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terça-feira, 3 de junho de 2025

«A ORDEM A PARTIR DO CAOS» ?

 









Tenho encontrado muitas vezes este conceito de que uma «nova ordem» possa resultar da desordem, do «caos». Esta formulação tem sido aplicada por muitos. É um conceito partilhado pelos revolucionários que ambicionam derrubar a «ordem vigente», para impor a «sua nova ordem», uma ordem nova, superior tanto no plano moral, como material.

Esta ideia é traçável até bastante longe, no tempo. Foi muito propagada nas sociedades secretas que se fortaleceram nas vésperas das grandes revoluções burguesas no século XVIII, a Revolução Americana e, alguns anos depois, a Revolução Francesa.

Sabemos que o papel das sociedades secretas, como a Maçonaria, os Illuminati e outras, foi decisivo para agregar forças e vencer as monarquias vigentes: A monarquia absoluta, no caso francês, ou o poder colonial, no caso da colónia americana da corôa britânica.

A ideia segundo a qual «do caos possa nascer uma nova ordem», é contrária às Leis da Física. A IIª Lei da Termodinâmica define que qualquer transformação, num sistema fechado ou isolado, não pode conservar 100% da energia presente no momento inicial.

Pode haver percentagem maior ou menor de perda energética, sob forma de calor, mas toda a transformação energética (por ex.: a transformação de energia química, em energia cinética) implica aumento da entropia, ou seja, há uma fração de energia que não pode ser conservada, nem recuperada.

Mas, no século XVIII as leis da termodinâmica ainda não tinham sido formuladas. Portanto, podemos admitir que os melhores espíritos (como Lavoisier, Benjamin Franklin, e muitos outros),  julgassem ser possível uma transformação tal que do caos, surgisse uma nova ordem.

De facto, os espíritos esclarecidos do século XVIII e protagonistas da filosofia das Luzes, tinham o modelo subconsciente de tal transformação do caos em ordem: Era o modelo da Criação, tal como está descrita na Bíblia. Mesmo os que tinham abandonado a fé cristã, tinham absorvido este modelo bíblico. Ainda não se desenvolvera, em larga escala, a visão evolucionista da Natureza. Só mais tarde isso aconteceu, quer na formulação Lamarckiana, quer Darwiniana.

Somente começou a ser possível uma ciência do «Caos e da Ordem» em meados do século XIX, durante a revolução industrial triunfante: É nesta altura que a ideia de transformação do caos em ordem começa a ser posta em causa, com o nascimento da Termodinâmica, a ciência da Energia, com Sadi Carnot, Bolzmann, J.W. Gibbs e William Thomson (Lord Kelvin).




A ideia maçónica da revolução (o caos), que seria a parideira da nova ordem, continuou a ser defendida e teorizada por intelectuais revolucionários no século XIX. Em particular, por Marx, o qual pretendia que suas teorias eram científicas. Em geral, todos os teóricos da revolução social, seguidores ou não de Marx, tomavam como verdade evidente este conceito de que "a ordem podia ser engendrada a partir do caos".

Nos séculos dezanove e vinte, múltiplos avatares desta ideia agitaram as massas, frustradas pelas suas condições de vida e pela exploração do seu trabalho pelos donos do capital. Sabemos que a burguesia aproveitou movimentos progressistas, até mesmo revolucionários, para se impor com maior eficácia. Frequentemente, ao colocar-se na liderança, o elemento burguês acabava por instrumentalizar os protestos para satisfazer as suas ambições políticas (1).

A utilização do caos para fins políticos é uma constante na História: Mas, a transformação da «ordem antiga» em «ordem nova» tem sido, frequentemente desfavorável à grande maioria. São tipicamente resultantes de revoluções, os regimes com repressão e subida ao poder duma clique governante.

A «revolução» portuguesa do 25 de Abril parece excepção. Porém, ela apenas substituiu uma facção por outra (uma burguesia fascista, por uma burguesia liberal) no governo. De resto, nas revoluções, em geral, há mais mortes e maiores sofrimentos, não nas fileiras dos opressores, mas nas dos insurrectos.

Quanto às revoluções (aparentemente) bem sucedidas, como o bolchevismo ou o maoismo, foram-no não por qualquer propriedade intrínseca destas convulsões (sangrentas), mas porque libertaram energias para a modernização da estrutura produtiva nestas sociedades e completaram a revolução industrial. Note-se que tanto os regimes czarista da Rússia, como de Chang Kai Tchek, na China, não tinham condições para levar a cabo as transformações acima mencionadas.

