a um custo tal para o gás LNG (cerca de seis vezes o que os americanos e asiáticos pagam), que a Alemanha e outros países perderam a sua capacidade em competir no aço, no vidro, no alumínio e noutras manufaturas. Isto cria um vazio, que as empresas com sede nos EUA vão preencher com o seu investimento a partir de outros países, ou até dos próprios EUA.

A expectativa é que as indústrias pesadas, químicas e outras da Alemanha e doutros países europeus  tenham de se mudar para os EUA para conseguir petróleo e outros componentes essenciais, que lhes dizem para não comprar na Rússia, no Irão ou noutras alternativas. Assume-se que elas - indústrias europeias - não possam localizar-se na Rússia ou Ásia, pela imposição de sanções, multas e ingerências nas políticas europeias, pelos EUA.  Existem ONGs e satélites da «National Endowment for Democracy», como tem sido o caso desde 1945. Pode-se esperar uma nova Operação Gládio para promover os políticos que desejam manter esta nova Fratura Global e reorientar a indústria europeia para os Estados Unidos.

Uma questão é se o trabalho especializado alemão irá a seguir. Isso é aquilo que acontece tipicamente em tais circunstâncias. Este tipo de redução demográfica foi experimentada pelos Estados Bálticos. É um efeito colateral às políticas neoliberais.

(4.) Qual a sua visão sobre a situação militar atual na guerra Rússia/ Ucrânia? 

MH: Dá ideia que a Rússia irá facilmente vencer em Fevereiro ou Março. O que irá provavelmente criar uma zona desmilitarizada para proteger as áreas russófonicas (provavelmente, incorporadas na Rússia) do Ocidente pró-OTAN em ordem a prevenir sabotagem e terrorismo. 

Á Europa, irão continuar a obrigá-la a boicotar a Rússia e os seus aliados, em vez de procurar obter trocas mutuamente vantajosas por comércio e investimento recíprocos.  O EUA poderão incentivar a Polónia e outros países, a lutarem até ao último polaco ou lituano, à semelhança da Ucrânia. Isto irá pressionar a Hungria. Mas, antes de mais nada, haverá insistência para a Europa gastar somas imensas para se rearmar, sobretudo com armas dos EUA.  Estes gastos irão excluir muitas das despesas sociais, para que a Europa consiga suportar o aprofundamento da depressão industrial, ou distribuir subsídios para fazer reviver a sua indústria. Portanto, será crescentemente uma economia militarizada - ao mesmo tempo que a dívida dos consumidores e das empresas industriais vai aumentando, a par da dívida do governo.

Enquanto isto ocorrer, pode a Rússia decidir que a OTAN se deve retirar para as suas fronteiras de 1991. Este será, muito previsivelmente, um ponto de conflito.

(5.) Qual é sua opinião sobre a situação financeira nesta guerra.  O G7 e os governos da UE já falam de reconstruir a Ucrânia após a guerra. O que significa isso para os capitalismos de negócios e financeiros do Ocidente?

MH: A Ucrânia dificilmente poderá ser reconstruída. Antes de mais, muita população partiu e não é provável que regresse, dada a destruição de habitações, de infraestrutura ... e de maridos. 

Segundo, a Ucrânia é principalmente propriedade dum pequeno grupo de cleptocratas - que estão disponíveis para vender essa propriedade a investidores ocidentais da agricultura e a outros abutres (penso que sabe a quem me refiro).

A Ucrânia está já atolada em dívida e tornou-se um feudo do FMI (o que significa, na prática, da OTAN). Será pedido à Europa para «contribuir» e as reservas do Banco Central Russo apreendidas podem ser gastas a contratar companhias dos EUA, que irão fazer um negócio ótimo em fingir que estão a recuperar a economia da Ucrânia - deixando o país ainda mais enterrado em dívida.

Um novo Secretário de Estado do Partido Democrata irá fazer eco a Madeleine Albright, dizendo que a morte da economia, das crianças e dos soldados da Ucrânia «mereceram totalmente a pena», enquanto custos para espalhar a democracia ao estilo dos EUA. 

