Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

OURO REGRESSA AO CENTRO DO SISTEMA FINANCEIRO

 A China é detentora duma quantidade de ouro difícil de apurar. No entanto, aquilo que se sabe é que o ouro em mãos do Estado, é mais do que o ouro oficialmente contabilizado no People's Bank of China, o banco central chinês. Por outro lado, nos últimos decénios, o povo foi encorajado a comprar ouro. A quantidade de ouro acumulado por este muito poupado povo (a poupança, por agregado familiar, é cerca de 40% do seu rendimento) é também quase impossível de avaliar.


                             Imagem: Loja de venda de ouro a retalho, em Pequim

O que se sabe, é que o ouro importado doutras paragens, principalmente através da Bolsa de metais preciosos de Xangai, faz desta, a praça mais importante mundialmente, no que diz respeito a trocas reais, ao metal físico. No mercado londrino (LBMA) ou no americano (COMEX), a quantidade de ouro realmente transacionada, é uma pequena percentagem dos contratos de futuros que são comprados e vendidos, ou seja, do «ouro-papel». É com estes contratos, que a finança e os Estados fazem uma permanente manipulação do ouro, um metal precioso muito «político»: é o único metal que continua a ser reconhecido como monetário (= como dinheiro real) pelos bancos centrais do mundo inteiro.
Ora, a China quer enriquecer o seu povo: É previsível que isto vá significar a oportunidade de adquirir mais ouro com os seus yuan. O yuan irá tornar-se assim como um «substituto» do ouro. O que Pequim tem de fazer (ao contrário dos padrões monetários/ouro, do passado) é não fixar/ indexar o preço do ouro em yuan. Se não indexarem a sua moeda ao ouro, continuará a haver, no entanto, uma forte correlação (1) com o ouro, mas não será algo fixo, rígido.
Penso que é este o caminho que as autoridades monetárias e financeiras chinesas estão a tomar há algum tempo: Lembremos que vem do tempo de Deng, o slogan «Enriquecer é Virtuoso». Desde o início do século XXI, que a posse de ouro na China, por cidadãos privados não só foi autorizada, como foi encorajada. Todo o ouro minerado na China, lá fica. A China é o 2º produtor mundial de ouro, atrás da Rússia. Não há exportação de ouro chinês. O enorme volume de importação vem, sobretudo, do Ocidente. As empresas de fundição e refinaria de ouro, na Suíça (com 70% da refinação mundial de metais preciosos), têm estado ocupadas - a tempo inteiro - em converter barras «LBMA» (que obedecem às especificações ocidentais) em barras de quilograma, que obedecem às especificações da China.
Como não podia deixar de acontecer, os media económicos e comentaristas ao serviço dos interesses financeiros ocidentais, querem que seus leitores continuem a «engolir» a treta de que o ouro é um mau investimento, de que sua posse não traz dividendos, apenas despesas associadas, etc. Mas - de facto - mesmo os bancos centrais ocidentais têm estado a adquirir ouro, desde há uns cinco anos (venderam muito ouro, no início do século XXI, quando seu preço em dólares era cerca de 1/5 de agora!). Os multimilionários também o compram, embora não queiram publicidade sobre isso. A sua preocupação é desfazerem-se dos ativos financeiros e adquirir imobiliário ou metais preciosos.
Não tenho dúvidas de que a era do dólar-rei acabou. A única coisa que mantém os países ocidentais dentro da esfera do dólar, é o medo. Porque os americanos têm defendido o dólar com invasões e guerras: no caso do Iraque, está provado que a verdadeira razão da guerra que levou à captura de Saddam Hussein e sua execução, num simulacro de julgamento, foi este ter decidido que o petróleo iraquiano seria vendido doravante em euros. Quanto à guerra e ocupação que levaram á trágica morte de Muamar Kadafi e a destruição da Líbia - foi o país africano mais próspero - foram decididas pelos EUA e seus aliados, porque Kadafi propôs a construção do «dinar pan-africano», moeda única, que seria usada pelos países africanos e na qual venderiam suas matérias-primas, em substituição dos dólares, euros, etc. Agora, não se atrevem a fazer o mesmo com a Rússia, a China, nem sequer com a Arábia Saudita. 
Todos os países (mesmo os aliados dos EUA) temem, com razão, as manipulações que os americanos fazem com a sua moeda, seu controlo da rede de transferências - a rede SWIFT - e todos os processos de transferências que passam por bancos americanos: Quaisquer países que façam transações em dólares, podem potencialmente sofrer sanções, por parte dos EUA. Os países do Golfo e a Arábia Saudita estão a fazer as pazes com seu inimigo, o Irão e pediram a intermediação dos russos para esta aproximação, porque perceberam que o petrodólar morreu e que só poderão ter espaço de manobra, se saírem da esfera americana. 
Os que ficam na esfera do dólar americano, são os que não podem fazer doutro modo, nomeadamente, os países europeus ocidentais. Eles tornaram-se, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, neocolónias de facto dos EUA.

Em todo o Ocidente, os indivíduos continuam a ser canalizados para investir em ativos de natureza financeira. Estes, dentro de pouco tempo, ficarão denominados em moedas digitais : e-dólares, e-euros, e-libras, e-yens. Quando isso acontecer, as cotações do ouro e da prata serão muito mais elevadas, do que no presente. Nessa altura, quem for detentor de certa quantidade destes metais, terá capacidade de adquirir valiosos bens imobiliários, terrenos agrícolas e outros bens não-financeiros. 
Os bens tangíveis, globalmente, irão manter, ou aumentar, em valor real, enquanto os instrumentos financeiros (contas a prazo, obrigações, derivados, criptomoedas, etc.), sofrerão enormes perdas. (2)
A ruína dos pequenos investidores faz parte do «golpe» dos muito ricos. Estes, preveniram-se e compraram, com os lucros obtidos na especulação bolsista, toda a espécie de bens não financeiros, dos metais preciosos, às terras agrícolas, ao imobiliário e mesmo, obras de arte e objetos de coleção. 
Os pequenos e médios investidores podem evitar ser erradicados da face da Terra, se tiverem o bom-senso de fazer o mesmo (mudar de ativos financeiros, para ativos tangíveis) - e quanto mais depressa, melhor. As pessoas que ficam nos mercados financeiros, à espera de «melhores dias», irão perder o máximo. A conversão de ativos financeiros em ouro ou prata, metais reconhecidos universalmente como tendo valor (e cotação), pode corresponder à diferença entre conservar o essencial e a perda completa do património.

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(1) No mercado de ouro de Xangai, as compras e vendas do metal precioso são obrigatoriamente em yuan.
(2) A conversão do dinheiro usual, em digital é um aspeto central do «Great Reset». O valor nominal das unidades pode ser o mesmo, mas o valor real não será idêntico. Ou seja, 1 dólar, 1 euro,1 yen,  etc... de hoje (18-01-2023), serão mais valiosos do que 1 e-dólar,1 e-euro, 1 e-yen,  da digitalização integral da economia. Haverá uma brutal transferência de riqueza, que a grande maioria não compreenderá, nem terá consciência, no imediato.

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PS1: O GRÁFICO ABAIXO  DÁ-NOS UMA IDEIA DA VALORIZAÇÃO DO OURO NO ANO DE 2022, EM TERMOS DE «DIVISAS FIAT». OUTRA MANEIRA DE VER, É CONSIDERAR QUANTO CADA DIVISA SE DESVALORIZOU, EM RELAÇÃO AO OURO.(retirado de AQUI)



segunda-feira, 21 de novembro de 2022

POR QUE RAZÃO A MEDIA CORPORATIVA OMITE ISTO?

