Bolsa do Ouro em Xangai
Antes de mais nada, devo especificar que o meu papel, a minha função, é sobretudo de refletir sobre o que se passa à minha volta e no mundo. Não é de fazer propaganda ou de «fazer claque» por um dos lados, enaltecendo as virtudes de uns e denunciando os podres de outros.
Como testemunho interessado (pois vivo neste mundo, não num mundo imaginário) verifico que realmente estamos numa confrontação global de longa duração.
Sendo que este confronto é por razões bastante fundas, não se resolve portanto, senão por uma nova arquitetura global. Ou seja, que «Novo Mundo», que nova «Ordem Mundial» está aí às portas do futuro?
Este novo mundo não nos cai dos céus, resulta da ação dos homens, não apenas de chefes de estado e governo, como também dos povos e de uma multiplicidade de fatores imponderáveis, que estão sempre a brotar no quotidiano. Temos prova disso quando «grandes cataclismos» anunciados, afinal, são «nothing-burgers» e o reverso, coisas triviais que se avolumam, fazem bola de neve e transformam completamente o cenário.
Hoje, irei falar da guerra mais difícil de perceber para o comum dos mortais, a que tem a ver com a ordem financeira e monetária global. O assunto não será esotérico, em si mesmo. Não, antes é simples de se compreender, na essência.
Mas, somos impedidos de prestar atenção pela nossa mente dominada pelas notícias a cada instante, pela media que satura todos os nossos canais com lixo informativo e nos impede de tomar recuo e pensar por um lado, por outro, a des-educação em que se transformou o ensino, a todos os níveis, causando a cada vez mais visível catástrofe dos «analfabetos funcionais»: Refiro pessoas que sabem ler e escrever, que podem manipular com à-vontade o computador ou smartphone e são, no entanto, profundamente ignorantes do mundo em que vivem. A nível universitário, esta nova patologia é ainda mais conspícua, em combinação com uma autossuficiência, uma afirmação enfática de banalidades ou slogans, apresentados como «verdades eternas».
Na ordem mundial saída da II Guerra Mundial - o acordo de Bretton Woods, que reuniu as nações vencedoras (incluindo a URSS) para arquitetar uma nova ordem financeira mundial - foi muito evidente o peso e influência dos EUA. Não apenas na criação do FMI e Banco Mundial, com regras que colocam (ainda hoje) estas instituições como instrumentos dóceis do imperialismo americano, como na própria existência de uma moeda especial, o dólar dos EUA, entronizado no papel de reserva mundial, ou seja, daquela que os bancos centrais de todos os países teriam de possuir e, portanto, que teria o papel de intermediário nas transações financeiras e comerciais internacionais, não apenas de Estado para Estado, mas em transações entre bancos, para pagamentos de bens industriais, agrícolas, etc.
Esta arquitetura foi possível porque Keynes, representante do Reino Unido à conferência, não teve apoio suficiente em torno do seu projeto de «bancor», divisa que não pertenceria a um banco central nacional, pois seria um cabaz de algumas das moedas mais representativas.
Este bancor, se tivesse sido adotado, poderia desempenhar um papel estabilizador das relações monetárias internacionais, visto que a oscilação duma moeda fazendo parte do bancor, não seria suficiente para desequilibrar o conjunto, sendo certo que, quando uma divisa diminui, é sempre em relação a outra(s), que aumenta(m) (veja-se o que está a acontecer à relação dólar-euro neste momento).
No concreto, Bretton Woods assumiu que a divisa dólar (a moeda de reserva mundial) era remível por ouro a 35 dólares a onça, sendo que este valor vigorava somente nas trocas entre bancos centrais, não era um valor correlacionado diretamente com o comércio de ouro.
Assim, os países tinham a possibilidade de trocar (ao nível dos bancos centrais) seu excedente de dólares, em ouro. Mas, quando houve a guerra do Vietname, os EUA começaram ter grandes aumentos de despesas, aumentos dos défices orçamentais e muitos (entre eles, os britânicos e os franceses) decidiram começar a trocar as notas de dólar por onças de ouro, fazendo descer significativamente as reservas de ouro em Fort Knox.
