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sexta-feira, 8 de abril de 2022

NOSSOS GRILHÕES MENTAIS: GESTÃO DA PERCEÇÃO (PERCEPTION MANAGEMENT)






 Quando penso nas grandes linhas do que tem sido o século XXI, verifico como a forma mais acabada de conduzir as massas tem sido a gestão da sua perceção.

Com efeito, quem tem o controlo sobre os grandes meios de comunicação social, quer seja o Estado, quer sejam os grandes grupos privados, pode moldar a perceção da realidade, ocultando, dizendo apenas as partes convenientes de uma realidade, ou mesmo, fabricando de todas as peças uma falsa narrativa. 

O pretexto para os americanos invadirem o Afeganistão em 2001, para depois invadirem o Iraque em 2003, para continuarem com a Líbia, o Sudão, a Síria, o Iémen...Foi - na verdade - um monstruoso «Pearl Harbour», querido pelos redatores do manifesto PNAC, os neocons. Eles têm-se sucedido em postos importantes de Washington, sob todas as presidências, enquanto elementos-chave do Estado profundo nos USA, com a participação e conivência ativa de uma grande parte do grande capital: nomeadamente, a banca (JP Morgan, Goldman Sachs e a grande banca de negócios), Blackrock e Vanguard (empresas tentaculares, desde o imobiliário, até fundos especulativos, e tomando controlo de empresas lucrativas nos USA e noutras partes do Império), as Grandes da Tecnologia (Amazon, Google, Microsoft, Apple...). Estas últimas, com seus superlucros, não só beneficiam de um monopólio de facto; são parte ativa da gestão da imagem, da censura e blackout de pessoas, ideias e informações contra a ortodoxia...

Evidentemente, não são eles os nossos únicos inimigos, mas estão de facto a usar, de forma constante, armas de destruição massiva da inteligência das pessoas. Armas que não se apresentam como tal, que as pessoas vão «voluntariamente» procurar. De facto, seria mais apropriado fazer-se uma analogia com drogas duras... Pois, o cérebro humano alimenta-se, não apenas de informação vinda do interior (ele próprio e o organismo no qual existe), como do constante fluxo de informação vinda do exterior. Assim, conforme estamos a ser «nutridos» com informação (ou lixo informativo) estamos a ser subtilmente moldados. 

A nossa perceção consciente e nosso ego podem recusar a evidência. Muitas pessoas pensam que são «elas próprias» que estão no controlo, que são elas que adotam ou rejeitam tal ou tal informação ou ponto de vista e, pensam elas, isso resulta do funcionamento lógico e racional do cérebro.

Porém, de facto o cérebro não é um computador, não é uma máquina; o cérebro recebe constantemente o «input» de impressões e afetos, que se exprimem por variações nos níveis hormonais, variações de neurotransmissores nesta ou naquela área cerebral, num complexo de circuitos de retroação.

Em tempo de guerra, a propaganda, ou seja, a forma mais maciça de influenciar a mente coletiva, torna-se mais pesada, torna-se opressiva. O regime dos países ocidentais, agora, é muito parecido com regimes do Leste, na era soviética*. Eu conheci vários países da Europa do Leste, incluindo a URSS, numa época em que as pessoas tinham a propaganda oficial por um lado e por outro, havia circulação de informação de forma semiclandestina. 

Tanto nesse contexto, como no que se verifica hoje nos países ocidentais, não havia uma impossibilidade de acesso, pelo cidadão comum, a essas fontes alternativas de informação. Nos regimes do tipo que existiram na Europa do Leste, até ao final dos anos 80, era possível encontrar pessoas abertamente críticas em relação ao sistema. Hoje, nos países ditos de «democracia liberal» é também possível encontrar pessoas, que são francamente contrárias ao Status Quo. 

Mas, não são essas pessoas que fazem a opinião. A opinião é feita por escribas, jornalistas, «pivots», pseudointelectuais, pseudo analistas, «peritos», que constantemente se sucedem, sobretudo nos meios informativos de maior audiência, despejando a «verdade» (dos regimes), as meias-verdades, as mentiras, as puras fabricações. Mas o ponto fulcral é a ausência de contraditório: Tudo isso é despejado sem que qualquer outra opinião, realmente contraditória, se faça ouvir de modo que as grosseiras deformações da realidade possam ser questionadas seriamente.  

A sofisticação do sistema de gestão da informação vai muito longe, pois os partidos ditos de oposição, mesmo com etiqueta de socialistas, comunistas, ou anticapitalistas, foram cooptados para fazer parte do coro. Quando cantam, é em harmonia, podem até fazer contraponto, mas globalmente, não deixa de ser a narrativa do poder. Apenas a ênfase, o vocabulário e os chavões são ligeiramente diferentes. Os incautos creem que estão a ouvir, ver, ou ler, alguém de «esquerda autêntica», porque lança uma série de chavões e de frases-feitas, que funcionam como luzinhas - chamariz. 

Na política-espetáculo, o discurso é tudo, a narrativa impera sobre os factos, a forma sobre o conteúdo, a personalidade e a aparência física de quem emite a «opinião», primam sobre tudo o resto. Estamos perante uma ilusão coletiva de democracia, um teatro de aparências, pois não existem reais contrapoderes. 