O capitalismo, por muito que seus defensores digam o contrário, não é amigo da ordem. Tem multiplicado o caos, através de golpes de Estado, guerras civis, guerras entre países, incluindo guerras «por procuração» (proxi wars). No século passado e neste, tem favorecido perigosamente o confronto entre potências nucleares.

Diz-se que as ideias não têm peso no mundo real, porém a ideia difusa, ainda presente em muitos espíritos, de que «uma nova ordem vai brotar a partir do caos» pode causar muita confusão. É uma ideia falsa em Física e perniciosa em História e Sociologia.

De entre as ideias falsas, esta tem um potencial devastador (2), pois coloca as pessoas a desempenhar papéis que - julgam elas - conduziriam ao «Paraíso na Terra». No entanto, só produzem um «Inferno», pois do caos só pode sair mais caos.

Quanto à ordem, ela só pode ser originada a partir do investimento de energias construtivas, que permitem elevar a sociedade a um novo patamar de organização/civilização.
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(1) Os autoritários de todas tendências,  da extrema direita à extrema-esquerda, passando pelo "extremo-centro", sempre consideraram a violência geradora do caos, como bemvinda, desde que os ajudasse a guindarem-se ao poder.

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(2) O mais claro exemplo disso, é a guerra: Esta é o caos, e a ordem dela resultante é a «paz dos cemitérios». 

sexta-feira, 2 de maio de 2025

PROPAGANDA 21 (Nº27): A GUERRA PELA NOSSA ATENÇÃO


 A digitalização quase completa da rede de relacionamento de muitas pessoas, equivale a colocá-las dentro de uma redoma de imagens, «memes» e slogans, cujos efeitos nas camadas profundas do psiquismo são devastadores.

As pessoas deixam de estar condicionadas pelos próprios pensamentos, reflexos ou impulsos, para estarem a receber os estímulos, constantes e não identificáveis, que as encaminham para uma dada configuração mental. Uma vez esta configuração estabelecida e consolidada através de mecanismos de reforço, as pessoas terão a ilusão de serem «autónomas», «autodeterminadas», «conscientes», quando - em boa verdade - estão capturadas numa redoma que as encaminha quase fatalmente para um determinado comportamento.

Talvez seja difícil imaginar o grau de influência a que estamos sujeitos. Mas, é bastante fácil avaliar as nossas dependências, quando (por vontade ou acidente) não transportamos connosco o telemóvel, durante uma semana ou mesmo um dia; aí tudo se complica, todas as nossas rotinas são subvertidas, a nossa segurança posta em causa, a nossa enorme dependência torna-se óbvia.

Também é essa rede múltipla de contactos e de impulsos, que mantém a nossa atenção focalizada nos mais diversos objetos ou assuntos. Em qualquer dos casos, encontramos sempre uma racionalização para justificar a nossa dependência.

Mas, devíamos saber, que ter como «pano de fundo» este novelo de contactos mediados pelos meios digitais, não corresponde à «realidade real», mas a uma «híper-realidade», portanto uma fabricação, uma arquitetura mental assimilada passivamente, um enredo cada vez mais espesso de narrativas, de dependências fortuitas ou desejadas, pelas quais e por causa das quais, gastamos a maior parte do nosso tempo e sacrificamos o melhor da nossa atenção e energia.

Não restam muitas dúvidas de que, afinal - como já tinha sugerido num texto deste blog - existe a tal «droga», apresentada no romance de Aldous Huxley, a «soma», que desencadeia uma total conformidade de todos os indivíduos da sociedade, porque ela proporciona prazer; um prazer associado à libertação de mediadores cerebrais, por nós produzidos nos nossos neurónios.

A droga do prazer, chama-se telemóveis, internet, redes sociais, chats, etc. Apesar de parecer diversa, ela é realmente uma única droga; a maioria das pessoas julga-se imune, mas isso é auto-ilusão. Estes indivíduos são, muito frequentemente, adictos em estado de «denegação».

Como dizia um ex-professor meu, «O melhor é estarmos alienados». Suspeito que ele proferia esta frase como uma provocação, como uma reflexão irónica... Eu penso muitas vezes nesta frase. Sabemos que ninguém deseja estar sujeito ao sofrimento do isolamento, à exclusão e à indiferença do seu entorno imediato. O maior obstáculo para a felicidade ( ...o inferno...) são «os outros», parafraseando alguém ( talvez de Sartre, mas tem sido atribuída a outros).