Nixon, em 1971 decidiu «provisoriamente» desindexar o dólar do ouro, tendo - a partir daí - a cotação do ouro subido de 35 dólares /onça, para mais de 800 dólares / onça. Hoje (09/09/2022), situa-se em 1720 dólares /onça. Para os EUA, era vital conseguirem manter o dólar como a divisa de reserva mundial, o que lhes conferia o «exorbitante privilégio» (Giscard d'Estaing) de ter défices crónicos, no orçamento e na balança de pagamentos, sem ter severas consequências com isso, enquanto quaisquer outros países mergulhariam em crise grave. Foi Kissinger que negociou com o então rei Saud da Arábia Saudita, o chamado acordo dos petrodólares, em 1973, pelo qual os EUA dariam proteção militar sem limites e apoio ao Reino saudita, em troca deste apenas aceitar dólares como pagamento do seu petróleo. Como a Arábia saudita era o maior produtor de petróleo nessa altura e como tinha o controlo da OPEP, não foi difícil a norma de pagamento do petróleo só em dólares, se estender a todos os outros exportadores, incluindo países que não faziam parte da OPEP (como a URSS, por exemplo). Começou assim o reinado do petrodólar, que está agora no seu fim. Com efeito, a Rússia e a China primeiro, mas depois também a Índia, o Irão e outros países estão de acordo e já começaram a fazer troca direta, o diferencial do comércio bilateral sendo saldado com ouro, evitando assim envolver dólares nas trocas comerciais, ou então usando as divisas nacionais respetivas nas trocas bilaterais (rublos/yuan; rupias/rublos; etc...) com o mesmo fim. Os países da Ásia supracitados sempre consideraram que o ouro era dinheiro. Foram sobretudo os bancos centrais asiáticos que adquiriram imenso ouro, mormente quando vendido a preço de saldo (por ordem do PM britânico Gordon Brown, mas também outros países ocidentais) nas primeiras duas décadas do século XXI. Igualmente, o ouro é considerado como reserva de valor, desde tempos imemoriais, pelas pessoas em toda a Ásia, incluindo as mais modestas. Não admira portanto que a Rússia, em pagamento dos seus combustíveis, comprados por países «não-amigos», institua a regra de que serão pagos em rublos ou em ouro. Está perfeitamente em linha com a situação de rutura final com um Ocidente cheio de arrogância e agressividade, que provocou a Rússia ao ponto desta ser obrigada desencadear uma guerra preventiva. O aspeto caricato disto, é que os sauditas têm comprado petróleo russo (com desconto), que depois revendem ao preço de mercado aos ocidentais. O acordo dos petrodólares foi completamente virado de «cabeça para baixo»: Pois, agora, não se trata de quem venda o petróleo, ter de aceitar dólares. Agora, quem quiser petróleo, terá de se contentar com o que lhe é oferecido a um certo preço, determinado pelo vendedor!
É inevitável, com ou sem guerra da Ucrânia, que os países produtores de bens e matérias primas, que têm produzido para os ocidentais tudo ou quase tudo o que faz o conforto das suas vidas, queiram ver-se livres da ditadura do dólar.
O SWIFT e o dólar foram transformados em arma de guerra económica, contra o Irão e uma série de outros regimes (Venezuela, Coreia do Norte, etc.). Não apenas estas sanções são ilegais, como os americanos rasgaram o princípio da territorialidade das leis, com as sanções e ameaças de sanções contra bancos ocidentais (suíços, franceses) que infringissem os embargos decretados por Washington, não por quaisquer decisões das Nações Unidas. Estes bancos tiveram de pagar pesadas multas, sob ameaça de serem impedidos de ter sucursais e de fazer negócio, de qualquer espécie, nos EUA. O pretexto das sanções contra o Irão, foi também o que «justificou» a prisão arbitrária da vice-presidente da Huawei no Canadá, quando esta regressava duma conferência internacional na América Latina. Isto foi considerado uma afronta nacional na China.
O comportamento dos EUA em relação a todos os que não estejam completamente submissos é duma brutalidade incrível. O que fizeram ao Iraque e à Líbia, permite-nos dizer que eles são os «bullies», que usam a força bruta para intimidar e fazer valer as «leis» que eles próprios decretam, mas que não possuem validade nenhuma nos outros países, face à lei internacional.
As construções de plataformas de negociação, de trocas comerciais, de defesa e de assistência mútua têm-se multiplicado, do Mar Báltico, ao Mar da China. Os países asiáticos têm estabelecido acordos de cooperação, que incluem as Novas Rotas da Seda, uma rede de transportes fluviais, ferroviários, rodoviários, assim como portos e aeroportos. Criaram e desenvolvem bancos, destinados a financiar os grandes projetos nos seus países e nos países do Terceiro Mundo. Têm a Organização de Cooperação de Xangai, para combater o terrorismo e para encontrar soluções negociadas em diferendos. Os BRICS são uma alternativa com voz própria, ao G7 e aos atlantistas que costumavam falar em nome «da comunidade internacional», que eram eles somente, afinal de contas. Chegou agora o momento, face ao extremismo das sanções da parte dos países da NATO, da Rússia fazer aquilo que tinha - com certeza - planeado há muito. Estou a falar da criação de uma plataforma para negociar o ouro, em Moscovo, com os seus padrões e fazendo concorrência à londrina LBMA.
O objetivo será, com certeza, fazer o que é necessário, para sanear o referido mercado. Vai impossibilitar a especulação com contratos de futuros, responsável pela manutenção da cotação do ouro, muito abaixo do que seria normal, face à queda dos ativos financeiros, a cada crise do capitalismo. Com efeito, se o público começasse a ver que o ouro é realmente um refúgio eficaz em termos de conservação de valor, ao contrário do dólar e de quaisquer outras «divisas fiat», então haveria uma corrida para adquirir ouro e a confiança no dólar-rei desfazia-se por completo. O mesmo, em relação aos ativos financeiros denominados em dólares.
Não se enganem; se isto não é reportado no Ocidente, isto significa que É IMPORTANTE. O que é importante tem sido ocultado do público, na esperança - absurda e fútil - de que seus efeitos sejam menos severos, do que efetivamente são. É «tapar o sol com uma peneira»!
Em complemento: Leia o artigo, muito bem escrito e cheio de dados factuais, de Mcleod:
https://www.goldmoney.com/research/an-asian-bretton-woods
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https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_13.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_0396436697.html
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https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/04/cronica-da-iiimundial-guerra-biologica.html