Enquanto a verdade é negada ao público americano e internacional em geral, o «Estado Profundo» da nação que se auto-classifica como «indispensável» continua a manobrar com total impunidade.
Em múltiplas ocasiões verifica-se que Trump foi ultrapassado pelo «Estado profundo», nomeadamente em relação à sua política de apaziguamento com a Rússia, sabotada múltiplas vezes, sendo a última o incidente marítimo no estreito de Kerch, com navios de guerra ucranianos entrando em águas territoriais russas, uma manobra destinada a provocar um aumento de tensão ao nível não apenas local, mas a bloquear qualquer movimento de países europeus e de Trump no sentido de aliviar a política de sanções.
Estas sanções, como sabemos, têm sido talvez piores para os países europeus e aliados dos EUA, do que para a Rússia propriamente. Esta política tem propiciado que Putin leve a cabo a modernização do arsenal estratégico russo, o aumento da operacionalidade das forças armadas, o reforço da aliança com a China em todos os domínios, incluindo o militar, a aceleração da «desdolarização» da economia russa.
O incidente com a prisão no Canadá, por pedido expresso dos americanos, sobre a cidadã chinesa, Meng Wanzhou, directora executiva da Huawei, filha do principal accionista da mesma, tem contornos demasiado escabrosos.
O pretexto de que a Huawei tem relações comerciais com o Irão, seria risível, se não fosse uma negação patente da lei e direito internacionais. Com efeito, a referida directora da Huawei não cometeu nenhum crime, nem face às leis americana ou canadiana nem face à lei internacional, para ser colocada nesta posição. É, portanto, o equivalente ao nível de Estados de uma tomada de refém por bandidos. Reflecte este acto exactamente aquilo em que se tornaram os EUA, desde que os neocons fazem a lei, ou seja, desde as presidências de Bill Clinton, G. W. Bush, Obama e agora de Trump.
Em termos de lei internacional, os EUA deve ser considerado um «Estado pária», um «rogue State», pois as convenções e regras internacionais, quer as que regem relações ao nível dos Estados, quer de empresas tanto entre elas, como com Estados (direito internacional privado), estão a ser postas em causa flagrantemente pelos EUA, os quais só as invocam quando isso lhes convém para a sua retórica.
Para cúmulo, também as convenções internacionais que protegem os cidadãos do arbítrio dos Estados, são espezinhadas, agora.
Com esta política, os Estados-vassalos, particularmente na Europa, terão as maiores dificuldades de se alinharem e mesmo serão forçados a entrar em contradição com a política dos EUA. Já o fizeram em relação à retirada unilateral dos EUA do acordo com o Irão.
Face a tanta falta de senso político e mesmo de senso comum, há que tentar compreender a razão e lógica subjacentes a isto tudo. Parece-me que o Estado profundo tem forçado Trump a aceitar políticas contrárias às suas crenças e à vontade que exprimiu na campanha eleitoral, que foram uma das razões porque foi eleito, sendo a outra, o facto de uma vasta camada de eleitores estar farta de ser humilhada por uma «elite» bem pensante (liberal de esquerda), que apoiava Clinton.
Podemos criticar severamente as incoerências das posições e dos actos praticados por Trump, sem dúvida. Sem dúvida, ele tem responsabilidades.
Mas, parece-me que ele está sujeito a chantagem. Parece-me que muito do que se passa por detrás da cena tem a ver com isso. Parece-me que o «Estado profundo» dispõe de meios eficazes de exercer chantagem. Usou essa chantagem com a pretensa cumplicidade russa na sua campanha e eleição de 2016, quando, na verdade, foram Obama e Hillary que deram aos russos a concessão (perigosa, em termos de defesa dos EUA), o acordo dito do urânio, segundo o qual os russos efectuariam a refinação do combustível nuclear, destinado às centrais nucleares americanas.
Sabemos que o Estado profundo americano tem no seu passado o assassinato de um presidente (JF Kennedy) e de muitos outros destacados cidadãos (Martin Luther King, Malcolm X, etc, etc), para não falar do golpe de Estado, encoberto de ataque terrorista, do 11 de Setembro de 2001.
Este Estado profundo não é «reformável» e nem creio que seja possível aplacá-lo.
Trump tem sido obrigado a ceder em aspectos vitais da política americana. A própria composição do governo tem sofrido alterações no sentido de colocar homens e mulheres de confiança dos neocons, como John Bolton, enquanto garantes de que as políticas de Trump não tomem caminhos demasiado contrários aos desígnios estratégicos deles.
Sem dúvida, os EUA são efectivamente um país de «partido único» como diz Chomsky, com duas alas, os Democratas e os Republicanos... Eu acrescentaria que por detrás da cena quem tem realmente a chave do poder nos EUA são os neocons, sendo estes voluntariamente, agentes do complexo militar industrial e securitário, agentes dos lobbies do armamento, da agro-indústria, da indústria farmacêutica e, sobretudo, da grande banca, de «Wall Street», os interesses financeiros, que possuem directa ou indirectamente uma enorme fatia dos EUA.