Estar em dissonância cognitiva com a sociedade e com os seres mais próximos, tem um peso muito pesado: sentir o isolamento, a impossibilidade de partilha, por mais abertos que sejamos aos outros.

Creio que o impulso gregário é muito mais forte do que nós estimamos. Pois a nossa vivência social está de tal modo penetrada por uma «normalidade», que depende de relacionamentos materiais, mentais, psicológicos, simbólicos e todos eles, a vários níveis, em simultâneo.

O famoso «apagão» (28-04-2025) da Península Ibérica (e além) deixando as populações de Espanha e Portugal (e outras, na Europa), durante meio dia e uma noite sem electricidade, serviu para ver como somos frágeis, como a nossa civilização está sujeita ao aleatório, ao imponderável. É ilusão a estabilidade em que nos mantemos, um estado hipnótico; foi o acordar do referido estado o que muitos de nós experimentámos, quando sujeitos ao referido «apagão».

Depois, a grande maioria terá retomado a «rotina», ou aquela «hipnose suave» do quotidiano. A memória desse dia 28 de Abril de 2025, será apenas uma vaga recordação. Outros, porém, talvez consigam extrair uma «lição de vida» do acontecimento. Talvez isso lhes permita aumentar o seu nível de consciência e os convença que «os confortos da civilização» são apenas ilusão, que na realidade, devemos estar sempre psicologicamente capazes de enfrentar a ruptura do cenário.

São esses, os poucos que poderão vencer as provas que irá colocar, em dias próximos, o colapso societal, o qual se está já a viver, em câmara lenta. Ele já começou e irá acelerar-se, desencadeando situações «anómalas» com maior frequência, até um colapso geral da trama social.

As forças que puxam para o caos são as mesmas que procuram dissipar a nossa atenção, distraindo-a do que realmente importa, para que possamos mais facilmente ser manipulados, condicionados a fazer as «nossas» escolhas, gestos e pensamentos, as que nos vão encaminhar para a tal «Nova Ordem». Será um universo segundo Huxley, em que as pessoas «desejam» estar cativas, pois receberão a sua «droga», a sua «dose de alienação», que estimulará a libertação de hormonas do «bem-estar», da «felicidade», do «prazer».

sábado, 12 de abril de 2025

REFLEXÃO: METAMORFOSES INVOLUTIVAS


Nada me preparou para o choque que têm sido os últimos tempos de desvario neste mundo. Nem consigo assimilar os tempos que correm, como «nova normalidade». Para mim (e para quantos outros mais?) estes tempos são uma aberração. Posso tentar explicar a mim próprio os processos complexos, interseções de modificações sociais, culturais, políticas, etc... que dariam conta do surgimento destes humanos regressivos que se comportam de forma ostensivamente patológica, como psicopatas ou sociopatas. Outros, tentam fazer de conta que está tudo «normal», sabendo eles muito bem que não é nada assim. É que a grande massa das pessoas se deixou capturar pelo medo, um medo também ele patológico, visto que exagera o poderio dos malfeitores e a impossibilidade de defesa e contra-ataque das suas vítimas. É uma sociedade onde os indivíduos se encontram isolados, na enorme pobreza de elos sociais, sujeitos a condicionamento subreptício... Sim, sei isso!
Para minha auto-orientação e para eventual apoio à reflexão de outros sobre o assunto, decidi verter alguns «pixels» no écran e na memória do meu computador, para abordar de frente fenómenos sociais aos quais nos confrontamos todos.

Se chamam metamorfose à transformação da lagarta em crisálida e esta em borboleta ou inseto perfeito, como se pode chamar o processo inverso?

- A transformação de entidades adultas («insetos perfeitos») em crianças aterradas (as « crisálidas») e por fim, em «vermes rastejantes» (as «lagartas»): Chamarei isso «metamorfose involutiva»

Metamorfose involutiva, quando o indivíduo adulto regride ao estado infantil e ainda mais, ao estado de feto no ventre materno...

Contrariamente ao  fenómeno descrito  para um grande número de espécies, no caso do primeiro tipo de metamorfose, a metamorfose involutiva não incide sobre estruturas físicas, mas apenas mentais. Uma pessoa pode ter sofrido esta forma radical de metamorfose involutiva, embora aparentando fisicamente ser um adulto, na posse da sua racionalidade e controlando enquanto adulto desejos e paixões.

