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domingo, 8 de dezembro de 2024

MANDEVILLE E O NEOLIBERALISMO: « Públicas virtudes / vícios privados »

« As públicas virtudes alimentam-se dos vícios privados »




Este autor, Bernard Mandeville, tem sido uma espécie de «esqueleto no armário» dos neoliberais. Ele foi um prolixo autor no século XVIII, no entanto, a sua obra mais célebre é a «Fábula das Abelhas».



A sua teoria fá-lo, de certo modo, um precursor do neoliberalismo. A teoria de que as pessoas estão sobretudo mobilizadas para satisfazer os seus desejos. Ele leva o argumento ao extremo, pelo que fala de «vícios». «Os vícios privados originam as públicas virtudes». A paradoxal e provocatória tese recebe o semblante de demonstração seguinte: 

Uma meretriz, para exercer a sua profissão, tem de se vestir com roupa elegante, adornar-se com joias vistosas, para atrair o olhar dos homens e acicatar os seus desejos de luxúria, etc...  Mas, ao fazê-lo, está a dar emprego a artesãos e comerciantes, que a  vestem, ornamentam, satisfazem os seus caprichos, etc. Ou seja, o dinheiro gasto no vício, acaba por ser reciclado em sustento dos artesãos e comerciantes honestos e serve para aumentar a riqueza da nação, assim como outras atividades que ninguém hesitaria em considerar  honestas.

Adam Smith, o «pai» incontestado da economia clássica, aproveitou a ideia, mas eliminando a referência ao vício, que poderia afastar os mais moralistas. Na pena de Smith, o vício é substituído por algo aceitável por todos: O desejo de satisfazer as necessidades da vida. O interesse individual, não  só  é  compatível  com os interesses da sociedade, como a própria  sociedade tem tudo a ganhar em permitir (e proporcionar) que os indivíduos procurem satisfazer os seus desejos, pois é a partir destes, que  nasce a procura para uma infinidade de mercadorias e assim se estimulam a indústria e o comércio e se enriquece a nação.

Mas, o argumento foi "esticado" pelos neoliberais, ao ponto de se transformar na falácia do «trickle-down economics», ou seja, "o escorrer da riqueza dos muito ricos para as classes mais modestas, através  de toda a espécie de despesas que os primeiros efetuam".   

Esta forma de defender os privilégios e as assimetrias de riqueza seria apenas ridícula em si mesma, não fosse ela ser assumida por inúmeros políticos neoliberais, até  aos dias de hoje. 

O neoliberalismo foi o "cavalo de batalha" de Milton Friedman e da Escola de Chicago. O neoliberalismo recupera a tal "evidência" de Mandeville. É com base em tal «argumento», que justifica as suas propostas de aliviar os impostos aos mais ricos,  promovendo-os a benfeitores da sociedade. Porém, não se ficaram pela falácia intelectual, pois as doutrinas neoliberais por eles desenvolvidas, serviram para justificar e pôr em prática as políticas mais retrógradas: Vejam-se os seus efeitos no Chile de Pinochet (aconselhado pelos economistas da Escola de Chicago) e nas economias mais frágeis do Terceiro  Mundo. 

O mercado foi deificado, como se fosse "Deus ex maquina",  acabando por realizar o milagre de alocar o "preço justo", pondo de acordo os atores deste mercado. Na verdade, a imagem metafórica da "mão invisível do mercado", utilizada por Adam Smith, foi tomada «ao pé da letra», deixando de ser considerada mera figura de retórica, para assumir papel propriamente divino de conciliar compradores e vendedores: Eis o tal "Livre Mercado"... "livre", porque os intervenientes  não foram forçados por nada nem ninguém (em teoria), a comprar ou vender por um determinado valor...

O público e sucessivas gerações  de estudantes das faculdades de Economia, nos países  mais diversos, são doutrinados com "teorias científicas" deste quilate, que pretendem justificar a manutenção da exploração  e privilégios como se fossem "forças da natureza", às quais não faria qualquer sentido nos opormos.

 MANDEVILLE não poderia imaginar que a sua construção teórica arrojada e escandalosa em sua época, iria ser inspiração para o chamado "neoliberalismo". Este, devia antes ser reconhecido e designado como a "Teoria justificativa do egoísmo  e ganância dos ricos".


terça-feira, 3 de setembro de 2024

O IMPÉRIO BRITÂNICO, COMO SE TORNOU IRRELEVANTE?


Neste documentário são citados entre os fatores importantes de declínio, 
- a opção pós 2ª Guerra Mundial de continuar a fazer uma política de grande potência, gastando nas forças armadas demasiado para suas capacidades; 
- a política de Margaret Thatcher, que acelerou a desindustrialização do Reino Unido; 
- e que não soube aproveitar de forma inteligente o petróleo no Mar do Norte (ao contrário do que fizeram os noruegueses); 
- a transformação em economia de serviços, ficando as Ilhas Britânicas fortemente dependentes da importação de mercadorias agrícolas e industriais. 

sábado, 21 de janeiro de 2023

FUNDAMENTO REAL DA ECONOMIA (entrevistas com prof. Anwar Shaikh)


O que há de verdadeiramente interessante neste economista, que começou por estudar engenharia aeronáutica, é sua aderência ao real. Os modelos têm sido a tentação de muitos economistas das várias escolas de pensamento. Este não despreza a Matemática, mas redu-la a instrumento auxiliar.

Vale a pena conhecer o pensamento de Anwar Shaikh, Professor de economia na New School. Neste vídeo expõe a sua abordagem dos clássicos  e como ao nível micro-económico, usa a questão da lucratividade (profitability) para compreender a economia. Expõe as suas ideias no livro «Capitalism: Competition, Conflict, Crises»


Numa entrevista mais antiga (ver abaixo), feita há pelo menos seis anos, expõe aspetos teóricos e explica como na sua abordagem da realidade económica, considera os fenómenos como sendo - essencialmente - estocásticos. Parece-me que é bastante original e diverge do pensamento «mainstream». 



segunda-feira, 14 de novembro de 2022

INTELIGÊNCIA SEM SABEDORIA É CAUSA DE MUITA DESGRAÇA

 - O mercado de «criptomoedas» é frequentado por pessoas inteligentes e, geralmente, jovens: Duas razões para esperar delas que não se deixem enganar pelas «sereias» do mercado, que não sejam «engolidas pelas baleias» e que saibam precaver-se quando ocorre um sinal de perigo, como  a retirada de grandes atores institucionais (grandes bancos, etc). Mas, nada disso aconteceu; nem num primeiro abanão, em Junho de 2022 quando Celsius foi implodido, nem agora, a vez de FTX (1, 2). Leiam o patético artigo de «SCHIFFGOLD», AQUI.

- A maneira como são tratados os veteranos, que regressam das guerras do Império, Afeganistão, Iraque, e outras, é revoltante. São considerados inimigos internos, têm direito a um programa especial do Department of Homeland Security (DHS) chamado «Águia Vigilante», que se dedica a detetar as tendências «radicais» na população de veteranos. Igualmente, o departamento de saúde das Forças Armadas dos EUA (HARPA) tem  caraterizado os veteranos que se insurgem contra a política de supressão sistemática das liberdades nos EUA, como sendo doentes mentais. Assim, estes são tratados exatamente como na URSS de Brejnev eram tratados os dissidentes: Como doentes mentais, carecendo de internamento psiquiátrico. Veja AQUI, é alucinante.


- A guerra direta do Império com as duas maiores potências rivais, Rússia e China, está demasiado próxima, para não fazer tremer alguém que tenha um mínimo de consciência. Mas, isso não faz baixar a retórica agressiva dos belicistas que enxameiam os sites da Internet com propaganda anti-Russa e anti-Chinesa, 24/24 horas, construindo narrativas completamente delirantes mas que têm um traço comum: A incapacidade de auto-corrigirem, de desmentirem e de pedirem desculpa, quando as suas «notícias» se revelam falsas. Uma voz sensata, dum militar americano na reserva, dá um tom completamente diferente, VEJA.

- Pode-se multiplicar os exemplos, como a continuação da falsa pandemia, sob pretextos diversos e consequente continuação da vacinação de crianças e de jovens. Mesmo que já não seja decretada como obrigatória, não é interdita, apesar da comprovada letalidade causada por «vacinas» que, na realidade, afinal são a injeção dum agente de clonagem nas células humanas... 

- Ou, também referir o efeito de atração de Davos, nas elites do dinheiro e do poder: Afinal, a substância deste Fórum, dito Económico, é apenas de fazer avançar uma agenda malthusiana, eugenista, que será repudiada pelos povos, mesmo os das nações dominantes na cena mundial, assim que compreenderem a extensão e gravidade das conspirações (verdadeiras, não «teorias») que são congeminadas contra eles. 

- Quase não se fala do Haiti, um dos mais pobres países do globo, pela enésima vez invadido pelos «valentes» USA

- Nem das consequências do boicote e interdição da circulação pelos ocidentais, dos navios mercantes russos, com alimentos (cereais, principalmente), destinados ao Terceiro-Mundo, apesar dos russos terem feito a sua parte do acordo estabelecido com Kiev, sob auspícios da ONU, deixando que os carregamentos de cereais ucranianos passassem num corredor, ao largo de Odessa. Só que estes carregamentos foram parar à Turquia, a países da U.E. (Espanha, França, etc) e praticamente nada aos que mais estão a necessitar, como o Iémen e os países do Sahel.

- Em consequência, todas estas práticas, que vão desde «investir» em especulações, destinadas somente a enriquecer uns poucos, até à deliberada política de impedir o abastecimento de alimentos essenciais aos países mais pobres do Terceiro Mundo, passando pela continuação das políticas de incitamento à guerra, de fomentar a guerra e a compra massiva de armamento e a sua distribuição, para avivar uma guerra sem fim, mostram que os países ocidentais estão coletivamente a cavar a sua própria sepultura. 

O seu poder é efémero, pois não é baseado em necessidades dos próprios povos, mas destina-se somente a manter o privilégio de uma ínfima minoria, dos oligarcas. Isso é feito por governos que trabalham contra os interesses dos seus próprios povos e onde a media corporativa tem papel de relevo, tendo deixado de informar, para se dedicar a fazer lavagem ao cérebro dos seus auditores, espectadores e leitores. 

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(1) Parece que o escândalo de FTX está relacionado com os biliões dados, à Ucrânia, ao país mais corrupto da Europa. 

Veja: https://www.youtube.com/watch?v=od1Q68AJRM8

(2) Hoje, dia 16 de Novembro, pude ler o excelente artigo de Craig Murray. Entre muitas coisas interessantes, refere que «Bankman-Fried [o dono de FTX] doou $37 milhões ao Partido Democrata para as eleições de 2022. Cada cêntimo deste dinheiro foi originado por fraude aos investidores de FTX. A esta soma, deve-se acrescentar os $5 milhões dados à campanha de Biden em 2020. FTX, claro, entrou em bancarrota instantaneamente depois destas "mid-term elections",  um timing interessante.» 

Qualquer indivíduo com alguns neurónios funcionais compreende que este escândalo é indício seguro da criminalidade e total corrupção da classe política (neste caso, americana), nos mais elevados escalões.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

A MELHOR RESPOSTA NO LONGO PRAZO À VOLATILIDADE DOS MERCADOS

POR QUE RAZÃO OS ARAUTOS DO SISTEMA FAZEM TUDO PARA DESVIAR AS PESSOAS DA PROTEÇÃO MAIS ÓBVIA  PERANTE A GRAVE CRISE ECONÓMICA

https://www.mining.com/web/hungary-triples-gold-reserves-as-central-banks-turn-buyers-again/

 À medida que entramos mais profundamente numa zona de turbulência acrescida, na economia e finança mundiais, também as relações entre os ativos de diversa natureza estão a revelar-se mais instáveis. Os índices de volatilidade refletem as incertezas nos mercados e - embora no longo prazo - estes possam achar um novo equilíbrio, nas fases de transição, costuma haver substanciais ganhos e perdas. Como sabemos, nos mercados financeiros, as perdas de uns, são os ganhos de outros, e vice-versa.  A minha previsão é que haverá um considerável número de pessoas que apostaram, ou irão apostar, na economia de casino, nos mercados bolsistas, e terão sua atenção desviada das matérias-primas, dos metais preciosos, em particular.

Ao longo dos anos, o ouro e a prata têm sofrido uma constante supressão (pelos bancos sistémicos, os bancos centrais e os governos ocidentais) destinada a desviar o grande público desses investimentos.  É o que vou tentar explicar neste artigo.

O ouro e a prata têm os seus preços determinados em grande parte, não pelo mercado físico (ouro e prata físicos), mas pelo mercado de «futuros», de «papel». Neste, pode-se apostar num valor futuro de quilo ou onça de ouro ou outro metal precioso, sem que se tenha jamais de concretizar a transação, comprando ou vendendo o referido metal físico. Claro que este mecanismo permite que sejam transacionadas quantias enormes, mas que não têm correspondência física. Uma exceção a esta situação é a do mercado de matérias-primas (incluindo os metais preciosos) de Xangai, onde as quantias transacionadas são reais, não são meras «promessas» de compra e de venda porque todos os contratos-promessa têm de ter subjacente a respetiva quantidade de metal. 

Na economia especulativa, financeirizada, o ouro é por vezes designado como valor refúgio, mas no sentido de se investir em ouro-papel, como alternativa a deter-se «dinheiro-cash». Nos mercados do Oriente, pelo contrário, o ouro e a prata nunca deixaram de ser dinheiro, ou seja, metais cuja posse equivale -essencialmente - a dinheiro. Para termos uma noção de como as divisas (que são chamadas impropriamente «dinheiro») se desvalorizam em relação ao ouro, basta referir que uma moeda de ouro, contendo uma onça troy de ouro puro, tinha o valor de vinte dólares US, em 1913. Nessa altura, com essa moeda, ou com uma nota de banco neste valor (20 dólares US), podia-se comprar um fato de qualidade e nos bons alfaiates, em Nova Iorque. Quem tenha essa moeda de uma onça de ouro, que agora ronda os 1800 USD, poderá comprar  um bom fato, na mesma. Mas, não seria o caso de alguém que só tivesse guardado 20 USD em nota-bancária. A nota de 20 dólares daria para comprar, quanto muito, umas peúgas ! Claro que a relação é ligeiramente diferente para outros itens de consumo, ou para itens industriais mas, no global, estima-se que (em média) o «dinheiro-papel» perdeu desde 1913 97% do seu poder aquisitivo. O ouro conservou, em termos gerais, o seu poder aquisitivo.

Quando uma aposta em ouro-papel é perdida, ou seja, quando a aposta vai no sentido contrário do mercado, a pessoa que a fez perde uma percentagem do dinheiro investido, pois tem de vender ou comprar a um preço desfavorável... Muitas vezes, essas quantias são avultadas e os especuladores têm de obter dinheiro de outros investimentos, ou pedir empréstimo para cobrir a perda, com uma tal aposta «a descoberto». Se alguém fizer uma venda a descoberto e se houver um comprador, ela terá de comprar a quantia equivalente de ouro a outro agente, ou dar o dinheiro correspondente para indemnizar esse comprador. Nas bolsas de matérias-primas ocidentais, onde funcionam os mercados de futuros, como o COMEX (Chicago) ou LBMA (Londres), é vulgar, dum dia, transacionar-se em contratos de futuros o equivalente da produção anual mundial de ouro ou de prata. É evidente que, na realidade, aquilo que é transacionado são contratos-de-futuros, ouro-papel, ou prata-papel, que especificam quantas onças (500 ou 1000 onças, por exemplo) de metal  estarão disponíveis para entrega, pelo valor de X dólares, num dado prazo (por exemplo, dentro de 2 meses). Nestas bolsas, só algumas entidades têm acesso ao ouro e prata físicos, um punhado de grandes bancos, que negoceiam com grandes clientes e armazenam esse ouro nos seus cofres. Quanto aos outros, terão de se contentar com dólares, no valor equivalente ao preço estipulado. Muitos não estão sequer interessados em tomar posse do metal físico, contentam-se em receber a diferença de preço, caso tenham acertado na aposta. As quantias transacionadas nestes mercados são centenas de vezes superiores aos metais preciosos efetivamente depositados nas mesmas bolsas. Compreende-se que, nestas circunstâncias, seja fácil para grandes bancos e fundos financeiros, fazerem operações de venda a descoberto (isto é, sem possuir o metal físico estipulado nos contratos), emitindo grande número de contratos. Com esse instrumento de manipulação e com a «miopia induzida» das entidades reguladoras desses mercados, é notório que só raramente são apanhados em fraude. Recentemente, empregados da J P Morgan e também o próprio banco, foram condenados por manipulações do mercado do ouro. Este e outros bancos, têm sido multados por manipulações do ouro e da prata. Os valores das coimas, que parecem somas enormes, são inócuas para eles: Em poucos dias, têm mais lucro do que o montante das multas. Ou seja, há um discreto incentivo para continuar a fazer fraude, tanto mais que um público não esclarecido pensa que só grandes capitalistas ficarão prejudicados com tais manipulações do preço do ouro.

Numa economia em que exista o padrão-ouro, os governos ou bancos centrais não poderão manipular a moeda, visto que a quantidade de ouro que possuem nos cofres dos bancos centrais respectivos não pode ser aumentada a seu bel-prazer. Então, todos os governos que sustentam a especulação desenfreada e os seus agentes corruptos, incluindo os académicos, vão dizer que o ouro é uma «relíquia do passado», que retira muita flexibilidade à gestão económica e financeira, etc. Enfim, é certo que os défices monstruosos, quer nos orçamentos de Estado, quer nas balanças comerciais, serão muito menos prováveis, com um padrão-ouro. Esta é uma das razões porque, entre a derrota de Napoleão em Waterloo e o início da Iª Guerra Mundial, houve 99 anos de desenvolvimento capitalista, com alguns solavancos, mas sem crises comparáveis às crises vividas ao longo dos séculos XX e XXI: 1929, 1971, 1987, 2000, 2008 ... ou 2022! 

Pessoalmente, sou contrário a que uma moeda nacional sirva como «moeda de reserva mundial», porque o país detentor desse privilégio irá - com certeza - abusar dele ao fim de algum tempo, de uma ou doutra forma. Na era do 100% eletrónico, uma operação de câmbio duma para outra moeda é feita instantaneamente, não é complicado. Nem é mais complicado fazer o cálculo do câmbio duma quantia de Rupias para Euros (por exemplo), do que de Euros para Dólares US. Então, que interesse tem uma moeda de reserva? Para medir os preços e compará-los, temos a melhor «moeda de reserva» imaginável, que é o ouro! O ouro é um elemento químico; não é pertença de nenhum Estado (ao contrário de uma moeda). A sua falsificação é fácil de detectar. Podemos referir o preço de qualquer item em termos de ouro. Por exemplo, um objeto que custa 200 euros, traduz-se em 3.72 gr. de ouro puro (à cotação de hoje, 20/07/2022). A conversão de uma soma numa divisa, para gramas ou onças de ouro, é tão fácil como para outra divisa. O ouro é aceite em todas as economias, sendo transacionado com cotações diárias iguais ou muito próximas: Em Londres, Madrid, Moscovo, Xangai, Nova Iorque, Tóquio, ou em qualquer outra parte do mundo. Por isso, este padrão- ouro seria muito conveniente para o comércio internacional; permitiria que as mercadorias fossem avaliadas e transacionadas com preços mais justos. Ninguém poderá, a seu bel prazer, de repente, duplicar a extração, purificação e refinação  do ouro: Isso envolveria muito trabalho, muita energia; por isso mesmo, o ouro é muito estável. Mas, com uns meros «clicks», os funcionários dos bancos centrais podem aumentar para o dobro (ou mais) a quantidade total em circulação duma divisa, como temos visto ultimamente. 

Muitas pessoas dizem...  «O ouro não serve para nada, é perfeitamente inútil, só dá despesa». Eu pregunto-lhes: «E o papel-moeda, serve para algo mais, além de troca e pagamento, algo mais que o ouro? O ouro tem algumas aplicações industriais e em joalharia; que eu saiba, o papel-moeda não tem.»

- «Mas o ouro consome energia e custos para o manter...». «Sim, é verdade, mas também os seguranças armados guardam cofres-fortes que contenham apenas notas em papel; estas também são transportadas em veículos blindados, etc.» 

-«Mas não haveria bastante ouro para atender às necessidades da economia mundial». «O ouro é um metal-monetário; isso significa que o ser humano atribui um valor ARBITRÁRIO a determinada quantidade de metal (kg, onça, etc.). Se a onça de ouro, agora, equivale a 1800 dólares US, ela está muito desvalorizada, em relação à quantidade total de papel-moeda, devida à impressão eletrónica, nestes últimos tempos. A dívida mundial total atinge, segundo estimativas, mais de 300 triliões de dólares, soma difícil de imaginar, para quem  não está habituado a lidar com números astronómicos!!!

Com certeza que o padrão-ouro não é a panaceia! Mas, curiosamente, há uma grande coincidência entre  os mais acérrimos defensores do sistema, os ditos neoliberais e os inimigos de qualquer mudança para um padrão tangível (e o ouro será sempre o mais conveniente, por razões que não irei referir, aqui). Curiosamente, também, advogam uma moeda- padrão digital obrigatória, que irá submeter qualquer pessoa ao escrutínio dos bancos, bancos centrais e governos. Com as «moedas digitais» emitidas pelos bancos centrais, é o fim da privacidade, da autonomia e da liberdade : Alguém que seja punitivamente desligado do seu «porta-moedas digital», ficará num estado de morte económica. Muito dificilmente poderá subsistir. Este é o futuro que se reservam, a si próprios, os tais «liberais»: Eles terão o poder de decidir quem tem acesso, ou não, ao seu próprio porta-moedas digital. Por outras palavras; terão o poder de decidir sobre as nossas vidas! O 100% digital em mãos dos bancos centrais retira qualquer liberdade aos cidadãos. Afinal, estes tais «neoliberais», deveriam ser designados antes por «neototalitários», ou  algo semelhante. 


terça-feira, 19 de abril de 2022

QUEM CONTROLA QUEM?



Quem costuma prestar atenção aos discursos políticos, ideológicos e mediáticos dominantes, sabe que nestas esferas se manufaturou - desde há longa data - um consenso: A democracia é um sistema que está inerentemente associado com a «liberdade» dos mercados, sendo uma heresia, sob o ponto de vista económico, mas político também, querer «regular» os mercados. Isso (regular os mercados) seria a marca das ideologias mais ou menos autoritárias, pondo dentro do mesmo saco os fascismos, incluindo o nazismo, as regulações social-democráticas ocorridas  após IIª Guerra Mundial no Ocidente e todos os socialismos autoritários, desde a União Soviética, os diversos regimes «comunistas», em vários continentes, até à China contemporânea, um híbrido de capitalismo/comunismo.
Esta visão do mundo, propriamente ideológica, é reafirmada por um montão de discursos, que confluem para afirmar essa tal inevitabilidade: ir contra a «liberdade» dos mercados, é estar a fragilizar - também - a liberdade política e a ordem social liberal.
Note-se que este discurso é apenas uma atualização dos ataques no século XIX, contra as correntes sociais e socialistas (o que incluía marxistas e fortes correntes anarquistas). Nesta fase, o capitalismo industrial triunfante parecia efetivamente ser um modo de produção cuja maior eficácia e produtividade eram inegáveis. Eram comuns os argumentos de que o capitalismo «não se dá bem» com ditaduras, que uma economia capitalista não se concebe sem concorrência e que a concorrência implica liberdade dos indivíduos, uma imprensa livre, etc., etc.
De facto, nas suas linhas fundamentais, os argumentos permanecem os mesmos. Porém, o próprio capitalismo não só envelheceu, como também se transformou, de tal modo que se pode legitimamente perguntar se algo do «livre mercado», ou se algo dum genuíno liberalismo, tanto económico como político, permanece nos países tidos como guardiães dos mercados livres e da democracia liberal. Estes, são os países «ocidentais», um conceito político, pois inclui países como o Japão, a Coreia do Sul, ou a Austrália, que não são geograficamente «ocidentais».
Curiosamente, as esquerdas liberais ou libertárias,  parlamentares ou extra- parlamentares, têm feito a mesma apologia dos mesmos «valores», apenas desejando a «limitação» dos grupos económicos muito grandes, apenas porque são muito grandes, deixando o resto na mesma. Quanto à sua formal e retórica aversão aos monopólios, tem origem em slogans dos anos 60 e 70, onde ainda havia um segmento significativo das esquerdas «ocidentais» que eram realmente anti- capitalistas, que punham em lugar central a luta de classes e a luta anti-imperialista. O que se vê, hoje, na «esquerda» é que as pessoas bem podem conservar uma auto- imagem «anti- capitalista», mas (infelizmente), a meu ver, ela não corresponde à realidade.
De resto, a «liberdade dos mercados» carece de qualquer razão profunda para se lutar por ela, não pode ser considerada um valor em si mesmo, a não ser que se ache justificado que a Grã-Bretanha tenha, em nome da liberdade de comércio, imposto o ópio e as guerras do ópio ao império da China, como se fosse direito inalienável do império Britânico, vender as mercadorias que quisesse, aonde quisesse e a quem quisesse. 
Pessoas que se dizem liberais hoje acham  frequentemente, que o capitalismo está a ser plenamente falseado pela existência dum ordenado mínimo, o qual impediria o mercado laboral de funcionar «em plena liberdade» e que os trabalhadores aceitem voluntariamente (sic!) trabalhar por salário abaixo do tal mínimo. O salário mínimo é acusado de falsear a concorrência, devido aos «pobres capitalistas ocidentais» serem confrontados com a produção a menor custo, noutras paragens, com salários mais baixos. Tudo isto são falácias, fáceis de desmontar!
Podia-se escrever um longo capítulo de exemplos, desses tais «valores neoliberais» contemporâneos. Penso que o leitor poderá facilmente perceber aonde quero chegar, mesmo sem multiplicar os exemplos: Trata-se de um exercício de hipocrisia, que mascara um racismo classista, vindo diretamente do setor capitalista mais reacionário e anti-humanista.
Esta corrente, tem hoje em dia um renovo: O neomalthusianismo é a ideologia que subjaz um complexo ideológico. Ouvem-se nomes diferentes como o transumanismo, o keynesianismo, o militarismo, mas eles são somente, afinal, «parágrafos diferentes do mesmo credo». Esta corrente floresce graças aos muito ricos e poderosos bilionários, que se colocam como patronos ou benfeitores «humanitários» e «aconselham» governos e outros, servindo-se de «fórums», como o de Davos, controlando quer a «media de massas» tradicional, quer os novos instrumentos mediáticos da Internet (Twitter, Facebook, Google, etc...) .
O nível extremo deste poder de controlo revela-se nas instâncias internacionais. Elas não deveriam estar submetidas à pressão de financiadores privados, como acontece no caso da OMS. É conhecido que o financiamento maior da OMS provém da Fundação Bill Gates, sendo também muito grande a contribuição das grandes farmacêuticas. A OMS deveria escapar a tal sujeição, funcionar apenas como agência da ONU, tendo só contribuições dos diversos países membros.
Quando interesses privados, de um modo insidioso, com a colaboração de Estados, se imiscuem na gestão de aspetos da vida que deveriam ser públicos, obtém-se uma rede de interesses muito fortes, as chamadas «parcerias público-privadas». Estas, nada mais são do que estruturas para impor um regime de monopólio em setores inteiros da economia, portanto, a negação total da «livre concorrência». Pense-se em Portugal: No setor energético (EDP, GALP, GDP etc.), no setor das autoestradas (BRISA), no setor das comunicações e media (NÓS, MEO, jornais de grande tiragem e grupos de imprensa, além de copropriedade com o Estado, vivem de subsídios estatais), nas empresas de transportes (a TAP e muitas outras). Na educação, as universidades «privadas» são, na verdade, parcerias com o Estado, tal como os colégios (da primeira infância, ao fim do secundário), viáveis somente devido aos constantes subsídios e ajudas diversas do Estado.
As parcerias público- privadas, tão do agrado da classe capitalista, como da corrompida classe política, são - nada mais, nada menos - que monopólios de renda, para os interesses capitalistas privados. O Estado fica - de facto - como garante da viabilidade económica destas estruturas. O apoio que ele (Estado) presta, pode ser direto: Como foi o caso, para salvar bancos privados, como o BES e outros. Em Portugal, os contribuintes, defraudados pelo Estado que governa «em nome deles», são quem desembolsa os milhões para cobrir as perdas dum banco americano («Lone Star»), que adquiriu, em condições de privilégio inéditas, o «Novo Banco» resultante do falido BES (Banco Espírito Santo).
Aquilo que se observa em Portugal é igual, em mais grotesco, ao que ocorre em países mais fortes, como os EUA, a Alemanha, a França, etc...
Estas relações são de tipo ternário:
- O Estado faz reféns os cidadãos, obrigando-os a contribuir com seus rendimentos (o imposto sobre rendimentos), com contribuições obrigatórias (para segurança social, etc.) e com os impostos diretos (IVA, etc.).
- As grandes empresas conseguem dominar o mercado, um domínio em monopólio ou oligopólio (duas ou três empresas num setor, «ditas concorrentes»). Isto é obtido mediante toda a panóplia de instrumentos e táticas, que incluem a absorção de concorrentes mais fracos, a exclusão dos potenciais concorrentes, incluindo a sua sabotagem, a utilização de conivências instaladas no aparelho de Estado, etc.
- As empresas monopólios ou oligopólios, estabelecem com o Estado, diretamente ou através de empresas e instituições estatais, acordos de parceria. Estes, além de reforçarem as suas posições de mercado, dão-lhes acesso a fonte de financiamento seguro, à garantia de salvamento, mesmo perante erros da gestão empresarial, etc.
Pode-se dizer que estas parcerias reúnem todas as vantagens dos sistemas privados e todas as dos públicos mas, para maior vantagem dos privados, sobre as estruturas públicas. Com efeito:
Podem exercer a sua atividade, seguindo apenas as regras do mercado; podem ser cotadas em bolsa; podem negociar acordos salariais e outros dentro da empresa; não estão sujeitas a seguir critérios definidos pelo governo, seja para promoções ou concursos externos de pessoal, como nas empresas públicas; podem sobretudo distribuir os lucros obtidos pela empresa, entre os acionistas e membros de topo da gestão.
Mas, têm as vantagens dum investimento público, como: A possibilidade do Estado investir diretamente com dinheiro público, ou com dívida pública (que os contribuintes terão de pagar futuramente); têm a garantia do Estado para qualquer empréstimo que façam; têm acesso às redes de influência e de poder, sobretudo. Esta simbiose permite-lhes estar por dentro do poder político qualquer que ele seja, sem parecer.

Geralmente, os media estão cheios de notícias que desencadeiam um reflexo «visceral» nos seus leitores/auditores: esta gestão das emoções é monitorizada cientificamente, por cientistas comportamentais, psicólogos, sociólogos, antropólogos, etc. «que venderam a alma ao diabo».
Não são os únicos, pois nas universidades, em particular, abunda esta espécie, que se reveste dos louros académicos para viver como parasita da democracia. Estas pessoas são compradas, ou melhor, são apropriadas. Estamos a falar do funcionamento de instituições com potencial para influir na opinião pública, tais como a media de massas, o ensino superior, os corpos de elite do Estado, as instituições de investigação (estatais ou privadas).
É impossível alguém não-conforme com a ortodoxia permanecer nestas instituições durante muito tempo, pois seria marginalizado e finalmente expulso, se levantasse frequentemente a voz para afirmar algo desagradável aos seus patrões. Também, não há grandes hipóteses de tal vir a ocorrer, pois os candidatos são sujeitos a uma seleção que privilegia a conformidade, em detrimento da criatividade e originalidade. No processo de seleção, uma pessoa que sai fora dos cânones aceites e desejados, até  poderá ser dotada de inteligência e  capacidade criativa acima dos outros concorrentes. Mas, os que selecionam os candidatos não vão selecionar essa tal pessoa, porque têm de escolher alguém que «encaixe» no perfil traçado.

No conjunto, as sociedades ditas de «democracia ocidental» vivem numa espécie de teatro ou de simulação permanente. Ai de quem se atreva a dizer «o rei vai nu!»
As circunstâncias delineadas nos parágrafos acima, não são as únicas em que ocorre uma ficção de «concorrência». Todo o conjunto da sociedade é atravessado pela mesma corrução intrínseca, pela mesma hipocrisia institucionalizada, pela supressão dos mecanismos de controlo popular. É preciso compreender que o poder sobre os indivíduos, implica um controlo, mandar nas pessoas, forçá-las a conformarem-se com as normas (sobretudo, as não escritas) e, por estes meios, manter as hierarquias de poder em todo o tecido social, sem as quais (segundo eles) a sociedade dita «civilizada» não poderia subsistir. Sem hierarquia, tudo cairia no caos, na anarquia. 
De facto, a «civilização» deles, é realmente sinónimo de violência e de caos, sobre os pobres, os destituídos, os excluídos. O «socialismo para a elite e escravatura do capital para os servos», é o verdadeiro mote da sociedade que eles querem implantar (Great Reset), conservando apenas a retórica da «democracia liberal». Mas, isto nunca é patente, antes é sempre ocultado pelo poder!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

SEM MERCADOS FUNCIONAIS NÃO HÁ CAPITALISMO // O OURO COMO VALOR-REFÚGIO

As economias capitalistas são também designadas pela expressão «economias de mercado». Ora, para que tal tipo de economia funcione de acordo com os pressupostos do capitalismo, é necessário que os mercados estejam a preencher a função centralíssima que lhes é atribuída. A função em causa, é a descoberta do preço das mercadorias ou serviços, pelos próprios mecanismos do mercado. Ou seja, quando existe muita procura de qualquer coisa, vai haver uma subida do preço visto que haverá mais compradores dessa coisa (mercadoria, ativo financeiro, matéria prima, etc.) e esse maior número não poderá ser instantaneamente compensado pelo aumento de produção desse bem, haverá uma escassez relativa no mercado em relação às necessidades. O inverso se passa quando existe um excesso de oferta dessa mercadoria ou ativo financeiro em relação aos compradores. 
Neste sistema, todo ele virado para o lucro, também a taxa de juro - ou seja - o rendimento de um bem ou ativo, é crítico para entusiasmar ou - pelo contrário - desencorajar, os potenciais compradores. Para o cômputo da rentabilidade, é decisiva a taxa de juro real - ou seja - descontando a taxa de inflação. Se a taxa de inflação for de 6%, o ativo que dê um juro de 4% tem, na realidade, rendimento negativo de 2%.
No caso das obrigações, veículos de investimento financeiro com enorme peso global (maior que o peso global das ações), tem-se assistido - nos últimos 40 anos - a grande descida, indo mesmo, nos tempos mais recentes, para território negativo. Ora, em boa lógica, tal não deveria ocorrer: é insólito investidores estarem dispostos a perder dinheiro, quando investem numa obrigação. Mais; eles sabem que esta irá dar-lhes uma «remuneração» consistentemente abaixo do valor da inflação. Isto, mesmo fazendo o cálculo com a taxa de inflação das estatísticas governamentais, que têm estado muito manipuladas, no sentido de subestimar a inflação real.
Se virmos este fenómeno, que ocorre nas obrigações soberanas de várias maturidades, em países ocidentais muito diversos, chegamos a uma conclusão paradoxal: Ou os investidores deixaram de procurar obter lucro (hipótese absurda), ou estamos perante uma forte distorção dos mercados. Mas, sendo este último caso, não podemos dizer que a economia funciona numa modalidade «de mercado». É fatal constatar que não existe um verdadeiro mercado. Por outras palavras, atores muito poderosos falseiam o jogo, mantendo os juros artificialmente baixos.
Nós sabemos que esses atores existem e que são realmente poderosos: São os bancos centrais das principais economias capitalistas, que aliás arrastam consigo bancos centrais de outros países, menos ricos. Eles obrigam o mercado a aceitar valores de juros da ordem de 1% para as obrigações soberanas, o que significa que quaisquer compradores irão certamente perder muito do investimento, em termos de valor real. Podem ser perdas da ordem de 10% .
Mas como é que os bancos centrais conseguem isso?
- Simples; os bancos comerciais, as instituições de segurança social, as companhias de seguros, etc... têm exigências estatutárias em manter uma certa percentagem das suas carteiras de títulos em ativos financeiros considerados «seguros». Por definição, as obrigações e papéis emitidos pelos Tesouros dos Estados, são considerados mais seguros que quaisquer outros ativos financeiros, mesmo que isso não seja verdade. Qualquer banco comercial, companhia de seguros, etc., terá que se conformar com as regras para poder operar.
O montante dos juros está na proporção inversa do preço da obrigação: Isto significa que as obrigações de juro mais baixo são as melhores. De facto, uma entidade emissora (um Estado, ou uma empresa) pode ter compradores para as suas obrigações, apesar delas terem um juro mais baixo, quanto mais segurança e maiores garantias lhes fornecer. São estas as obrigações mais desejáveis, porque envolvem menos riscos. As obrigações com comprador mais incerto, terão de oferecer maior juro, para superar a hesitação de eventuais compradores.
A intervenção dos bancos centrais nos mercados, com a compra massiva de obrigações e de hipotecas colateralizadas, institucionalizou-se a partir de 2009. Agora, também se verifica em relação às ações e derivados. Isto faz com que não haja qualquer realismo na atribuição do preço destes ativos financeiros, ou dos juros associados. Esta distorção tem repercussão óbvia nos mercados financeiros em geral, desde as taxas dos depósitos a prazo, até às taxas de juro para empréstimos diversos (investimento das empresas, habitação, automóvel, consumos, etc.). Isto vai afetar as pessoas, a sua economia concreta, do dia-a-dia.
É o custo do dinheiro que está a ser manipulado, quando intencionalmente se distorcem os juros destes ativos financeiros. Ora, isto subverte completamente a economia dita de «mercado livre», visto que os mercados de capitais e de crédito são os mais importantes.
A economia capitalista típica fica «emperrada», perde a sua eficácia e agilidade: Por exemplo, há enorme dificuldade em fazer estimativas para um investimento, que não seja a muito curto prazo. As alocações de capital aventureiras, ou mesmo «estúpidas», multiplicam-se neste ambiente, de juros historicamente baixos. Isto quer dizer que há - nestas condições - uma maior tendência a aplicar mal, ou menos bem, o capital pelas empresas. É previsível que, perante tanto capital mal investido e perante uma crise, uma quantidade grande de empresas e de negócios se vão tornar não rentáveis, vão à falência.
Está-se, agora, a passar duma fase de juros obrigacionistas ultra- baixos para uma «normalização», embora muito abaixo - ainda - dos valores médios históricos. Porém, esta inversão já está a afetar os especuladores. Eles pediram empréstimos para investir na compra de ações nas bolsas: Têm de pagar de volta os empréstimos contraídos num prazo curto, mas as ações não estão a subir do modo que eles previam. Nota-se uma descida acentuada, embora ainda não descalabro, dos valores bolsistas para muitas ações cotadas. Claro que a bolsa não será o único setor a sofrer numa grande crise financeira. Vai haver uma destruição massiva de capital, em todos os setores da economia.
Estamos portanto a entrar num período de severa recessão. Face à reversão dos mercados, o colapso é certo; é só esperar. É como o retorno do pêndulo. Em breve, vai entrar-se num mercado em descida, em contração, após mais duma década de mercados altistas. Note-se que, tanto as subidas como as descidas foram impulsionadas - não por mudanças na rentabilidade das empresas e das economias - mas pelas políticas dos bancos centrais. São estes que têm provocado as oscilações, por mais que digam que pretendem «estabilizar» os mercados.

O caso do ouro, enquanto investimento é interessante, pois se pode considerar o contrapeso dos investimentos financeiros. Ações, obrigações, derivados... o ouro move-se - quase sempre - em direção oposta àqueles ativos financeiros. Quanto mais os investidores temerem pelos investimentos feitos, mais frequentemente irão adquirir ouro, de forma a contrabalançar eventuais perdas. Funciona o ouro, não como um investimento para «ganhar dinheiro», mas antes como seguro, como forma de preservação de valor fundamental.
Embora as pessoas tenham tendência a pensar em termos de dinheiro, se este dinheiro se desvaloriza muito, um aparente lucro pode ser - afinal - uma perda. Dizem alguns que preferem não investir em ouro, porque ele não dá rendimento, mas origina despesas. No entanto, quando comparamos a rentabilidade efetiva das obrigações do tesouro dos EUA, ou outro investimento obrigacionista considerado como muito seguro, verificamos que o ouro bate estes ativos financeiros. Se obrigações a dez anos derem um juro de 1,5% mas havendo inflação no mesmo período de 5,5%, então a rentabilidade das obrigações é claramente negativa (é de menos 4%).
Mesmo que o ouro não dê rendimento, a sua valorização será, no mínimo, igual ou superior à taxa média de inflação. No exemplo acima, basta o ouro ter uma valorização muito modesta, mas positiva de 5-6% em dez anos, já está em clara vantagem (~ 0% em termos reais), em relação às obrigações, com - 4% em termos reais. Na realidade, vemos que o ouro, em períodos longos, tem melhor rentabilidade que quaisquer investimentos financeiros, incluindo nos «hedge funds» mais rentáveis.
O gráfico abaixo, mostra dois períodos em que o valor do ouro tem uma subida considerável, não apenas mantendo o poder de compra do capital investido, como dando um lucro significativo. Em geral, porém, não se deve ver o ouro como um meio de se ganhar muito dinheiro, mas antes como uma forma de se preservar o capital. Princípio válido em condições de grande perturbação, como é o caso no presente e no próximo futuro!

Valor da onça de ouro em dólares. Grandes subidas de 1971-80 e de 2001- até agora

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PS (28/01/2022): Vale a pena consultar a entrevista de Michael Hudson publicada na «Unz review», AQUI.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

[Lynette Zang] ESTÁS DISPONÍVEL PARA SERES ESPIADO/A?


Lynette Zang é analista de mercados económicos e financeiros, trabalhando para uma empresa especializada na venda de metais preciosos, moedas de ouro e prata, no mercado dos EUA. 
Ela tem uma experiência acumulada muito grande, pois começou por trabalhar em grandes bancos, em «trading», sabendo muito bem decifrar as subtilezas dos produtos financeiros derivados e outros «arcanos», para o público leigo. 
O seu trabalho é de uma qualidade e utilidade insubstituíveis, pois parte sempre da realidade dos factos, para desfazer os preconceitos, as ideias feitas, com as quais os media «mainstream» alimentam uma narrativa totalmente distorcida, dirigida ao público não especializado.
Neste vídeo, ela aborda a questão essencial da liberdade: da liberdade de expressão, de movimentos, da confidencialidade, do direito à nossa vida privada. 
Não  é o assunto habitual dos seus vídeos, normalmente centrados na economia. Mas este vídeo é muito apropriado, mesmo em termos económicos, pois nos permite compreender como é que esta crise, dita «do coronavírus», na realidade é uma enorme oportunidade para as grandes empresas, a banca sistémica e os maiores fundos financeiros (hedge funds): São estas, as entidades que têm beneficiado em pleno, enquanto pequenas empresas e trabalhadores têm sido as grandes vítimas. 
Lynette concorda que as coisas não serão como dantes, mas que a crise económica não é «por causa do vírus», mas sim por causa dos montões de dívida que se acumularam muito ANTES e da forma como os Estados responderam à epidemia, com o «lockdown» ou fecho da economia e confinamento forçado das pessoas, potenciando assim os malefícios da pandemia, com um golpe mortal. 
Lynette, logicamente, faz notar que este tipo de comportamento precisa de uma explicação racional, pois esta decisão não pode ser vista  como «inevitabilidade», face a um fenómeno natural mas antes, como maneira de disfarçar as enormes fragilidades que pendiam sobre as economias do mundo ocidental, por um lado; por outro, tratava-se de encontrar uma saída para esta situação de dívida impagável, através dum «great reset», mas em favor dos poderosos, do 0.1%. 
Tratava-se de construir um cenário que não pusesse em risco a estrutura do poder global. 
A verdade é que as grandes empresas, como as «FAGA» (Facebook, Amazon, Google, Apple.) aumentaram os seus lucros e consolidaram a sua posição neste momento: viram as suas cotações bolsistas diminuírem menos, ou mesmo subirem nos mercados, face a outras acções cotadas, de sectores tradicionais da economia. 
Igualmente, o «bail out» que os grandes bancos sistémicos receberam agora dos bancos centrais ocidentais (FED, ECB, e outros) foram  de novo - exactamente como em 2008 - uma «limpeza» das más dívidas, das más apostas, das dívidas impossíveis de cobrar e consistem essencialmente em fornecimento de dinheiro fresco, o incentivo e a recompensa para comportamentos de risco, para políticas de «buy-back» (auto-compra de acções pelas empresas, fazendo subir as cotações), de generosa distribuição dos dividendos e de bónus principescos aos seus gestores de topo.

Vale a pena ouvir com atenção o que esta experiente analista dos mercados nos tem transmitido ao longo de muitas sessões.

PS1: Quem é Bill Gates? Um documentário de «corbettreport» em como Gates monopolizou a saúde ao nível global: 
https://www.youtube.com/watch?v=wQSYdAX_9JY

segunda-feira, 16 de março de 2020

O «RESET» ESTÁ EM CURSO; NADA SERÁ COMO DANTES


- Segunda-feira, 16 de Março 2020: 

Hoje de manhã, depois da redução para zero das taxas de juro do FED no passado Domingo, acompanhada pelo anúncio de um «QE» (impressão monetária) de 800 biliões de dólares, a reacção dos mercados foi um desastre total.

                 
          Fig.1: bolsa de Nova Iorque automaticamente fechada 15 min.  após abertura

Os mercados tinham já antecipado estas medidas, pelo que o seu anúncio teve um efeito negativo. É como se dissessem: «aquilo que a FED anunciou não impede a economia mundial de continuar paralisada».

De facto, estamos no início duma recessão/depressão prolongada, pois os sistemas produtivos de grande parte do mundo, incluindo Europa e os EUA, estão bloqueados.

Esta paralisia não é causada pela pandemia de coronavírus, mas é agravada pelo PÂNICO que esta pandemia suscita. Quando se fala de «pânico», é preciso ter em conta que as pessoas são - sobretudo - movidas pelo efeito amplificador do alarmismo veiculado pelos media. Este alarmismo, por sua vez, incita os cidadãos a atitudes e comportamentos irracionais e «convida» a que os dirigentes se sintam na obrigação de dar «resposta» à altura das expectativas do público. Está-se então num «ciclo vicioso», em que cada medida extrema, obriga a nova medida ainda mais extrema. Vejam-se os casos em que uma medida tomada num país europeu é logo adoptada noutros.

Do ponto de vista económico, a pandemia de medo tem como consequência a «morte» de muitos pequenos e médios negócios, de empresas familiares, como na restauração, turismo e todas as outras, que estão dependentes ou são subsidiárias daquelas.

Isto significa que vai haver uma transferência de riqueza: certos negócios serão adquiridos por um valor irrisório e outros ficarão em situação de monopólio ou quase. 

Ao nível social, vamos assistir à multiplicação de respostas e atitudes extremas, não causadas por uma racional prudência, mas por fanatismo, tal como ocorreu em muitos episódios de epidemias que assolaram a Europa e o mundo, em séculos passados.

Actualmente, as epidemias são muito melhor compreendidas, têm tratamento e prevenção muito mais eficazes, do que no passado. A media, aqui também, tem um papel negativo, pois amplifica o medo e não dá a conhecer correctamente o que existe ao dispor da medicina e dos sistemas de saúde modernos para combater as epidemias. Pelo contrário, tem tendência a ignorar informações, como as que venho recolhendo de órgãos de informação diferentes da media convencional, as quais são moderadamente animadoras. 
Visionem - a este propósito - a entrevista (em francês) pelo Prof. Didier Raoult à MANDARIN TV法国华人卫 e que reproduzi na minha publicação recente: 


Em suma, quando este episódio de pânico causado pelo coronavírus e amplificado pela media desaparecer, vamos nos deparar com novas situações, impossíveis de antecipar. 
A única coisa em que eu apostaria, é que o «reset» vai ocorrer sobretudo na esfera financeira e económica, mas também terá consequências significativas nas esferas social e cultural.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

NÃO CULPEM O CORONAVÍRUS PELA CRISE GLOBAL!

A media corporativa, em Portugal, como nos outros países, toma a atitude preguiçosa e convencional de «culpar» a pandemia do Covid-19 pelo colapso de todas as economias, mesmo das que não estão (por enquanto) afectadas por um número de casos significativo.
Sim, estou de acordo em apontar a crise sanitária desencadeada em Wuhan, como o «Cisne Negro» que fez ruir o castelo de cartas em que se tornaram a economia e finança mundiais. 
                             
             A Itália foi somente o primeiro país europeu a sofrer gravemente com o vírus
Mas o coronavírus NADA tem que ver com o facto de que os EUA estão sobre-endividados a todos os níveis: governo, empresas, famílias.
Nem que a China, o Japão e a União Europeia estejam sobre-endividados ao nível dos governos e das empresas.
Os bancos - nos EUA, como da UE - estão fortemente sob pressão pelos activos «tóxicos» que possuem (empréstimos «suprime» principalmente), os quais são potenciados pelos derivados associados a estes activos. São estes activos que se estão a deteriorar em valor, rapidamente, que ninguém quer, a não ser os bancos centrais que se transformaram, de emprestadores de último recurso, nos únicos e exclusivos compradores de tais activos. 
A recessão começou bem antes das notícias sobre o coronavírus terem começado a aparecer. De facto, podemos datá-la precisamente com o acontecimento anómalo e alarmante do mercado dos empréstimos no muito curto prazo ter atingido juros exorbitantes, da ordem dos 10%, no dia 17 de Setembro de 2019. Foi isso que levou o banco central dos EUA (FED) a intervir neste mercado «repomarket» e com somas altíssimas, fazendo o papel que antes era o dos bancos comerciais. 
                  
O gráfico acima, oriundo do FED, mostra que os bancos começaram a perder as suas reservas excedentárias logo que parou o «QE», porque tinham de atender às más apostas nos empréstimos e derivados a estes associados.
O Covid-19 apenas precipitou o inevitável: a economia mundial já estava a deslizar para uma recessão bem séria, já se estava deteriorando muito depressa. 
O mercado bolsista é como a espuma acima do Oceano. Algumas vezes, indica um substrato forte, uma economia geral em crescimento, mas outras vezes não
Neste caso, estava sendo sistematicamente puxado para cima, com as auto-compras das grandes empresas cotadas, com o constante despejar de divisas, resultante da criação monetária dos bancos centrais, devido também à propaganda dos media e dos governos, apenas interessados em gerir sua imagem, com vista a serem reeleitos, com prejuízo para a saúde económica, de médio e longo prazo, nos respectivos países. 
Por fim, o facto da economia mundial ser incapaz de suportar um impacto exterior que, tudo somado, não é assim tão estranho, pois epidemias existiram em toda a História da Humanidade, mostra como tem sido artificial e desequilibrada a construção dos sistemas económico e financeiro. 
O Covid-19 foi o revelador que pôs a nu a parasitagem do mundo globalizado, em que o capital financeiro é predador da generalidade das pessoas e dos outros capitalismos - agrário, industrial, comercial - que subsistem, mas sob forma subordinada ao sistema da grande banca mundial, que conta com o apoio indefectível dos bancos centrais e dos governos, nos países do Ocidente.
Não podemos saber durante quanto tempo este estado de coisas vai durar. No entanto, parece-me claro que o Covid-19 será derrotado muito mais depressa que esta finança parasita. Com efeito, não tardará muito que seja construída uma vacina e distribuída em larga escala, para derrotar a pandemia mundial. 
Pelo contrário, não existe nada equivalente para estancar ou curar a doença que afecta a economia mundial
O capitalismo globalizado é um parasita interno das sociedades; tornou-se tão invasivo das suas estruturas, que a destruição do parasita arrisca-se a causar uma ruptura do próprio organismo social. 
..................
PS: vejam o artigo de 01 de Abril 2020; corrobora a minha análise de 25 de Fevereiro aqui acima exposta.
https://www.zerohedge.com/markets/covid-19-tripwire

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

BEM-VINDO À ERA DO CAOS E DAS NOVAS ARMAS ALIMENTANDO CONFLITOS

O vídeo acima é o segundo de uma série de três. 
O primeiro deles pode ser visionado aqui
O terceiro, sairá em Janeiro do próximo ano.

Gordon T Long e Charles Hugh Smith debatem e analisam neste segundo vídeo as circunstâncias que enfrenta o nosso mundo. 
Uma audição e visionamento muito educativos pois importa saber quais os factores de conflito e o nível de insegurança que os sistemas actuais potenciam.
Quem desconhece esta informação poderá duvidar que o mundo «esteja em cima dum barril de pólvora», mas ao tomar conhecimento dos dados aqui resumidos, já não poderá duvidar disso.

domingo, 30 de dezembro de 2018

QUANDO O EFÉMERO É JULGADO PERMANENTE

Nesta crónica de final de 2018, gostava de veicular aos meus leitores um pouco da minha estranheza, que se desenvolve a par de uma experiência de vida.

Há muito tempo que venho seguindo os mercados para eu próprio estar prevenido e saber como «tirar as castanhas do lume» a tempo. Embora não tenha uma instrução académica nas ciências económicas, tenho muita facilidade em compreender os seus mecanismos, pois estou preparado em termos conceptuais a pensar o funcionamento de sistemas complexos na biologia. Nesta, não apenas estudamos os mecanismos ao nível dos indivíduos, com as suas complexidades intrínsecas, como também as populações e os ecossistemas, sem a compreensão dos quais a vida dum qualquer organismo será  totalmente indecifrável. 
A analogia sistémica é particularmente apropriada aos sistemas sociais, construídos pela sociedade humana, desde que não se caia numa atitude redutora, ou seja, numa falsificação ideológica da biologia evolutiva, que aliás é comum nos comentaristas de meia-tigela. 
Não somos ingénuos, nem queremos convencer ninguém a adoptar as nossas teorias!

O sistema económico é eminentemente caótico, sendo isso uma característica independente do regime económico e político que vigore: 
- a Teoria do Caos estabelece que a complexidade de certos sistemas desencadeia respostas cujas determinações são imprevisíveis, pelo que estão sempre a surgir «cisnes negros» (na definição inteligente de Nassim Taleb). 
As pessoas têm o espírito feito de tal maneira que, seja por aprendizagem, seja por inclinação natural, procuram sempre «leis», «regularidades», daí que as suas visões sejam de continuidade a 100% (o preconceito da normalidade: O AMANHÃ SERÁ COMO HOJE, PORQUE HOJE FOI COMO ONTEM...).
Em situações de instabilidade maior, essa «certeza» efémera cai por terra; as pessoas entram em pânico, julgam chegado o fim do mundo, aquilo que afinal se resume à reestruturação dos capitais, uma nova distribuição das cartas e das fichas num jogo. 
Nem num caso, nem noutro, estão correctas: nem ao tomarem o efémero como medida segura das coisas, nem em vaticinar o fim do mundo, aquando dos grandes abalos, das grandes sacudidelas.

Hoje em dia, ao contrário de há vários anos atrás, os analistas de todas as tendências parecem estar de acordo em que 2019 vai ser um ano em que o potencial tectónico da dívida monstruosa vai finalmente exprimir-se através de uma crise, que se arrisca a ser maior e mais duradoira do que todas as outras que vivemos em nossas vidas. 
Isto significa que terá de ser - pelo menos - tão grande como a de 1929 (praticamente ninguém hoje ainda vivo, era adulto aquando daquela crise). 
De facto, existem muitos factos objectivos que apontam para tal. 
Muitas pessoas amigas gostariam que isso significasse o fim do capitalismo e o alvorecer de uma outra era, chame-se a tal novo modo de produção socialismo ou outro nome qualquer. 
Porém, uma previsão arrisco fazer: infelizmente para mim - e para os outros também, creio eu - o advento dum pós-capitalismo onde reinasse mais igualdade está completamente posto de lado, pois não existe uma força «subjectiva» que empurre as pessoas para formas igualitárias de organizar a produção e distribuição da mesma. 
Tal não era o caso nos inícios do século XX, em que existia esperança num mundo regido pelo lema «de cada um segundo suas capacidades, para cada um segundo as suas necessidades». 
As pessoas foram - no capitalismo globalizado -  transformadas em consumidoras ou produtoras passivas, intercambiáveis,  contabilizáveis: reduzidas a meras mercadorias (= o conceito de alienação na sua plenitude). 
No bicentenário de Marx, o único conceito teórico do marxismo que eu reconheço guardar actualidade, é o conceito de alienação. Todos os outros estão profundamente caducos, simplesmente porque a sociedade evoluiu e as suas visões eram adequadas e apropriadas a um determinado estádio de evolução do capitalismo. Quanto ao «materialismo dialéctico» e o «materialismo histórico», nem vale a pena falar, pois são completas fabricações ideológicas, muito ao gosto cientista do século XIX. 
Na minha forma de ver as relações entre os factos, a experiência e as teorias... aqueles vêm primeiro, as teorias vêm depois: estas devem ser construídas sobre um certo número de factos, pré-existentes à sua construção. 
Se determinada teoria não tem na devida conta TODOS os factos conhecidos, à data da sua elaboração, será irremediavelmente falsa à nascença. 
Mas, mesmo uma teoria que tenha em devida conta todos os factos relevantes pode - no futuro - revelar-se falsa ou caduca. Isso, aliás, acontece constantemente nas ciências ditas «duras» (a física, a química, a biologia...). 
Mas, por que razão é que  - nas ciências ditas «moles» (psicologia, sociologia, economia...) - existe tanta teoria defeituosa, que apenas reflecte a visão ideológica do autor e nada mais? 

A minha resposta é que...
(a) nós temos uma enorme atracção (intuitiva?) por «leis», por regularidades, por algo que nos permita tornar inteligível a realidade caótica que nos rodeia.  
(b) enquanto nas ciências duras é possível desenvolver dispositivos experimentais credíveis, ou seja, em que uma ou poucas variáveis sejam feitas variar, mantendo as restantes constantes...nos sistemas que têm como palco a sociedade humana, isso é impossível; apenas podemos fazer abstracções que servem mais ou menos a nossa ânsia da tal regularidade. 

A exemplificar isso, cabe aqui um parêntesis sobre o conceito de «mercado livre»: os fundadores da teoria económica liberal, Adam Smith, David Ricardo, e outros, viam neste conceito uma figura do espírito, uma propriedade da sociedade ideal, que eles sabiam perfeitamente não existir. 
Porém, os seus sucessores trataram de transformar esta vista do espírito, esta «experiência teórica», num «facto». Agora, são capazes de dissertar horas a fio sobre a «liberdade» do mercado. Fazem-no, creio,  mais como mantra, que os identifica com uma dada corrente. O mesmo se passa noutros sectores, só que com outros conceitos, incluindo obviamente sectores anti-capitalistas de várias conotações. 
Nesta época, paradoxalmente, é pouco apreciada a liberdade de espírito, a independência de juízo: Aquilo que permite reconhecer que um pensador, com o qual discordamos em muitos aspectos, acertou em cheio num dado ponto... Era esta atitude muito mais frequente, quando a difusão do pensamento era feita ao passo pachorrento dos cavalos atrelados a uma diligência e não à velocidade da luz, como agora! 


Estou convencido que as leituras de autores clássicos, em História, Filosofia ou na Literatura de ficção, no Romance, possam trazer imenso prazer a leitores do século XXI, caso estes se debrucem sobre as tais obras exactamente como sendo (e são, na verdade!) minas de ouro de sabedoria e de reflexão acumuladas.
O «capital de saber» é imaterial e não está dependente linearmente da disponibilidade económica de cada um. 
Saibamos usar os aspectos positivos da era da Internet, das comunicações globais instantâneas, o que implica também usar filtros que permitam descartar a «palha», sem perdermos os bons frutos.

BOM ANO DE 2019!