UMA NOVA MOEDA DE RESERVA MUNDIAL ESTÁ NA FORJA

NO OCIDENTE, AS PESSOAS CONTINUAM A SER ENGANADAS 



O grande público tem sido condicionado a não investir em ouro ou prata. Apesar de o ouro e a prata, metais preciosos, serem desde tempos imemoriais escolhidos como «metais monetários» (incorporados em moedas). Para os «fazedores de opinião», todos eles alinhados com interesses que não revelam, estes não seriam senão «uma curiosidade» ou algo apenas para os «muito ricos»*.

No Ocidente, em particular, os investidores têm sido «treinados» a desprezar os referidos itens, com o pretexto de que «não produzem rendimento», o que aliás é falso. Os bancos centrais (sobretudo, mas não apenas) fazem leasing de ouro, desde há muito tempo: o leasing permite-lhes obter rendimento para cobrir as despesas de armazenamento e segurança associadas. Os gestores de portefólios costumam dizer aos clientes que seria prudente possuírem cerca de 10% (o número exato varia) de seus ativos em metais preciosos, supostamente para funcionar como «seguro». No fundo, eles - especialistas em precipitar os seus clientes ingénuos para o mercado de ações - querem guardar uma imagem «impoluta», mas também sabem de que o mais provável é os clientes terem perdas significativas.  Em contas dos bancos e sociedades de investimento o ouro desempenha um papel de caução, para os gestores financeiros: Para tomar o ouro dos clientes que tiveram «azar» no jogo da bolsa.
Mas no Oriente, China, Índia, etc. o ouro continua a ser considerado por todos a forma preferida de poupança.
Agora, multiplicam-se os sinais de que os bancos centrais orientais e em todo o mundo estão ativamente a comprar ou a resgatar ouro que estava cativo em contratos de leasing. Na semana passada, o próprio BIS (Banco Internacional de Pagamentos, de Basileia) anunciava discretamente que repatriava 500 toneladas de ouro.

Há um número elevado de bancos centrais a comprar ouro, em quantidades record. Por exemplo, a Turquia, o Uzbequistão e outros países asiáticos, reforçaram recentemente, em muitas toneladas, as suas reservas em ouro. A razão para isto, é que os candidatos aos BRICS e à OCX (Organização de cooperação de Xangai) estão ao corrente dos esforços daquele grupo para lançar uma moeda de reserva digital. Eles querem ter um «bom lugar à mesa».
É praticamente certo que a nova moeda, digital, não seja a moeda nacional de um país. Pelo contrário, há muitos indícios de que irá basear-se em matérias-primas (petróleo, metais raros, cereais, etc.) e nas reservas de ouro de cada interveniente. Cada interveniente terá um peso relativo no cabaz de divisas, de acordo com os seus recursos naturais e do ouro que possua. Assim se prevê será a nova moeda, simultaneamente: Funcionará como reserva dos bancos centrais e nas trocas internacionais.

Isto equivale a uma mudança tectónica na política mundial, não apenas em termos estritamente monetários, mas também em termos geoestratégicos. Pois, esta nova unidade internacional monetária vai retirar a hegemonia de moeda de reserva ao dólar, o privilégio que os EUA usaram e abusaram durante mais de 70 anos.

Como todos sabemos, as guerras económicas, de sanções que os EUA levam a cabo, são contra a legalidade internacional. Só poderia haver sanções legais (o que não significa que fossem justas), se fossem decretadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Pois bem, esta transformação do dólar em instrumento de guerra (económica) é o que exaspera todos, incluindo seus fiéis aliados (como a Arábia Saudita, entre outros).

Como confirmação do que está acima, alguns bancos centrais já estão a fazer as contas. A Holanda tem uma quantidade relativamente avultada de ouro no banco central. Seu presidente veio «sugerir» que se poderia reavaliar esse ouro, deixando de ser contabilizado a 35 $/onça. Este era o valor que vigorava até 1971, quando Nixon unilateralmente retirou a convertibilidade do dólar em ouro. Será esta cotação que ainda está nos livros de balanço dos bancos centrais ocidentais**. Se o banco central holandês «pensa nisso», também outros bancos da eurozona pensarão, nomeadamente o português.

Mas, entretanto, a roleta do grande casino tem de continuar a rodar, os especuladores vão continuar a obter lucro, os «cripto- trafulhas» a fazer seus golpes, etc. O público não pode pôr-se a comprar ouro e prata, senão estes subirão demasiado cedo, antes do tempo conveniente para os banqueiros centrais; e lá desaparece o lucro dos bancos «sistémicos», emissores de «ouro-papel» (contratos de futuros)!

A viragem para uma moeda de reserva internacional, digital e baseada em matérias-primas estratégicas e no ouro, está em vias de se concretizar. Tecnicamente, estará já pronta para ser lançada. O único senão, é as reservas em dólares, consideráveis, que certos países, como a China, o Japão, Arábia Saudita, e outros possuem. Terão de se conformar a perder bastante.

O que se pode prever?
 - O valor do dólar vai se desencher como um balão que encontrou um alfinete na sua trajetória. Nessa altura, muitos dólares voltarão ao «ninho», em grande quantidade. Os EUA serão inundados pelo seu principal produto de exportação (e quase exclusivo: o outro, são armas). O dólar vai ficar como moeda dos EUA, sem que as pessoas no mundo inteiro queiram especialmente essa divisa, pois ela foi «queimada» pela sua emissão intemperada (os famosos QE) e a sua utilização, como parte do arsenal de guerra dos EUA.

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*Na realidade, está ao alcance de muitas pessoas: Custo de 1 grama de ouro hoje (21/11/2022), cerca de $ 56.  
**Hoje, a cotação da onça de ouro (~31.1gr.) é cerca de $ 1740.

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PS1: Preço do ouro em dólares ajustados à inflação: Pode-se ver que o ouro consiste num bom investimento para fazer face à inflação.


(A linha contínua azul clara representa a produção anual de ouro, a linha quebrada azul escura representa o preço do ouro em dólares ajustados ao seu valor de 2021.)

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

SOBRE O CRASH DE FTX E AS DIVISAS DIGITAIS DOS BANCOS CENTRAIS

 Toda a construção parece, agora, que se sabe muito mais coisas sobre FTX e seu dono, algo muito frágil e ligado ao meio corrupto da política americana. Mas, embora as perdas para o dono e para os investidores em criptos sejam avaliadas em mais de 20 biliões de dólares, pode considerar-se que o mundo não ficou mais pobre. Porquê? Porque a imensa maioria das pessoas, AGORA, não vai colocar as suas poupanças em veículos tão especulativos, em que se arriscam a perder tudo se a plataforma onde colocaram os seus bitcoins e outras cripto, entrar em falência

Agora, também se perfila no horizonte próximo a possibilidade de entrada em vigor de divisas cripto, emitidas pelos bancos centrais ocidentais. É verdade que o país mais avançado nesta digitalização a 100%  do dinheiro é a China, que colocou experimentalmente, em várias províncias, cripto-Yuan em circulação. Porém, aquilo que transparece dos estudos dos BRICS e de uma série de países a eles associados, é que a própria ideia de  nova divisa de reserva mundial, que de facto seja aceite como tal, não pode ser a divisa nacional, seja de que país for.