Os tribunais não são independentes, como sabe qualquer pessoa que esteja dentro do sistema judicial. Nem é preciso invocar casos de corrupção (reais, mas quase nunca desvendados, pois afetariam a credibilidade da instituição); basta pensarmos nos mecanismos legais e bem oleados das promoções e nomeações dentro dos corpos da magistratura. 

O mesmo se passa noutros corpos portadores de prestígio. Pensemos nos médicos e na cobardia do seu comportamento, a sua cedência face ao lóbi das grandes farmacêuticas, a sua traição do juramento de Hipócrates, o seu alheamento em fazer respeitar os direitos (já não são sagrados?) dos pacientes disporem do seu corpo e decidirem que tratamento desejam realmente ter. 

Enfim, a realidade é completamente  diferente das imagens oficiais. Também noutras profissões reina uma profunda corrupção. Referi os casos acima, para exemplificar com profissões tidas como prestigiosas. Pode-se imaginar, por analogia, o que se passa quotidianamente nas outras profissões. Na verdade, basta abrirmos os olhos e os ouvidos, e observarmos o que se passa à nossa roda.

Está-se, portanto, dentro dum processo de hipnose coletiva, de denegação da realidade, pois as pessoas foram condicionadas mentalmente** a só darem crédito aos que detêm «prestígio social»; a aparência torna-se o critério de credibilidade de algo. Por isso, é tão fácil manipular as pessoas. É um exercício feito em doses maciças e um crime contra a humanidade. Contra a humanidade em geral e contra aquilo que há de humano em cada um de nós; um abuso, uma violação das consciências. 

Mas, tal não é percebido pelos «zombies», que vão buscar informação 24/24h. no seu «smartphone», que vivem numa completa dependência, como os drogados por substâncias químicas, cocaína, heroína, anfetaminas, etc. Há pessoas que entram em estado de choque sem o seu «smartphone», se o perderam, se alguém o roubou. Ficam desorientadas, zangadas ou desalentadas, em pânico, sem saber o que fazer, como se comportarem. Estão escravizadas pelas maquinetas, num grau que apenas tem paralelo com a dependência nos neurónios cerebrais dum adito por drogas químicas.

As possibilidades de pessoas que escaparam ao processo de lobotomia ou de zombificação, se fazerem entender pelas lobotomizadas ou zombificadas, são nulas na prática. Pois, as pessoas só podem perceber o que outra está a comunicar, se forem capazes de percorrer o discurso e tentar retraçar a linha de raciocínio dessa pessoa. Mas, isso não foi aprendido na escola, nem foi cultivado ao longo da vida. Portanto, é como dar uma partitura de música complexa a alguém que nunca estudou música, e nem sequer se interessou por música... Evidentemente, tal não resultaria! 

Assim, só resta às pessoas que se entendem, de se darem a conhecer umas às outras, com muito mais proveito e prazer, do que tentarem «macaquear» os processos da media de massas. Também aqui, é evidente que não é possível erguer um contrapoder significativo à ditadura dos media e seus meios de condicionamento. É porém sempre possível preservar a nossa capacidade de diálogo, de argumentação, de partilha de pontos de vista e de confronto (não violento) de opinião, com outras pessoas que não foram lobotomizadas. Não interessa que tenham preferências culturais, políticas, etc., assim ou assado; interessa que sejam pessoas capazes de abertura real, que percebam o princípio elementar da vida em sociedade, o respeito pelos outros, pelas suas opiniões, seus direitos, de mesma forma como nós gostamos de ser respeitados.

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* Ver AQUI o artigo de Jonathan Cook, que descreve como os opositores são classificados como «doentes mentais», tal como eram descritos e internados em hospitais psiquiátricos, os dissidentes da era soviética.

**A forma como a media mainstream se transformou em (voluntária) arma de propaganda anti-russa, ilustra o grau de condicionamento a que o público está sujeito: https://www.strategic-culture.org/news/2022/04/14/war-ukraine-really-about-us-pursuing-regime-change-in-russia-bruce-gagnon/

domingo, 27 de junho de 2021

O SILÊNCIO FÉRTIL

Ele tem espessura, tem vibração. É um momento eterno de escuta interior.

Outros sons podem ouvir-se à distância, mas o cerne do meu ser está recolhido no silêncio. Depois, é como uma ave que levanta voo.

Estamos prontos para agir, para fazer qualquer coisa, mesmo que isso seja um percurso imaginado nos neurónios do cérebro. Fazer e pensar são a mesma coisa; quando penso estou a agir, não existe praticamente nenhuma diferença: O cérebro, este é que decide - consciente ou inconscientemente - o que é, o como, o quando, o quanto, a ação deverá ser.

O movimento interno do cérebro é real, se eu pensar que estou numa corrida; e isto, de forma bastante parecida com uma corrida de verdade. É estranho, mas faz todo o sentido. Se não houver representação de um ato, como é que ele pode ser desencadeado e sustentado no tempo?

Por isso, eu me refugio no silêncio, algumas vezes. Não preciso de estar em postura de lótus, ou noutra qualquer. Estou atento ao que se passa dentro de mim, simplesmente. Estou ouvindo o meu ser. Não preciso de pensar, nem de reprimir qualquer pensamento que me ocorra.

Em muitas ocasiões estes momentos são frutuosos, pois me dão o compasso. A música do pensamento precisa do compasso, da batida, de marcação do ritmo.

Os meus sentimentos e pensamentos, todos eles, desprendem-se das camadas mais profundas e sobem à consciência, como uma bolha de gás que se desprende do fundo de um charco e sobe à superfície.

Não é necessário eu estar constantemente à escuta de mim próprio, felizmente. Só em certos momentos: Quando preciso de me recentrar. Quando preciso de retomar uma postura de serenidade atenta, que me permite encarar as situações, sejam elas quais forem.

Estar no «aqui e agora». O silêncio tem de se fazer, para darmos início a um discurso ou a um canto. Mas, também para realizar qualquer outra coisa que precisa de ser feita com concentração.

Isto, que acabo de escrever é um pálido reflexo da realidade: o discurso não é uma boa forma para se chegar ao silêncio interior.

Mas, é verdade que o silêncio é a boa forma de se iniciar um discurso - exterior ou interior - verbal ou não verbal, diálogo comigo próprio ou com os outros.

Também a palavra escrita precisa de respiração. Também ela precisa de fazer pausas, para o conteúdo sobressair, para ser inteligível ao leitor. E este, do mesmo modo, tem de fazer um silêncio interior, para poder captar o sentido do que está lendo.

A nossa «não-civilização» está permanentemente poluída com ruído. As pessoas estão imersas num ruído que lhes enche o «ouvido interior». É uma forma de poluição muito séria, pois nunca, ou quase é reconhecida como tal. Mas, os seus efeitos são devastadores.

A mente precisa de silêncio, para poder centrar-se numa tarefa, seja ela a leitura de um livro, seja uma atividade dita «manual», pois não existe atividade manual ou física que não seja sensual, mental e espiritual, ao mesmo tempo. O facto de não o reconhecermos, é uma forma de bloqueio, que nos impede de focalizar as nossas energias.

Fazer algo de modo aplicado, concentrado, é um exercício espiritual. Pensar, é uma atividade física. Não existe pensamento sem despesa energética, com todas as ligações que se estabelecem ou se quebram, entre neurónios ou dentro deles, ou com outras células do corpo. São trocas de energia e de informação. Qualquer troca de energia é bioquímica, é uma transformação molecular, é «material».

Gosto de comunicar com os outros, mas isto torna-se - por vezes - complicado, porque há uma dificuldade maior, hoje em dia, das pessoas se entenderem. Creio que o problema reside na ausência de treino para ouvir o outro: Algo que deveria ser exercitado, desde pequenino, de uma forma natural, não formal.

No silêncio do meu estúdio, escrevo as reflexões que eu acho pertinentes. Depois, com uma série de leituras do meu escrito, faço correções que vão desde os aspetos formais, até modificações substanciais, retirando ou acrescentando conteúdo. Posso tentar um «diálogo interior» na rua, ou em qualquer outro lugar, mas não consigo mais do que faíscas, laivos de ideias: Ideias não completadas, como esquissos, que precisam de ser trabalhados para se tornarem obra, ou parte dela.

A coisa mais preciosa na vida, talvez seja a nossa capacidade de comunicar, de forma significativa com os outros e connosco próprios, também: É uma arte que tem de ser aprendida e praticada.

Nós temos de estar atentos ao(s) outro(s), às suas reações, quando falamos. Temos de estar atentos ao nosso ser íntimo, quando pensamos, quando nós falamos connosco próprios: Isto é o que se chama meditação, em filosofia, seja ela oriental ou ocidental.

Se algum guru te disser que meditação, é fazer o vazio, está - simplesmente - a iludir-te. Ele pode estar - ele próprio - iludido, pode não ser com má intenção da sua parte. Mas o facto permanece; há uma confusão.

O silêncio é necessário para se dar a emergência da palavra exterior (discurso) ou interior (meditação). O silêncio não é o vazio, pois é vibrante, é denso, é chão de criatividade. É propiciar as condições para ouvir e ser ouvido por outros; ou para nos ouvirmos a nós próprios. Sem o silêncio interior, não há reflexão, não há pensamento filosófico possível.

domingo, 25 de outubro de 2020

A ESTRANHA PROPRIEDADE DE NÃO NOS COMPREENDERMOS

                     

Quando olho através da janela e vejo o céu, plantas, uma cerca... estou a ver algo real. Mas as palavras que escrevi, agora mesmo, não descrevem sequer o real. Não poderia esse real ser descrito por uma filmagem pois, o que uma filmagem mostra, é uma paisagem sob determinado ângulo (escolhido pelo indivíduo que está filmando) e as imagens captadas estão «congeladas» num dado momento do tempo. O filme não capta as transformações que ocorrem ao longo de meses, nem tão pouco pode captar o micro detalhe do que se passa no interior das estruturas, do solo, das plantas, etc... O problema que tenho  -  todos temos afinal - é que o real está para além do trivial. Temos aqui uma situação paradoxal. Não queremos especular, queremos nos limitar ao que «vemos», ao sensível. Mas, sabemos que existe - na realidade - muito, para além do que nos é oferecido conhecer através dos sentidos. Porém, logo que começamos a pensar em processos atómicos ou cósmicos, nas escalas do espaço e do tempo, começamos a especular, entramos no domínio da especulação.  

Há uma distância irredutível do homem à realidade do mundo, mas também à sua realidade interior, afinal a base do seu ser, da sua personalidade. Não nos é suportável a introspecção, senão por breves momentos, a introspecção permanente é caminho certo para a loucura, já é um sinal de loucura. A subjectividade existe, porém: estamos sempre a reelaborar o nosso passado, somos seres dotados de um cérebro extremamente sofisticado, completamente diferente, nos princípios lógicos e no modo operacional, dos computadores da nossa tecnologia. O cérebro é um órgão, é um componente do corpo, nós «raciocinamos» com o corpo todo, não apenas com o cérebro. O cérebro tem a  propriedade única de integração das diversas partes do organismo, permitindo a homeostasia, esse maravilhoso poder de manter um determinado estado interior.

Tal como a homeostasia de funções «orgânicas», como o intervalo de flutuação dos níveis de glucose no sangue, ou de hormonas, a homeostasia das funções emotivas e cognitivas é realizada através de operações no cérebro. Isso traduz-se pela activação ou inibição de certa categoria de circuitos neuronais, etc., mas também pela própria modificação estrutural, visto que estamos sempre a fabricar dentrites e mesmo neurónios, numa arquitectura extremamente complexa e bem organizada. 

A nossa fala espelha de um modo grosseiro a complexidade do mundo. É característico do mais simplista e equivocado pensamento, confundir a «etiqueta», o nome dado às coisas,  com as coisas. Mas, todos nós - insensivelmente - fazemos isso, e com grande frequência, porque o nosso cérebro gosta de atalhos, gosta de poupar energia; evita gastar energia num grande número de operações. 

Talvez o problema da nossa abordagem ao real, esteja relacionado com a hiper sofisticação dos nossos modos de viver e de pensar. Talvez sejamos construídos basicamente com uma estrutura igual ou equivalente à dos primeiros homens modernos, mas o nosso cérebro e o nosso ser de sapiens contemporâneos está confrontado, talvez desde o nascimento - certamente, desde os primeiros anos de vida - com os desafios da complexidade. Falo de complexidade social, relacional, sociológica, cultural... Nós conseguimos, graças à nossa «incompletude» (a propriedade da «neotenia»), nos adaptar ao mundo tal como ele é, evoluir e transformar múltiplos aspectos (físicos, emocionais e intelectuais) do nosso comportamento. Mas, o homem, durante perto de 300 mil anos (e só considerando o homem anatomicamente moderno), viveu num mundo completamente diferente, onde as interacções sociais significativas eram muito poucas, mas - talvez - mais intensas. As questões de sobrevivência eram sempre prementes (não havia um excedente acumulado pelo agrupamento humano). Certamente, os comportamentos e os cérebros destes nossos antecessores estavam totalmente mobilizados para atender às tarefas relacionadas com a sobrevivência.  

No entanto, a nossa capacidade de inovar estava presente, a transformação - progressiva ou brusca - das comunidades humanas, significou uma série de desafios inéditos, para os contemporâneos dessas transformações. A  vertente do conhecimento e exploração da realidade mais desenvolvida na nossa espécie, porque verdadeiramente importante, foi da realidade social. Os indivíduos percebem que pertencem a uma certa comunidade, que têm de lutar dentro dela para que lhes seja reconhecido um dado estatuto: a realidade social foi - desde muito cedo -  apreendida como vital, mais importante que o conhecimento do entorno natural. 

Por mais que certas teorias o neguem ou o menosprezem, o ser humano sempre foi um animal social. O tipo de relacionamento que os humanos estabelecem em sociedade evolui, mas a espécie humana, em si mesma, não é concebível sem uma estrutura social complexa. Graças à plasticidade cerebral, desde os alvores da humanidade (e mesmo das espécies que a precederam, há milhões de anos) e até hoje, podemos dedicar trabalho cerebral a resolver um problema matemático, apreciar uma obra literária, ou a construir um arranha-céus... mas, não perdemos a capacidade de nos relacionar entre indivíduos, de nos apaixonarmos, de termos conflitos pessoais, de sentirmos afecto, ternura, repúdio e aversão... O cérebro emotivo está na base do desenvolvimento do cérebro racional. Somente devido a uma espécie de soberba é que muitas pessoas, incluindo as mais inteligentes, colocam as funções racionais acima das funções de gestão das emoções. A situação, hoje, pode ser menos nítida; mas, ao longo dos últimos 500 anos, foi esta a posição dominante. 

A incapacidade do homem em se perceber a si próprio, apesar de ter usado sua inteligência para resolver tantos mistérios da natureza e desenvolvido tantas técnicas com base nestes saberes, é o que há de mais estranho. Mas, isto não se deve à escassez de obras de psicólogos, filósofos, etc... que se debruçaram sobre os diversos aspectos do problema, avançando com teorias, mais ou menos convencionais ou revolucionárias. A literatura sobre o assunto é enorme e fisicamente impossível de conhecer em pormenor. Somente podemos ter alguma ideia das teorias em voga; podemos intuir como as pessoas assimilam tais teorias; como são referidas na media, nas obras de divulgação e no ensino.

Nos últimos 150 anos, a negação da espiritualidade recebeu o beneplácito do mundo científico-académico, ao contrário das épocas anteriores. O materialismo tornou-se - de facto - a filosofia implícita nos meios científicos. A espiritualidade em si mesma, não implica maior ou mais aprofundado saber sobre a nossa subjectividade, sobre o eu emocional.  Mas, o materialismo bloqueou qualquer progresso neste domínio, insistindo em modelos completamente absurdos. Penso que se pode falar de «obstáculo epistemológico» a este propósito, sobretudo em relação ao reducionismo, associado ao materialismo. Esse modo de proceder consiste em reduzir/degradar ao nível de impulsos electro-químicos, de conexões neuronais e de influências hormonais, tudo o que esteja relacionado com o eu emocional / relacional e seu modo operativo. O modelo da «actividade racional», pelo contrário, foi o do computador, a analogia mais fraca que se possa imaginar, mas que continua, como mito nas sociedades urbanizadas (o nosso «computador interior», o cérebro). 

As neuroses, o fechamento sobre o ego, o narcisismo, o egoísmo, o hedonismo, todas estas patologias dos indivíduos são, em simultâneo, sociais. São características de uma sociedade alienada e alienante. Os indivíduos, hoje em dia, não encontram, nem as referências tradicionais (que  reforçavam as normas sociais, mas também davam segurança ao indivíduo), nem constroem novas referências, adaptadas à época. Por isso, experimenta-se um mal-estar de fim de época. Nestes tempos, tornam-se óbvios sintomas de decadência que surgiram precisamente noutros momentos, dos mais perturbados da História: O relativismo moral impera, confunde-se o dogmatismo com valores, predomina o raciocínio e acção segundo padrões identitários. Estranhamente, ou talvez não, reencontramos atitudes e ideologias muito semelhantes, noutros momentos de crise civilizacional. Nomeadamente, nos últimos tempos de Império Romano do Ocidente, na decadência dos dois super poderes ibéricos no Século XVII, na véspera da Revolução francesa de 1789, da Revolução Russa de 1917, na Europa, durante o imediato pós-guerra de 1918/1919, etc... 

Neste quadro, não admira que as pessoas estejam desorientadas e possam desenvolver comportamentos «anti-sociais», de uma ou outra forma. A desagregação na sociedade dá-se sempre a vários níveis, que se reforçam mutuamente. 

É como um edifício que entra em ruína. A decadência ocorre, em simultâneo, em várias estruturas: tanto na fachada, como nos alicerces; tanto na consistência do cimento, como na podridão das vigas.

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 Não preconizo «um remédio» social, nem individual. Mas gostaria de debater* estes assuntos com pessoas, quer tenham opiniões concordantes ou discordantes comigo. 

[ * Se o/a leitor/a tiver interesse em fazê-lo, pode inserir seus comentários. Pode colocá-los livremente neste blog. Apenas retirarei conteúdos manifestamente insultuosos e ofensivos.... ]


sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O PRIMEIRO E O SEGUNDO CÉREBRO, O MICROBIOMA E A SAÚDE HUMANA



Esta lição do Dr. Gundry explica muitos factos, entre eles: 
- a destruição do nosso ecossistema interno, por uma alimentação inadequada ou devido à presença de glifosato 
- compreensão e possibilidade de melhor prevenção de doenças como Parkinson, Alzheimer e outras doenças.

sábado, 2 de junho de 2018

UM GENE ESPECÍFICO RESPONSÁVEL PELA EXPANSÃO CEREBRAL



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Nos dias de hoje, saturados com notícias sensacionalistas, que supostamente dão uma informação sobre os progressos em biologia, é difícil de não se cair no cepticismo. Porém, algumas descobertas transportam a marca do que se pode designar - sem exagero - de pequenas revoluções no conhecimento da biologia evolutiva. 


É o caso de um gene, especificamente humano, que se designa por NOTCH2NL. Possui a propriedade de retardar a vinculação das células cerebrais, no caminho da diferenciação  em direcção ao estado de neurónio. Ou seja, graças à actividade deste gene uma linhagem celular vai ficar mais tempo no estado indiferenciado, na forma de células estaminais. Ora, as células estaminais vão continuar a dividir-se e dar origem a novas células. Temos assim um mecanismo de diferenciação que é atrasado, retardado, na espécie humana, por comparação com o que se passa nos tecidos equivalentes dos símios, os quais não são possuidores deste gene activo. Assim, certas zonas do cérebro humano - córtex frontal, nomeadamente - continuam mais tempo em divisão activa durante a gestação, comparativamente aos nossos primos símios. 

Esta diferença explica uma parte do aumento da massa cerebral, que se observa justamente a partir da bifurcação que deu origem ao género Homo. 
Outra parte, deve-se a um complexo de causas e consequências, um mecanismo de selecção, em que o surgimento de seres dotados de maiores cérebros, correspondia a comportamentos mais aptos à sobrevivência; o que, por sua vez, permitia a perpetuação desta característica nas gerações seguintes.

Os autores desta importante descoberta fazem notar que o surgimento deste gene poderia ter ocorrido (por reparação de genes similares) em qualquer momento da evolução dos primatas. Mas esse acontecimento terá ocorrido, segundo estudos da divergência de sequências de ADN, há cerca de 4 milhões de anos. Foi nessa altura, na origem deste gene, que se iniciou a divergência evolutiva entre os símios antropoides (chimpanzés, gorilas, etc) e a linhagem ancestral de todo o género Homo.

Outra curiosidade importante deste estudo, foi a relocalização do gene, noutro ponto do genoma humano. Estava mapeado noutro sítio do genoma humano, que não aquele onde ele efectivamente se encontra. 
Ora, a sua verdadeira localização é extremamente interessante, pois é a zona onde ocorrem  genes associados a macrocefalias e microcefalias, mas igualmente genes envolvidos nas doenças do desenvolvimento cognitivo, como o autismo e outras patologias. 
O gene NOTCH2NL pode ser sujeito a deleção ou duplicação, originando anomalias por si próprio ou pode sua alteração ser causadora de perturbação no seu entorno, na expressão doutros genes.  



quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

FRAGMENTOS [OBRAS DE MANUEL BANET]

SOBRE ARTE TRANSCENDENTE

Há algo de transcendente na arte, por mais humana que seja sua expressão e por mais humanos que sejam os seus temas. Na verdade, ninguém saberá explicar exactamente a transcendência da arte. Não se estará nunca em condições de o fazer, porque esta qualidade é do foro emocional, não do racional. 
Algumas pessoas poderão dizer que todos os juízos sobre arte e, mesmo, todos os objectos de arte, se valem. Mas igualizar assim, de modo brutal, tudo o que seja produção artística, soa antes a um sofisma: Com efeito, a comunicação em arte ocorre, se e somente se houver transmissão da emoção, do sentimento, do objecto ou do ser representado, para o observador. 
A emoção em bruto, ressentida pelo artista, é filtrada, é trabalhada interiormente e transmite-se ao espectador/receptor... Será isto a essência do que se considera arte?

Na verdade, a arte estará sempre presente. Pelo olhar, estou sempre a ver arte: A natureza que contemplo, o mar, o céu, o jardim e os animais que se abrigam nele, tudo isto faz parte do meu mundo emocional. A arte, o encontrar beleza nas coisas, nos objectos, ou nas pessoas, está no olhar...

Com os anos, aprendi a apreciar as coisas óptimas ao meu alcance, já não me preocupando que os outros tivessem ou não os mesmos gostos. 
Sempre soube, ou intui antes de o teorizar, que o passado é que é real, mesmo que já não se possa experimentar directamente a emoção dum instante passado. 
Confesso ser influenciado pela música, pela pintura, etc. de eras passadas. Recebo a reverberação do passado sobre o presente. O passado, reactualizado na vivência do presente, está presente ... 


SOBRE SABEDORIA


Estar em modo de abertura e - ao mesmo tempo - centrado em si próprio, seria a base da sabedoria e da paz de espírito. Sabemos que o mundo sempre se agitou com paixões, com ambições, com desejos, com violência de vária ordem e com imenso amor, também. Compreendemos que não é coisa fácil, aceitar o mundo tal como ele é; será indispensável, porém, para uma tranquilidade de espírito. 
Os grandes sábios, os mestres iniciadores de religiões e correntes filosóficas, ao longo das eras, souberam dominar o medo e olhar sem vendas para o mundo tal como ele é. 
O princípio da sabedoria, poderia enunciar-se deste modo: manter a abertura para o mundo tal como ele é, sem descurar as tarefas necessárias para preservar o nosso ser. 

SOBRE OS INSTINTOS

Seria inútil ou mesmo impossível, toda e qualquer acumulação do saber e de arte se, a cada geração, fosse necessário tudo refazer. 
Tal equivaleria ao ciclo de vida  típico dos insectos, em que a geração filial está separada temporalmente da geração parental: os novos seres nascem de ovos, na estação favorável, quando seus progenitores já estão todos mortos. 
Em consequência disto, o comportamento destas espécies tem de ser quase todo determinado pelo instinto, pois não têm oportunidade de realizar aprendizagens, durante sua curta existência, que lhes ensinem como sobreviver e prosperar. 
À medida que se passa às formas mais complexas, mais elaboradas de seres vivos, a parte de instinto no comportamento vai diminuindo, a parte de cultura vai aumentando. 
O humano, será, afinal, um ser animal cujos instintos, não foram suprimidos, mas apenas dominados: no interior, pela mais recente aquisição evolutiva do cérebro (o neocórtex) e, no exterior, pela organização social e pela cultura, no sentido lato.


SOBRE A EDUCAÇÃO

Atribui-se uma importância primordial à educação. Esta não deveria estar centrada nos aspectos cognitivos, nas aprendizagens dos saberes teóricos, somente, mas deveria desenvolver-se enquanto prática social integradora, não amestradora, não castradora, dos jovens. 
A observação por dentro do sistema de «educação» permitiu-me constatar que, apesar de todos os discursos, a prática integradora exercida pela instituição escolar é ainda sobretudo «amestradora e  castradora», ou seja, limitadora da liberdade dos indivíduos. Pelo contrário, a componente de aprendizagem potencialmente emancipadora, o adquirir de competências socialmente úteis e capazes de gerar rendimento e, portanto que auxiliasse à autonomia real do indivíduo, tem estado atrofiada, marginalizada nos programas escolares e académicos. Tive ocasião de constatar que é algo que tem vindo a acentuar-se, cada vez mais, da escola básica até à universidade, inclusive. 


SOBRE A MEMÓRIA

A possibilidade de reescrever o passado existe, por mais estranho que pareça, à primeira vista: ela resulta da propriedade chamada resiliência. Sem ela, a existência dos humanos seria impossível, ou seria apenas mera sobrevivência.  
Seria útil reequacionar o conceito de memória humana como emanação dum órgão, como tendo uma essência orgânica. Não é ela de essência maquinal, como a memória de um computador. A analogia cérebro-computador está errada, ao nível profundo. Os mecanismos e modos de funcionamento inseridos nos  planos de construção respectivos são completamente distintos: 
- A memória humana é plástica, selectiva, altamente subjectiva, umas vezes precisa, outras vezes vaga. Ela também se pode auto-estimular, auto-construir-se e reconstruir-se; não tem nada que ver com máquinas fabricadas pelos homens. Estas podem simular, apenas e de modo muito imperfeito, o raciocínio lógico cerebral. Quanto ao domínio emocional, permanece exclusivo do cérebro humano (e animal).
O funcionamento da memória permite que sejamos quem somos, que tenhamos consciência de nós próprios. Não existe qualquer máquina com verdadeira consciência de si própria, por mais que os romances de ficção científica tentem tornar isso verosímil, os mundos dominados por robots. 


SOBRE O NARCISISMO

As pessoas confundem, muitas vezes, o conhecimento de si próprio com narcisismo. Enquanto o mito de Narciso tem profundo significado psicológico, o termo «narcisismo» é usado - de forma redutora - para designar uma patologia, uma forma extremada do amor de si. 
Mas o facto de estarmos atentos e olharmos nossa imagem ao espelho da alma, não somente será saudável, consiste mesmo na base do comportamento reflectido, da consciência, da ética. 
Só um certo grau de auto-conhecimento pode proporcionar ao individuo que este veja o mundo (e se veja no mundo) de forma equilibrada. A visão do real está implicitamente centrada no ser que observa. Só podemos observar literalmente com os próprios olhos, com o nosso ponto de vista. Porém, o fio que separa a auto-consciência, da auto-indulgência (do narcisismo patológico),  pode ser bastante ténue. 
Será necessária uma certa dose de amor de si, de auto-estima. Como traço estruturante da psique e do relacionamento na sociedade, será bem diferente do «narcisismo patológico».





sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA

Tenho seguido com um interesse crescente os debates que circulam na Internet sobre as precárias liberdades de expressão neste médium e noutros, na sociedade em geral. 
Tenho estado a observar, desde há alguns anos, a deriva para uma atitude passiva da maior parte das pessoas que se refugiam no seu círculo de «amigos» virtuais e não passam desse casulo, como o de insetos, tecidos por eles próprios, mas envolvendo as suas mentes, não o seu corpo.
A maneira como este processo atua é semelhante à exposição repetida a uma agressão. Nos primeiros momentos, a dor pode ser muito intensa, mas com a repetição, a intensidade do efeito doloroso torna-se menor. Sabemos que isso se deve à secreção de «endorfinas» essas morfinas naturais, segregadas pelo cérebro… Pois a exposição a algo violento, destruidor da nossa própria moral, etc. segue uma curva semelhante:  a dor, a indignação vai ser substituída, a pouco- e-pouco, por um «acostumar», uma indiferença, um encolher de ombros.
Instala-se o relativismo moral, causando a apatia, a anomia, dos indivíduos e da sociedade em geral. Os poucos que conservam sua consciência despertada estão em minoria; são «neutralizados» perante um oceano de «consciências zombificadas». 
A «Nova Ordem Mundial», que é temida e considerada um pesadelo orwelliano por muitos, já está praticamente instalada. Para amostra disso, veja-se como a propaganda dos media ditos de referência, na realidade, porta-vozes do governo e das grandes corporações, consegue,  na indiferença mais geral, perseguir media alternativos que têm uma ínfima fração do auditório e igualmente uma ínfima fração dos recursos humanos, financeiros, técnicos, etc. destes mastodontes.
De facto, os media alternativos, os cidadãos-repórteres,  constituem um «perigo», não para a cidadania, mas para a credibilidade de governos e media corporativos e portanto devem ser  difamados, banidos, criminalizados.
Isso não parece inquietar muito os nossos concidadãos… Estamos realmente num resvalar para uma sociedade completamente totalitária. 
O totalitarismo do nosso século é insidioso, não é óbvio como os que o precederam. Pois estes baseavam-se na repressão a quente, no medo físico.
O totalitarismo atual baseia-se na «gestão do medo», na manipulação da perceção do medo, como que instigando as pessoas a terem medo da sua própria sombra.
Que outra explicação dar para a onda do «politicamente correto» que nas universidades americanas já tem foros de patologia social e institucional? Dentro desse paradigma do politicamente correto usam o termo «hate speech» (discurso de ódio).
Supostamente, as pessoas teriam o direito de «serem protegidas» dum discurso de ódio. Mas quem decide que tal ou tal discurso é «de ódio»? E quem tem o atrevimento de negar a minha própria liberdade de avaliar e de julgar -por mim próprio - o que penso de tal ou tal discurso?
 É que o discurso de ódio propriamente dito costuma ser produzido, está constantemente a ser produzido aliás, pelas instâncias do poder. Eu «sofro» este discurso do poder, como é inevitável, embora não fique nada impressionado por ele.
Também não fico «lesionado» ou «influenciado» por ouvir ou ler um discurso de ódio de uma seita nazi, de uma seita islamita radical, estalinista, ou outra qualquer!
Posso dizer então que a «proteção» contra o «discurso do ódio» é afinal um alibi para coartar a nossa liberdade de acesso às fontes de informação, de ajuizar por nós próprios, de exercermos o nosso sentido crítico e finalmente, coarta aquilo que supostamente diz defender, os direitos humanos, a liberdade de pensamento e de expressão!
É típico da gente totalitária criar uma imagem negativa dos outros, sem nenhum respeito pela verdade, exatamente como espelho daquilo que eles próprios são e praticam.
Se acusam outros de não respeitarem a «verdade»,  tenham como certeza que eles se esmeram a confundir e ocultar os factos, a transformar informação em mero invólucro de propaganda, ou pior ainda, perseguir e calar por todos os meios, quem se atreve a dizer a verdade e em dá-la a conhecer. Não esqueçamos  Manning, o soldado preso, torturado e condenado a prisão perpétua por ter revelado crimes de guerra americanos no Iraque.
A redoma que nos envolve, uma Noosfera que Pierre Theilhard de Chardin profeticamente anunciara, tem lados magníficos, como a capacidade de nos cultivarmos e alcançarmos um grau de saber quase infinito do ponto de vista do potencial, através da Rede.
Mas proporciona o contrário disso, ou seja, o enredar da própria mente dentro dos seus mitos, dentro da narrativa que conforta mais o ego: esta é – sem dúvida- a atitude mais frequente.
O cérebro ativa circuitos do prazer em função dos estímulos que recebe do exterior. Existem circuitos que são ativados e ativam a secreção de neurotransmissores, a ocitocina é um deles. Ele obtém maior remuneração psicológica/bioquímica por ver, ler, ouvir, as coisas que nos agradam, do que coisas sobre as quais discordamos, que nos afligem, que nos inquietam. Aliás, a adicção ou viciação, instala-se precisamente dessa maneira: quando o cérebro precisa de certos estímulos específicos para obter uma «dose» de moléculas, ativadoras dos circuitos do prazer.
Não existe possibilidade de combater o totalitarismo quando o próprio público ou uma maioria muito grande dele apela para ele ou está completamente indiferente.
Ele nunca se instala de forma ostensiva, aberta. Se o tentasse, naturalmente seria repudiado e combatido, haveria reações violentas adversas.
A sua artimanha é apelar áquilo que as pessoas têm de mais profundo, os seus medos, muitos dos quais vêm da primeira infância e são parte integrante da nossa personalidade.
A ciência psicológica é posta ao serviço desse controlo, pois a maneira de nos condicionar para consumir uma determinada marca de um produto é essencialmente a mesma que para determinado comportamento político ou social.
O ser humano – todos nós – só pode começar a libertar-se da nova forma de totalitarismo quando uma grande maioria das pessoas se aperceber das suas consequências nefastas nas suas vidas pessoais e sociais, causadas por esse sistema.
Antes disso, os que têm consciência, serão colocados na mesma posição que os «heréticos», os «livres-pensadores», tiveram: serão segregados, discriminados, a sua voz será calada por todos os meios.
Eu faço o mea culpa pois cri durante algum tempo que não seria possível nunca mais haver totalitarismo, nunca mais regimes como o hitleriano ou estalinista.
Porém, o novo totalitarismo aqui está a bater à porta. Já não se baseia no terror «físico», mas sim no terror psíquico, no medo que as pessoas têm de serem apontadas a dedo, de serem acusadas, ostracizadas, agredidas, pelos próprios concidadãos.
O futuro dirá como é que esta deriva totalitária se irá desenvolver, se vai ou não tomar as sociedades ditas «mais avançadas» e o mundo em geral.
Eu penso que as pessoas dissidentes no espírito serão os «monges» da nova «idade das trevas».
Nos anos em que a civilização romana ruiu e se instalou a sociedade feudal, os reis eram chefes de guerra, analfabetos e brutais. Destruíram ou presidiram à destruição de muitas obras materiais e imateriais inestimáveis, que resultaram da acumulação de ciência, saberes, artes, durante vários séculos.
 Os mosteiros eram pequenas ilhotas de paz, no meio da violência e da miséria, causadas pelos senhores feudais. Estas ilhotas preservaram, em manuscrito, muitos tesouros do pensamento, da arte, dos saberes, da filosofia… muitos milhares de copistas/monges se dedicaram, para que algo da civilização fosse transmitido às gerações vindouras.
Será talvez uma analogia, com toda a imprecisão que têm as analogias. Porém, ao esboçar-se uma nova «idade das trevas», onde residirá a luz do saber, da consciência, como sobreviverá?
Quem serão os «monges» que manterão - de geração em geração - o legado do passado? Os do presente e futuro, não serão necessariamente monges ou freiras;  não haverá necessidade de uma vida monástica, estritamente falando.
Têm de ser pessoas corajosas e pacientes, que mantêm uma postura crítica. As que teimam em dar a conhecer as realidades aos seus concidadãos, os «whistle-blowers» ou dadores de alerta, que defendem utopias não autoritárias, que mantêm uma postura moral no meio do relativismo moral ambiente, na sua diversidade e heterogeneidade, serão capazes de manter a chama do humanismo acesa? 
Cabe a cada leitor escolher o seu lado, aceitar ou não o meu ponto de vista.
Mas se escolher o lado do humanismo contra a barbárie, então não baixe a guarda, não caia nas múltiplas armadilhas do totalitarismo, que se veste de roupagens «livres» ou mesmo «libertárias», para impor o seu relativismo moral. Em suma, o espírito crítico exerce-se sobre nós próprios e os nossos atos ou falta deles.
Parafraseando o Pastor Bonhoeffer, «O que é decisivo para avaliar a moral de uma sociedade é o género de mundo que ela está produzindo e irá legar aos seus descendentes» (“The ultimate test of a moral society is the kind of world that it leaves to its children.”)

PS: Phil Butler apresenta uma ideia de noosfera que se deve ao Presidente Putin ou a alguém próximo. Vale a pena ler: