Quando penso nas grandes linhas do que tem sido o século XXI, verifico como a forma mais acabada de conduzir as massas tem sido a gestão da sua perceção.
Com efeito, quem tem o controlo sobre os grandes meios de comunicação social, quer seja o Estado, quer sejam os grandes grupos privados, pode moldar a perceção da realidade, ocultando, dizendo apenas as partes convenientes de uma realidade, ou mesmo, fabricando de todas as peças uma falsa narrativa.
O pretexto para os americanos invadirem o Afeganistão em 2001, para depois invadirem o Iraque em 2003, para continuarem com a Líbia, o Sudão, a Síria, o Iémen...Foi - na verdade - um monstruoso «Pearl Harbour», querido pelos redatores do manifesto PNAC, os neocons. Eles têm-se sucedido em postos importantes de Washington, sob todas as presidências, enquanto elementos-chave do Estado profundo nos USA, com a participação e conivência ativa de uma grande parte do grande capital: nomeadamente, a banca (JP Morgan, Goldman Sachs e a grande banca de negócios), Blackrock e Vanguard (empresas tentaculares, desde o imobiliário, até fundos especulativos, e tomando controlo de empresas lucrativas nos USA e noutras partes do Império), as Grandes da Tecnologia (Amazon, Google, Microsoft, Apple...). Estas últimas, com seus superlucros, não só beneficiam de um monopólio de facto; são parte ativa da gestão da imagem, da censura e blackout de pessoas, ideias e informações contra a ortodoxia...
Evidentemente, não são eles os nossos únicos inimigos, mas estão de facto a usar, de forma constante, armas de destruição massiva da inteligência das pessoas. Armas que não se apresentam como tal, que as pessoas vão «voluntariamente» procurar. De facto, seria mais apropriado fazer-se uma analogia com drogas duras... Pois, o cérebro humano alimenta-se, não apenas de informação vinda do interior (ele próprio e o organismo no qual existe), como do constante fluxo de informação vinda do exterior. Assim, conforme estamos a ser «nutridos» com informação (ou lixo informativo) estamos a ser subtilmente moldados.
A nossa perceção consciente e nosso ego podem recusar a evidência. Muitas pessoas pensam que são «elas próprias» que estão no controlo, que são elas que adotam ou rejeitam tal ou tal informação ou ponto de vista e, pensam elas, isso resulta do funcionamento lógico e racional do cérebro.
Porém, de facto o cérebro não é um computador, não é uma máquina; o cérebro recebe constantemente o «input» de impressões e afetos, que se exprimem por variações nos níveis hormonais, variações de neurotransmissores nesta ou naquela área cerebral, num complexo de circuitos de retroação.
Em tempo de guerra, a propaganda, ou seja, a forma mais maciça de influenciar a mente coletiva, torna-se mais pesada, torna-se opressiva. O regime dos países ocidentais, agora, é muito parecido com regimes do Leste, na era soviética*. Eu conheci vários países da Europa do Leste, incluindo a URSS, numa época em que as pessoas tinham a propaganda oficial por um lado e por outro, havia circulação de informação de forma semiclandestina.
Tanto nesse contexto, como no que se verifica hoje nos países ocidentais, não havia uma impossibilidade de acesso, pelo cidadão comum, a essas fontes alternativas de informação. Nos regimes do tipo que existiram na Europa do Leste, até ao final dos anos 80, era possível encontrar pessoas abertamente críticas em relação ao sistema. Hoje, nos países ditos de «democracia liberal» é também possível encontrar pessoas, que são francamente contrárias ao Status Quo.
Mas, não são essas pessoas que fazem a opinião. A opinião é feita por escribas, jornalistas, «pivots», pseudointelectuais, pseudo analistas, «peritos», que constantemente se sucedem, sobretudo nos meios informativos de maior audiência, despejando a «verdade» (dos regimes), as meias-verdades, as mentiras, as puras fabricações. Mas o ponto fulcral é a ausência de contraditório: Tudo isso é despejado sem que qualquer outra opinião, realmente contraditória, se faça ouvir de modo que as grosseiras deformações da realidade possam ser questionadas seriamente.
A sofisticação do sistema de gestão da informação vai muito longe, pois os partidos ditos de oposição, mesmo com etiqueta de socialistas, comunistas, ou anticapitalistas, foram cooptados para fazer parte do coro. Quando cantam, é em harmonia, podem até fazer contraponto, mas globalmente, não deixa de ser a narrativa do poder. Apenas a ênfase, o vocabulário e os chavões são ligeiramente diferentes. Os incautos creem que estão a ouvir, ver, ou ler, alguém de «esquerda autêntica», porque lança uma série de chavões e de frases-feitas, que funcionam como luzinhas - chamariz.
Na política-espetáculo, o discurso é tudo, a narrativa impera sobre os factos, a forma sobre o conteúdo, a personalidade e a aparência física de quem emite a «opinião», primam sobre tudo o resto. Estamos perante uma ilusão coletiva de democracia, um teatro de aparências, pois não existem reais contrapoderes.
Os tribunais não são independentes, como sabe qualquer pessoa que esteja dentro do sistema judicial. Nem é preciso invocar casos de corrupção (reais, mas quase nunca desvendados, pois afetariam a credibilidade da instituição); basta pensarmos nos mecanismos legais e bem oleados das promoções e nomeações dentro dos corpos da magistratura.
O mesmo se passa noutros corpos portadores de prestígio. Pensemos nos médicos e na cobardia do seu comportamento, a sua cedência face ao lóbi das grandes farmacêuticas, a sua traição do juramento de Hipócrates, o seu alheamento em fazer respeitar os direitos (já não são sagrados?) dos pacientes disporem do seu corpo e decidirem que tratamento desejam realmente ter.
Enfim, a realidade é completamente diferente das imagens oficiais. Também noutras profissões reina uma profunda corrupção. Referi os casos acima, para exemplificar com profissões tidas como prestigiosas. Pode-se imaginar, por analogia, o que se passa quotidianamente nas outras profissões. Na verdade, basta abrirmos os olhos e os ouvidos, e observarmos o que se passa à nossa roda.
Está-se, portanto, dentro dum processo de hipnose coletiva, de denegação da realidade, pois as pessoas foram condicionadas mentalmente** a só darem crédito aos que detêm «prestígio social»; a aparência torna-se o critério de credibilidade de algo. Por isso, é tão fácil manipular as pessoas. É um exercício feito em doses maciças e um crime contra a humanidade. Contra a humanidade em geral e contra aquilo que há de humano em cada um de nós; um abuso, uma violação das consciências.
Mas, tal não é percebido pelos «zombies», que vão buscar informação 24/24h. no seu «smartphone», que vivem numa completa dependência, como os drogados por substâncias químicas, cocaína, heroína, anfetaminas, etc. Há pessoas que entram em estado de choque sem o seu «smartphone», se o perderam, se alguém o roubou. Ficam desorientadas, zangadas ou desalentadas, em pânico, sem saber o que fazer, como se comportarem. Estão escravizadas pelas maquinetas, num grau que apenas tem paralelo com a dependência nos neurónios cerebrais dum adito por drogas químicas.
As possibilidades de pessoas que escaparam ao processo de lobotomia ou de zombificação, se fazerem entender pelas lobotomizadas ou zombificadas, são nulas na prática. Pois, as pessoas só podem perceber o que outra está a comunicar, se forem capazes de percorrer o discurso e tentar retraçar a linha de raciocínio dessa pessoa. Mas, isso não foi aprendido na escola, nem foi cultivado ao longo da vida. Portanto, é como dar uma partitura de música complexa a alguém que nunca estudou música, e nem sequer se interessou por música... Evidentemente, tal não resultaria!
Assim, só resta às pessoas que se entendem, de se darem a conhecer umas às outras, com muito mais proveito e prazer, do que tentarem «macaquear» os processos da media de massas. Também aqui, é evidente que não é possível erguer um contrapoder significativo à ditadura dos media e seus meios de condicionamento. É porém sempre possível preservar a nossa capacidade de diálogo, de argumentação, de partilha de pontos de vista e de confronto (não violento) de opinião, com outras pessoas que não foram lobotomizadas. Não interessa que tenham preferências culturais, políticas, etc., assim ou assado; interessa que sejam pessoas capazes de abertura real, que percebam o princípio elementar da vida em sociedade, o respeito pelos outros, pelas suas opiniões, seus direitos, de mesma forma como nós gostamos de ser respeitados.
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* Ver AQUI o artigo de Jonathan Cook, que descreve como os opositores são classificados como «doentes mentais», tal como eram descritos e internados em hospitais psiquiátricos, os dissidentes da era soviética.
**A forma como a media mainstream se transformou em (voluntária) arma de propaganda anti-russa, ilustra o grau de condicionamento a que o público está sujeito: https://www.strategic-culture.org/news/2022/04/14/war-ukraine-really-about-us-pursuing-regime-change-in-russia-bruce-gagnon/