O reino do dólar como moeda de reserva, «obrigava» a que os EUA tivessem défices comerciais e da balança de pagamentos permanentes, em ordem a fornecerem o mercado mundial em dólares, sempre «consumidos» pelos diversos países - amigos ou inimigos dos EUA - no comércio e nas operações de financiamento internacionais. Além disso, os EUA não resistiram à tentação de se aproveitarem, de todas as maneiras, do seu monopólio de emissão da moeda de reserva mundial. Com efeito, o défice crónico da balança de pagamentos e comercial dos EUA era suportado pela emissão de dólares, os quais deixaram de estar indexados ao ouro desde 1971. Isto significa que os EUA recebiam matérias-primas e produtos manufaturados, que eles «pagavam» com pedaços de papel. Estes, apenas eram aceites porque os outros países os aceitavam também como forma de pagamento. Este sistema era gerador de inflação, visto que os EUA têm emitido muito mais dólares, do que os mercados financeiros e comerciais mundiais conseguem absorver. A crise mundial de inflação, agora em curso, não é mais do que a consequência de 8 anos de «quantitative easing» pela FED.  Agora, nem a Arábia Saudita está muito interessada em que lhe paguem o petróleo em dólares. Logicamente, estando o reinado do dólar a chegar ao fim, pode-se imaginar que os que desenham a nova moeda de reserva mundial, queiram evitar para esta os defeitos de que sofria o dólar, enquanto desempenhava esta função.  

- É verdade que os cidadãos de um determinado Estado, se lhes impuserem que a sua moeda seja digital, não terão muitas hipóteses de evitar usá-la no quotidiano. Por isso, as moedas digitais emitidas por bancos centrais, têm garantidos os mercados internos dos respectivos países. Mas, para terem aceitação inequívoca, ao nível internacional, têm de ser mais do que «digitais», têm de estar indexadas a algo de tangível, como matérias-primas estratégicas e/ou metais preciosos. É nesse sentido que caminham os que estão a construir uma nova moeda de reserva mundial. Provavelmente existirá um cabaz de moedas nacionais e que inclua também certas matérias-primas e metais preciosos. Isto significa que será uma moeda digital mundial muito estável, com um câmbio estável, não só para as divisas presentes no cabaz, como para as outras. Outra vantagem para os países detentores da nova unidade de valor monetário será terem acesso às matérias primas e ao ouro.

- O corte entre os blocos «euro asiático» e o «ocidental/anglo-americano» vai dar-se não somente em termos de alianças militares, mas também de blocos comerciais e espaços de circulação de divisas internacionais: Se as hostilidades se agudizarem e prolongarem, pode mesmo acontecer que não haja convertibilidade direta entre as moedas de reserva que vierem a ser adotadas num e noutro campo. 

PS1: Parece que o dono de FTX, « Sam Bankman-Fried-on-Amphetamines » era, não só um drogado, mas também tinha o cérebro bastante afetado. Então, o autor do artigo seguinte coloca a questão de Sam ser apenas um simples joguete ("patsy"), tendo por detrás a manipulá-lo alguém poderoso: 

https://www.unz.com/kbarrett/sam-bankman-fried-on-amphetamines/

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

CRÓNICA (nº9) DA IIIª GUERRA MUNDIAL: POLÍTICAS NEOLIBERAIS E GUERRA


Poucas pessoas compreendem a distinção entre o dinheiro e «divisas em papel». Porém, é uma distinção fundamental. Dinheiro é, em primeiro lugar, um valor que existe intrinsecamente: Uma dada quantidade de ouro, de prata ou de cobre, estejam ou não amoedados, podem ter essa função. Os pedaços de papel, ou os seus substitutos digitais, não a têm, evidentemente.
O dinheiro verdadeiro, ou seja, algo tangível como um metal e materialmente quantificável é usado desde há mais de 6000 anos como meio de troca, como intermediário nas transações comerciais. A sua desvalorização é possível, como se verificou na península Ibérica do século XVI, quando a quantidade de ouro e sobretudo de prata aumentou rapidamente, em consequência da exploração brutal dos povos e das riquezas minerais do Novo Mundo. Mas, nos tempos mais recentes, a mineração dos metais preciosos é suscetível apenas de acrescentar anualmente uma quantidade muito modesta, que não pode ser causa de significativa descida da sua cotação mundial. O que acontece com o chamado dinheiro-papel, ou divisas-fiat, é completamente diferente. No passado, a impressão era em papel, hoje em dia a «impressão» das divisas é sobretudo digital.

As numerosas crises de hiperinflação que existiram e continuam a existir, não teriam razão de ser, tirando o caso acima citado ou outros análogos, caso não houvesse impressão «em papel» ou «eletrónica» das unidades de troca. Com efeito, estas são unidades, sim --- mas de crédito. Para se perceber esta mudança em profundidade, nada melhor que ler Alasdair Macleod « Imploding credit - The consequences». De uma forma pedagógica e muito bem documentada esclarece o que tem de ser esclarecido, sobre a questão do «dinheiro» que deixou de ser metálico ou, pelo menos, endossado a metal, mas simplesmente unidades de crédito emitidas pelos bancos centrais ou pelos bancos comerciais. A manipulação da quantidade desse crédito em circulação, o seu aumento (ou a sua retirada), influenciam de forma decisiva o valor dessas mesmas unidades de crédito. Se houver aumento, vai haver uma desvalorização deslizante ou brusca do seu valor, em termos de poder de compra. Que importa ser detentor de um trilião de unidades numa divisa (caso do dólar do Zimbabwé), se esta «fortuna» apenas me permite comprar 3 (três) ovos!


Quando o valor aquisitivo das divisas em papel desce, os detentores das mesmas perdem, enquanto que os devedores, que estavam obrigados a pagar determinadas somas, ficam a ganhar. Mas, além disto, existem outras formas de crédito: Por exemplo, se houver um contrato para fazer determinada obra, entregar um carregamento de matérias-primas, ou realizar um dado serviço, estes tipos de contratos estabelecem a obrigação de pagamento, do que beneficia da mercadoria ou serviço àquele que o forneceu, dentro de dado prazo, por exemplo, até 60 dias após entrega ou conclusão da obra, ou serviço. Ele deverá entregar ao fornecedor determinada soma, em divisas. Compreende-se que uma grande oscilação e quebra do valor das divisas seja sempre disruptiva. Ela não vai afundar somente as atividades especulativas, bolsistas e bancárias, como -também- a economia real: Hoje, quase tudo funciona a crédito.

Estamos, portanto, à beira do precipício. Já todos admitem que teremos uma crise económica global, não uma crise «cíclica», como costumam existir no sistema capitalista. Chegou-se ao ponto em que já é tarde demais para os governos e/ou bancos centrais fazerem algo eficaz para prevenir a catástrofe. A este propósito, é de notar que a tentativa da primeira-ministra britânica Liz Truz e do seu Ministro das finanças em fazerem passar um mini-orçamento de emergência falhou, porque a City vetou aspetos da proposta que iam contra os grandes interesses capitalistas. Nestas circunstâncias, o Banco Central Britânico foi obrigado a fazer uma viragem de 180º de emergência ! Isto ilustra a incapacidade de haver uma solução viável dentro do sistema.

             

 Logo, a «solução» que costuma ser adotada nestas circunstâncias, é recorrer à guerra. Foi o caso da Iª Guerra Mundial, mas não só. Uma guerra, implica a destruição massiva de ativos, de capacidade industrial, além de dizimar a população. Por que razão ela é escolhida pela classe capitalista (ou por parte dela), nestas circunstâncias? 

                      Georg Grosz desenhou capitalistas e pobres. depois da 1ª Guerra Mundial

- Porque a guerra permite obter lucros imediatos, com as vendas de armamento e de abastecimento, com garantias do ouro ou das obrigações governamentais. 

- Porque a crise económica, associada à guerra, vai precipitar na falência empresas pequenas, médias ou grandes, que não aguentam por causa das restrições ao abastecimento, ou da perda súbita da clientela, ou dos seus mercados. As grandes empresas e grupos financeiros (abutres) vão tomar conta deste capital, que não foi destruído pela guerra, a um preço de saldo, rentabilizando-o logo que a guerra acabe.

