Mostrar mensagens com a etiqueta genocídio. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta genocídio. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 11 de junho de 2025

OS ÚLTIMOS DIAS DE GAZA (POR CHRIS HEDGES)

 

Chris Hedges publica no Substack esta crónica (ver abaixo), que é um veredicto: A «civilização» ocidental está morta. Morreu, não de exaustão material, de esgotamento de recursos, ou de uma invasão por povos rivais, mas antes pela sua própria decadência moral. 

Chris Hedges faz aquilo que qualquer homem ou mulher dignos, que tenham o conhecimento hoje dos tão largamente espalhados relatos e imagens do genocídio dos palestinianos às mãos do governo sionista e das suas forças armadas, tem de fazer: Tem de concordar que a monstruosidade destes atos continuados, planeados, executados friamente, nada ficam a dever à horrorosa política de limpeza étnica/genocidária dos nazis, no século passado. 

Porém, lamentavelmente, as pessoas não aprenderam nada com o holocausto das populações judias, ciganas, de resistentes de vários povos e etnias, sacrificadas pelos nazis. Foram erigidos monumentos às vítimas, abertos museus, lembrados em palavras escritas ou faladas, mas... O horror de tudo isso que a humanidade viveu, volta agora: cerca de oitenta anos após o desmoronamento final do III Reich, vencido pelas forças aliadas. 

Eu tenho de confessar que o escrito abaixo de Chris Hedges me horripila. Não por ser exagerado, não por ser  alarmista, não por hipertrofiar certos aspectos da realidade... mas, antes pelo contrário.

O que isto significa é que a chamada «civilização ocidental» já estava morta por dentro, apodrecida, como árvore que se conserva erguida, com o tronco principal, os ramos, as folhas (embora secas), mas cuja seiva deixou de correr, definitivamente. Qualquer vendaval irá abatê-la, pois ela já não desenvolve atividade vital, já não é ativa no ecossistema, as suas raízes permanecem, mas são estruturas ocas, serão aproveitadas por fauna, flora e microorganismos, que reciclam os materiais das árvores mortas. 

Para mim, e para muitas pessoas que raciocinam sobre estas coisas, a civilização ocidental poderá dar ainda aparência de vida, durante anos ou até (sabe-se lá...) decénios. Mas, não será uma verdadeira vida; a pseudo-vida será como dos zombies, que se mexem, andam, gesticulam, mas sua vontade e alma não lhes pertencem mais. 

Gaza assinala o crime coletivo sem perdão possível; não apenas para os israelitas, que segundo sondagem recente, «aprovam maioritariamente» o genocídio dos palestinianos. Igualmente, não poderá haver perdão para todos os que se calaram, que viraram a cara, que ficaram quietos; nem para os que tinham poder para mudar o rumo das coisas: Se tivessem feito um gesto, tomado uma posição, teriam contribuído para salvar vidas, vidas inocentes. 

Mas o comportamento dos poderosos «não choca» a imensa maiora dos cidadãos. Muito mal vai a gente que, na tal «civilização» ocidental, se baseia na fruição do instante, na ilusão da publicidade, no consumo hedónico, na indiferença a tudo o que não sejam seus próprios interesses mesquinhos. 

Creio que são estas pessoas, essencialmente, já estavam preparadas para aprovar, pela passiva, qualquer ato, desde que este não pusesse em causa o seu interesse mesquinho. Esta maioria, «ensinada» a viver na passividade está - com certeza pronta - para se comportar dum modo semelhante, perante nova situação de holocausto de outro povo distante. Mas, também estará pronta a reagir assim com seus vizinhos, cidadãos que falam a mesma língua, trabalham e consomem como eles,  e são portadores dos mesmos documentos de identidade.

 Muitos, nos países do chamado «Terceiro Mundo», anseiam pela sua derrocada definitiva. Eu estou ansioso pelo mesmo que eles: Não me interessam mais os falsos juramentos, as elaboradas «defesas dos direitos humanos» e os discursos com relentos de colonialismo e de imperialismo. Seja como for, a queda desta «civilização» está traçada; as únicas incógnitas são o «quando» e o «como» acontecerá.

 Gente cobarde e chafurdando na lama moral que nutre os seus cérebros apodrecidos, não tem real futuro: A morte da civilização que produz estes monstros já ocorreu. O horror de Gaza foi a constatação do facto já consumado, uma «autópsia», uma «certidão de óbito».


The Last Days of Gaza

We Will Remember by Not Remembering

Guest post
 
READ IN APP
 
Palestinians mourn over the bodies of their relatives who were killed in an Israeli military strike on Gaza at Al-Shifa Hospital in Gaza City, Wednesday 4 June 2025. Photo credit: Jehad Alshrafi

This is the end. The final blood-soaked chapter of the genocide. It will be over soon. Weeks. At most. Two million people are camped out amongst the rubble or in the open air. Dozens are killed and wounded daily from Israeli shells, missiles, drones, bombs and bullets. They lack clean water, medicine and food. They have reached a point of collapse. SickInjuredTerrifiedHumiliatedAbandonedDestituteStarvingHopeless.

In the last pages of this horror story, Israel is sadistically baiting starving Palestinians with promises of food, luring them to the narrow and congested nine-mile ribbon of land that borders Egypt. Israel and its cynically named Gaza Humanitarian Foundation (GHF), allegedly funded by Israel’s Ministry of Defense and the Mossad, is weaponizing starvation. It is enticing Palestinians to southern Gaza the way the Nazis enticed starving Jews in the Warsaw Ghetto to board trains to the death camps. The goal is not to feed the Palestinians. No one seriously argues there is enough food or aid hubs. The goal is to cram Palestinians into heavily guarded compounds and deport them.

What comes next? I long ago stopped trying to predict the future. Fate has a way of surprising us. But there will be a final humanitarian explosion in Gaza’s human slaughterhouse. We see it with the surging crowds of Palestinians fighting to get a food parcel, which has resulted in Israeli and US private contractors shooting dead at least 130 and wounding over seven hundred others in the first eight days of aid distribution. We see it with Benjamin Netanyahu’s arming ISIS-linked gangs in Gaza that loot food supplies. Israel, which has eliminated hundreds of employees with the United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East (UNRWA), doctors, journalists, civil servants and police in targeted assassinations, has orchestrated the implosion of civil society.

I suspect Israel will facilitate a breach in the fence along the Egyptian border. Desperate Palestinians will stampede into the Egyptian Sinai. Maybe it will end some other way. But it will end soon. There is not much more Palestinians can take.

We—full participants in this genocide—will have achieved our demented goal of emptying Gaza and expanding Greater Israel. We will bring down the curtain on the live-streamed genocide. We will have mocked the ubiquitous university programs of Holocaust studies, designed, it turns out, not to equip us to end genocides, but deify Israel as an eternal victim licensed to carry out mass slaughter. The mantra of never again is a joke. The understanding that when we have the capacity to halt genocide and we do not, we are culpable, does not apply to us. Genocide is public policy. Endorsed and sustained by our two ruling parties.

There is nothing left to say. Maybe that is the point. To render us speechless. Who does not feel paralyzed? And maybe, that too, is the point. To paralyze us. Who is not traumatized? And maybe that too was planned. Nothing we do, it seems, can halt the killing. We feel defenseless. We feel helpless. Genocide as spectacle.

I have stopped looking at the images. The rows of little shrouded bodies. The decapitated men and women. Families burned alive in their tents. The children who have lost limbs or are paralyzed. The chalky death masks of those pulled from under the rubble. The wails of grief. The emaciated faces. I can’t.

This genocide will haunt us. It will echo down history with the force of a tsunami. It will divide us forever. There is no going back.

And how will we remember? By not remembering.

Once it is over, all those who supported it, all those who ignored it, all those who did nothing, will rewrite history, including their personal history. It was hard to find anyone who admitted to being a Nazi in post-war Germany, or a member of the Klu Klux Klan once segregation in the southern United States ended. A nation of innocents. Victims even. It will be the same. We like to think we would have saved Anne Frank. The truth is different. The truth is, crippled by fear, nearly all of us will only save ourselves, even at the expense of others. But that is a truth that is hard to face. That is the real lesson of the Holocaust. Better it be erased.

In his book One Day, Everyone Will Have Always Been Against This, Omar El Akkad writes:

Should a drone vaporize some nameless soul on the other side of the planet, who among us wants to make a fuss? What if it turns out they were a terrorist? What if the default accusation proves true, and we by implication be labeled terrorist sympathizers, ostracized, yelled at? It is generally the case that people are most zealously motivated by the worst plausible thing that could happen to them. For some, the worst plausible thing might be the ending of their bloodline in a missile strike. Their entire lives turned to rubble and all of it preemptively justified in the name of fighting terrorists who are terrorists by default on account of having been killed. For others, the worst plausible thing is being yelled at.

