China, maior produtor de bens industriais; Rússia, maior exportador de matérias-primas
A exigência russa de pagamento em rublos, das exportações de combustíveis (gás e petróleo) para países «não-amigos», anunciada esta semana pelo Presidente Putin, tem de ser equacionada em relação com a tomada dos ativos do Banco Central da Rússia. Lembro que esta medida dos EUA/NATO, no início de Março deste ano, foi talvez a mais extrema das sanções dos ocidentais, visto que o banco central detém reservas, que são parte integrante do património da nação russa. Acresce que, no caso vertente, os países que decretaram a operação de «congelamento» (na prática, é roubo), nem sequer estavam em guerra formalmente com a Rússia.
De qualquer maneira, a continuação das exportações de energia russa para países claramente hostis, capazes dum ato que se pode classificar de pirataria financeira, é surpreendente. Estavam reunidas as condições de «Force Majeure»: Por ter deixado de haver a mínima garantia de pagamento dos compradores, a parte vendedora tem legitimidade para interromper ou cancelar o contrato. Com efeito, a Rússia pode legitimamente recear, a partir deste momento, que os pagamentos efetuados em euros ou dólares, sejam bloqueados em contas bancárias russas nos países ocidentais, ficando sujeitos a confisco. Lembremos como os EUA arbitrariamente, há bem pouco tempo, em relação aos ativos do Banco Central do Afeganistão à guarda de bancos nova iorquinos, confiscaram metade destes, enquanto a outra metade foi destinada a «assistência humanitária» (mas não administrada pelo estado afegão).
O facto da Rússia continuar as entregas de gás à Europa, nestas circunstâncias, apenas com a condição de serem pagas em rublos, poderá ser vista como uma medida para que, no futuro, os europeus da NATO e a Rússia, possam reatar um relacionamento normal.
Quanto ao facto dos europeus serem confrontados com a obrigação de comprar rublos para adquirir o gás russo, não deveria ser visto como mais escandaloso que a obrigação (desde há meio-século!) de comprarem dólares para adquirir petróleo, vendido exclusivamente em dólares pelos sauditas e por outros no Médio-Oriente.
Note-se que esta medida - pagamentos em rublos - não foi tomada de maneira irrefletida. Aliás, ela tem consequências de longo prazo. Os dirigentes da Rússia inspiraram-se, com certeza, no acordo celebrado em 1973, entre Kissinger e o rei da Arábia Saudita, pelo qual o pagamento do petróleo saudita seria em dólares US, exclusivamente. Em compensação, era dada total proteção militar pelos americanos aos sauditas. O resultado prático nessa altura, foi a consolidação do papel internacional do dólar e o nascimento do petrodólar.
Agora a Rússia é o principal exportador de combustíveis fósseis no Mundo. A Rússia tem condições para exigir que eles sejam pagos na sua divisa, em rublos. Os russos têm apenas o controlo sobre sua moeda nacional, não podem ter a garantia de que os dólares, euros, yens, etc., depositados nas suas contas em bancos estrangeiros, não sejam confiscados. Os europeus e os americanos, mostraram-se muito pouco respeitosos da soberania doutros Estados e das normas internacionais por que se devem reger, incluindo a intangibilidade das reservas de países terceiros colocadas à sua guarda. Lembro os casos da Venezuela, Líbia, Iraque, Irão, Afeganistão: Tratou-se de confisco de bens financeiros e de ouro; medidas unilaterais e, portanto, assimiláveis a pirataria financeira.
No futuro, teremos um conjunto de trocas comerciais em divisas dos respetivos países. Já estão em vigor acordos entre a Índia e a Rússia, usando rupias e rublos, ou entre a China e a Rússia, usando yuan e rublos. Muitos outros países serão favorecidos e protegidos da ingerência dos ocidentais, se fizerem suas trocas comerciais nas respetivas divisas. A diferença de saldos nas exportações de dois países, caso exista, pode ser resolvida de várias maneiras. Uma delas, que não implica divisas de terceiros, é proceder ao ajuste com correspondentes quantias em ouro.
Se este sistema vier a consolidar-se, mais de metade da humanidade não ficará sujeita à ditadura do dólar. Este vai ficar cada vez mais confinado a circular dentro dos EUA. A sua circulação, ao nível internacional, será sobretudo com países mais próximos - politicamente - dos EUA.
O facto do rublo ser emitido por um país tão rico em matérias primas, exportador de combustíveis, de metais e de cereais, é um facto insofismável. Goste-se, ou não dos russos e do seu governo, o facto é que este país tem imensas riquezas que tem exportado para todo o Mundo.
Se uma parte do Mundo, a Europa ocidental, se nega a comprar aos russos o gás natural, será esta a sofrer. Será uma espécie de autopunição. A parceria total entre a Rússia e China faz com que aquela tenha garantido o mercado chinês de combustíveis, que, aliás, tem estado em plena expansão. Não será difícil para a Rússia, reorientar para a China as exportações de gás destinadas à Europa ocidental.
As sanções unilaterais, com o pretexto da invasão da Ucrânia, são uma grande hipocrisia e um tiro que saiu pela culatra aos EUA/NATO. Vários têm dito que a Ucrânia foi empurrada a fazer graves provocações à Rússia, sendo falsamente apoiada por «garantias» ocidentais. A invasão do Leste e Sul da Ucrânia pela Rússia, foi uma operação limitada, por decisão prévia de Putin e do governo russo. Os comentadores que não querem ver isso, que estão sempre a clamar que a Rússia falhou militarmente, estão somente a fazer propaganda, não dizem a verdade.
Esta situação vai-se desenvolver em sentido contrário ao que desejavam os EUA. Estes, desejavam criar uma armadilha, como um novo «Afeganistão», desta vez na fronteira europeia da Rússia. Mas o palco deste confronto, não está sequer limitado à Ucrânia. O palco, é o Globo inteiro.
Estão envolvidos todos os países, porque se está a dar uma mudança tectónica geoestratégica, desde as economias nacionais e regionais, às rotas comerciais, e aos abastecimentos em energia e matérias-primas. Em suma, o que está em causa é o redesenhar da configuração do Mundo.
Um comboio (de Reset) pode esconder um outro!
Estamos a assistir a um "Great Reset" e ao instalar duma "Nova Ordem Mundial". Simplesmente, este não é o Great Reset para o qual as elites de Davos trabalhavam, mas um outro Reset, que tem como protagonistas o Eixo Euro-Asiático e muitos outros países, mais virados para a cooperação com eles, do que com as potências «Ocidentais», associadas a um passado colonial e neocolonial.
PS1: Importantes decisões do Kremlin foram tomadas, em relação à conversão das divisas estrangeiras, possuídas pelos cidadãos russos. Estabeleceu o governo russo, que estas podiam ser convertidas em ouro ou outros metais preciosos ao preço corrente dos mercados. Agora estabeleceu um preço fixo de ouro a 5000 rublos por grama de ouro, valor um pouco abaixo do mercado internacional. Isto significa que um banco russo pode vender o ouro ao banco central por esse preço, é um preço de garantia. Porém, o significado disto é muito mais importante, pois está a dar uma garantia, em ouro, ao valor do rublo. O rublo poderá agora ser equivalente ao ouro, dentro da Rússia. A internacionalização virá numa fase posterior. Uma divisa garantida pelas abundantes matérias-primas e que pode ser trocada por ouro a um câmbio fixo, eis a definição da nova moeda de reserva mundial.
PS2 : Vale a pena ler na íntegra o artigo muito rigoroso e lúcido de Ellen Brown, autora célebre nos EUA. Ir para: The Coming Global Financial Revolution
PS3: Mais que um «Bretton Woods III» estamos a assistir a um total renovo das bases sobre as quais se vão processar, daqui por diante, as trocas comerciais e fluxos de capitais entre países:
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VER:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_13.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_24.html
14 comentários:
Veja uma conversa em «The Duran», num canal de Rumble, por Marcouris e Christoforu:
https://rumble.com/vzaevx-gas-for-rubles-and-a-fair-world-order.html?mref=6zof&mc=dgip3&utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=The+Duran&ep=2
Importante artigo sobre jogo de hegemonia dos EUA, por Caitlin Johnstone:
https://caitlinjohnstone.com/2022/03/31/the-us-empires-ultimate-target-is-not-russia-but-china/
O bullying e as campanhas de sanções dos USA/NATO, vistas do lado chinês.
https://www.unz.com/aanglin/zhao-says-nato-should-have-been-disbanded-in-1991/
O artigo abaixo dá uma sequência dos acontecimentos desde que a URSS se desintegrou até hoje: http://thesaker.is/sanctions-on-russia-the-limits-to-power-for-the-hegemon/
https://www.goldmoney.com/research/goldmoney-insights/edging-towards-a-gold-standard
Embora ele caia no erro de considerar que os russos estão a perder na Ucrânia, este especialista dos mercados do ouro dá uma ideia bastante rigorosa das mudanças ao nível das moedas de reserva e dos fluxos financeiros mundiais.
Importante artigo de economistas russos, publicado em RT e republicado em Zero Hedge, visto RT estar censurado/banido no ocidente:
https://www.zerohedge.com/commodities/paradigm-shift-western-media-hasnt-grasped-yet-russian-ruble-relaunched-linked-gold-and
https://www.unz.com/mhudson/us-dollar-hegemony-ended-abruptly-last-wednesday/
Michael Hudson refere que o repatriamento de ativos de bancos centrais está a acelerar-se
Entrevista a Sergey Glazyev, um conselheiro do governo russo, que vai a fundo nos aspetos desta crise, geopolíticos e económicos. Vale a pena !
http://thesaker.is/events-like-these-only-happen-once-every-century-sergey-glazyev/
Entrevista com o coronel dos EUA, na reforma, Macgregor: É muito importante compreender que a guerra agora envolve sofisticados sistemas de deteção e condução remota que tornam obsoletos conceitos anteriores de tática e estratégia bélicas.
https://www.youtube.com/watch?v=S6TLn50Jm9g&feature=youtu.be
Veja como Steve Rocco demonstra que a energia importada da Rùssia não pode ser substituída no curto prazo, para os países da UE.
https://www.youtube.com/watch?v=AIbjzubx_9Q
https://consortiumnews.com/2022/04/05/patrick-lawrence-the-us-bubble-of-pretend/
https://www.bitchute.com/video/RqMsikxnXNi7/
Bill Holter diz como Joe Biden está a conduzir o dólar para o caixote do lixo
A extensão do mal que o «Ocidente» fez a ele próprio, é avaliado já não como um tiro no pé, mas como um tiro na cabeça:
https://goldswitzerland.com/there-is-going-to-be-a-new-world-disorder/
A nov ordem mundial que está a despontar não é aquela que os imperialistas do ocidente esperavam. Afinal trata-se de uma nova distribuição das cartas, favorecendo as alianças «horizontais».
Leia: https://consortiumnews.com/2022/07/25/patrick-lawrence-21st-century-order/
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