- Porque o país conquistado é um mercado aberto à gula predatória dos capitalistas, é um «Far West» onde estes podem fazer o que quiserem. 

- Porque a classe operária fica manietada, sem possibilidade de mexer-se, de fazer qualquer contestação, greve ou movimentação, em virtude das «leis de estado de guerra», invariavelmente passadas pelos parlamentos. Nestas circunstâncias, os capitalistas  têm a vida tranquila e podem aumentar a exploração até níveis nunca sonhados, antes do desencadear das hostilidades.

- Porque a guerra é acompanhada pela ascensão de ideologias autoritárias (a «fé» no chefe). Isso - em si mesmo - é do agrado da classe capitalista. Vai consolidar a aliança tríplice entre o sabre, a sotaina e a cartola.

Se não estamos mergulhados numa guerra nuclear agora, é porque existe algum bom-senso ou receio, nas «elites» oligárquicas. Mas, existem demasiados políticos no Ocidente, incluindo presidentes ou primeiros-ministros, que são corruptos, incompetentes e manietados por conselheiros, eles próprios, ao serviço de lobbies.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

CRÓNICA (nº7) DA III GUERRA MUNDIAL - A EMERGÊNCIA DE UM NOVO PADRÃO MONETÁRIO

                                                              
                                                       Bolsa do Ouro em Xangai


Antes de mais nada, devo especificar que o meu papel, a minha função, é sobretudo de refletir sobre o que se passa à minha volta e no mundo. Não é de fazer propaganda ou de «fazer claque» por um dos lados, enaltecendo as virtudes de uns e denunciando os podres de outros.
Como testemunho interessado (pois vivo neste mundo, não num mundo imaginário) verifico que realmente estamos numa confrontação global de longa duração.
Sendo que este confronto é por razões bastante fundas, não se resolve portanto, senão por uma nova arquitetura global. Ou seja, que «Novo Mundo», que nova «Ordem Mundial» está aí às portas do futuro?
Este novo mundo não nos cai dos céus, resulta da ação dos homens, não apenas de chefes de estado e governo, como também dos povos e de uma multiplicidade de fatores imponderáveis, que estão sempre a brotar no quotidiano. Temos prova disso quando «grandes cataclismos» anunciados, afinal, são «nothing-burgers» e o reverso, coisas triviais que se avolumam, fazem bola de neve e transformam completamente o cenário.
Hoje, irei falar da guerra mais difícil de perceber para o comum dos mortais, a que tem a ver com a ordem financeira e monetária global. O assunto não será esotérico, em si mesmo. Não, antes é simples de se compreender, na essência.
Mas, somos impedidos de prestar atenção pela nossa mente dominada pelas notícias a cada instante, pela media que satura todos os nossos canais com lixo informativo e nos impede de tomar recuo e pensar por um lado, por outro, a des-educação em que se transformou o ensino, a todos os níveis, causando a cada vez mais visível catástrofe dos «analfabetos funcionais»: Refiro pessoas que sabem ler e escrever, que podem manipular com à-vontade o computador ou smartphone e são, no entanto, profundamente ignorantes do mundo em que vivem. A nível universitário, esta nova patologia é ainda mais conspícua, em combinação com uma autossuficiência, uma afirmação enfática de banalidades ou slogans, apresentados como «verdades eternas».
Na ordem mundial saída da II Guerra Mundial - o acordo de Bretton Woods, que reuniu as nações vencedoras (incluindo a URSS) para arquitetar uma nova ordem financeira mundial - foi muito evidente o peso e influência dos EUA. Não apenas na criação do FMI e Banco Mundial, com regras que colocam (ainda hoje) estas instituições como instrumentos dóceis do imperialismo americano, como na própria existência de uma moeda especial, o dólar dos EUA, entronizado no papel de reserva mundial, ou seja, daquela que os bancos centrais de todos os países teriam de possuir e, portanto, que teria o papel de intermediário nas transações financeiras e comerciais internacionais, não apenas de Estado para Estado, mas em transações entre bancos, para pagamentos de bens industriais, agrícolas, etc.
Esta arquitetura foi possível porque Keynes, representante do Reino Unido à conferência, não teve apoio suficiente em torno do seu projeto de «bancor», divisa que não pertenceria a um banco central nacional, pois seria um cabaz de algumas das moedas mais representativas.
Este bancor, se tivesse sido adotado, poderia desempenhar um papel estabilizador das relações monetárias internacionais, visto que a oscilação duma moeda fazendo parte do bancor, não seria suficiente para desequilibrar o conjunto, sendo certo que, quando uma divisa diminui, é sempre em relação a outra(s), que aumenta(m) (veja-se o que está a acontecer à relação dólar-euro neste momento).
No concreto, Bretton Woods assumiu que a divisa dólar (a moeda de reserva mundial) era remível por ouro a 35 dólares a onça, sendo que este valor vigorava somente nas trocas entre bancos centrais, não era um valor correlacionado diretamente com o comércio de ouro.
Assim, os países tinham a possibilidade de trocar (ao nível dos bancos centrais) seu excedente de dólares, em ouro. Mas, quando houve a guerra do Vietname, os EUA começaram ter grandes aumentos de despesas, aumentos dos défices orçamentais e muitos (entre eles, os britânicos e os franceses) decidiram começar a trocar as notas de dólar por onças de ouro, fazendo descer significativamente as reservas de ouro em Fort Knox.
Nixon, em 1971 decidiu «provisoriamente» desindexar o dólar do ouro, tendo - a partir daí - a cotação do ouro subido de 35 dólares /onça, para mais de 800 dólares / onça. Hoje (09/09/2022), situa-se em 1720 dólares /onça. Para os EUA, era vital conseguirem manter o dólar como a divisa de reserva mundial, o que lhes conferia o «exorbitante privilégio» (Giscard d'Estaing) de ter défices crónicos, no orçamento e na balança de pagamentos, sem ter severas consequências com isso, enquanto quaisquer outros países mergulhariam em crise grave.
Foi Kissinger que negociou com o então rei Saud da Arábia Saudita, o chamado acordo dos petrodólares, em 1973, pelo qual os EUA dariam proteção militar sem limites e apoio ao Reino saudita, em troca deste apenas aceitar dólares como pagamento do seu petróleo.
Como a Arábia saudita era o maior produtor de petróleo nessa altura e como tinha o controlo da OPEP, não foi difícil a norma de pagamento do petróleo só em dólares, se estender a todos os outros exportadores, incluindo países que não faziam parte da OPEP (como a URSS, por exemplo). Começou assim o reinado do petrodólar, que está agora no seu fim.
Com efeito, a Rússia e a China primeiro, mas depois também a Índia, o Irão e outros países estão de acordo e já começaram a fazer troca direta, o diferencial do comércio bilateral sendo saldado com ouro, evitando assim envolver dólares nas trocas comerciais, ou então usando as divisas nacionais respetivas nas trocas bilaterais (rublos/yuan; rupias/rublos; etc...) com o mesmo fim.
Os países da Ásia supracitados sempre consideraram que o ouro era dinheiro. Foram sobretudo os bancos centrais asiáticos que adquiriram imenso ouro, mormente quando vendido a preço de saldo (por ordem do PM britânico Gordon Brown, mas também outros países ocidentais) nas primeiras duas décadas do século XXI. Igualmente, o ouro é considerado como reserva de valor, desde tempos imemoriais, pelas pessoas em toda a Ásia, incluindo as mais modestas.
Não admira portanto que a Rússia, em pagamento dos seus combustíveis, comprados por países «não-amigos», institua a regra de que serão pagos em rublos ou em ouro. Está perfeitamente em linha com a situação de rutura final com um Ocidente cheio de arrogância e agressividade, que provocou a Rússia ao ponto desta ser obrigada desencadear uma guerra preventiva.
O aspeto caricato disto, é que os sauditas têm comprado petróleo russo (com desconto), que depois revendem ao preço de mercado aos ocidentais. O acordo dos petrodólares foi completamente virado de «cabeça para baixo»: Pois, agora, não se trata de quem venda o petróleo, ter de aceitar dólares. Agora, quem quiser petróleo, terá de se contentar com o que lhe é oferecido a um certo preço, determinado pelo vendedor!
É inevitável, com ou sem guerra da Ucrânia, que os países produtores de bens e matérias primas, que  têm produzido para os ocidentais tudo ou quase tudo o que faz o conforto das suas vidas, queiram ver-se livres da ditadura do dólar.
O SWIFT e o dólar foram transformados em arma de guerra económica, contra o Irão e uma série de outros regimes (Venezuela, Coreia do Norte, etc.). Não apenas estas sanções são ilegais, como os americanos rasgaram o princípio da territorialidade das leis, com as sanções e ameaças de sanções contra bancos ocidentais (suíços, franceses) que infringissem os embargos decretados por Washington, não por quaisquer decisões das Nações Unidas. Estes bancos tiveram de pagar pesadas multas, sob ameaça de serem impedidos de ter sucursais e de fazer negócio, de qualquer espécie, nos EUA.
O pretexto das sanções contra o Irão, foi também o que «justificou» a prisão arbitrária da vice-presidente da Huawei no Canadá, quando esta regressava duma conferência internacional na América Latina. Isto foi considerado uma afronta nacional na China.
O comportamento dos EUA em relação a todos os que não estejam completamente submissos é duma brutalidade incrível. O que fizeram ao Iraque e à Líbia, permite-nos dizer que eles são os «bullies», que usam a força bruta para intimidar e fazer valer as «leis» que eles próprios decretam, mas que não possuem validade nenhuma nos outros países, face à lei internacional.
As construções de plataformas de negociação, de trocas comerciais, de defesa e de assistência mútua têm-se multiplicado, do Mar Báltico, ao Mar da China. Os países asiáticos têm estabelecido acordos de cooperação, que incluem as Novas Rotas da Seda, uma rede de transportes fluviais, ferroviários, rodoviários, assim como portos e aeroportos. Criaram e desenvolvem bancos, destinados a financiar os grandes projetos nos seus países e nos países do Terceiro Mundo. Têm a Organização de Cooperação de Xangai, para combater o terrorismo e para encontrar soluções negociadas em diferendos. Os BRICS são uma alternativa com voz própria, ao G7 e aos atlantistas que costumavam falar em nome «da comunidade internacional», que eram eles somente, afinal de contas.
Chegou agora o momento, face ao extremismo das sanções da parte dos países da NATO, da Rússia fazer aquilo que tinha - com certeza - planeado há muito. Estou a falar da criação de uma plataforma para negociar o ouro, em Moscovo, com os seus padrões e fazendo concorrência à londrina LBMA.
O objetivo será, com certeza, fazer o que é necessário, para sanear o referido mercado. Vai impossibilitar a especulação com contratos de futuros, responsável pela manutenção da cotação do ouro, muito abaixo do que seria normal, face à queda dos ativos financeiros, a cada crise do capitalismo. Com efeito, se o público começasse a ver que o ouro é realmente um refúgio eficaz em termos de conservação de valor, ao contrário do dólar e de quaisquer outras «divisas fiat», então haveria uma corrida para adquirir ouro e a confiança no dólar-rei desfazia-se por completo. O mesmo, em relação aos ativos financeiros denominados em dólares.
Uma moeda de reserva internacional com a sustentação do ouro e de matérias primas, como metais estratégicos, petróleo e gás, é o que os parceiros Euro-asiáticos estão AGORA a negociar.
Não se enganem; se isto não é reportado no Ocidente, isto significa que É IMPORTANTE. O que é importante tem sido ocultado do público, na esperança - absurda e fútil - de que seus efeitos sejam menos severos, do que efetivamente são. É «tapar o sol com uma peneira»!