You can see my interview with El Akkad here.

You cannot decimate a people, carry out saturation bombing over 20 months to obliterate their homes, villages and cities, massacre tens of thousands of innocent people, set up a siege to ensure mass starvation, drive them from land where they have lived for centuries and not expect blowback. The genocide will end. The response to the reign of state terror will begin. If you think it won’t you know nothing about human nature or history. The killing of two Israeli diplomats in Washington and the attack against supporters of Israel at a protest in Boulder, Colorado, are only the start.

Chaim Engel, who took part in the uprising at the Nazis’ Sobibor death camp in Poland, described how, armed with a knife, he attacked a guard in the camp.

“It’s not a decision,” Engel explained years later. “You just react, instinctively you react to that, and I figured, ‘Let us to do, and go and do it.’ And I went. I went with the man in the office and we killed this German. With every jab, I said, ‘That is for my father, for my mother, for all these people, all the Jews you killed.’”

Does anyone expect Palestinians to act differently? How are they to react when Europe and the United States, who hold themselves up as the vanguards of civilization, backed a genocide that butchered their parents, their children, their communities, occupied their land and blasted their cities and homes into rubble? How can they not hate those who did this to them?

What message has this genocide imparted not only to Palestinians, but to all in the Global South?

It is unequivocal. You do not matter. Humanitarian law does not apply to you. We do not care about your suffering, the murder of your children. You are vermin. You are worthless. You deserve to be killed, starved and dispossessed. You should be erased from the face of the earth.

“To preserve the values of the civilized world, it is necessary to set fire to a library,” El Akkad writes:

To blow up a mosque. To incinerate olive trees. To dress up in the lingerie of women who fled and then take pictures. To level universities. To loot jewelry, art, food. Banks. To arrest children for picking vegetables. To shoot children for throwing stones. To parade the captured in their underwear. To break a man’s teeth and shove a toilet brush in his mouth. To let combat dogs loose on a man with Down syndrome and then leave him to die. Otherwise, the uncivilized world might win.

There are people I have known for years who I will never speak to again. They know what is happening. Who does not know? They will not risk alienating their colleagues, being smeared as an antisemite, jeopardizing their status, being reprimanded or losing their jobs. They do not risk death, the way Palestinians do. They risk tarnishing the pathetic monuments of status and wealth they spent their lives constructing. Idols. They bow down before these idols. They worship these idols. They are enslaved by them.

At the feet of these idols lie tens of thousands of murdered Palestinians.


Originally produced for Scheerpost

sábado, 10 de maio de 2025

ILAN PAPPÉ: COMO ISRAEL SE TORNOU UM ESTADO FASCISTA


 

RELACIONADO:
Há certos momentos que são reveladores da mentalidade fascista. Também se revelam as simpatias dos poderes governamentais na UE. Leia a notícia sobre o comportamento fascista e provocatório dos bandos de hooligans sionistas, contra os árabes e os palestinianos, num jogo de futebol em Amesterdão:

O próprio sistema das Nações Unidas foi oportunisticamente aproveitado e abusado pelos sionistas, desde a criação do Estado de Israel, até hoje. A protecção dos EUA e da Europa ocidental, tornou possível a aberração dum Estado que se mantém como membro da ONU, mas que se coloca permanentemente à margem dos seus princípios e resoluções: 


quarta-feira, 7 de maio de 2025

JONATHAN COOK: PROMOTORES DO GENOCÍDIO DOS PALESTINIANOS POR ISRAEL


«Esses fantoches são tão moralmente culpados quanto os historiadores da corte que, na Alemanha dos anos 1930, denunciaram aqueles que se opunham ao extermínio de judeus, ciganos, comunistas, deficientes e gays como racistas antiarianos.»



Gaza, 6 de dezembro de 2023. (Tasnim News Agency, Wikimedia Commons, CC BY-SA 4.0)


Por Jonathan Cook
Jonathan-Cook.net



Qualquer pessoa que, neste momento, ainda dê prioridade ao combate ao antissemitismo na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos ou na Europa, em vez de interromper um genocídio de 19 meses em Gaza, é secretamente a favor desse genocídio. Precisa de ser envergonhada – e urgentemente.

Já passou o tempo em que havia qualquer dúvida de que o que o Tribunal Internacional de Justiça temia há 16 meses ser um genocídio é, na verdade, um genocídio. Israel não tem mais vergonha em admitir que está matando de fome a população de Gaza. Israel vem bloqueando expressamente todo o fornecimento de alimentos e água para Gaza há mais de dois meses.

Chegámos ao ponto em que até mesmo académicos patriotas israelitas, que tentavam desesperadamente ignorar essa realidade, estão tardiamente e relutantemente admitindo que o genocídio de Israel em Gaza é indiscutível.

Para entender as contorções mentais às quais eles se submeteram ao longo do último ano e meio, assista a esta entrevista de Owen Jones com Shaiel Ben-Ephraim, ex-oficial de inteligência israelita, diplomata e académico. Até ele agora admite : "Eu estava errado"( ver AQUI).
Mas, infelizmente, ainda há muita gente usando suas plataformas do establishment e usando suas credenciais de establishment como arma para turvar as águas. E turvar as águas, 19 meses depois de um genocídio, é tão moralmente culpável quanto apoiar diretamente esse genocídio.

Aparece, em desgraça, o mais recente apologista do genocídio: o “aclamado” historiador e autor Simon Sebag Montefiore.

Ele passou o fim de semana desperdiçando tempo na Sky News, que deveria ter sido dedicado ao milhão de crianças que estão morrendo de fome, devido ao bloqueio total de Israel, que já dura dois meses, à entrada de alimentos e água em Gaza. Se acabar com esse bloqueio não é sua prioridade política número um neste momento, há algo muito errado com sua bússola moral.

Montefiore, autor de uma "biografia" de Jerusalém recentemente atualizada, foi ao programa de Trevor Phillips na manhã de domingo para alertar , não que crianças estão sofrendo de desnutrição severa em Gaza e correm risco iminente de morte, mas que judeus britânicos como ele estão preocupados com um suposto aumento do antissemitismo como resultado disso.

Renovando a imposição do Tabu

Este é o ponto em que eu deveria injetar alguma preocupação sobre o ódio ancestral aos judeus. Deixemos isso para outra ocasião. Ou melhor, vamos analisar a que Montefiore e outros apologistas do genocídio se referem, principalmente quando começam a alertar sobre um aumento acentuado do antissemitismo — alertas que sempre coincidem com Israel fazendo algo monstruoso contra civis palestinos, e fazendo isso em grande parte sob os olhos do público.

De acordo com Montefiore, “O que estamos vendo é o fim do tabu sobre o antissemitismo, que foi realmente um dos resultados da guerra de 1945 e do Holocausto – e, você sabe, 80 anos depois, ele [o tabu] quase que acabou”.

Ele acrescenta: “Muitas das coisas que considerávamos garantidas nas nossas democracias – das quais o tabu do antissemitismo é um dos principais – estão agora a ser desafiadas e terão de ser lutadas novamente.”

Parte do problema, afirma ele, reside nos ativistas dos direitos palestinos, que aparentemente têm se manifestado demais sobre o assassinato em massa de crianças palestinas por Israel com bombas fornecidas pelos EUA e agora estão se preocupando demais com a fome provocada das crianças sobreviventes por Israel. O foco dos ativistas antigenocídio no assassinato de crianças, diz ele, está "explorando clichês medievais de antissemitismo".

Isso ecoa, ele argumenta, “a difamação medieval em torno do sangue, de que o povo judeu usava o sangue de crianças cristãs para fazer seus bolos de Matzá para a Páscoa, que começou na Grã-Bretanha Medieval e que agora você vê regularmente nos cartazes, nos comícios, você sabe, os anti-Israel, pró-Palestina” [sic].


Se você está surpreendido por não ter visto nenhuma dessas faixas de difamação de sangue nas marchas antigenocídio — ou visto elas espalhadas nas primeiras páginas do Daily Mail e do Telegraph — é porque elas existem apenas na imaginação de "intelectuais públicos" do establishment, como Montefiore.

O perigo, dois meses após o início do rigoroso programa de fome de Israel para os palestinos em Gaza, de acordo com Montefiore, não é que um milhão de crianças palestinas — a parte mais vulnerável da população — estejam em risco iminente de uma morte horrível e prolongada ou de danos físicos e mentais permanentes devido à desnutrição extrema.

Não, é que alguns observadores podem culpar os "judeus" — ele quer dizer Israel e seus apologistas sionistas — por assassinar crianças quando o Estado que alega representar os judeus — um Estado com o qual, como nos dizem continuamente judeus como Montefiore, a maioria dos judeus ocidentais se identifica — está na verdade perseguindo uma política que levaria ao assassinato até um milhão de crianças palestinas pela fome, depois que esse mesmo estado assassinou muitas dezenas de milhares de crianças palestinas e mutilou e deixou centenas de milhares órfãs.

Segundo Montefiore, Sir Keir Starmer, que há muito tempo, como líder da oposição, apoiou o bloqueio israelita ao fornecimento de alimentos e água à população de Gaza, precisa agir com ainda mais firmeza. Montefiore parece desconhecer que o governo de Starmer tem usado agressivamente a polícia para reprimir manifestações que protestam contra o genocídio e prender e intimidar jornalistas que tentam reportar o assunto de forma mais crítica.

"Acredito que há um perigo disso em nosso próprio governo — e acho que, você sabe, o Partido Trabalhista, com sua maioria massiva, precisa estar confiante nos interesses do Ocidente", disse Montefiore.

O panorama geral, acrescenta, é que "as democracias precisam vencer. … E eu acho que, sabe, Ucrânia e Israel são apenas dois aliados que precisam vencer. Precisamos mostrar que ainda podemos vencer guerras no Ocidente."

Tudo indica que, para Montefiore, Israel "vencer sua guerra" equivale a ter espaço para continuar matando à fome um milhão de crianças palestinas. De que outra forma interpretar suas palavras, visto que ele considera que a oposição ao programa de combate à fome de Israel ecoa "tropos medievais de antissemitismo"?

Montefiore, é claro, está longe de ser o único entre os chamados "intelectuais públicos" a usar o antissemitismo como arma para desviar a atenção de uma política considerada pelo Tribunal Penal Internacional como um crime contra a humanidade — e pela qual emitiu um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu.

Em outubro passado, outro escritor "aclamado", Howard Jacobson, usou sua plataforma no The Guardian para afirmar que qualquer pessoa que se opusesse ao genocídio de Israel estava praticando um  crime de difamação de sangue. Na época, chamei-o de "o artigo mais vil publicado pela mídia britânica na memória recente". Mas Montefiore, ressuscitando o mesmo tema repugnante sete meses depois do genocídio, coloca Jacobson em segundo lugar.



Não 'universalize' o Holocausto

E há também o aclamado historiador Simon Schama. Surpresa, surpresa, ele tem exatamente as mesmas preocupações com o que considera um aumento do antissemitismo, supostamente evidente na crescente oposição a Israel, que mata e mata crianças de Gaza por fome.

Em março, ele deu uma palestra em Londres na qual se concentrou na suposta disseminação “tóxica” do antissemitismo entre a “geração mais jovem” do Ocidente e disse que um documentário da BBC que ele havia sido encomendado para fazer sobre o Holocausto, The Road to Auschwitz , era sua tentativa de “resistir à tentação de diluir, moderar, universalizar”. [ênfase minha]

Sim, você ouviu direito. Schama acha que tirar lições universais do Holocausto é algo ruim. Por quê? Porque se nos for permitido imaginar que qualquer povo pode se tornar agressor e qualquer povo pode se tornar vítima, então Israel perde aquela dispensa especial que adquiriu há muito tempo das capitais ocidentais para assassinar palestinos em massa sem consequências.

No X, Schama passou a semana passada tuitando contra Louis Theroux por seu documentário, The Settlers , que foi um exame detalhado e extremamente raro — especialmente para a BBC — da violência cotidiana enfrentada pelos palestinos na Cisjordânia por colonos supremacistas judeus, que agora estão fortemente representados no governo israelense e no exército israelense.

Simplesmente conversando com os líderes dos colonos e caminhando pela cidade palestina de Hebron, que está sendo gradualmente tomada pelos colonos com o apoio do exército israelense, Theroux conseguiu capturar em filme seus violentos e racistas ataques contra os palestinos e se deparar pessoalmente com a violência pesada, e muitas vezes mascarada, dos soldados israelenses que ali estavam para impor o privilégio dos colonos e a servidão palestina.

Assista ao documentário de Theroux aqui:
https://twitter.com/i/status/1917008203402932419

Schama obviamente não ficou feliz com a BBC transmitindo esse raro vislumbre das condições horríveis enfrentadas pelos palestinos na Cisjordânia — um pálido eco das condições enfrentadas há muito tempo pelos palestinos em Gaza, condições que provocaram um apoio crescente à política de resistência armada do Hamas e levaram à sua fuga desesperada e violenta de um dia em 7 de outubro de 2023.

Schama preferiria que a BBC financiasse apenas filmes como o dele, que voltam a lente sete ou mais décadas para os judeus como vítimas de genocídio, em vez de um que mostre a realidade atual dos judeus israelenses como instigadores do genocídio e de judeus como Schama como apologistas desse genocídio.

Quaisquer talentos de Schama como historiador o abandonam notavelmente quando a questão é Israel ou Palestina. Abaixo, ele retuíta com aprovação uma publicação do ex- editor do Jewish Chronicle, Jake Wallis Simons, que apoia o genocídio, propagando a mentira óbvia de que Israel parou de ocupar Gaza quando recuou para um perímetro de cerco ao redor de Gaza em 2005, ainda controlando o enclave por terra, mar e ar.

As posições adotadas por Montefiore, Jacobson e Schama sobre o “antissemitismo” não são politicamente ou eticamente neutras – nem o é a sua plataforma preferencial pela mídia estabelecida.

Eles estão lá para atirar areia nos nossos olhos, para sugerir que a raiva justificada evocada pelo massacre e pela fome de crianças em Gaza por um estado de apartheid, autodeclarado estado supremacista "judeu", não está enraizada, como está, na decência básica e no humanismo, mas por algum impulso perverso em direção ao antissemitismo.

Isso é puro pedido de desculpas por genocídio por parte desses intelectuais públicos “aclamados”.

Eles são tão moralmente culpados quanto os historiadores da corte que, na Alemanha dos anos 1930, denunciaram aqueles que se opunham ao extermínio de judeus, ciganos, comunistas, deficientes e gays como racistas antiarianos.

A suposição velada de Montefiore, Jacobson e Schama, expressa explicitamente por políticos israelenses, é esta: "Não há inocentes em Gaza. Ninguém em Gaza está alheio."

É com essa premissa totalmente falsa em mente que eles vendem para si mesmos — e tentam nos vender, por meio de plataformas cúmplices como Sky News e The Guardian — a ideia de que qualquer um que se oponha ao massacre e à fome das crianças de Gaza também está "envolvido", que eles devem ter favorecido o assassinato de civis israelenses em 7 de outubro de 2023 e, portanto, secretamente abrigam o desejo de ver todos os judeus exterminados.

A realidade é que se figuras públicas judaicas proeminentes como Montefiore e Schama estivessem realmente preocupadas com um aumento do antissemitismo, elas se posicionariam frontalmente contra Israel — um estado que afirma representá-las — não apenas por matar de fome crianças palestinas, mas também por defender publicamente essa fome.

Se eles realmente achassem que o antissemitismo fosse uma ameaça tangível, não se identificariam tão facilmente com um "estado judeu" genocida que reviveu o que antes eram claramente libelos de sangue odiosos contra o povo judeu e os fez parecer mais plausíveis ao dizimar as crianças de Gaza com um programa apoiado pelo estado de bombardeios indiscriminados e fome, realizado em nome dos judeus em todos os lugares.

Lembre-se, no mês passado o ministro da defesa de Israel, Israel Katz, declarou : “A política de Israel é clara: nenhuma ajuda humanitária entrará em Gaza”.

Você não pode assistir a um estado que afirma representá-lo matar dezenas de milhares de crianças, mutilar e deixar centenas de milhares órfãs, e depois deixá-las todas famintas, e denunciar a reação inevitável como "antissemitismo".

Você não pode por dois motivos.

Primeiro, porque essa reação não é antissemitismo. É uma reação totalmente justificada e moralmente imperativa ao assassinato em massa sancionado pelo Estado. É a resposta mínima necessária ao terrorismo de Estado.

E segundo, porque denunciar e difamar aqueles que protestam contra o massacre de inocentes como antissemitas é usar sua condição judaica para uma causa moralmente abominável: proteger e perpetuar essa matança. É usar sua condição judaica como um porrete para silenciar qualquer um que ainda tenha uma bússola moral. É usar sua condição judaica como arma para desculpar e defender o genocídio. E, portanto, é provocar exatamente o que você afirma estar tentando impedir: o antissemitismo.

Montefiore, Jacobson, Schama. Cada um é um demônio, moralmente esvaziado por uma ideologia política depravada de supremacia étnica chamada sionismo.

Essa ideologia sempre levou ao genocídio. E quando chegou o momento, cada um de nós enfrentou o momento decisivo do acerto de contas. Iríamos nos levantar e dizer "Não!", ou encontraríamos uma desculpa para racionalizar o massacre de crianças?

Jonathan Cook é um jornalista britânico premiado. Ele morou em Nazaré, Israel, por 20 anos. Retornou ao Reino Unido em 2021. É autor de três livros sobre o conflito Israel-Palestina: " Sangue e Religião: O Desmascaramento do Estado Judeu" (2006), " Israel e o Choque de Civilizações: Iraque, Irã e o Plano para Reconstruir o Oriente Médio" (2008) e " Palestina Desaparecida: Os Experimentos de Israel em Desespero Humano " (2008). Se você aprecia os artigos dele, considere oferecer seu apoio financeiro .


Este artigo é do blog do autor, Jonathan Cook.net .


PS: Veja este documentário para perceber a mentalidadee dos fanáticos ultra-ortodoxos em Israel:

https://www.youtube.com/watch?v=oocCNeS8Ugo&t=59s

quarta-feira, 9 de abril de 2025

CRÓNICA DA IIIª GUERRA MUNDIAL, Nº 42: A TEMPESTADE TARIFÁRIA, OS MERCADOS E AS ALIANÇAS


Há mercados e mercados. Os mercados bolsistas, mesmo as ações das empresas mais conhecidas, ou os índices do «S&P 500» ou do «NASDAQ», apenas afetam diretamente os que investiram nesses ativos. Mesmo os «valores seguros», estão sujeitos a grandes perdas, como nos foi dado ver, nestes últimos dias, no crash da libertação a 2 de Abril

O S&P perdeu 11.5% em 3 dias, e o juro das obrigações do Tesouro a 10 anos [ 10Y UST ] situa-se agora a 4.38%. As «treasuries» dos EUA  já não podem servir como  tradicional «porto refúgio» dos capitais.

Esta mudança tectónica é, no entanto, mais significativa ainda no médio/longo prazo para os mercados de matérias-primas e produtos manufaturados, ou seja, para a «economia real», a qual afeta todas as pessoas, em todos os países.

Não tenho dúvidas de que estamos perante um crash induzido: Os que planearam este crash, no círculo de Trump, sabem perfeitamente que estas modificações bruscas de tarifas alfandegárias têm implicações a vários níveis. Não só afetam os preços das mercadorias ao consumidor, os fluxos das mesmas mercadorias, e - em consequência - os fluxos de capitais. Mas, igualmente jogam com o panorama de alianças no âmbito da IIIª Guerra Mundial.

Estas mudanças estão ainda no começo, embora as novas linhas de fratura já se vislumbrem, pelos discursos e sobretudo, pelos atos concretos dos governos. Os vassalos do império dos EUA, Starmer, Macron, Van der Leyen, etc, estão atónitos: Após a mudança de rumo nos assuntos da guerra Russo-Ucraniana, vem um «segundo punch», que os deixa a cambalear. Estão incapazes de fazer frente à nítida desautorização, pela potência tutelar que os «protegia».

Mas, a China não se deixou intimidar e respondeu exatamente com as mesmas medidas tarifárias, mas em sentido contrário às dos EUA. Além disso, e muito menos divulgado, decidiu proíbir a exportação de «terras raras» que os EUA precisam para sua indústria de eletrónica, incluindo o fabrico de «microchips» para os jets, mísseis e outras armas sofisticadas.

A China encontra-se, claramente, em vantagem; constatação consensual, qualquer que seja a simpatia ou antipatia dos observadores, em relação ao gigante asiático. Do ponto de vista das alianças, igualmente está a ganhar, com o estreitamento dos laços comerciais e a formação duma «frente comum», com os parceiros da ASEAN. Isto reveste-se de significado estratégico também, pois as (atuais e futuras) sanções ocidentais não a incomodarão; a China terá ainda maior independência comercial, em relação aos EUA e seus vassalos ocidentais. Mesmo os mais fiéis vassalos dos EUA no Extremo-Oriente (Coréia do Sul e Japão), estão dispostos a coordenar ações com a China, para minimizar o efeito do «tornado tarifário Trump» sobre as exportações.

Tudo o que se possa pensar sobre a polaridade globalização/soberanismo, está posto em causa; pois, tradicionalmente, a defesa da globalização capitalista era obra dos EUA e de seus aliados, enquanto as políticas de defesa da soberania, eram protagonizadas pela Rússia, a China e seus aliados nos BRICS...

Hoje em dia, o Mundo descobre que é um perigo bem maior, em termos comerciais e de estabilidade económica, política e geoestratégica, desenvolver laços com os EUA. Estes, serão ainda a potência económica maior em volume de capitais investidos, embora já não em termos de produção de bens industriais.

Pelo contrário, a China é um parceiro confiável: Está sempre atenta aos fatores de estabilidade, predictibilidade e recíprocidade. 
Por isso, também, é vã a tentativa de desacoplar a Rússia, da China: Estão envolvidos numa aliança a vários níveis, da defesa ao comércio, da diplomacia à construção de novas rotas terrestres e marítimas (incluindo a rota o Ártico).

Finalmente, o que deveria preocupar mais as pessoas no Ocidente, seria antes a atitude aventureira dos dirigentes, que não sabem como atuar; as suas visões estavam falseadas... mas, falseadas por eles próprios. É um caso de auto-engano, de tomarem seus desejos pela realidade. A sua credibilidade atinge mínimos, nas sondagens de opinião. Estes factos não nos devem tranquilizar, pelo contrário; pois a nossa «democracia», com todas as suas limitações já não é tolerável para os «nossos dirigentes». Eles revelaram-se naquilo que já eram, em segredo: Autocratas ao serviço das oligarquias, interessados apenas retoricamente em afirmar os valores da democracia «para dar uma imagem», para consumo do povo.
O que fazem, na realidade, é no interesse diametralmente oposto ao dos respetivos povos, das respetivas nações. 
Com leis absurdas, produzidas por eles próprios, estão muito atarefados a neutralizar  (pela censura, por processos judiciais e pelo assédio policial) todos aqueles que se atrevem a contestar a sua política. 
Os poderes têm não apenas difamado, como reprimido,  manifestantes contra a monstruosidade do genocído dos palestinianos pelos israelitas, em Gaza e na Margem Ocidental. Se isto não é fascismo em ação, expliquem-me então, o que é...

Tudo aquilo que eu temia, quando falava da destruição de um semblante de legalidade e do Estado de Direito, a propósito da repressão aos dissidentes do COVID e da campanha de «vacinação» forçada, está a ser (re)posto em prática, agora. Existe um centro operacional comum, que coordena ao nível dos países da UE e da OTAN, a repressão da dissidência. É uma contínua guerra contra a cidadania, silenciosa mas sem quartel. 
 Os poderes de Estado, violentos, têm as forças repressivas ao seu serviço e os povos estão desarmados: Os tribunais são a maior farsa e as forças de oposição parlamentar têm sido impotentes, quando não colaborantes.

O fascismo do século XXI , não só tem avançado (ver artigo de Jonathan Cook), mas já tem o atrevimento de negar, ostensivamente, os valores que enformavam a «democracia liberal» nos países da OTAN em geral e, em especial, na França, Alemanha e Reino-Unido...

-----------------
PS1: OS BRICS e a multipolaridade são fatores decisivos, que modificam qualitativamente as relações do «Sul global» com o «Ocidente global».

PS2: Veja o que tem acontecido com as compras de ouro pelo banco central da China (a azul) e com as compras/vendas de Obrigações do Tesouro US (a vermelho): O PBOC tem um meio eficaz de pressão sobre o dólar e tem exercido essa pressão, de forma consistente.


sexta-feira, 4 de abril de 2025

QUANTO MAIS GRAVES AS ATROCIDADES EM GAZA, MAIS SILENCIOSA É A BBC [JONATHAN COOK]


The graver Israel’s atrocities in Gaza, the quieter the BBC grows
Once again the UK state broadcaster goes missing in action – this time at the discovery of a mass grave of emergency workers executed by Israel                           

https://substack.com/@jonathancookOs nossos políticos têm consentido com tudo o que tem sido feito pelo Estado de Israel, e não apenas em Gaza, nos últimos 18 meses. Este genocídio tem sido cometido ao longo de decénios.


_______________________________
PS1: Acumulam-se mais provas de que as alegadas violações em massa de mulheres israelitas pelo Hamas, no 7 de Outubro, eram uma completa fabricação de propaganda. Veja aqui: