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terça-feira, 24 de setembro de 2024

A DESREGULAÇÃO DO MERCADO HABITACIONAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Quem aqui vive, em Portugal, está consciente de que a suposta «recuperação económica» feita à custa do turismo (exclusivamente) e total desregulação do mercado habitacional (tanto de aquisição como de arrendamento) tem como consequência uma série de crises: habitacional, demográfica, desemprego, emigração dos jovens e degradação das condições de vida.


A situação dramática da habitação (não existem apartamentos a preços abordáveis para a população) deve-se a decénios de fraco investimento na habitação social e na secundarização das funções sociais do Estado. O «boom» no imobiliário de altos preços é um bónus somente para especuladores imobiliários, mas a população geral do país pouco ou nada ganha com isso.


 Esta é a consequência social e económica de Portugal ter ficado cativo de uma classe especuladora, parasitária, vivendo de expedientes. O duopólio PS-PSD e respetivos governos, têm sido  os  promotores deste festim neoliberal.

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sábado, 20 de abril de 2024

O TRIUNFO DA ESTUPIDEZ

 


Os ocidentais, pelo menos os que detêm mais poder, seja ele económico ou político, são capazes de ficar muito orgulhosos porque «fizeram uma tonelada de dinheiro». É assim que pensam, realmente. Confundem as coisas. Não têm a mínima noção da realidade económica. São capazes de ficar extasiados perante a subida das bolsas e das ações nas quais apostaram, porém, não têm em conta que a divisa na qual essas mesmas são avaliadas (e todos os ativos, geralmente), se deprecia em proporção tão grande como a «valorização» dos seus ativos. 

Nunca na História se acumularam tantos erros estratégicos, pela chamada elite. Os poderosos, nos anos noventa, decidiram que os países pobres, do Terceiro Mundo, eram os locais apropriados para deslocalizar as suas empresas. «Matavam de uma cajadada, dois coelhos»: Obtinham enormes lucros com estas deslocalizações e conseguiam controlar a classe trabalhadora dos próprios países, sujeitando-a à precariedade, ao desemprego, à diminuição do seu nível de vida.  Na realidade, estavam a serrar o ramo sobre o qual se sentavam; numa sociedade capitalista o mercado (dos bens materiais e dos serviços) é que dita o lucro: Se não houver escoamento para a mercadoria, os seus fabricantes podem ter acumulado muita mais-valia (potencial) no processo de produção, isso não produz qualquer lucro líquido, pois no final, eles só podem concretizar a operação pela venda dos tais produtos acabados. Se não há compradores, ou porque o produto proposto não lhes interessa ou porque estão debilitados economicamente e não podem gastar dinheiro em coisas não essenciais, os capitalistas irão, com certeza, para a falência. E assim foi. 

Os produtos elaborados no «Oriente» eram muito mais baratos e mais satisfatórios. Portanto, tinham colocação garantida tanto nos povos do oriente, como do ocidente. A desindustrialização foi um desastre para o capitalismo ocidental, promovido pelo mesmo e resultou num maior crescimento da capacidade produtiva e do poderio económico das economias orientais. 

Outra das belas operações dos ocidentais foi a sua obsessiva venda de ouro, quer estivesse guardado em cofres-fortes de bancos comerciais, ou nos bancos centrais dos diversos Estados. 

Os países recetores foram aqueles com excedentes comerciais crónicos. Foram acumulando ouro, tanto quanto podiam, sabendo que o preço a que lhes era vendido, era um preço de saldo. 

O ouro está agora em mãos fortes. Ele foi cedido  por mãos fracas. Infelizmente, não  apenas as mãos eram fracas, também as cabeças: Com efeito, acreditaram numa espécie de ladainha que «justificava» as vendas massivas do ouro como ele sendo «a pet rock» («uma rocha de estimação»). 

Mas o ouro é dinheiro verdadeiro, há mais de 5000 anos, que não sobe nem desce, pelo contrário são as divisas fiat que sobem e descem constantemente. Se assim não fosse, não haveria nenhuma lógica para os bancos centrais de todo o Mundo acumularem este metal especial. 

Agora, vê-se que quem possui o ouro, possui o poder. O mais extraordinário, é que a classe possidente no Ocidente se convenceu das suas próprias falácias, acreditou na sua própria propaganda. 

Nunca se viu um grau tão grande de autoderrota. Não tenho pena das classes possidentes ocidentais, tenho compaixão pelas pessoas trabalhadoras, exploradas, enganadas, espoliadas dentro desse tal «jardim do Paraíso» do Ocidente (como diz Josep Borrell). 

Afinal eles, trabalhadores dos países ocidentais, devem sentir-se ainda mais infelizes, perante os milhões de pessoas que deixaram de ser pobres e que ascenderam ao nível de «classe média» no Oriente, enquanto elas, no Ocidente, desciam para o inferno da pobreza.

Não vale a pena, sequer, esgrimir argumentos com os falsos «especialistas» ou «economistas da treta», que enxameiam os nossos media corporativos: Se uma pessoa quer olhar os factos por si mesmos, sem se distrair pelas argumentações sofísticas, tem de concordar comigo: 

- Nos finais do século XX e nos princípios deste século, a classe dominante dos nossos países ocidentais, possuída de vertigem do poder e da sua invencibilidade, provocou a sua própria queda.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

MIKE WHITNEY, NUM ARTIGO MEMORÁVEL, COMPARA AS ECONOMIAS DOS EUA E DA CHINA

Na minha opinião, embora M. Whitney apresente como imagens que «dizem tudo», uma comparação entre dois mapas de caminhos de ferro de alta velocidade na China em 2008 e em 2023, este outro diagrama (abaixo) que ele inclui no artigo, da responsabilidade do FMI, ainda é mais impressionante. Será mesmo a prova da tese que Mike Whitney defende ao longo do artigo... 




 https://www.unz.com/mwhitney/the-one-chart-that-explains-everything-2/ 


Deste excelente artigo, depreende-se que:
- A China vai tornar-se a maior economia (capitalista) no século XXI.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

A MELHOR RESPOSTA NO LONGO PRAZO À VOLATILIDADE DOS MERCADOS

POR QUE RAZÃO OS ARAUTOS DO SISTEMA FAZEM TUDO PARA DESVIAR AS PESSOAS DA PROTEÇÃO MAIS ÓBVIA  PERANTE A GRAVE CRISE ECONÓMICA

https://www.mining.com/web/hungary-triples-gold-reserves-as-central-banks-turn-buyers-again/

 À medida que entramos mais profundamente numa zona de turbulência acrescida, na economia e finança mundiais, também as relações entre os ativos de diversa natureza estão a revelar-se mais instáveis. Os índices de volatilidade refletem as incertezas nos mercados e - embora no longo prazo - estes possam achar um novo equilíbrio, nas fases de transição, costuma haver substanciais ganhos e perdas. Como sabemos, nos mercados financeiros, as perdas de uns, são os ganhos de outros, e vice-versa.  A minha previsão é que haverá um considerável número de pessoas que apostaram, ou irão apostar, na economia de casino, nos mercados bolsistas, e terão sua atenção desviada das matérias-primas, dos metais preciosos, em particular.

Ao longo dos anos, o ouro e a prata têm sofrido uma constante supressão (pelos bancos sistémicos, os bancos centrais e os governos ocidentais) destinada a desviar o grande público desses investimentos.  É o que vou tentar explicar neste artigo.

O ouro e a prata têm os seus preços determinados em grande parte, não pelo mercado físico (ouro e prata físicos), mas pelo mercado de «futuros», de «papel». Neste, pode-se apostar num valor futuro de quilo ou onça de ouro ou outro metal precioso, sem que se tenha jamais de concretizar a transação, comprando ou vendendo o referido metal físico. Claro que este mecanismo permite que sejam transacionadas quantias enormes, mas que não têm correspondência física. Uma exceção a esta situação é a do mercado de matérias-primas (incluindo os metais preciosos) de Xangai, onde as quantias transacionadas são reais, não são meras «promessas» de compra e de venda porque todos os contratos-promessa têm de ter subjacente a respetiva quantidade de metal. 

Na economia especulativa, financeirizada, o ouro é por vezes designado como valor refúgio, mas no sentido de se investir em ouro-papel, como alternativa a deter-se «dinheiro-cash». Nos mercados do Oriente, pelo contrário, o ouro e a prata nunca deixaram de ser dinheiro, ou seja, metais cuja posse equivale -essencialmente - a dinheiro. Para termos uma noção de como as divisas (que são chamadas impropriamente «dinheiro») se desvalorizam em relação ao ouro, basta referir que uma moeda de ouro, contendo uma onça troy de ouro puro, tinha o valor de vinte dólares US, em 1913. Nessa altura, com essa moeda, ou com uma nota de banco neste valor (20 dólares US), podia-se comprar um fato de qualidade e nos bons alfaiates, em Nova Iorque. Quem tenha essa moeda de uma onça de ouro, que agora ronda os 1800 USD, poderá comprar  um bom fato, na mesma. Mas, não seria o caso de alguém que só tivesse guardado 20 USD em nota-bancária. A nota de 20 dólares daria para comprar, quanto muito, umas peúgas ! Claro que a relação é ligeiramente diferente para outros itens de consumo, ou para itens industriais mas, no global, estima-se que (em média) o «dinheiro-papel» perdeu desde 1913 97% do seu poder aquisitivo. O ouro conservou, em termos gerais, o seu poder aquisitivo.

Quando uma aposta em ouro-papel é perdida, ou seja, quando a aposta vai no sentido contrário do mercado, a pessoa que a fez perde uma percentagem do dinheiro investido, pois tem de vender ou comprar a um preço desfavorável... Muitas vezes, essas quantias são avultadas e os especuladores têm de obter dinheiro de outros investimentos, ou pedir empréstimo para cobrir a perda, com uma tal aposta «a descoberto». Se alguém fizer uma venda a descoberto e se houver um comprador, ela terá de comprar a quantia equivalente de ouro a outro agente, ou dar o dinheiro correspondente para indemnizar esse comprador. Nas bolsas de matérias-primas ocidentais, onde funcionam os mercados de futuros, como o COMEX (Chicago) ou LBMA (Londres), é vulgar, dum dia, transacionar-se em contratos de futuros o equivalente da produção anual mundial de ouro ou de prata. É evidente que, na realidade, aquilo que é transacionado são contratos-de-futuros, ouro-papel, ou prata-papel, que especificam quantas onças (500 ou 1000 onças, por exemplo) de metal  estarão disponíveis para entrega, pelo valor de X dólares, num dado prazo (por exemplo, dentro de 2 meses). Nestas bolsas, só algumas entidades têm acesso ao ouro e prata físicos, um punhado de grandes bancos, que negoceiam com grandes clientes e armazenam esse ouro nos seus cofres. Quanto aos outros, terão de se contentar com dólares, no valor equivalente ao preço estipulado. Muitos não estão sequer interessados em tomar posse do metal físico, contentam-se em receber a diferença de preço, caso tenham acertado na aposta. As quantias transacionadas nestes mercados são centenas de vezes superiores aos metais preciosos efetivamente depositados nas mesmas bolsas. Compreende-se que, nestas circunstâncias, seja fácil para grandes bancos e fundos financeiros, fazerem operações de venda a descoberto (isto é, sem possuir o metal físico estipulado nos contratos), emitindo grande número de contratos. Com esse instrumento de manipulação e com a «miopia induzida» das entidades reguladoras desses mercados, é notório que só raramente são apanhados em fraude. Recentemente, empregados da J P Morgan e também o próprio banco, foram condenados por manipulações do mercado do ouro. Este e outros bancos, têm sido multados por manipulações do ouro e da prata. Os valores das coimas, que parecem somas enormes, são inócuas para eles: Em poucos dias, têm mais lucro do que o montante das multas. Ou seja, há um discreto incentivo para continuar a fazer fraude, tanto mais que um público não esclarecido pensa que só grandes capitalistas ficarão prejudicados com tais manipulações do preço do ouro.

Numa economia em que exista o padrão-ouro, os governos ou bancos centrais não poderão manipular a moeda, visto que a quantidade de ouro que possuem nos cofres dos bancos centrais respectivos não pode ser aumentada a seu bel-prazer. Então, todos os governos que sustentam a especulação desenfreada e os seus agentes corruptos, incluindo os académicos, vão dizer que o ouro é uma «relíquia do passado», que retira muita flexibilidade à gestão económica e financeira, etc. Enfim, é certo que os défices monstruosos, quer nos orçamentos de Estado, quer nas balanças comerciais, serão muito menos prováveis, com um padrão-ouro. Esta é uma das razões porque, entre a derrota de Napoleão em Waterloo e o início da Iª Guerra Mundial, houve 99 anos de desenvolvimento capitalista, com alguns solavancos, mas sem crises comparáveis às crises vividas ao longo dos séculos XX e XXI: 1929, 1971, 1987, 2000, 2008 ... ou 2022! 

Pessoalmente, sou contrário a que uma moeda nacional sirva como «moeda de reserva mundial», porque o país detentor desse privilégio irá - com certeza - abusar dele ao fim de algum tempo, de uma ou doutra forma. Na era do 100% eletrónico, uma operação de câmbio duma para outra moeda é feita instantaneamente, não é complicado. Nem é mais complicado fazer o cálculo do câmbio duma quantia de Rupias para Euros (por exemplo), do que de Euros para Dólares US. Então, que interesse tem uma moeda de reserva? Para medir os preços e compará-los, temos a melhor «moeda de reserva» imaginável, que é o ouro! O ouro é um elemento químico; não é pertença de nenhum Estado (ao contrário de uma moeda). A sua falsificação é fácil de detectar. Podemos referir o preço de qualquer item em termos de ouro. Por exemplo, um objeto que custa 200 euros, traduz-se em 3.72 gr. de ouro puro (à cotação de hoje, 20/07/2022). A conversão de uma soma numa divisa, para gramas ou onças de ouro, é tão fácil como para outra divisa. O ouro é aceite em todas as economias, sendo transacionado com cotações diárias iguais ou muito próximas: Em Londres, Madrid, Moscovo, Xangai, Nova Iorque, Tóquio, ou em qualquer outra parte do mundo. Por isso, este padrão- ouro seria muito conveniente para o comércio internacional; permitiria que as mercadorias fossem avaliadas e transacionadas com preços mais justos. Ninguém poderá, a seu bel prazer, de repente, duplicar a extração, purificação e refinação  do ouro: Isso envolveria muito trabalho, muita energia; por isso mesmo, o ouro é muito estável. Mas, com uns meros «clicks», os funcionários dos bancos centrais podem aumentar para o dobro (ou mais) a quantidade total em circulação duma divisa, como temos visto ultimamente. 

Muitas pessoas dizem...  «O ouro não serve para nada, é perfeitamente inútil, só dá despesa». Eu pregunto-lhes: «E o papel-moeda, serve para algo mais, além de troca e pagamento, algo mais que o ouro? O ouro tem algumas aplicações industriais e em joalharia; que eu saiba, o papel-moeda não tem.»

- «Mas o ouro consome energia e custos para o manter...». «Sim, é verdade, mas também os seguranças armados guardam cofres-fortes que contenham apenas notas em papel; estas também são transportadas em veículos blindados, etc.» 

-«Mas não haveria bastante ouro para atender às necessidades da economia mundial». «O ouro é um metal-monetário; isso significa que o ser humano atribui um valor ARBITRÁRIO a determinada quantidade de metal (kg, onça, etc.). Se a onça de ouro, agora, equivale a 1800 dólares US, ela está muito desvalorizada, em relação à quantidade total de papel-moeda, devida à impressão eletrónica, nestes últimos tempos. A dívida mundial total atinge, segundo estimativas, mais de 300 triliões de dólares, soma difícil de imaginar, para quem  não está habituado a lidar com números astronómicos!!!

Com certeza que o padrão-ouro não é a panaceia! Mas, curiosamente, há uma grande coincidência entre  os mais acérrimos defensores do sistema, os ditos neoliberais e os inimigos de qualquer mudança para um padrão tangível (e o ouro será sempre o mais conveniente, por razões que não irei referir, aqui). Curiosamente, também, advogam uma moeda- padrão digital obrigatória, que irá submeter qualquer pessoa ao escrutínio dos bancos, bancos centrais e governos. Com as «moedas digitais» emitidas pelos bancos centrais, é o fim da privacidade, da autonomia e da liberdade : Alguém que seja punitivamente desligado do seu «porta-moedas digital», ficará num estado de morte económica. Muito dificilmente poderá subsistir. Este é o futuro que se reservam, a si próprios, os tais «liberais»: Eles terão o poder de decidir quem tem acesso, ou não, ao seu próprio porta-moedas digital. Por outras palavras; terão o poder de decidir sobre as nossas vidas! O 100% digital em mãos dos bancos centrais retira qualquer liberdade aos cidadãos. Afinal, estes tais «neoliberais», deveriam ser designados antes por «neototalitários», ou  algo semelhante. 


quinta-feira, 16 de junho de 2022

RECESSÃO, FALÊNCIAS, DESEMPREGO, DESTRUIÇÃO DE CAPITAL & INFLAÇÃO

                                                    
                                    «Segundo Biden, os EUA são a economia que mais cresce no Mundo» 

Algumas datas relevantes na economia capitalista:

   
    Foto: 1929: 3ª-feira negra, Wall-Street


1929: Na Segunda-feira Negra de 28 de Outubro, o índice Dow desceu cerca de 13 %. Na sessão seguinte, Terça-feira Negra, o mercado desceu quase 12 %. Em meados de Novembro, o índice Dow tinha perdido cerca de metade do seu valor.

1987: Segunda-feira Negra é também o nome que costuma ser dado à queda global, súbita e muito inesperada do mercado de ações a 19 de Outubro de 1987.

2022: Este ano traz-nos outra Segunda-feira Negra, a 13 de Junho, em que as ações dos EUA, caíram logo na abertura da sessão, enquanto a economia continua sofrendo uma inflação elevada, conforme os relatórios, e quando a FED (Reserva Federal Americana, o banco central dos EUA) projeta uma subida das taxas de juro de referência, avivando os receios de uma recessão.
O mercado de cripto-moedas sofreu uma descida de sua capitalização global de cerca de 12% na Segunda-feira, descendo para apenas 980 milhares de milhões de dólares, após o fornecedor de cripto-moedas "Celsius", ter revelado na véspera (Domingo), que suspendia as transações, os levantamentos e as transferências da plataforma, citando «condições extremas de mercado». O setor sofreu perdas - desde seu  máximo, alcançado em Novembro de 2021 - de mais de 2 triliões de dólares.
Os mercados de ações dos EUA e da Europa foram ao tapete, enquanto o risco nos mercados da China também aumentou.

O mercado de ações é apenas uma fração da economia financeira. Os derivados, os mercados de câmbio, as obrigações soberanas e as de empresas, tudo isso está em colapso, perante uma inflação que se revela em toda a sua dimensão ameaçadora. Porém, as pessoas bem informadas sabiam já há muito tempo que vinha a caminho. Infelizmente, no meio dum colapso geral, há pessoas que  «acreditam no Pai Natal», pois querem entrar agora nos mercados financeiros, ouvindo vozes de sereias, que lhes dizem: «Aproveite, agora que o mercado está em quebra: poderá realizar enormes mais-valias!». O jogo da bolsa é um jogo de soma zero; quando alguém ganha, um outro (ou outros) perde(m). As bolsas são casinos; não há a mínima seriedade: Os vencedores, são os que estão «por dentro». São gerentes ou grandes acionistas dos bancos sistémicos, das grandes empresas transnacionais, etc. Os que possuem indicações confidenciais sobre as decisões das corporações e dos governos. Se não pertences ao muito restrito clube dos multimilionários, não estás «por dentro». Se te pões a jogar nesse casino, o mais certo é ficares depenado.

PS1: Alasdair Mcleod dá-nos a leitura aprofundada do colapso em curso, na finança mundial.  https://www.goldmoney.com/research/a-perfect-storm-in-banking-is-brewing

PS2: A economia dos países europeus da NATO tem sido sacrificada, intencionalmente, para satisfazer a vontade de hegemonia dos EUA, a pretexto de «defender» a Ucrânia. Só imbecis, ou pessoas inteiramente sujeitas a lavagem ao cérebro, podem estar convictas nesta fase, de que as intenções da NATO/EUA eram de salvaguardar a Ucrânia e a Europa de uma «ameaça» russa. Pelo contrário, aquilo a que se assistiu foi um acirrar do conflito até ao ponto de que a Rússia decidiu invadir a Ucrânia, perante a ameaça de armamento nuclear às suas portas e de laboratórios desenvolvendo armas biológicas: https://www.moonofalabama.org/2022/06/ukraine-the-us-is-on-the-road-towards-escalation.html#more O resultado para a Europa e sobretudo para os países pobres é catastrófico. Desde o princípio, avisei para o que estava realmente em jogo.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

MEDITAÇÕES ECONOMICO-POLÍTICAS

                  

No longo prazo, como dizia Keynes, a nossa taxa de sobrevivência tende para zero. 

Todos sabemos que somos mortais, mas alguns de nós temos pretensão de ser eternos como os deuses, ou, pelo menos, deixar - para um futuro longínquo - a nossa marca, que se perpetuará através das nossas «obras». 


Legenda do gráfico: Uma evolução em 220 anos do preço do ouro e do índice Dow Jones da bolsa de Nova Iorque; E. von Greyerz assinala a possibilidade de queda de 97%, na proporção do observado em períodos anteriores (Retirado de GoldSwitzerland)

Enfim, a tal «aposta» no futuro é completamente vã, pois ninguém sabe a-priori porque determinado investimento ou combinação de investimentos tem a virtude de se manter ou multiplicar, enquanto outra, que parecia ser mais sólida, se desfaz ou estagna. Não existe previsão de longo prazo que não falhe, perante o caudal de acontecimentos que estão periodicamente a brotar, em todos os diversos aspetos da vida. Eu diria que estamos perante um modelo global de caos, perante um conjunto face ao qual não existe possibilidade de se aplicar uma lei, uma regra, uma previsão ou projeção racional. 

A mente humana está feita de tal maneira que deseja ver em tudo regularidade, significado, projetando o nosso desejo e querendo que os outros se conformem com as nossas fantasias, como se fossem resultantes de «observações objetivas». Isto faz-me lembrar de como, em criança, me divertia, a encontrar nos veios e irregularidades dos tampos de mesas, desenhos como perfis de cabeças de animais ou de pessoas. Um pouco como o outro jogo em que nos deitamos a olhar o céu e procuramos ver nas formas das nuvens animais, objetos, corpos ou caras de pessoas, etc.

As previsões, que fazem os chamados «especialistas» da informação económica e financeira, é do mesmo tipo que o jogo de crianças acima descrito, não tem qualquer cientificidade, mas reveste-se de todo um aparato estatístico, de gráficos, de palavras caras, para levar o seu leitor a se «autoconvencer» de que a melhor solução é investir em tal ou tal solução, que o «conselheiro financeiro» apresenta como a salvação, a maravilha. 

Eu confesso que tenho dado atenção a alguns e não a todos, isso seria impossível e idiota, daqueles que, periodicamente, na media mainstream ou alternativa, produzem discursos, não que me deixe convencer pelos seus diagnósticos, mas porque a massa  de dados estatísticos que acompanham suas teses podem ser lidas por mim, objetivamente. Por outras palavras, não preciso de conformar-me à leitura destes analistas dos mercados, pois possuo meu próprio juízo crítico e autocrítico, a minha massa de dados prévios. Tento aplicar isso ao domínio económico-financeiro, excluindo os aspetos subjetivos.

Há pessoas, no entanto, que são arrastadas neste contexto catastrófico para a economia real e num início de mercado descendente (bear market) - para a armadilha de «comprar, agora que está em baixa». Inevitavelmente equacionam o movimento de baixa como algo periódico, como a ondulação do mar, o que está agora «em baixa» depois estará «em alta», e vice-versa. Pois, esta visão ingénua sofre de dois falsos silogismos, o de que «o hoje é como o ontem e o amanhã irá reproduzir o ontem» e «de que o dólar, euro, etc. - o dinheiro fiat - são medida apropriada de todas as coisas». 

Quanto à primeira falácia, basta recordar que - em termos nominais - o índice Dow Jones (o índice mais importante da Bolsa de Nova Iorque) voltou a atingir o seu valor de 1929, anterior à Grande Depressão, somente em 1954! E isto, em termos nominais! Se estivermos na primeira fase duma grande depressão análoga de 1929-1935, significa que aquilo que se investir hoje nas bolsas, ou em derivados, tem uma hipótese de voltar a ter um valor nominal igual ao investido hoje, em 2047!

Quanto à segunda falácia, as pessoas deviam refletir maduramente sobre crises de inflação e de hiperinflação que assolaram vários países e zonas do globo em várias épocas. Por exemplo, durante um certo tempo, as bolsas mundiais com ganhos maiores eram as do Zimbabué e da Venezuela. Porquê? Muito simples; se o valor do dinheiro estava em colapso, as pessoas refugiavam-se em ações cotadas, na esperança de que algumas empresas sobrevivessem ao tornado da hiperinflação e assim, havia sempre subida espetacular nos mercados bolsistas de ambos os países! 

Agora, os bancos centrais ocidentais, (FED, ECB, BOJ, etc) têm vindo a inundar os mercados com dinheiro (fictício), supostamente para «salvar» as economias desde a crise de 2008. Esta impressão monetária constante acentuou-se com a crise do COVID e a guerra na Ucrânia. Na verdade, estão a destruir o valor de suas próprias divisas. Vemos com o exemplo seguinte, que existe diferença muito significativa no valor das divisas-papel:

Uma onça de ouro vale, hoje, 1880 USD. Uma onça de ouro compra, hoje, cerca de 17 barris de petróleo. Em 1960, a mesma onça de ouro, comprava cerca de 9 barris de petróleo. Enquanto, hoje, com 4 dólares US (o preço do barril em 1960) se compra, no máximo, 1/27 de barril de petróleo!

Deixo-vos com os artigos, abaixo, que me parecem ser auxiliares úteis na reflexão de cada um. Não são os únicos, mas vão ao encontro de questões fundamentais.

Essa é a perspetiva de longo prazo. No domínio do investimento e talvez nos outros, a mentalidade de ganância leva as pessoas ao abismo.

Como me dizia um trader meu conhecido, trata-se de um «jogo de soma zero», ou seja, quando alguém ganha, outro perde e vice-versa. Não existe criação de riqueza, no casino das bolsas,  apenas transferências.

Ciclo Viscoso da Autodestruição; Ouro Superando a Performance de Todos os Ativos Financeiros, por  Egon von Greyerz 


Um trader
 de Goldman: «O Estado do Mercado é de Sangrar para Alcançar Mínimos Mais Baixos, Interrompido, Ocasionalmente, Por Fortes Altas Curtas.
»

 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

[Charles Hugh Smith] A CHINA FARÁ REBENTAR A BOLHA DE TUDO

 



Autor: Charles Hugh Smith escrevendo no blog OfTwoMinds blog,


É bem seguro que a China enfrenta problemas estruturais. Uma listagem de artigos no número da Agosto da revista «Foreign Affairs» consagrada à China reflete isso:

A Aposta de Xi: A Corrida para Consolidar o Poder e Evitar o Desastre

A Conta Económica Chinesa: O Preço de Reformas Falhadas

Os Barões-Ladrões de Pequim: Pode a China Sobreviver à Sua Idade Dourada?

A Vida do Partido: Quão Seguro Está o Partido Comunista da China?

Isto são questões espinhosas, difíceis: o precipício demográfico resultante da política de uma criança apenas, a crescente desigualdade de riqueza, a corrupção alastrando, problemas de saúde pública (obesidade e diabetes, etc.), depredação ambiental e uma economia a desacelerar.

O que os analistas convencionais não conseguem compreender plenamente, a meu ver, são 1) a ameaça existencial para o Partido Comunista da China e para a economia chinesa, decorrente da sua bolha de crédito, sem precedentes, formando metástases 2) a sua crise de energia que desponta.

Como expliquei num artigo do meu blog, What's Really Going On in China?, («O que está realmente a ocorrer na China?») o PCC e o governo institucionalizaram informalmente a «irresponsabilidade» (a desconexão entre o risco e as suas consequências) como estando no âmago da sua política.

Qualquer perda financeira, não importa quão arriscada ou quão cheia de dívidas, era coberta pelo Estado (por resgate externo, pelo refinanciar da dívida, por novos empréstimos, etc.). Tal era visto  enquanto "custo do desenvolvimento rápido", consequência da visão de que a ineficiência e o desperdício eram inevitáveis no rápido desenvolvimento da indústria, da infraestrutura imobiliária e de uma economia virada para o consumidor.

Aquilo que os dirigentes da China não compreenderam plenamente foi que esta garantia implícita de «bailouts» (resgates) - o equivalente, nos EUA, ao «A Fed guarda-nos as costas» - incentivou a especulação baseada em dívida, como sendo o «investimento» de mais baixo risco, e de mais elevado retorno, especialmente quando comparado com os investimentos arriscados de baixo lucro, de estreitas margens, nas indústrias de exportação (Lembremos que as margens de lucro das empresas de exportação chinesas rondam os 1% a 3%).


Este é o fator oculto que está a minar a produtividade e a economia chinesas: a dívida em todos os sectores está a subir em flecha, para financiar a especulação, não os ganhos de produtividade.

Esta institucionalização da irresponsabilidade incentivou os jogos de apostas menos produtivos e de maior risco  - Não somente para grandes conglomerados como EverGrande, mas também para as famílias da classe média, que investiram no sistema de «shadow-banking» (um conjunto de empréstimos desregulamentados no sector privado, para financiar devedores com risco elevado, a juros altos) e compraram dois, três ou quatro apartamentos para «investimento».

As contradições resultantes desta massa de poupança investida em condomínios vazios, são sistémicas e perigosas: 1) logo que um andar esteja arrendado, perde valor pelo facto de ser «usado» 2) a vasta maioria dos andares de «investimento» é ilíquida, visto que a maior parte dos novos compradores quer um andar novo, não um usado, portanto o mercado para os usados é extremamente estreito, fora das localizações mais desejáveis, no interior de cidades como Pequim ou Xangai.


Este investimento maciço em apartamentos vazios e ilíquidos gerou perversidades sociais e financeiras: agora, que os andares em áreas mais cobiçadas custam 30-40 vezes o salário de um colarinho branco, os jovens têm de aspirar as poupanças da família alargada para conseguir pagar o andar. Os homens jovens incapazes de comprar um apartamento, veem suas possibilidades de casar evaporar-se.

Uma consequência da relação incestuosa do controlo de Estado com a especulação desenfreada, é o verdadeiro e vasto fosso separando os rendimentos, que se liga à corrupção, num feed-back que se reforça mutuamente: quanto mais rico te tornares, mais próximo do poder te encontras e vice-versa.

Como o sistema de «shadow banking» na China é opaco, até mesmo para os reguladores estatais, é bem possível que os líderes chineses não tenham uma noção da extensão do risco sistémico envolvido nos excessos do shadow banking. Parafraseando a célebre frase de Donald Rumsfeld, "é um desconhecido, desconhecido" para os fazedores da política chinesa.

Esta acumulação monumental de dívida e de especulação é agora uma ameaça existencial para o Partido, a dois níveis:

1) como todas as bolhas rebentam, independentemente das restantes condições, quando esta bolha o fizer, o abalo será suficientemente severo para ameaçar o controlo do Partido sobre a economia.

2) a evaporação desta riqueza fantasma, induzirá o povo a procurar um bode expiatório e o Partido é o candidato nº1, pois ele nutriu e protegeu os bem conectados e os ricos, não tendo protegido os 99% das consequências severas do rebentamento da bolha.

Ao terem criado as condições para a expansão da bolha e para a criação de montanhas de dívida e de promessas implícitas de resgates, o PCC e o governo entalaram-se eles próprios num beco: não existe maneira indolor de desinchar uma bolha especulativa de tão avassaladoras proporções.

Tendo em conta a biografia do Presidente Xi (em especial, a sua experiência pessoal na Revolução Cultural 1966-1976), os seus escritos e a sua consolidação do poder, é claro para mim que Xi compreende que a bolha está prestes a escapar ao seu controlo e portanto, o tempo é escasso e as opções de política estão limitadas a uma triagem ou seja, a salvar os mais saudáveis e deixar que a Natureza se ocupe dos que estão mais próximos de morrer.

Também vejo que Xi apreende a premente necessidade de quebrar a quase absoluta confiança de que o Estado irá resgatar («bail out») toda a gente, até mesmo a que pede emprestado e que especula da forma mais insensata, de tal modo que suas jogadas dão enormes perdas.

A opinião geral no Ocidente é que "a China não pode permitir-se que Evergrande falhe" porque este enorme conglomerado irá obviamente fazer cair muitos dominós, gerando um grande sofrimento financeiro. 
Eu penso que a visão do Presidente Xi é o oposto: «Nós não podemos permitir-nos salvar Evergrande», pois isso iria abrir as comportas das atitudes irresponsáveis («moral hazard») que Xi está a tentar fechar.

O facto do Estado resgatar os jogadores do sector privado (e de empresas estatais) foi o que levou a uma bolha baseada na irresponsabilidade, que Xi está determinado em fazer rebentar agora, quando ainda tem possibilidade de controlar o processo.

Por outras palavras, o Presidente Xi compreende que está no momento, «agora ou nunca», de retomar o controlo duma bolha financeira, inflada pela irresponsabilidade; a única maneira possível, será de fazer pagar as perdas por quaisquer que tenham exposição [aos investimentos especulativos]. A lógica subjacente, é o dilema entre retomar o controlo agora, provocando o rebentamento da bolha, ou deixar que ela se expanda e vá implodir de modo incontrolado (e portanto, ameaçador para o Partido).

Xi concluiu que o primeiro passo, para ser capaz de forçar que assumam as perdas, quaisquer que tenham exposição às apostas especulativas, era consolidar o poder num grau tal, que as costumeiras fações que se serviam do poder para evadir as consequências, fossem forçadas a aceitar sua quota-parte de perdas.
Dada a história e estrutura do Partido, tal exigirá que Xi estenda o controlo a níveis não vistos desde Deng e Mao.

No meu ponto de vista, Xi viu corretamente que estava a fazer-se tarde e que a resistência institucional ao fim dessas  promessas implícitas de resgates e a expansão sem fim da dívida, só poderiam ser superadas, se o seu poder político fosse quase-absoluto.

O rebentamento da bolha movida pela irresponsabilidade e especulação com a dívida, é uma necessidade para preservar o PCC e o poder de Estado; meias-medidas que protegessem os compinchas corruptos, apenas aumentariam a indignação popular, quando a bolha acabasse por rebentar.

É a esta luz que se deve ver a campanha de vários anos de Xi contra a corrupção mais visível e o recente reavivar do conceito de «prosperidade comum», ambos preparando o terreno para pôr fim ao comportamento de irresponsabilidade e para a demolição controlada dos excessos de dívida e de especulação que têm afetado a economia e que ameaçam retirar o controlo ao PCC.

Agora, porém, dão-se grandes ironias. Foi a capacidade da China, em gerar imensas quantidades de dívida, que basicamente permitiu o resgate da economia global em 2008-09, 2015-16 e em 2020. Sim, a Reserva Federal resgatou o setor banqueiro global (na ordem de 16 triliões de dólares em fianças e linhas de crédito) em 2008-09 e inflacionou a bolha especulativa nos EUA, ao criar 3.5 triliões de dólares pela impressão monetária (quantative easing), mas a expansão da dívida causada pela China foi igualmente uma fonte importante de procura global, o que evitou que as economias globais mergulhassem na recessão.


O custo deste «salvamento» não foi apreendido na altura: a elevação da irresponsabilidade até um estatuto quase religioso nos EUA e na China e a expansão das bolhas especulativas alimentadas pela dívida, até alturas jamais atingidas.
Só existem duas opções de políticas:
1) recolher a rede de segurança e recusar resgatar os excessos especulativos, daí fazendo rebentar a Bolha de Tudo,
ou
2) jogar o jogo de manter a bolha em expansão, até implodir por ela própria, num desfecho inevitável, devido às instabilidades sistémicas intrínsecas às bolhas.

Xi escolheu corretamente a política nº1 e ao fazê-lo, posicionou o Partido como o defensor do povo, ou seja, apresenta-se como anticorrupção, pôs na ordem bilionários como Jack Ma e está anunciando que o Estado não irá salvar EverGrande.

A política nº2 tem sido adotada pela Reserva Federal e pela liderança política dos EUA, levianamente. Ao inflacionarem a bolha, deixam que as consequências da irresponsabilidade, a bolha causadora de agravamento na desigualdade de rendimentos e a corrupção, vão -fatalmente - socavar a credibilidade de ambas, tanto da Fed, como da classe política.

As ruturas nos abastecimentos revelam que o sistema económico e financeiro estão estreitamente ligados e estão, enquanto tal, extraordinariamente expostos ao risco de colapsos em cascata, sobretudo quando os nodos-chave se tornam em pontos de congestionamento ou rutura.

Enquanto a Reserva Federal continua a imprimir triliões para continuar a inflar a bolha, a escassez na economia global já está a inviabilizar sectores-chave nas economias da China e da União Europeia. A realidade está em vias de fazer a sua intrusão na fantasia da Fed, de que as bolhas podem continuar - para sempre - desconectadas da economia no mundo real.

Em resumo: o rebentar da Bolha de Tudo não é o objetivo de Xi; este é um efeito secundário inevitável (dano colateral) do rebentamento da bolha especulativa chinesa.

Dado o facto de que todo o sistema financeiro está interconectado intimamente, o colapso de EverGrande é muito mais a história dos dominós a caírem, do que a das perdas diretas: não serão as perdas diretas que irão deitar abaixo o sistema financeiro, mas antes os dominós tombarem, quando os que sofrem perdas diretas, por sua vez, implodem e se tornam insolventes, falhando o pagamento de empréstimos, de juros das obrigações, incapazes de satisfazer as condições contratuais, e assim por diante.

O consenso no Ocidente é de que a China não pode permitir-se deixar a bolha rebentar, porque o sofrimento seria tão severo. Os que acreditam nisto, têm uma pobre compreensão da história da China, especialmente no século XX.

Sendo o rebentar a bolha na China a opção nuclear, Xi tem razões para estar confiante de que poderá fazê-lo: Se isso aumentar o nível de sofrimento para 11, ele sabe que a maioria do povo irá aceitar; quanto aos que não aceitarem, irão juntar-se a Jack Ma, na sua reforma forçada.

Eu estimo que Xi vê o fim da irresponsabilidade e o rebentamento da bolha na China, como uma situação em que o estado das coisas apenas piorará, quanto mais tempo se demorar a pôr-lhe cobro.

A grande ironia agora é que, em vez de salvar a economia global através da expansão da bolha da dívida, a China irá fazer rebentar a Bolha de Tudo Global. Para enfatizar o óbvio, o facto de estar no primeiro plano na economia global, faz da China um dominó de importância primordial. Quem pensar que a bolha especulativa da Fed nos EUA, pode tornar-se imune ao colapso dos dominós estreitamente associados, está a autoiludir-se num pensamento mágico.

Os extremos de excesso de dívida na China e a especulação já estão a desfazer-se, Xi não tem outra opção. Não existe um escape sem custos, apenas haverá como escolha, uma triagem, e Xi já estabeleceu um caminho pelo qual preserva o controlo do Partido, ao forçar todos os que têm exposição, a absorverem as inevitáveis perdas, quando as bolhas de dimensões sem precedentes rebentarem.

A fila dos dominós, que já começaram a tombar, estende-se por toda a economia global e sistema financeiro. Planifique adequadamente.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

CRISE DE EVERGRANDE: A COMPANHIA CHINESA MAIS PODEROSA NO IMOBILIÁRIO

EVERGRANDE: empreendimento imobiliário em Quidong


                                    Polícia protege a sede da Evergrande face a manifestação de lesados

É difícil de prever se haverá eventuais efeitos «bola-de-neve» nas diversas economias e empresas ocidentais, com o descalabro da maior empresa de imobiliário da China.
Esta empresa foi, talvez, a mais emblemática. Levou muitas pessoas de modestas posses a sacrificarem poupanças e endividarem-se junto da banca, para comprar apartamentos.
A bolha do imobiliário nas grandes cidades atingiu valores completamente loucos. Na China, o imobiliário é visto sobretudo como um investimento, não como a necessidade vital, de ter uma habitação para lá viver. As pessoas assimilavam investir no imobiliário, a terem um retorno garantido. Como se isto fosse o caminho certo para o enriquecimento.
Os números apontados no vídeo abaixo são de provocar vertigens, mesmo para uma economia gigante como a da China. Pode parecer que o Estado está por detrás desta empresa e que não a deixará cair, mas o facto é que o sistema chinês é muito disfuncional. Existem imensos «elefantes brancos». A maioria, são empresas de propriedade estatal ou das autoridades provinciais. Nomeadamente, tem havido falências em bancos locais, com as poupanças de muitos residentes nessas zonas.
O governo chinês não tem sabido como arrefecer esta bolha do imobiliário, mas terá de fazer qualquer coisa agora, nesta emergência. Com efeito, a condição para a sustentabilidade deste governo autoritário é de manter as pessoas suficientemente satisfeitas - no plano material - para elas não terem vontade de questionar o poder.
O desafio assumido recentemente em congresso do PCC e declarações do Presidente Xi Jin Pin é da transformação da economia e da sociedade chinesas: O plano é, basicamente, de manter a capacidade de exportação dos bens industriais, mas também de promover o enriquecimento da população em geral e gerar assim um dinamismo das indústrias dirigidas ao consumo interno.

Será este o momento do contágio às indústrias e ao setor financeiro, ou apenas um pequeno «blip» na progressão da China para o primeiro lugar mundial ?

                                        

Ver também:    https://www.youtube.com/watch?v=lbH_8Nj51HU

Ouvir esta análise da relação do HSBC (não é propriedade do Estado Chinês) e doutros, com o sector de desenvolvimento imobiliário chinês:

https://youtu.be/VxztRmPBl8k

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(28-09-2021) Os blocos de apartamentos inacabados, são implodidos... Veja qual o efeito da declaração de falência de Evergrande:

 https://www.youtube.com/watch?v=hBkMe4TdHDQ


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(14-10-2021) Já ouviu falar de «Country Garden»? Talvez seja a próxima situação de colapso, após o fracasso de Evergrande. Veja este vídeo: 

https://www.youtube.com/watch?v=4gyQWKElSMk


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Última atualização (26-10-2021): O governo de Pequim «convidou» (intimou, na realidade) o dono da Evergrande (Hui Ka Yan) a avançar com o seu próprio dinheiro para pagar as enormes dívidas da firma. Isto é indicação de que o governo não vai avançar com o «salvamento» do sector imobiliário.

domingo, 12 de julho de 2020

UM PAÍS EM RUÍNA, À BEIRA-MAR PLANTADO...

                               São João do Estoril - Portugal

Quase todos os dias percorro a pé várias centenas de metros que separam minha casa do apeadeiro de S. Pedro do Estoril. 
No meu percurso, encontram-se três grandes propriedades em ruínas. São mansões, vastos espaços outrora ajardinados, que nada mais são hoje, do que espaços abandonados. 
Vivo nesta zona há mais de vinte anos, pelo que sei que há muitas décadas se perpetua o estado lamentável destas propriedades abandonadas. 
Quantas e quantas outras existem, na minha freguesia? No meu conselho? No meu distrito? No meu país? - Francamente, não sei! 
Mas tenho a certeza que a zona do Estoril, com grande proximidade à praia, à Av. Marginal, à estação de comboio e às zonas de comércio, sem dúvida, tem óptima localização. Mas os terrenos, com as tais ruínas, não estão à venda! 
Ou se estão, não constam em anúncios ou tabuletas indicando isso. Mesmo, quando outros prédios devolutos são postos à venda, são anunciados a preços de tal modo fora do razoável, que ninguém vai tentar comprá-los. Por outras palavras; são frequentes lotes de terreno ou imóveis, colocados formalmente no mercado, mas para os quais se pedem valores completamente fora dos parâmetros desse mesmo mercado. 
Portugal é um país muito lindo e muito belo. Também é muito apetecível para uma casta de parasitas, que vivem da especulação e se abrigam debaixo da manta larga da corrupção, do tráfico de influências, do favoritismo, como sabemos. Por exemplo, o livro «Corrupção» de Eduardo Dâmaso, ajuda-nos a perceber a extensão em Portugal do problema estrutural da corrupção, de que estou falando.
A especulação com terrenos e com imobiliário é um factor de severo atraso, mesmo dentro dos parâmetros mais estritos de uma economia de mercado, vulgo capitalismo! 
Nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas não é permitido, dentro da malha urbana ou sub-urbana, mormente nas zonas ditas de «prestígio» social, que se eternizem ruínas monstruosas, inestéticas, perigosas em termos de segurança, até mesmo de saúde pública. 
Como é possível manter ou tolerar, décadas a fio, algo que não está a desempenhar um papel de utilidade como habitação, ou comércio, ou hotelaria, apenas desfeando uma zona, uma paisagem, um centro urbano, dando-lhe um aspecto de decadência. Poderia confundir-se certas zonas urbanas de Portugal como resultantes de guerra, como se tivessem sido bombardeadas!

As pessoas apenas se importam com a sua propriedade, com a sua vivenda, o seu jardim, o passeio em frente da porta ... tudo o resto, deixa-as indiferentes, ou não lhes ocorre que o entorno tenha incidência directa na sua qualidade de vida, no valor da sua propriedade. 
Esta indiferença patológica foi sempre um mistério para mim; tentei várias explicações:
- o atraso cultural, o facto de ser um povo excessivamente individualista, ou ainda um reflexo herdado dum longo regime fascista, em que as pessoas dissociavam a figura do Estado, a Coisa Pública, das suas próprias vidas... «O Estado são eles, nós temos a nossa vida e isso não nos diz respeito...» 
Uma certa tendência para a passividade, para o conformismo, ou mesmo fatalismo... Enfim, não posso explicar; é algo que está para além da minha compreensão. 
O que sei é que isto não existe noutras nações europeias ocidentais, com regimes - supostamente - idênticos, em termos de ordenamento jurídico geral. 
As forças políticas estão corrompidas e essa corrupção exprime-se pelo não exercício do poder, quando ele é requerido e necessário. Mas são capazes de exercê-lo, pelo contrário, de forma arbitrária e prepotente, impondo a sua vontade. Actuam como pequenos senhores feudais - pondo e dispondo - sem consideração pelos interesses dos munícipes, a não ser para aqueles que lhes subsidiam as campanhas eleitorais...
Parece incrível que as coisas se passem assim, mas um sintoma claro disso está bem à vista: basta ver os prédios, propriedades, edifícios que estão em ruína, no centro de cidades ou em zonas de grande interesse turístico, que, pela lógica capitalista, deveriam ser «postos a render».

A razão disto permaneceu obscura para mim, até que comecei a investigar mais a fundo.
- Muitas vezes, quando perguntava a alguém, recebia a explicação do «desentendimento entre herdeiros», como causa para tal ou tal palacete ou vivenda estar - há décadas - em ruína e ninguém comprar e reconstruir, ou fazer algo de novo nesse espaço. 
Isso são explicações que surgem como forma de não explicar nada. Não digo que pontualmente, não possa haver casos em que esteja - de facto - envolvida uma herança. Mas, uma propriedade mal gerida ou abandonada é-o na mesma, quer o título de propriedade esteja nas mãos de um só ou de vários!
- Não! Os verdadeiros motivos são outros:
Os municípios e o Estado têm o poder de expropriar qualquer bem ou propriedade, por utilidade pública. Neste conceito (nada revolucionário, amplamente usado no tempo de Salazar!), as propriedades abandonadas, em ruína, são obviamente expropriáveis porque são um prejuízo e um risco, a vários títulos: é frequente haver incêndios nestes locais, que se propagam; são insalubres, fonte de contaminações de bactérias, vírus e parasitas; muitas vezes, são usadas como «caixotes de lixo». Os vizinhos dessas ruínas estão a ser obviamente prejudicados de múltiplas maneiras.

- Quem lucra com este abandono? 
Em termos de oferta e procura, se houver uma diminuição do espaço disponível, se houver menos edifícios ou zonas edificáveis no mercado, as que estão, efectivamente, à venda vão aumentar de preço ou este irá manter-se alto, devido ao efeito de escassez artificial daí decorrente. Este efeito, será tanto mais acentuado, quanto a zona for mais cobiçada, como é o caso de zonas turísticas, ou de «prestígio».
Os bancos concederam empréstimos que, numa parte grande, consistem hoje em «malparados», ou «incobráveis»: estes empréstimos, feitos em períodos de expansão do crédito, foram muitas vezes garantidos com propriedades sobre-valorizadas. Este fenómeno é corrente, devido à corrupção existente dentro das próprias instituições bancárias. 
Se um imóvel, dado como garantia, fica nas mãos de uma instituição bancária, esta pode tentar vendê-lo. Mas os bancos - em si mesmos - não estão vocacionados para «negócios imobiliários». Então, criam ou têm participações em fundos imobiliários, com múltiplas propriedades. Destas, algumas estão à venda, outras apenas mantidas «em stock». Servem como reserva de valor, o que permite à entidade financeira fazer especulação. Note-se, estamos a falar de entidades financeiras. Os activos (imobiliários) detidos em carteira, permitem-lhes alavancar, ou seja, pedir emprestado somas equivalentes a várias vezes o valor que dão como garantia. Tais negócios são habituais, no sector bancário e no imobiliário empresarial. Assim funciona grande parte dos negócios, neste país.
Finalmente, os proprietários de terrenos, vivendas, andares ou prédios,  podem - aqui, nesta terra - tratar esse capital como se fosse uma «relíquia de família», um «objecto pessoal», uma forma de «investimento passivo»: sobretudo, porque não existe qualquer penalização - na prática - se uma propriedade for deixada ao abandono. As leis, elas  existem, mas não se aplicam ou, quando se aplicam, é numa dose mínima, que não se pode coadunar com a boa gestão urbana. 
É um complexo de causas que tem a ver com o atavismo do povo, por um lado e, por outro, com a cobardia e venalidade de agentes das Autarquias e do Estado. Isto envolve muita gente; há uma espécie de «conspiração do silêncio». Não querem ser eles a tomar a medida «desagradável» de expropriar, mesmo que a boa gestão dos espaços urbanos o imponha. 
Neste cantinho da Europa, as pessoas - em vez de se indignarem com o estado em que ficaram os centros das cidades e outras zonas mais prestigiadas, em vez de atribuir isso à corrupção reinante, à incompetência, ao compadrio, à criminalidade de colarinho branco -  aceitam facilmente este estado de coisas. 

Neste contexto actual de «pré-campanha» autárquica, não apelo ao voto, seja em quem for. Apelo - sim - a que os cidadãos se unam em associações de vizinhos, examinem os casos concretos de propriedades abandonadas, que existem em todos os municípios deste país, os tornem visíveis, publiquem, falem deles e exijam que os candidatos se pronunciem. O poder autárquico, seja ele qual for, deve actuar - dentro da lei - para restituir ao espaço urbano sua função e dignidade. 
Com efeito, deixar que se mantenham vivendas, palácios, prédios, terrenos ao abandono, não é «respeitar o direito sagrado à propriedade privada»; é permitir que se faça uso abusivo de um bem privado, mas que não deixa de ter uma componente social
Se somos proprietários de um andar, um prédio, uma moradia, etc., isso não acontece no meio dum deserto! Somos donos dessa propriedade num centro urbano ou rural, numa freguesia... Mas, as infraestruturas, os acessos, os serviços, a valorização dessa mesma propriedade, são resultantes de toda uma série de bens e serviços da colectividade
Os vizinhos têm o poder de accionar os tribunais, quando os proprietários ou a autarquia deixam ao abandono propriedades, visto que isso está a afectar directamente a sua qualidade de vida.  
Se esta causa fosse para a frente, haveria mais trabalho, sendo possível restituir a utilidade social das propriedades, mediante reconstrução ou restauro, para serem transformadas em habitação, hotelaria, comércio, ou edifícios culturais; em qualquer dos casos, iriam gerar riqueza na comunidade em que se inserem. 
Se houvesse esta mudança na percepção do público em geral, o próprio poder político central teria de responder. Não poderia deixar ficar as coisas como estão.
Enquanto o despertar não ocorrer, vai-se perpetuando o grotesco e triste espectáculo no país: 
                  um país em ruína, à beira-mar plantado... 

PS 1: Uma amiga minha enviou-me e decidi incluir a reportagem de Graça Henriques neste artigo, porque vem ilustrar ao pormenor tudo aquilo que eu referia no meu artigo, «Um País Em Ruína À Beira Mar Plantado»»: 


   

terça-feira, 15 de outubro de 2019

O VALOR-FÉTICHE DO DINHEIRO-PAPEL E A RAZÃO ÚLTIMA DA SUBIDA DO OURO



         
Considero irónico que seja alguém como Egon Von Greyerz, um gestor de armazenamento de ouro de grandes fortunas, na Suiça, que nos venha mostrar de forma clara e inequívoca, no artigo «Num mundo ilusório, é o ouro que fala verdade», a inanidade do pensamento económico contemporâneo, a criminalidade dos que gerem os nossos destinos e a obscuridade em que nos deixa a media corporativa!

A realidade é a coisa mais difícil de se reconhecer, especialmente quando se tem sido toda a vida condicionado por um conjunto de crenças, alicerçadas em práticas sociais, em pseudo-ciência, em coação também; em suma... a pensar-se dentro do rebanho.
Porém, há verdades evidentes que acabam por furar a redoma de ilusão na qual é mantida a sociedade, para benefício de alguns poucos e para grave prejuízo da imensa maioria.
Uma das ficções mais persistentes que a nossa sociedade tem suportado, e que está agora a ruir, é a do valor do papel-moeda.
Com efeito, as moedas de todos os países, estão (desde há cerca de 45 anos) adossadas em nada mais que à promessa do governo respetivo que a emitiu, em reconhecer e aceitar esse papel impresso, como forma válida dos cidadãos pagarem as suas dívidas, nomeadamente ao Estado, sob forma de impostos, taxas, etc.
Estão hoje em dia à vista os malabarismos decorrentes deste extraordinário postulado, que seria extravagante, não fosse ele suportado pelos muito reais e materiais meios de coerção que os Estados possuem para obrigar os cidadãos a cumprir com as suas obrigações fiscais.

No entanto, os que estão a destruir a moeda-papel, são - nada mais, nada menos - que os próprios bancos centrais e os Estados respectivos. 
Com efeito, a impressão monetária (quer se chame QE = quantitative easing, ou outro nome) constante e em grandes quantidades, vai parar às contas da banca, supostamente «demasiado grande para ir à falência», não da economia comum, do dia-a-dia. Este dinheiro é também responsável pelo inflacionar de bolhas, sobretudo nas bolsas e no sector financeiro, embora as pessoas comuns possam notar mais isso no imobiliário, pois vai inviabilizar o seu acesso à habitação, sob forma de casa própria, ou de aluguer.

Como é evidente, o papel-moeda em si mesmo, vale - na medida e somente na medida - em que as pessoas lhe atribuem e reconheçam valor. O valor facial ou nominal de uma nota bancária não é mais do que uma unidade de contabilidade. O valor reside na capacidade ou potencialidade desse bocado de papel ser trocado por outras coisas. 
Ora, as pessoas trabalham por esses bocados de papel porque sabem que estes lhes permitem comprar os bens e serviços indispensáveis para si e para suas famílias, sem o que é evidente que não se incomodariam a trabalhar longas e penosas horas, cinco dias por semana (ou mais) para «um papel sem valor». É aqui que nasce o duplo paradoxo:
- a atribuição (universal) de valor a algo que não tem intrinsecamente nenhum; algo que pode ser fabricado a custo zero pelo Estado; o dinheiro-papel é um símbolo.
- mas símbolo de quê, da equivalência ao trabalho, directamente ou indirectamente, investido na obtenção desse tal papel colorido?
Afinal, essa era a tese de Marx, de que o dinheiro é apenas uma forma «congelada» e condensada  de capital, resultante do trabalho. Com efeito, esse tipo de relação com o dinheiro está inegavelmente presente nas sociedades contemporâneas. A imensa maioria precisa de trabalhar para obter a quantidade suficiente dessas unidades, às quais é atribuído valor (é quase magia) para aquisição de bens e serviços.
Porém, a esta forma de obter dinheiro, por transformação de trabalho em mercadoria ou serviço (a essência da economia capitalista), sobrepõe-se outra, que atingiu um volume deveras monstruoso e não tem nada que ver com a progressão das forças produtivas, com produção de mercadorias ou serviços. 
Refiro-me ao dinheiro criado «ex nihilo» pelos bancos centrais e pela banca comercial. Este dinheiro serve, directa ou indirectamente, para alimentar a especulação. 
Fortunas, baseadas nesta economia de casino, têm esta origem: a riqueza, como a matéria e a energia, não se destrói...transforma-se.
Quando vemos mansões que são autênticos palácios, iates, carros de luxo, ou grandes edifícios de grandes companhias multinacionais, muitos deles, obras de arte dos melhores arquitectos, recheadas de equipamento e decoração dispendiosos, sabemos que estes correspondem a um excedente, que não foi resultante do trabalho árduo e honesto dos proprietários (ou dos accionistas, no caso das multinacionais), mas de uma qualquer manigância ou duma soma de manigâncias, que permitiu amassar uma fortuna. 
Esta fortuna, embora tenha uma componente de exploração directa do trabalho assalariado de outrem, é - sobretudo - resultante da especulação, do acesso a empréstimos a custo zero (ou quase), aos quais certos indivíduos e empresas têm acesso, como privilégio da sua proximidade ao poder. 
A obtenção a custo zero, por uma pequeníssima oligarquia, do dinheiro «fiat» (= não tem suporte, senão a palavra do governo) constitui um fenómeno totalmente novo no capitalismo, ao qual nem Marx, nem outros depois dele (incluindo vários contemporâneos) podiam ter sequer imaginado. No século XIX a especulação existia, nas bolsas e noutros domínios da economia mas, no tempo de Marx (e mesmo bem mais tarde), era um fenómeno marginal. 
Quando Marx explicou o início dos empórios capitalistas através da ACUMULAÇÃO PRIMITIVA, sobre os despojos coloniais, não podia prever que outras e novas formas de acumulação teriam lugar, século e meio depois de sua morte! 
Hoje em dia, a acumulação de capital que permite amontoar de fortunas colossais é obtida por meios bem diferentes dos séculos passados. Hoje, trata-se simplesmente de obter dos Estados e dos respectivos bancos centrais, empréstimos de elevadas somas, com juros a praticamente zero. 
Estas benesses, porém, não estão ao alcance de qualquer pessoa, nem mesmo de capitalistas de média dimensão. Apenas as multinacionais, a grande banca, os fundos bilionários e as esferas mais próximas do poder, possuem este privilégio. 
Por exemplo, ao postular que um banco «não pode ir à  falência»... o que se está a proporcionar? 
- Que todas as apostas, mesmo as mais arriscadas e as mais idiotas, que a direcção desse banco faça, terão a cobertura do respectivo Estado: lá estará ele para «amparar», «limpar», «reparar», os estragos feitos!

Mas afinal, o Estado obtém o dinheiro dos impostos, os quais são pagos pelos cidadãos. Estes, de uma forma ou de outra, contribuíram com o seu trabalho para criar valor e foram remunerados em dinheiro. É apenas devido à ocultação de todo o esquema fraudulento,  que esse dinheiro, resultante do trabalho, vai impunemente parar às contas das empresas, da banca e dos fundos que se portaram mal... mas que o Estado - supostamente- não poderia deixar falir! É um autêntico ataque em forma, um saque, feito às pensões de reforma  e aos salários dos assalariados, levado a cabo a partir do Estado e governo, pelos dirigentes que choram lágrimas de crocodilo...
Uma media ao serviço dos poderosos encarrega-se de ocultar e baralhar os factos - insofismáveis - que emergem duma análise rigorosa das políticas económicas e financeiras.