Em complemento: Leia o artigo, muito bem escrito e cheio de dados factuais, de Mcleod:

 https://www.goldmoney.com/research/an-asian-bretton-woods


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https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_13.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_0396436697.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_24.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/04/cronica-da-terceira-guerra-mundial-um.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/04/cronica-da-iiimundial-guerra-biologica.html


quarta-feira, 20 de julho de 2022

A MELHOR RESPOSTA NO LONGO PRAZO À VOLATILIDADE DOS MERCADOS

POR QUE RAZÃO OS ARAUTOS DO SISTEMA FAZEM TUDO PARA DESVIAR AS PESSOAS DA PROTEÇÃO MAIS ÓBVIA  PERANTE A GRAVE CRISE ECONÓMICA

https://www.mining.com/web/hungary-triples-gold-reserves-as-central-banks-turn-buyers-again/

 À medida que entramos mais profundamente numa zona de turbulência acrescida, na economia e finança mundiais, também as relações entre os ativos de diversa natureza estão a revelar-se mais instáveis. Os índices de volatilidade refletem as incertezas nos mercados e - embora no longo prazo - estes possam achar um novo equilíbrio, nas fases de transição, costuma haver substanciais ganhos e perdas. Como sabemos, nos mercados financeiros, as perdas de uns, são os ganhos de outros, e vice-versa.  A minha previsão é que haverá um considerável número de pessoas que apostaram, ou irão apostar, na economia de casino, nos mercados bolsistas, e terão sua atenção desviada das matérias-primas, dos metais preciosos, em particular.

Ao longo dos anos, o ouro e a prata têm sofrido uma constante supressão (pelos bancos sistémicos, os bancos centrais e os governos ocidentais) destinada a desviar o grande público desses investimentos.  É o que vou tentar explicar neste artigo.

O ouro e a prata têm os seus preços determinados em grande parte, não pelo mercado físico (ouro e prata físicos), mas pelo mercado de «futuros», de «papel». Neste, pode-se apostar num valor futuro de quilo ou onça de ouro ou outro metal precioso, sem que se tenha jamais de concretizar a transação, comprando ou vendendo o referido metal físico. Claro que este mecanismo permite que sejam transacionadas quantias enormes, mas que não têm correspondência física. Uma exceção a esta situação é a do mercado de matérias-primas (incluindo os metais preciosos) de Xangai, onde as quantias transacionadas são reais, não são meras «promessas» de compra e de venda porque todos os contratos-promessa têm de ter subjacente a respetiva quantidade de metal. 

Na economia especulativa, financeirizada, o ouro é por vezes designado como valor refúgio, mas no sentido de se investir em ouro-papel, como alternativa a deter-se «dinheiro-cash». Nos mercados do Oriente, pelo contrário, o ouro e a prata nunca deixaram de ser dinheiro, ou seja, metais cuja posse equivale -essencialmente - a dinheiro. Para termos uma noção de como as divisas (que são chamadas impropriamente «dinheiro») se desvalorizam em relação ao ouro, basta referir que uma moeda de ouro, contendo uma onça troy de ouro puro, tinha o valor de vinte dólares US, em 1913. Nessa altura, com essa moeda, ou com uma nota de banco neste valor (20 dólares US), podia-se comprar um fato de qualidade e nos bons alfaiates, em Nova Iorque. Quem tenha essa moeda de uma onça de ouro, que agora ronda os 1800 USD, poderá comprar  um bom fato, na mesma. Mas, não seria o caso de alguém que só tivesse guardado 20 USD em nota-bancária. A nota de 20 dólares daria para comprar, quanto muito, umas peúgas ! Claro que a relação é ligeiramente diferente para outros itens de consumo, ou para itens industriais mas, no global, estima-se que (em média) o «dinheiro-papel» perdeu desde 1913 97% do seu poder aquisitivo. O ouro conservou, em termos gerais, o seu poder aquisitivo.