(continua, veja Parte II)

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

JAPÃO: A GERAÇÃO PERDIDA


 Este documentário é muito interessante: Mostra como as bolhas especulativas, na bolsa e no imobiliário, uma vez rebentadas, produzem um marasmo duradoiro, que se reflete na demografia do país. 
A ideologia neoliberal, tão forte nos anos 90 e que continua a ser hegemónica ao nível académico e mediático convencionais, varreu para debaixo do tapete o caso das décadas de marasmo na economia mais dinâmica na Ásia e no mundo nas décadas anteriores (anos 60-80). 
Note-se que o conceito de quantative easing foi inventado pelo Banco Central do Japão, para «estimular» o consumo interno com impressão monetária. O resultado pode ser visto neste vídeo. 

sexta-feira, 3 de junho de 2022

O PIOR SINAL: «FOGOS-DE-ARTIFÍCIO» DAS AÇÕES NAS BOLSAS

                
                    Figura: um sem-abrigo, algures, numa urbe afluente.


Como muito bem diz Alasdair Mcleod, um surto inflacionário é sempre um fenómeno monetário. Ou seja, não são os preços que aumentam, na realidade, mas o poder aquisitivo do dinheiro que desce.

Esta distinção pode parecer especiosa, mas na verdade não o é. Porque os monetaristas e os keynesianos apresentam sempre o problema como de uma falta de oferta e/ou excesso de procura, nomeadamente dos bens correntes, o que não é quase nunca o caso, aliás. Ou, pelo menos, não é este o motor principal da crise inflacionária. O principal é sempre a falta de confiança nos ativos financeiros, a começar pela própria divisa (dinheiro «cash»), assim como nos instrumentos financeiros, contabilizados nessa (s) divisa(s).
Por que razão se experimenta (como agora) uma subida espetacular nas bolsas, ou em ativos não-financeiros, durante um processo inflacionário?
- Porque, o que se compra, na aquisição de ações, é não-financeiro, na verdade: é uma fatia de propriedade duma empresa. Se esta empresa tem viabilidade e dá lucro, o detentor das ações irá receber dividendos.
- Quando a economia entra em descalabro, em crises inflacionárias, como, por exemplo, na Alemanha em 1920-23, o que acontece? As pessoas com poder de compra e visão a longo prazo, investiram em ações das empresas que estavam muito sub-cotadas, nessa altura, e ficaram ricas. Outras, compraram quarteirões inteiros de prédios, nas zonas centrais das cidades, e também ficaram ricas.
- O Zimbabwé e a Venezuela são outros exemplos de países cujas divisas foram destruídas pela inflação. Numa fase da crise, muitos pequenos investidores  compravam ações nas bolsas respetivas desses países, pois era a única forma de se verem livres de Bolivares ou de Dólares do Zimbabwe, que - a cada dia que passava - perdiam valor.
Eles esperavam que algumas das empresas cotadas em bolsa resistissem e se valorizassem. Talvez assim pudessem recuperar parte dos investimentos feitos. Por isso, assistia-se à subida espetacular nas bolsas de Caracas ou de Harare, com ganhos muito maiores que nas bolsas dos grandes centros financeiros.
Em muitas outras ocasiões históricas, tanto nas bolsas de valores, como no imobiliário, a crise inflacionária tem sido assinalada por subidas exponenciais de certos ativos. É o que os economistas da Escola Austríaca (Von Mises, Hayek...) designaram de «crack-up boom».
Num contexto de instabilidade e de inflação crescente, os alimentos e matérias-primas industriais (metais industriais como o ferro, o cobre, o alumínio, etc.) aumentam brutalmente de preço. O mais notório é o petróleo, condicionando a subida dos restantes produtos. Os combustíveis são indispensáveis, não só para os transportes, como para processos industriais, aquecimento, fabrico de adubos, de plásticos, etc. Praticamente tudo, na nossa civilização, depende dos combustíveis fósseis. Mas, na verdade, quando o preço dos combustíveis aumenta, é o poder aquisitivo do dólar ou das outras divisas, que está a ser erodido.
A confiança da sociedade nas divisas, que se depreciam em relação às mercadorias, é cada vez mais baixa, na proporção inversa da inflação experimentada. As pessoas começam a querer desfazer-se do dinheiro, enquanto este guarda algum valor, pois sabem que no dia seguinte, apenas terá uma fração do mesmo.
Mas estas crises de confiança não são despoletadas por movimentos irracionais das multidões: Elas apercebem-se, de forma intuitiva - algumas de forma refletida - que o valor do dinheiro vai decrescendo.
O «método garantido» para sabotar o valor do dinheiro, é fazer uma impressão excessiva do mesmo. É coisa que os governos e bancos centrais têm feito em grande escala, principalmente após o colapso de 2008. Decidiram imprimir quantidades astronómicas de unidades monetárias e comprar com elas «papeis sem valor» (invendáveis), mas pelo seu valor «nominal». Estes, estavam na posse dos bancos. Foi assim que fizeram para resgatar os mesmos bancos. Infelizmente, estas operações continuaram durante doze anos, sempre com o pretexto de «salvar a economia». Agora, as economias ocidentais estão de rastos, em consequência das políticas dos bancos centrais e dos governos.
No capitalismo, a falência faz parte das ocorrências possíveis para as empresas: Quando isso ocorre, em geral, trata-se de empresas mal geridas, mal dimensionadas, ou que ficaram para trás na competição.
Se, pelo contrário, as empresas (incluindo os bancos comerciais) são protegidas da falência, então, não importa se cometem erros, se os investimentos são mal dimensionados, ou que haja perda de competitividade. Estas empresas têm sempre a "mão caridosa" do Estado ou do Banco Central, para vir em seu socorro.
Muitas grandes empresas e bancos ditos sistémicos, tornaram-se, de facto, parasitas da economia produtiva. São mastodontes ou «elefantes brancos» que acumulam perdas, nunca gerando lucro e sem capacidade para funcionar normalmente. Seria melhor, para a economia do país, elas fecharem as portas. Outras empresas, mais dinâmicas, com maior potencial, irão preencher as partes de mercado deixadas vagas. É esta a dinâmica do capitalismo «clássico». Digo isto, para sublinhar que aquilo a que assistimos nestes 12 anos, é muito diferente.
O efeito Cantillon explica isso. Trata-se do efeito obtido por alguns intervenientes no mercado, devido ao facto de estarem em «primeira fila» para receberem crédito. Se têm acesso fácil, a um juro baixo, terão vantagem competitiva, em relação aos outros, com maior dificuldade de acesso e que só consigam taxas de juro mais elevadas.
Imaginem uma grande empresa de tecnologia (Apple, Microsoft, etc.) e, em comparação, um pequeno negócio. Este último pode ser gerido com prudência, de forma inteligente, fornecendo produtos ou serviços de real utilidade para os consumidores. De qualquer maneira, terá muito maior dificuldade em obter crédito: Se o conseguir, será com juros bem mais elevados que aquelas grandes empresas. 
Mas, além disso, as grandes empresas, para manter artificialmente suas ações sempre elevadas, utilizam o crédito barato para a auto compra das suas ações. Os dirigentes executivos dessas empresas também ganham, pois obtêm bónus mais generosos, pelo facto das suas empresas «levitarem» nas bolsas. O efeito Cantillon, previsivelmente, vai enriquecer os que já são muito ricos e vai tornar a economia menos competitiva, pois impede que pequenas empresas com potencial consigam «descolar».
Tudo o que os bancos centrais fazem, resume-se a falsear a concorrência, adiando o inevitável. Quanto mais se continuar neste processo, mais o valor remanescente do dinheiro vai ser menor. Haverá uma espiral descendente, que destruirá o valor das divisas, mesmo as que parecem «muito sólidas».
A colocação artificial - em valores ridículos - dos juros de referência (obrigações soberanas, a juro negativo!) e a impressão monetária «non stop» em quantidades absurdas, pelos Bancos Centrais, não são apenas uma «arma apontada» às empresas produtivas: São uma arma apontada à cabeça da sociedade no seu todo, porque as dívidas que se acumulam, são, em grande parte, dívidas dos Estados, dívidas que são, já hoje, impossíveis de reduzir.
O mecanismo é simples de compreender: Se a quantidade de juros que os Estados têm de pagar for superior às possibilidades de o fazer, entram em insolvência. Se os mesmos juros fossem deixados variar de acordo com o mercado, atingiriam valores da ordem de 5 a 6 % ou mais. Devido às somas que seria necessário incluir nos orçamentos, estas taxas são incomportáveis para os Estados.
Na realidade, as «curas de austeridade», «congelando» ordenados de funcionários e pensões, quando a inflação é de dois dígitos, é o equivalente a faltar às suas obrigações. O valor nominal pago pelo Estado mantém-se, mas o valor aquisitivo do ordenado ou da pensão, desce a um ritmo brutal.
Os que detêm «dívida soberana» ou obrigações estatais, são as instituições financeiras, os bancos nacionais e estrangeiros. Estes vão receber, durante algum tempo, os juros respectivos. Estas instituições capitalistas são muito menos penalizadas que os assalariados: Poderão ter alguma dificuldade em vender as obrigações nos mercados. Mas os Estados, vão fazer os possíveis para continuar a «honrar» as suas dívidas, quando os seus detentores são capitalistas ou instituições. Têm muito menos preocupação em «honrar» as dívidas ou compromissos assumidos em relação aos cidadãos comuns. São sempre estes que pagam as crises.
Os dirigentes políticos sabem que esta dívida nunca será paga. Eles fingem que não o sabem e continuam a pedir (e obter) empréstimos. Deste modo, levam os seus países à bancarrota. São os causadores das maiores misérias aos seus próprios povos. A revolta e a revolução, são eles que as provocam, afinal!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

MAIS UM EPISÓDIO DA IIIª GUERRA MUNDIAL (*)



Esta Guerra Mundial, não declarada, não reconhecida como tal, situo o seu início a partir da chamada «guerra do Kosovo», ou seja, da afirmação de poder dos americanos e da NATO, para destruir os últimos focos de resistência na Europa à ortodoxia neoliberal. Este crime de guerra hediondo, foi seguido por muitos outros. 

Como é sabido, antes do monstruoso 11 de Setembro de 2001, já estavam planificadas guerras e invasões de 7 países no Médio Oriente. 

O golpe de Maidan (2014), na Capital da Ucrânia, era dirigido contra a Rússia, considerada a maior inimiga do Império. Segundo planos e opiniões nada secretos os «estrategas» de Washington e os seus think-tanks de neocons queriam, não apenas o fim da URSS, mas também o desmantelamento da Federação Russa. 

Daí, toda a estratégia de avanço da NATO para as fronteiras russas, ao longo dos anos, acrescentando mais e mais países da Europa de Leste ao clube dito «atlântico». Os estados ex-soviéticos ou ex-Pacto de Varsóvia, foram assim transformados em guarda-avançada, no lento cerco. Isto em preparação do ataque final e desmembramento do próprio território russo. 

Estes factos eram evidentes e o barulho mediático tentando fazer de Putin um novo Estaline ou Hitler, foi apenas uma estratégia de propaganda de guerra, junto da opinião pública sempre crédula, porque sujeita a técnicas de lavagem ao cérebro. 

Na verdade, estas técnicas têm funcionado demasiado bem. Fiquei inquieto, há dois anos atrás, quando as pessoas, em grande parte do mundo e especialmente na Europa, aceitaram sem mais a ordem de prisão coletiva: «lockdown» é um termo que designa uma situação de castigo coletivo; quando os presos são fechados nas celas da prisão, por terem sido «indisciplinados». 

Isto funcionou tão bem que temi, na altura, que a «elite» se sentisse audaciosa o suficiente para lançar a outra fase do seu plano. Aí está ela; a guerra total! Agora, já não guerra híbrida, nem guerra económica. De agora em diante, estamos em guerra total.

É que nós somos «gado» e eles, os que nos dirigem, é que detêm o poder sobre nossas vidas! A democracia, é como um cenário, no teatro: enrola-se, depois do drama representado em palco. Agora, o cenário é outro; porque a peça representada chama-se «democracia totalitária», o simulacro das instituições da democracia liberal, com a ditadura fascista em marcha. 

Como tenho vindo a avisar, as situações acontecem, também porque o capitalismo depredador e parasitário, que resulta da chamada financeirização, chegou aos seus limites. Para disfarçar a crise profunda, o colapso das economias, os «donos do Ocidente» não encontram nada melhor que uma guerra, dizem eles que «a guerra é a saúde das nações»!

- Nações e povos do mundo, acordem! não se deixem mais manipular, seja por quem for.*

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PS1: Veja AQUI a edição do dia 24-02-2022 da crónica quotidiana pelo analista em geopolítica Alexander Mercouris. Penso que ele é rigoroso, as suas hipóteses são cuidadosamente separadas do relato dos factos, parece-me uma fonte interessante e não enviesada.

PS2: Willy Wimmer, na altura vice-presidente da OSCE, confirmou que foram dadas «garantias» à URSS, de que não haveria expansão para Leste da NATO, seu testemunho pode ler-se na notícia de RT:  https://www.rt.com/russia/549961-west-nato-expand-willy-wimmer/

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(*) Numa situação deste tipo, não há só um lado culpado: todos os lados têm culpas. Mas o que importaria mais era que todos nós, independentemente da nacionalidade, etnia, simpatias partidárias, ideológicas, etc. mas com sentimentos humanitários, apelassem para o governo do seu país, no sentido de propor um cessar-fogo, seguido de uma trégua permanente, seguida de conversações (sérias) para uma paz efetiva no continente europeu. Paz significa, respeito pelas fronteiras reconhecidas pela ONU, respeito pelos compromissos assumidos (por exemplo, não expansão da NATO, prometida aos governantes russos de 1991 e posteriormente). Significa retirada e garantia de não instalação de sistemas capazes de transportar mísseis nucleares. Manutenção de todos os canais diplomáticos abertos e promessa firme e por escrito, dos responsáveis de não recorrerem a pressões, muito menos a ameaças de guerra, para a resolução dos diferendos.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

REALMENTE, A GRANDE MUDANÇA (GREAT RESET) JÁ ESTÁ EM CURSO

 Esta grande mudança era tida como inevitável pelas altas esferas financeiras que controlam o mundo, hoje. 

Note-se que o sistema financeiro foi levado a um extremo. O da financiarização, que colocava «de pernas para o ar» toda a economia, ou seja, punha a parte produtiva (produção de bens e de serviços), como subordinada da finança. Nos séculos anteriores, incluindo uma boa parte do século XX, a finança detinha uma fatia, mas não a maioria, ou parte que lhe desse o controlo das alavancas da economia. 

Podemos datar a viragem decisiva, o bascular de uma economia produtiva, para uma economia financeirizada, no Ocidente, à década de 1990, em que os EUA e seus aliados surgem como vencedores da Guerra Fria contra a URSS, ficando em situação de super-potência única no Planeta, ditando a todos, quer directamente, quer através de instituições internacionais que controlam, como os países e respectivos governos se devem comportar. 

O acto legislativo emblemático que acompanhou esta «húbris*» no campo geo-estratégico, foi durante a presidência de Bill Clinton, o repudiar da Lei americana Glass - Steagall , passada na altura da Grande Depressão, na presidência de Roosevelt. A finalidade da referida lei era evitar as catástrofes induzidas pela especulação financeira, separando bancos e instituições de crédito em duas categorias: Os bancos de investimento, cuja finalidade era captar capitais para investimento na economia; os bancos de depósitos cuja função era assegurar o depósito de poupanças, com investimento prudente em veículos de rentabilidade baixa ou moderada (obrigações do tesouro, por exemplo), mas que garantia uma rentabilidade um pouco acima da inflação. 

Os indivíduos eram estimulados a poupar, pois - no mínimo - o poder de compra das suas poupanças estava salvaguardado. Este sistema funcionou, durante as três ou quatro décadas do pós IIª Guerra Mundial. Noutros países além dos EUA, havia mecanismos legislativos assegurando a separação dos dois tipos de actividades financeiras. 

A partir do momento do desaparecimento destas separações legais, a banca comercial teve liberdade para utilizar, do modo que lhe apetecesse, com muito poucas e ineficazes restrições, o dinheiro dos seus clientes, dos depositantes. 

As crises sucederam-se então. Dá-se-lhes nomes, que não revelam a natureza dos problemas subjacentes: «crise mexicana», «crise russa», «crise asiática» (em 1997), crise das «dot-com» (em 2000), crise das «sub-prime» (crédito hipotecário, em 2008). 

A presente crise é chamada do «Covid», mas teve início em Setembro de 2019, cerca de 5 meses - pelo menos -antes de se ouvir falar do novo vírus. Em Setembro de 2019 deu-se a subida brusca e acentuada dos juros do crédito inter-bancário de curta duração. O desmoronar deste, obrigou o banco central americano (a FED) a acorrer com biliões, semanalmente, até ao final de 2019. Só assim conseguiu evitar o congelamento do crédito interbancário, coisa que ocorrera na crise de 2007/2008, e fora um dos sinais mais sérios de que o sistema estava a desmoronar-se. 

Mas, as coisas abaixo da superfície são ainda um pouco piores. Com a liberalização completa dos mercados financeiros, os bancos produziram derivados, instrumentos financeiros completamente novos e artificiais, que se negoceiam «ao balcão», ou seja não surgem nos balanços destas instituições. 

Muito haveria a dizer sobre esta deriva especulativa financeira, encorajada pelos governos e bancos centrais. Vale a pena investigar todas as ramificações destas construções artificiais, o mercado dos derivados, cujo valor global ultrapassa - em muito - o PIB mundial: Será de 5 vezes, de 10 vezes o PIB mundial? -Ninguém pode dizê-lo, ao certo, pois este mundo financeiro dos derivados é muito opaco (fora dos balanços oficiais dos bancos), sendo mantido assim intencionalmente.

Desde 2008, a economia dos países ocidentais tem estado de rastos; para nos apercebermos disso basta indicar que na década passada, que deveria ser de recuperação, segundo Jamie Dimon (CEO do maior banco dos EUA, o «JP Morgan»), o PIB dos EUA experimentou um crescimento cumulativo da ordem de 18%. Isto pode parecer muito, porém, após os outros períodos de recessão, durante as expansões que se seguiram, o crescimento cumulado era da ordem de 40% em dez anos. Portanto, nesta última década observou-se menos de metade da média do crescimento cumulativo em dez anos, nos EUA e nos países da Euro Zona (um pouco pior, neste caso): houve uma «recuperação anémica», depois da grande recessão de 2008. 

Apenas 11 anos depois (2008-  2019), surge uma nova crise, em todos os aspectos mais grave, mais profunda e com bancos centrais que não dispunham de margem para diminuir as taxas de juro de referência. Estas têm sido, historicamente, a única variável que os bancos centrais podem facilmente manipular para estimular a economia. 

Quando começaram a surgir obrigações soberanas com taxa negativa, entrámos em pleno reino de fantasia financeira e monetária. Nunca na História se vira o emprestador dar um juro (é este o significado de «juro negativo»), para que o devedor aceitasse contrair um empréstimo. Eis o grau de absurdo a que chegou a completa financeirização, no Ocidente, em apenas 30 anos! 

A constante monetização, ou seja, a compra de activos aos bancos comerciais e aos Estados, pelos bancos centrais, origina as bolhas especulativas a que temos assistido: 

- Podemos considerar como bolha, a quase gratuidade dos empréstimos, devido a uma artificial quebra dos juros, incluindo as taxas de juro muito baixas nas obrigações soberanas. Lembremos que, quanto mais baixa for uma taxa de juro, mais valor uma obrigação tem: ou seja, a entidade que emite este instrumento de dívida consegue colocá-la a um determinado juro. Quanto mais baixo for o juro, mais os compradores valorizam a obrigação, ao ponto de a aceitarem, recebendo um juro muito baixo. 

Para as pessoas não especializadas nos mercados, pode haver um certo fascínio e tentação, nas bolsas de acções: No mercado de acções, as grandes empresas aproveitam os juros quase a zero e fazem auto-compra das suas acções, fazendo subir assim, artificialmente, sua cotação. O dinheiro constantemente fornecido, gratuitamente, pelos bancos centrais, tinha de ir parar a algum lado. 