Porém, numa situação de confronto com a realidade que ele/ela considera dever a todo o custo evitar (estado de «denegação»), ele/ela vai comportar-se segundo a fórmula típica das crianças pequenas: Referência ritual e obsessiva à autoridade, ao modelo de autoridade dos «que sabem», que ocupam uma posição hierárquica de poder sobre elas (real ou simbolicamente), em substituição da Mãe e do Pai.

Em caso de serem expostas a uma situação de perigo real e não simbólico, reagem com pânico, com desorientação e muitas vezes com uma fúria desesperada: A fúria da criança a quem retiram o brinquedo ou a chucha, chorando e gritando para que lhe devolvam o objeto tranquilizador.

Os ataques coletivos contra alguém, que supostamente, encarna todo o «mal», é também típico destas pessoas,  cobardes integrais, que apenas se desinibem e se revelam quando em grupo. Aí sentem que gozam de impunidade total, para insultar, agredir e  martirizar a vítima.

Na minha vida (nasci em 1954), fui poupado às terríveis perseguições e brutalidades protagonizadas pelos nazis e pelos fascistas, no período entre as duas Guerras Mundiais. Mas o fascismo, recentemente, passou a estar inserido no quotidiano, sobretudo nas sociedades pretensamente «civilizadas». Este fascismo hipócrita é ainda mais perigoso que o fascismo da primeira época histórica, pois muitas pessoas não conseguem fazer a conexão entre os fenómenos. Parece-lhes que o fascismo histórico foi uma época de violência, brutalidade, negação dos direitos humanos... e que nunca mais voltará. Mas isto é falso; um fascismo - hoje larvar e com roupagens diferentes - pode crescer e tornar-se avassalador, a qualquer momento. É assim que pessoas bem intencionadas se bloqueiam e bloqueiam os outros, ao não considerar as realidades sociológicas de frente. Involuntariamente, proporcionam a implantação desta nova forma de totalitarismo, permitindo aquilo que era considerado intolerável, poucos anos antes.

Aqui, joga a submissão absurda à autoridade, uma aura de super-humanos, dada pela media de massas, às figuras públicas, quer sejam políticos, empresários, artistas, desportistas, cientistas, etc. É como se as pessoas tivessem de se curvar perante os novos senhores feudais do momento, na medida em que eles (simbolicamente ou na realidade) têm na sua mão o destino dos indivíduos.

A sociedade de hoje não é  irreligiosa, nem ateia. É antes, uma sociedade onde o divino, o transcendente, o espiritual desapareceram ou ficaram confinados a minorias sem poder. Em vez das expressões de transcendência das sociedades tradicionais, assiste-se hoje a cultos de uma coorte de pseudo-deuses, ídolos, magos, hipnotistas e gurus de pacotilha... pela multidão ávida, que projeta nesses deuses efémeros a sua profunda carência de afeto, de humanidade, de calor. Os que fazem esta projeção, estão já em configuração mental propícia para serem manipulados, tornarem-se crentes sectários de uma ideologia, seja ela qual for.

Estão receptivos a adorar um chefe; dêem-lhes um chefe, não importa quem, na realidade; seja quem for, terá de se exibir como semideus, acima do comum dos mortais. A omnipresença dos deuses de pacotilha, graças à magia eletrónica/digital, será o outro fator decisivo para serem adorados como chefes, pelas massas «lobotomizadas».




sexta-feira, 10 de maio de 2024

DISSIDÊNCIA

 Quero fazer uma distinção entre várias posturas, pelo menos em termos práticos: O que é a dissidência? O que é o indiferentismo? O que é o militantismo/ativismo? 

Refletindo em numerosas ocasiões sobre estes temas, chego à conclusão de que não se pode fazer uma abordagem quantitativa, mas apenas qualitativa. Ou seja, não serve de nada tentar medir o «grau de dissidência», etc. 

A razão disto, é fácil de compreender se virmos que a atitude interior é que é o fator decisivo em relação à dissidência verdadeira: Trata-se de ter uma visão da realidade que nos cerca, uma «leitura» totalmente diferente da que nos pretende impor o poder dominante. Sabemos que o faz de maneira disfarçada: Mais do que por meios de coerção, sobretudo por meios de sedução.

