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sexta-feira, 7 de outubro de 2022

CRÓNICA (nº9) DA IIIª GUERRA MUNDIAL: POLÍTICAS NEOLIBERAIS E GUERRA


Poucas pessoas compreendem a distinção entre o dinheiro e «divisas em papel». Porém, é uma distinção fundamental. Dinheiro é, em primeiro lugar, um valor que existe intrinsecamente: Uma dada quantidade de ouro, de prata ou de cobre, estejam ou não amoedados, podem ter essa função. Os pedaços de papel, ou os seus substitutos digitais, não a têm, evidentemente.
O dinheiro verdadeiro, ou seja, algo tangível como um metal e materialmente quantificável é usado desde há mais de 6000 anos como meio de troca, como intermediário nas transações comerciais. A sua desvalorização é possível, como se verificou na península Ibérica do século XVI, quando a quantidade de ouro e sobretudo de prata aumentou rapidamente, em consequência da exploração brutal dos povos e das riquezas minerais do Novo Mundo. Mas, nos tempos mais recentes, a mineração dos metais preciosos é suscetível apenas de acrescentar anualmente uma quantidade muito modesta, que não pode ser causa de significativa descida da sua cotação mundial. O que acontece com o chamado dinheiro-papel, ou divisas-fiat, é completamente diferente. No passado, a impressão era em papel, hoje em dia a «impressão» das divisas é sobretudo digital.

As numerosas crises de hiperinflação que existiram e continuam a existir, não teriam razão de ser, tirando o caso acima citado ou outros análogos, caso não houvesse impressão «em papel» ou «eletrónica» das unidades de troca. Com efeito, estas são unidades, sim --- mas de crédito. Para se perceber esta mudança em profundidade, nada melhor que ler Alasdair Macleod « Imploding credit - The consequences». De uma forma pedagógica e muito bem documentada esclarece o que tem de ser esclarecido, sobre a questão do «dinheiro» que deixou de ser metálico ou, pelo menos, endossado a metal, mas simplesmente unidades de crédito emitidas pelos bancos centrais ou pelos bancos comerciais. A manipulação da quantidade desse crédito em circulação, o seu aumento (ou a sua retirada), influenciam de forma decisiva o valor dessas mesmas unidades de crédito. Se houver aumento, vai haver uma desvalorização deslizante ou brusca do seu valor, em termos de poder de compra. Que importa ser detentor de um trilião de unidades numa divisa (caso do dólar do Zimbabwé), se esta «fortuna» apenas me permite comprar 3 (três) ovos!


Quando o valor aquisitivo das divisas em papel desce, os detentores das mesmas perdem, enquanto que os devedores, que estavam obrigados a pagar determinadas somas, ficam a ganhar. Mas, além disto, existem outras formas de crédito: Por exemplo, se houver um contrato para fazer determinada obra, entregar um carregamento de matérias-primas, ou realizar um dado serviço, estes tipos de contratos estabelecem a obrigação de pagamento, do que beneficia da mercadoria ou serviço àquele que o forneceu, dentro de dado prazo, por exemplo, até 60 dias após entrega ou conclusão da obra, ou serviço. Ele deverá entregar ao fornecedor determinada soma, em divisas. Compreende-se que uma grande oscilação e quebra do valor das divisas seja sempre disruptiva. Ela não vai afundar somente as atividades especulativas, bolsistas e bancárias, como -também- a economia real: Hoje, quase tudo funciona a crédito.

Estamos, portanto, à beira do precipício. Já todos admitem que teremos uma crise económica global, não uma crise «cíclica», como costumam existir no sistema capitalista. Chegou-se ao ponto em que já é tarde demais para os governos e/ou bancos centrais fazerem algo eficaz para prevenir a catástrofe. A este propósito, é de notar que a tentativa da primeira-ministra britânica Liz Truz e do seu Ministro das finanças em fazerem passar um mini-orçamento de emergência falhou, porque a City vetou aspetos da proposta que iam contra os grandes interesses capitalistas. Nestas circunstâncias, o Banco Central Britânico foi obrigado a fazer uma viragem de 180º de emergência ! Isto ilustra a incapacidade de haver uma solução viável dentro do sistema.

             

 Logo, a «solução» que costuma ser adotada nestas circunstâncias, é recorrer à guerra. Foi o caso da Iª Guerra Mundial, mas não só. Uma guerra, implica a destruição massiva de ativos, de capacidade industrial, além de dizimar a população. Por que razão ela é escolhida pela classe capitalista (ou por parte dela), nestas circunstâncias? 

                      Georg Grosz desenhou capitalistas e pobres. depois da 1ª Guerra Mundial

- Porque a guerra permite obter lucros imediatos, com as vendas de armamento e de abastecimento, com garantias do ouro ou das obrigações governamentais. 

- Porque a crise económica, associada à guerra, vai precipitar na falência empresas pequenas, médias ou grandes, que não aguentam por causa das restrições ao abastecimento, ou da perda súbita da clientela, ou dos seus mercados. As grandes empresas e grupos financeiros (abutres) vão tomar conta deste capital, que não foi destruído pela guerra, a um preço de saldo, rentabilizando-o logo que a guerra acabe.

- Porque o país conquistado é um mercado aberto à gula predatória dos capitalistas, é um «Far West» onde estes podem fazer o que quiserem. 

- Porque a classe operária fica manietada, sem possibilidade de mexer-se, de fazer qualquer contestação, greve ou movimentação, em virtude das «leis de estado de guerra», invariavelmente passadas pelos parlamentos. Nestas circunstâncias, os capitalistas  têm a vida tranquila e podem aumentar a exploração até níveis nunca sonhados, antes do desencadear das hostilidades.

- Porque a guerra é acompanhada pela ascensão de ideologias autoritárias (a «fé» no chefe). Isso - em si mesmo - é do agrado da classe capitalista. Vai consolidar a aliança tríplice entre o sabre, a sotaina e a cartola.

Se não estamos mergulhados numa guerra nuclear agora, é porque existe algum bom-senso ou receio, nas «elites» oligárquicas. Mas, existem demasiados políticos no Ocidente, incluindo presidentes ou primeiros-ministros, que são corruptos, incompetentes e manietados por conselheiros, eles próprios, ao serviço de lobbies.