A inflação dos activos financeiros não será contida dentro destes, por muito mais tempo: mais cedo ou mais tarde, haverá um transbordar para a economia, com a inflação nos bens de consumo corrente a acentuar-se. Não se sabe se haverá, ou não, hiperinflação. Mas, o mais prudente é partir do princípio de que essa hiperinflação vai ocorrer, necessariamente. É como um tanque ou um reservatório de água, por muito grande que seja, se tiver um caudal de água a verter constantemente nele, acabará por transbordar...

 O mercado do imobiliário tem experimentado inflação, sobretudo, o segmento mais alto, dos apartamentos e condomínios de luxo, em todas as grandes cidades do Ocidente. Este fenómeno também é consequência, directa e inevitável, do enriquecimento dos já muito ricos. Há uma classe que tem ganho muito com estas políticas de «quantitative easing». E, ainda por cima, tem ganho com os confinamentos desde Março de 2020. A situação de ruína para os pequenos comércios e industrias, gera uma situação de monopólio de facto, para as grandes superfícies e para as grandes empresas «on-line». São os mais ricos, nas várias sociedades que são os maiores detentores privados de acções cotadas em bolsa. Sabem que o jogo tem um fim, e têm vendido nos picos de especulação bolsista, para se retirarem logo, sendo esse dinheiro imediatamente investido em imobiliário de luxo, obras de arte, objectos de colecção, barras de ouro, etc. Eles sabem que - no longo prazo - quando esta crise tiver passado, tais bens não financeiros terão, no mínimo, conservado o valor (em termos reais). 

Quanto ao valor do dinheiro que nós usamos, é completamente cilindrado. A operação já começou:

- primeiro, é destruído o seu valor real, a capacidade aquisitiva destas divisas: A operação em curso, com impressão monetária não-stop, pelos principais bancos centrais ocidentais.

- depois, é digitalizado - de modo total e legal: O dinheiro-papel deixa de estar em circulação. Os juros dos depósitos das contas (a prazo ou à ordem) serão muito negativos, os depositantes farão tudo para gastar esse dinheiro depositado, antes que ele perca mais valor.

- em paralelo com a digitalização a 100% das transacções, vai surgir uma unidade monetária digital, gerida pelos bancos centrais, usando a tecnologia «block-chain». O sistema será análogo ao Bitcoin, mas com a diferença de que este é totalmente descentralizado e as moedas digitais dos bancos centrais serão totalmente centralizadas (e controladas).

- a economia real, dos bens e serviços, vai ficar ainda mais centralizada do que já está: Vai ser praticamente impossível as pessoas comuns adquirirem um apartamento, ou um carro. A sua vida terá de organizar-se de um modo diferente de hoje. É isso, basicamente, o que significa o lema de Klaus Schawb, «Não possuirás nada e serás feliz»...

- a instauração do Rendimento Mínimo Universal ou Incondicional, que todas as pessoas irão receber apenas por existirem, terá como consequência imediata que o custo do trabalho irá descer para os patrões, a níveis inconcebíveis hoje em dia. Os patrões apenas terão de pagar «uns tostões», para obterem a «escravização voluntária» dos que queiram viver um pouco acima do nível de subsistência. Aliás, já se pode observar o agravamento da exploração, nos países «ricos» do Ocidente, como no Terceiro Mundo.

Em conclusão: Se as pessoas não abrem os olhos, se não reagem individual e colectivamente, serão escravas; os seus filhos e netos, também. Será muito difícil haver uma rebelião, será mais difícil lutar de quaisquer formas e métodos, porque as pessoas ficaram sem direitos na prática, sem meios de defesa. 

Se os projectos da oligarquia e do seu «Great Reset» continuarem a avançar como planificado, pode-se dizer adeus à liberdade, democracia, ou ao Estado de Direito ... Ou, então, o significado destas palavras será convertido em «novi-língua» orwelliana, como já fazem com o «passaporte de imunidade**», certificando que se tomou a vacina anti-Covid. Agora, chamam a isso «passaporte da liberdade»; a esse instrumento de escravização e controlo! 

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*Húbris: palavra de origem grega, que significa embriaguez do vencedor, que tudo se julga permitido.

** Leia o excelente artigo do Prof. Anthony Hall AQUI