Quando uma aposta em ouro-papel é perdida, ou seja, quando a aposta vai no sentido contrário do mercado, a pessoa que a fez perde uma percentagem do dinheiro investido, pois tem de vender ou comprar a um preço desfavorável... Muitas vezes, essas quantias são avultadas e os especuladores têm de obter dinheiro de outros investimentos, ou pedir empréstimo para cobrir a perda, com uma tal aposta «a descoberto». Se alguém fizer uma venda a descoberto e se houver um comprador, ela terá de comprar a quantia equivalente de ouro a outro agente, ou dar o dinheiro correspondente para indemnizar esse comprador. Nas bolsas de matérias-primas ocidentais, onde funcionam os mercados de futuros, como o COMEX (Chicago) ou LBMA (Londres), é vulgar, dum dia, transacionar-se em contratos de futuros o equivalente da produção anual mundial de ouro ou de prata. É evidente que, na realidade, aquilo que é transacionado são contratos-de-futuros, ouro-papel, ou prata-papel, que especificam quantas onças (500 ou 1000 onças, por exemplo) de metal  estarão disponíveis para entrega, pelo valor de X dólares, num dado prazo (por exemplo, dentro de 2 meses). Nestas bolsas, só algumas entidades têm acesso ao ouro e prata físicos, um punhado de grandes bancos, que negoceiam com grandes clientes e armazenam esse ouro nos seus cofres. Quanto aos outros, terão de se contentar com dólares, no valor equivalente ao preço estipulado. Muitos não estão sequer interessados em tomar posse do metal físico, contentam-se em receber a diferença de preço, caso tenham acertado na aposta. As quantias transacionadas nestes mercados são centenas de vezes superiores aos metais preciosos efetivamente depositados nas mesmas bolsas. Compreende-se que, nestas circunstâncias, seja fácil para grandes bancos e fundos financeiros, fazerem operações de venda a descoberto (isto é, sem possuir o metal físico estipulado nos contratos), emitindo grande número de contratos. Com esse instrumento de manipulação e com a «miopia induzida» das entidades reguladoras desses mercados, é notório que só raramente são apanhados em fraude. Recentemente, empregados da J P Morgan e também o próprio banco, foram condenados por manipulações do mercado do ouro. Este e outros bancos, têm sido multados por manipulações do ouro e da prata. Os valores das coimas, que parecem somas enormes, são inócuas para eles: Em poucos dias, têm mais lucro do que o montante das multas. Ou seja, há um discreto incentivo para continuar a fazer fraude, tanto mais que um público não esclarecido pensa que só grandes capitalistas ficarão prejudicados com tais manipulações do preço do ouro.

Numa economia em que exista o padrão-ouro, os governos ou bancos centrais não poderão manipular a moeda, visto que a quantidade de ouro que possuem nos cofres dos bancos centrais respectivos não pode ser aumentada a seu bel-prazer. Então, todos os governos que sustentam a especulação desenfreada e os seus agentes corruptos, incluindo os académicos, vão dizer que o ouro é uma «relíquia do passado», que retira muita flexibilidade à gestão económica e financeira, etc. Enfim, é certo que os défices monstruosos, quer nos orçamentos de Estado, quer nas balanças comerciais, serão muito menos prováveis, com um padrão-ouro. Esta é uma das razões porque, entre a derrota de Napoleão em Waterloo e o início da Iª Guerra Mundial, houve 99 anos de desenvolvimento capitalista, com alguns solavancos, mas sem crises comparáveis às crises vividas ao longo dos séculos XX e XXI: 1929, 1971, 1987, 2000, 2008 ... ou 2022! 

Pessoalmente, sou contrário a que uma moeda nacional sirva como «moeda de reserva mundial», porque o país detentor desse privilégio irá - com certeza - abusar dele ao fim de algum tempo, de uma ou doutra forma. Na era do 100% eletrónico, uma operação de câmbio duma para outra moeda é feita instantaneamente, não é complicado. Nem é mais complicado fazer o cálculo do câmbio duma quantia de Rupias para Euros (por exemplo), do que de Euros para Dólares US. Então, que interesse tem uma moeda de reserva? Para medir os preços e compará-los, temos a melhor «moeda de reserva» imaginável, que é o ouro! O ouro é um elemento químico; não é pertença de nenhum Estado (ao contrário de uma moeda). A sua falsificação é fácil de detectar. Podemos referir o preço de qualquer item em termos de ouro. Por exemplo, um objeto que custa 200 euros, traduz-se em 3.72 gr. de ouro puro (à cotação de hoje, 20/07/2022). A conversão de uma soma numa divisa, para gramas ou onças de ouro, é tão fácil como para outra divisa. O ouro é aceite em todas as economias, sendo transacionado com cotações diárias iguais ou muito próximas: Em Londres, Madrid, Moscovo, Xangai, Nova Iorque, Tóquio, ou em qualquer outra parte do mundo. Por isso, este padrão- ouro seria muito conveniente para o comércio internacional; permitiria que as mercadorias fossem avaliadas e transacionadas com preços mais justos. Ninguém poderá, a seu bel prazer, de repente, duplicar a extração, purificação e refinação  do ouro: Isso envolveria muito trabalho, muita energia; por isso mesmo, o ouro é muito estável. Mas, com uns meros «clicks», os funcionários dos bancos centrais podem aumentar para o dobro (ou mais) a quantidade total em circulação duma divisa, como temos visto ultimamente. 

Muitas pessoas dizem...  «O ouro não serve para nada, é perfeitamente inútil, só dá despesa». Eu pregunto-lhes: «E o papel-moeda, serve para algo mais, além de troca e pagamento, algo mais que o ouro? O ouro tem algumas aplicações industriais e em joalharia; que eu saiba, o papel-moeda não tem.»

- «Mas o ouro consome energia e custos para o manter...». «Sim, é verdade, mas também os seguranças armados guardam cofres-fortes que contenham apenas notas em papel; estas também são transportadas em veículos blindados, etc.» 

-«Mas não haveria bastante ouro para atender às necessidades da economia mundial». «O ouro é um metal-monetário; isso significa que o ser humano atribui um valor ARBITRÁRIO a determinada quantidade de metal (kg, onça, etc.). Se a onça de ouro, agora, equivale a 1800 dólares US, ela está muito desvalorizada, em relação à quantidade total de papel-moeda, devida à impressão eletrónica, nestes últimos tempos. A dívida mundial total atinge, segundo estimativas, mais de 300 triliões de dólares, soma difícil de imaginar, para quem  não está habituado a lidar com números astronómicos!!!

Com certeza que o padrão-ouro não é a panaceia! Mas, curiosamente, há uma grande coincidência entre  os mais acérrimos defensores do sistema, os ditos neoliberais e os inimigos de qualquer mudança para um padrão tangível (e o ouro será sempre o mais conveniente, por razões que não irei referir, aqui). Curiosamente, também, advogam uma moeda- padrão digital obrigatória, que irá submeter qualquer pessoa ao escrutínio dos bancos, bancos centrais e governos. Com as «moedas digitais» emitidas pelos bancos centrais, é o fim da privacidade, da autonomia e da liberdade : Alguém que seja punitivamente desligado do seu «porta-moedas digital», ficará num estado de morte económica. Muito dificilmente poderá subsistir. Este é o futuro que se reservam, a si próprios, os tais «liberais»: Eles terão o poder de decidir quem tem acesso, ou não, ao seu próprio porta-moedas digital. Por outras palavras; terão o poder de decidir sobre as nossas vidas! O 100% digital em mãos dos bancos centrais retira qualquer liberdade aos cidadãos. Afinal, estes tais «neoliberais», deveriam ser designados antes por «neototalitários», ou  algo semelhante. 


sábado, 16 de julho de 2022

MITOLOGIAS (VIII) MIDAS E A ECONOMIA FINANCEIRIZADA

 


Tenho estado a ler Michael Hudson. Já tinha tido contacto com este autor, desde há alguns anos, através artigos lidos na Internet, bastante esclarecedores e originais*, do ilustre professor de economia. Mas, ler um livro «em papel» é realmente outra coisa. Sobretudo, quando esse livro nos traz tanto conhecimento verdadeiro sobre economia, desfazendo os mitos que enformam a nossa época. 

E que tem isso a ver com a lenda do Rei Midas, que recebera de Dionísio (Deus da embriaguez, do amor sensual e dos excessos...) o dom de transformar em ouro, tudo aquilo em que tocasse? O ouro, nessa altura, era sinónimo de riqueza, a mais óbvia forma de riqueza, a forma de entesouramento preferida por reis e grandes comerciantes.  

Na realidade, o que nos diz o mito, tem a ver com riqueza acumulada que não corresponde a nenhum contributo prévio do seu possuidor. Um proprietário de terrenos aluga esses terrenos a agricultores; estes pagam uma renda. Um proprietário de dinheiro, moedas de ouro e de prata, empresta a juros, aumentando assim seu património, sem que tenha  contribuído com algo, do seu próprio esforço, para o aumento da riqueza geral. 

Michael Hudson sublinha que a riqueza adquirida por alguém sem que esta tivesse, de uma ou outra forma, contribuído para o acréscimo de riqueza ou bem-estar geral, os chamados «rentistas»,  era uma preocupação central das doutrinas económicas clássicas, desde Adam Smith, David Ricardo, J.S. Mill, Marx e outros. Até ao final do século XIX, muitos estavam a favor do capitalismo industrialista, contra um capitalismo rentista. Este não era senão uma herança do feudalismo, que as revoluções burguesas derrubaram, nos finais do séc. XVIII e ao longo do século XIX. Pois, se houve revolução política com o advento do Estado burguês, ao nível económico subsistiam muitos resquícios de feudalismo, como a classe dos terra-tenentes, tão relevantes na Itália do Sul, na Espanha e em Portugal, nomeadamente. O seu domínio estendia-se sobre aldeias inteiras com seus habitantes, situadas no meio de  quilómetros quadrados de terra pertença do senhor feudal, do latifundiário. 

Hoje em dia, o rentismo, ou extração de riqueza sem ter contribuído com nada de positivo para a economia, para a subsistência, o conforto ou a melhoria da sociedade, pode dizer-se que se estendeu e diversificou como nunca: Com efeito, a economia financeirizada é isso mesmo. A glorificação desta financeirização veio acompanhada de ideologia própria: O reaganismo-theacherismo e todos os seus derivados, incluindo o chamado «socialismo de terceira via» (Tony Blair e muitos outros); sobretudo, com as teorias neoliberais em economia (Milton Friedmann, e tutti quanti...).

Se o mito de Midas não fosse mais que uma fábula moralista, não seria suficientemente estimulante, para mim. Compreendo agora a metáfora, a um nível mais profundo, graças a Michael Hudson. Com efeito, a economia de renda «transforma em ouro (em riqueza)» tudo aquilo em que toca, no sentido do rentista obter acréscimo de riqueza, devido à exploração dos que não possuem meios de escapar à extração dessa renda: Não apenas sob forma da mais-valia salarial, como pela necessidade de recorrer ao crédito, para ter acesso a casa própria (os juros hipotecários dos bancos), ou para pagar os estudos, ou para comprar um carro (muitas vezes instrumento de trabalho do trabalhador precarizado, o «empresário individual»), etc. 

Do ponto de vista do rentista há um acréscimo, ao capturar rendimento, o que - aliás - se vai traduzir por aumento correspondente no PIB dum país, mas sem que tal corresponda a um verdadeiro aumento da riqueza global. Com efeito, se alguém - o indivíduo A -desvia parte do seu rendimento, não para consumo pessoal ou para investimento produtivo, mas para pagar uma «renda», (em termos atuais...) prestações incluindo juros, a quem lhe emprestou dinheiro. Se o rendimento desviado vai para a conta de B, então não houve acréscimo de riqueza. Houve apenas uma transferência, duma conta para outra, do excedente gerado por A. Este excedente corresponde ao que A conseguiu pôr de lado, sem deixar de satisfazer as necessidades básicas próprias e da família. É evidente que, sob o capitalismo, quando a capacidade dos pobres e das classes médias diminui, devido às crises periódicas que o assolam, eles perdem os bens que estavam a adquirir a prestações (incluindo a sua casa própria), ou são espoliados de bens dados em garantia, indo essa riqueza material parar às mãos dos proprietários do capital, em geral, membros da oligarquia: No nosso tempo, a oligarquia é sobretudo a detentora do capital  financeiro e imobiliário;  na Grécia antiga, onde foi originado o mito do Rei Midas, era sobretudo a dona da terra, da propriedade agrária.

O Rei Midas transformava em ouro tudo aquilo em que tocava, mas o ouro não é vida, o ouro é estéril, aquilo que se transforma em ouro deixa de participar na economia produtiva, apenas fica entesourado. Como analogia perfeita, note-se que o entesouramento vai traduzir-se numa perda da sociedade no seu conjunto, porque esse capital não é posto ao serviço da economia. O Rei Midas armazenava-o numa torre, onde ia deliciar-se, tocando nas riquezas que eram dele e só dele. 

Hoje, como exemplos de capital não produtivo, temos «buy backs» ou auto-compra de ações de empresas cotadas em bolsa, que assim desviam potencial investimento produtivo para manterem as suas ações artificialmente altas. Temos os capitais especulativos (hedge funds, bancos de investimento) que «vivem» do saber antecipado dos movimentos e oportunidades dos mercados, normalmente, pelo insider trading, pois não possuem uma «bola de cristal»! E também, as muito importantes e generalizadas rendas de monopólio, é o caso dos preços praticados por  grandes empresas de informática e de tecnologia da informação entre outras, que conseguiram eliminar os concorrentes. Nestes casos, o preço cobrado não tem qualquer relação com o custo e produção do bem ou serviço, mas com aquilo que a empresa monopolista estima ser a capacidade aquisitiva e/ou o desejo do consumidor, condicionado pela publicidade. Tudo isto, são diversas formas de extração de «renda», ou seja, um rendimento não resultante de input real  do proprietário do capital.  

Michael Hudson, recentemente, deu uma conferência  em que fez o historial das diferenças entre civilizações da antiguidade. Nos impérios do Médio-Oriente e da Ásia, havia a noção de que ser credor dava demasiado poder e que as dívidas tinham, de tempos a tempos, de ser perdoadas (os anos de jubileu, ou de Shemitah) para que reinasse a paz social. Enquanto nos reinos e impérios do Ocidente (Grécia e Roma), a oligarquia conseguiu impor a sua lei: O credor tinha sempre o direito do seu lado. A restituição do que estava em dívida, tinha prioridade jurídica absoluta. Foi assim que os agricultores endividados ficaram espoliados das suas terras e  foram transformados em proletários, em servos ou em escravos.

Esta interpretação jurídica do direito de propriedade e da prioridade que têm os credores sobre os bens das pessoas endividadas, continuou até hoje, no Ocidente,  através do direito romano e logo do direito anglo-saxónico, atualmente imposto como a norma em grande parte das relações mercantis, económicas e financeiras internacionais. 

Este processo, onde o credor tem um poder de vida e de morte sobre o devedor (a etimologia do termo inglês para hipoteca, «mortgage», vem do francês antigo, literalmente: «fazer um juramento sob pena de morte», caso ele não seja cumprido), abafa as forças produtivas em qualquer sociedade submetida a ele. 

Muito capital é desviado para as mãos dos credores. Este capital, é (em grande parte) entesourado, não é reinvestido na economia produtiva: O resultado é o empobrecimento geral da sociedade visto que o rendimento disponível global (o capital disponível para ser investido) vai sempre diminuir.

Como tentei explicar, a lenda do Rei Midas poderá ser muito mais rica de significado, do que uma banal história moralista sobre a ganância e os males que advêm aos gananciosos.

*Por exemplo, From Junk Economics to a False View of History ,recentemente publicado, que resume algumas partes do livro The Destiny of Civilization

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MITOLOGIAS (VII) O GRANDE MITO DO NOSSO TEMPO

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MITOLOGIAS (VI): ASTROLOGIA

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MITOLOGIAS (V) : COSMOGONIAS, OS MITOS DAS ORIGENS

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MITOLOGIAS (IV)TRANSFORMAÇÕES ZOOMÓRFICAS

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MITOLOGIAS (III) QUIMERAS

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MITOLOGIAS (II): PROMETEU AGRILHOADO

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MITOLOGIAS (I) : OS CICLOPES

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segunda-feira, 9 de maio de 2022

MEDITAÇÕES ECONOMICO-POLÍTICAS

                  

No longo prazo, como dizia Keynes, a nossa taxa de sobrevivência tende para zero. 

Todos sabemos que somos mortais, mas alguns de nós temos pretensão de ser eternos como os deuses, ou, pelo menos, deixar - para um futuro longínquo - a nossa marca, que se perpetuará através das nossas «obras». 


Legenda do gráfico: Uma evolução em 220 anos do preço do ouro e do índice Dow Jones da bolsa de Nova Iorque; E. von Greyerz assinala a possibilidade de queda de 97%, na proporção do observado em períodos anteriores (Retirado de GoldSwitzerland)

Enfim, a tal «aposta» no futuro é completamente vã, pois ninguém sabe a-priori porque determinado investimento ou combinação de investimentos tem a virtude de se manter ou multiplicar, enquanto outra, que parecia ser mais sólida, se desfaz ou estagna. Não existe previsão de longo prazo que não falhe, perante o caudal de acontecimentos que estão periodicamente a brotar, em todos os diversos aspetos da vida. Eu diria que estamos perante um modelo global de caos, perante um conjunto face ao qual não existe possibilidade de se aplicar uma lei, uma regra, uma previsão ou projeção racional. 

A mente humana está feita de tal maneira que deseja ver em tudo regularidade, significado, projetando o nosso desejo e querendo que os outros se conformem com as nossas fantasias, como se fossem resultantes de «observações objetivas». Isto faz-me lembrar de como, em criança, me divertia, a encontrar nos veios e irregularidades dos tampos de mesas, desenhos como perfis de cabeças de animais ou de pessoas. Um pouco como o outro jogo em que nos deitamos a olhar o céu e procuramos ver nas formas das nuvens animais, objetos, corpos ou caras de pessoas, etc.

As previsões, que fazem os chamados «especialistas» da informação económica e financeira, é do mesmo tipo que o jogo de crianças acima descrito, não tem qualquer cientificidade, mas reveste-se de todo um aparato estatístico, de gráficos, de palavras caras, para levar o seu leitor a se «autoconvencer» de que a melhor solução é investir em tal ou tal solução, que o «conselheiro financeiro» apresenta como a salvação, a maravilha. 

Eu confesso que tenho dado atenção a alguns e não a todos, isso seria impossível e idiota, daqueles que, periodicamente, na media mainstream ou alternativa, produzem discursos, não que me deixe convencer pelos seus diagnósticos, mas porque a massa  de dados estatísticos que acompanham suas teses podem ser lidas por mim, objetivamente. Por outras palavras, não preciso de conformar-me à leitura destes analistas dos mercados, pois possuo meu próprio juízo crítico e autocrítico, a minha massa de dados prévios. Tento aplicar isso ao domínio económico-financeiro, excluindo os aspetos subjetivos.

Há pessoas, no entanto, que são arrastadas neste contexto catastrófico para a economia real e num início de mercado descendente (bear market) - para a armadilha de «comprar, agora que está em baixa». Inevitavelmente equacionam o movimento de baixa como algo periódico, como a ondulação do mar, o que está agora «em baixa» depois estará «em alta», e vice-versa. Pois, esta visão ingénua sofre de dois falsos silogismos, o de que «o hoje é como o ontem e o amanhã irá reproduzir o ontem» e «de que o dólar, euro, etc. - o dinheiro fiat - são medida apropriada de todas as coisas». 

Quanto à primeira falácia, basta recordar que - em termos nominais - o índice Dow Jones (o índice mais importante da Bolsa de Nova Iorque) voltou a atingir o seu valor de 1929, anterior à Grande Depressão, somente em 1954! E isto, em termos nominais! Se estivermos na primeira fase duma grande depressão análoga de 1929-1935, significa que aquilo que se investir hoje nas bolsas, ou em derivados, tem uma hipótese de voltar a ter um valor nominal igual ao investido hoje, em 2047!

Quanto à segunda falácia, as pessoas deviam refletir maduramente sobre crises de inflação e de hiperinflação que assolaram vários países e zonas do globo em várias épocas. Por exemplo, durante um certo tempo, as bolsas mundiais com ganhos maiores eram as do Zimbabué e da Venezuela. Porquê? Muito simples; se o valor do dinheiro estava em colapso, as pessoas refugiavam-se em ações cotadas, na esperança de que algumas empresas sobrevivessem ao tornado da hiperinflação e assim, havia sempre subida espetacular nos mercados bolsistas de ambos os países! 

Agora, os bancos centrais ocidentais, (FED, ECB, BOJ, etc) têm vindo a inundar os mercados com dinheiro (fictício), supostamente para «salvar» as economias desde a crise de 2008. Esta impressão monetária constante acentuou-se com a crise do COVID e a guerra na Ucrânia. Na verdade, estão a destruir o valor de suas próprias divisas. Vemos com o exemplo seguinte, que existe diferença muito significativa no valor das divisas-papel:

Uma onça de ouro vale, hoje, 1880 USD. Uma onça de ouro compra, hoje, cerca de 17 barris de petróleo. Em 1960, a mesma onça de ouro, comprava cerca de 9 barris de petróleo. Enquanto, hoje, com 4 dólares US (o preço do barril em 1960) se compra, no máximo, 1/27 de barril de petróleo!

Deixo-vos com os artigos, abaixo, que me parecem ser auxiliares úteis na reflexão de cada um. Não são os únicos, mas vão ao encontro de questões fundamentais.

Essa é a perspetiva de longo prazo. No domínio do investimento e talvez nos outros, a mentalidade de ganância leva as pessoas ao abismo.

Como me dizia um trader meu conhecido, trata-se de um «jogo de soma zero», ou seja, quando alguém ganha, outro perde e vice-versa. Não existe criação de riqueza, no casino das bolsas,  apenas transferências.

Ciclo Viscoso da Autodestruição; Ouro Superando a Performance de Todos os Ativos Financeiros, por  Egon von Greyerz 


Um trader
 de Goldman: «O Estado do Mercado é de Sangrar para Alcançar Mínimos Mais Baixos, Interrompido, Ocasionalmente, Por Fortes Altas Curtas.
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