Ora, estar em dissidência não significa - de modo nenhum - estar «alheado» da realidade. Quem está efetivamente alheado permanece passivo, aceitando a imagem do mundo que a educação, os media, o entorno social, querem que a pessoa adote: o indiferente não constrói outra visão da realidade. Ele deixa-se arrastar pela corrente, sem convicção mas, também, sem vontade própria.

O ativismo ou militantismo, são modos diferentes de comportamento exterior em relação ao «normal». Não se trata de «anormal», em termos psicossociológicos: Mas trata-se de exibir um dado comportamento, com frequência ou mesmo constante. O de alguém que é empurrado, por forças externas e internas, a exibir um certo comportamento. Trata-se de se mostrar, de colocar-se num palco imaginário, fantasiando que sua intervenção vai mudar o mundo, a sociedade, etc.

Se o indiferente não tem desejo, nem faz nada para elevar seu grau de consciência, o ativista (ou militante) faz ocultação - deliberada ou inconsciente - do seu vazio, da ausência de reflexão interior, o que o exclui, desde logo, da categoria da dissidência. Obedecer a algum chefe, mostrar fidelidade a um grupo, a uma ideologia, afirmar esta submissão de mentalmente escravizado, são as reais motivações de certos ativismos. 

Por contraste, o dissidente pode renunciar, num determinado contexto preciso, a fazer algo sem - por isso - se ter transformado em indiferente: pode muito bem estar a aguardar o melhor momento, a juntar forças para que a ação seja realmente eficaz, etc. 

O dissidente pode participar em ações de rua, em comícios, em greves, ou seja lá no que for: Não é o que ele faz, mas a motivação interior com que o faz que o distingue. Se o fizer, é porque está profundamente convicto de que isso corresponde ao que interiormente assume. 

Não lhe interessa a ação pela ação, mas sim que, ao agir, o faça por motivos que assume como legítimos, necessários, eticamente imperativos. Além disso, agir não significa fazer uma coisa qualquer, de qualquer maneira: numa guerra global, como é também a guerra de classes, não esqueçamos que existe uma assimetria muito grande entre as forças materiais em presença. O que não significa que os mais fracos, os oprimidos, desbaratem suas escassas forças, antes pelo contrário! Então, o dissidente sabe reconhecer e distinguir, com toda a clareza, a ação fútil, da ação útil e mesmo, esta ação útil, da ação absolutamente necessária.

Sem querer simplificar demasiado as coisas, vemos que existem três categorias diferentes de atitudes interiores com a sua correspondência em comportamentos exteriores. Mas, não devemos esquecer-nos que qualquer pessoa pode ter passado de um tipo para outro (e vice-versa). A natureza não é estática e muito menos a natureza complexa e contraditória dos humanos. 

O que nos faz únicos, o que nos faz imprevisíveis ou indeterminados, é a capacidade potencial de fazer, no sentido mais profundo do termo. Fazer algo com peso, com sentido, com estratégia: essa deveria ser a preocupação das pessoas realmente desejosas de transformação social. 


terça-feira, 16 de janeiro de 2024

HUMANIDADE E O PARADOXO DA SUA EVOLUÇÃO

Acredito que a espécie humana se deixou enredar numa espiral de ganância de poder e de sensação de omnipotência pela tecnologia. Os humanos, na origem, eram somente uma entre numerosas espécies animais. Havia contemporâneas de Homo sapiens outras espécies de homens, até há menos de 50 mil anos atrás. A evolução tecnológica foi tão rápida na escala de tempo da Evolução geral, que perturbou gravemente o desenvolvimento harmonioso da espécie Homo sapiens. Pode-se compreender, olhando à nossa volta, como todo o aparato dos confortos da civilização, enterram, anulam, substituem, as nossas capacidades naturais, isto é, as que nos foram legadas por milhões de anos de evolução biológica. O efeito desta desconexão é todo o drama da civilização humana atual, da civilização tecnológica, em particular. Tal como com a evolução biológica, esta evolução tecnológica é essencialmente não reversível.

Mas, há uma grande diferença na escala de tempo; a inovação biológica tem de se instalar a partir de uma ou várias mutações, compatíveis -obrigatoriamente - com as funções vitais dos indivíduos que são seus portadores, mas também que se possam integrar no ambiente e através da descendência. Portanto, a evolução biológica, tipicamente, demora muitas centenas de anos, ou várias gerações humanas, para se firmar e consolidar. A evolução tecnológica é incomparavelmente mais rápida, com consequências importantes, não apenas nas vidas humanas individuais e ao nível das sociedades, mas mesmo na natureza, em geral. Nos últimos cem anos, têm ocorrido revoluções tecnológicas consideráveis (em vários campos da atividade humana) mais ou menos todos os 20 anos. A evolução das mentalidades, das instituições sociais, já para não falar da adaptação da biologia humana, não podem acompanhar esta progressão. Ela, ainda por cima, não é uniforme, nem previsível, mas é caótica no sentido matemático do termo (não se lhe pode atribuir uma lei). As pessoas estão completamente expostas aos efeitos «secundários», aos «danos colaterais», da tecnologia contemporânea. A arqueologia estuda a evolução das técnicas como, por exemplo, o talhe da pedra; há evolução, mas apenas em longos intervalos de tempo. Aliás, é por isso que tem sido possível efetuar a datação dum sítio arqueológico, somente pela análise da tecnologia de talhe utilizada. Vemos, no entanto, ao longo das poucas dezenas de milhares de anos seguintes, que houve um acelerar exponencial da inovação tecnológica: no paleolítico, a mesma técnica era aplicada durante intervalos de tempo da ordem de milhares de anos, sem modificação notável ou detetável. Hoje em dia, a modificação durante as nossas vidas, é tal que a geração anterior, a dos nossos pais, parece ter vivido num tempo longínquo: perfeitamente imaginável, profusamente documentado, mas muito diferente do quotidiano presente.

Este desequilíbrio, ou seja, a impossibilidade das sociedades integrarem e assimilarem no seu interior as inovações tecnológicas, faz com que elas apenas reajam, o que é confundido com «adaptação», mas que - de facto - não é. E as pessoas, individualmente, acabam também por ficar disfuncionais, como não podia deixar de ser. Este disfuncionamento é em relação a características que são absolutamente essenciais para a sobrevivência do humano, enquanto tal: a sociabilidade, a empatia, o altruísmo, a responsabilização coletiva, a dádiva, a partilha, a preferência do «ser» sobre o «ter». Existe muito empobrecimento mental e afetivo na sociedade tecnologizada. As pessoas não estão nada adaptadas, daí a enorme explosão de violência irracional, não motivada, em sociedades de abundância material. É nessas sociedades que ocorrem frequentes surtos de violência, com pessoas tornadas loucas, capazes de matar quaisquer outros; noutros casos (bem mais frequentes), a situação de desespero, de vazio, de depressão precipita as pessoas a pôr fim às suas vidas, a suicidarem-se. Estes fenómenos extremos de disfunção social, são noticiados, mas eles recobrem um outro domínio do não-reportado, de profunda disfunção, na vida pessoal e social. O consumo das «drogas», sejam elas prescritas sob forma de medicamento, ou procuradas no mercado negro das drogas ilícitas, tem como causa a insatisfação, a frustração das pessoas, relegadas ao dilema absurdo de consumidores resignados, ou à revolta sem objeto, que não será transformada em revolução, enquanto transformação coletiva e social.

Como estou inserido neste mundo e não tenho a veleidade de me extrair dele para ter uma visão de conjunto, que pudesse fornecer um diagnóstico da patologia social e a consequente cura dos males sociais, resta-me apenas dirigir algumas palavras, que penso de bom-senso, nesta altura de acumulação de tensões, de violências, de protagonismos :

Este contexto, obriga a nos preocuparmos com aspetos básicos, não apenas a nossa sobrevivência material individual, como social.

- Estamos no tempo em que deve haver reforço das interações positivas dentro da família e na sociedade que rodeia os indivíduos (os grupos de amigos, de colegas do trabalho...).

- Não devemos ser ingénuos, não devemos deixar-nos manipular através dos nossos sentimentos instintivos, principalmente o medo e a insegurança a ele associada.

- Construir e preservar o que já está construído, no sentido literal e metafórico, deve ser uma nossa preocupação constante.

- Fazer um esforço real e honesto em direção ao Outro; ou seja, sermos capazes de nos pormos na pele do outro. Isto não quer dizer que - automaticamente - aprovemos as suas ações. Não somos diferentes do Outro, na essência: nem superiores, nem inferiores.

- Devemos ser tolerantes, no sentido de não nos colocarmos numa posição ideológica, seja sobre o que for: As questões concretas é que importam; elas passam-se no terreno do real, não nos vapores etéreos das ideologias. Avaliar as situações através do filtro da ideologia, é pior que usarmos um espelho deformante para ver o real; é como caminhar às apalpadelas, num nevoeiro espesso. Eu sei que todos temos, quer queiramos quer não, uma ideologia (implícita ou explícita), mas acho que neste domínio é preciso relativizar: O que nos parece a «verdade última», também no passado, as gerações anteriores tiveram ilusões semelhantes e os resultados foram geralmente deploráveis.




sábado, 25 de novembro de 2023

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE VIOLÊNCIA


- Relações de parentesco e relações "contratuais"

Estas relações existem ambas, em todas as sociedades. A estrutura profunda de qualquer sociedade envolve os dois tipos de relações enunciadas. As figurações simbólicas e discursos de influência, de poder, que emanam de uma dada sociedade irão enfatizar uma modalidade de relações ou outra.
Num contexto de guerra, ou de perigo de confronto generalizado, o apelo à relação de parentesco (pátria, clã, tribo, família) sobressai no discurso público, seja nos líderes ocupando a chefia do Estado, seja nos da oposição.
Politicamente e em termos de retórica é "NÓS contra ELES". Vemos isso constantemente agora. Note-se que o tom de intoxicação sectária foi subindo, desde que se tornou patente a falência geral do Ocidente, causada pelas oligarquias (Março 2020).
Esta falência foi ocultada aos cidadãos dos vários países, utilizando técnicas de propaganda e de condicionamento, com a participação ativa da mídia corporativa. Mas, os dirigentes estavam ao corrente; eles estavam plenamente conscientes dessa falência. Têm conselheiros - pagos generosamente e cuja fidelidade está garantida - que os avisaram. Estes, possuem acesso total a informações e dados que lhes permitem fazer uma avaliação qualitativamente melhor do estado do sistema, do que os seus críticos: Por mais inteligentes que sejam, estes últimos não possuem os dados necessários para "reconstituir o puzzle", obviamente.
Além disso, as pessoas, quer sejam muito ignorantes ou muito cultas, tendem a valorar as opiniões e análises que ouvem ou leem, se o indivíduo que as faz estiver mais próximo da ideologia delas. O discurso político tende a ser apaixonado, excessivo, porque cada uma das partes "precisa" de vincar (tornar claro para a audiência) o seu posicionamento.
Os indivíduos, na sociedade ancestral, estavam inteiramente dependentes da família genética, da família alargada, dos vizinhos e dos habitantes da aldeia, para tudo o que era importante na sua vida. Estavam mergulhados no grupo a que pertenciam; o apoio do grupo era fundamental.
Nos últimos cinquenta anos, com o advento da sociedade industrial avançada, os relacionamentos mais próximos dos indivíduos deixaram de ser, em muitos casos, os tradicionais laços de parentesco e de clã. Os indivíduos passaram a movimentar-se "sem uma rede", sem o apoio (e o constrangimento) do grupo de origem, que tiveram, nas sociedades pré industriais.
As relações contratuais, formais ou informais, passaram a ter cada vez maior peso na vida concreta dos indivíduos. Assim, são ligações contratuais: o emprego, a cidadania, a inscrição na Segurança Social etc. Note-se que são «contratos desiguais», porque os indivíduos não podem negociar os seus termos. Por outro lado, a pertença a uma "tribo imaginária" como um clube desportivo, um partido, uma igreja, etc. , são relações «voluntárias», mas que podem ser vividas com a entrega apaixonada que seria de esperar, em relação à família genética, ou ao meio social de origem.




- As violências individuais e coletivas

A desagregação do tecido social origina indivíduos "desenraizados", além de profundamente infelizes. Em grande parte, as horríveis matanças que ocorrem nas sociedades ocidentais, são devidas a pessoas desequilibradas psiquicamente. Por vezes, aparentam possuir motivações políticas, religiosas, étnicas, etc., mas, de facto, são álibis ou pretextos para descarregar o seu ódio e desespero.
Quanto à violência de grupo (ou gangs), ela exerce-se porque as pessoas envolvidas nos atos de violência sentem-se «justificadas» para as executarem. Também beneficiam da «proteção» do grupo, ou seja, têm menos risco dos seus atos terem uma resposta da(s) vítima(s).
As guerras, atos de violência organizada pelos Estados (ou grupos armados não-estatais), cabem dentro da subcategoria da violência de grupo. É uma violência exercida sobre toda a sociedade. A sociedade ou país sobre a qual se exerce a violência armada pode ser vítima de violência maior, nos termos mais bárbaros, como agora se observa, em relação a Gaza. As vítimas preferenciais são da população civil, desprotegidas e incapazes de se defenderem. Mas, não se deve menosprezar a violência exercida sobre a sociedade, que o Estado e respetivo exército dizem defender.
A violência de Estado, correlaciona-se com a guerra e possui certas particularidades:
- É premeditada de longa data
- O recrutas no exército são condicionados a matar, sem sentimentos humanitários para com o inimigo.
- Um Estado que se declara «vítima de agressão» e com legitimidade a «exercer o seu direito de autodefesa», muitas vezes, vai encenar ataques de falsa bandeira, além de discursos inflamados, de vitimização, etc.
- A economia de guerra implica que as forças produtivas desse país estejam mobilizadas para nutrir a máquina de guerra, mesmo as que não são indústrias de armamento.
- Em caso de guerra, o governo pode impor a ditadura, com a supressão de liberdades fundamentais (supressão ou suspensão de atividades políticas, sindicais, censura dos meios de comunicação, etc.).



- A violência e a «natureza humana»

Os processos que despoletam violência individual ou coletiva (incluindo a guerra) são muito mal abordados, no geral, porque estão quase sempre imbuídos de preconceitos ideológicos, disfarçados de ciência.
Mesmo quando não se trata de argumentos racistas para «justificar» o comportamento dum grupo racial ou étnico sobre outro, verifica-se que é comum o recurso a argumentos apriorísticos sobre o que seria um comportamento «normal» e «anormal» em sociedade, ou os «impulsos genéticos» para a violência sobre os outros, etc.
Todo o discurso assumindo que a «natureza humana» é isto ou aquilo, está a cair no cientismo. Pois a «natureza humana» é uma expressão vazia de sentido, não sendo definível com rigor: Afinal, trata-se duma frase-feita, que não explica nada.
O reducionismo comportamental, nomeadamente quando faz referência aos animais sociais, é uma fraude, tem apenas a aparência de científico. Basta notar que o comportamento desses animais se manteve inalterado no essencial, sem uma evolução observada, ao longo de séculos, pelos humanos:
- Por exemplo: As espécies de formigas do tempo de Aristóteles (384 A.C. - 322 A. C.), tinham exatamente o mesmo comportamento e organização social que suas descendentes de hoje. Mas, o mesmo não se pode dizer dos humanos. Pode haver invariantes físicas, psíquicas e emocionais, mas não se pode negar que houve muita modificação nas sociedades humanas. Estas modificações implicaram mudanças importantes nos modos de vida e nos comportamentos concretos dos indivíduos. Em teoria, não será sempre «falso» falar-se de «natureza humana». Será falso, se esta expressão implicar algo imutável, algo definitivamente fixado pelos genes. É o mantra de materialistas e deterministas, uma versão da ideologia cientista. Têm audiência popular devido à fraca cultura científica de grande parte do público.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

APONTAMENTOS SOBRE ARTE POÉTICA

Existem tantas formas de escrever poesia quantas as personalidades dos / das poetas que a escrevem.

A característica que considero fundamental, numa composição poética, é sua música. Música intrínseca, ou seja, o discurso moldado para produzir determinadas sonoridades e ritmos, com suas cadências e andamentos, tonalidades e  orquestrações. No fundo, esta foi e continua a ser a matéria-prima poética, o ingrediente principal da magia que nos envolve e surpreende. 

Os atributos acima citados, aplicam-se tanto a uma composição musical, como a uma composição poética. É costume classificar-se as duas em categorias diferentes, estão arrumadas em prateleiras separadas, uma das partituras,  outra dos livros de poesia. Mas, afinal, são o mesmo, somente utilizando notações diferentes.

As pessoas estão demasiado imersas numa norma estreita, racionalizadora. Uma prova dessa estreiteza, é pretender sempre encontrar «o sentido» num poema. Uma peça musical instrumental, salvo quando classificada como «música descritiva», não suscita um tal afã nos auditores, de encontrar «sentido». 

Outra maneira das pessoas passarem ao lado da essência duma obra de arte, seja ela musical, poética ou outra, é estarem interessadas, quase exclusivamente, nas circunstâncias em que o autor escreveu o poema /partitura, que significado essa composição teve na sua vida, etc. Tudo o que é exterior à obra propriamente dita, é esmiuçado como se fosse uma prova de erudição, de bom gosto, até!  

Mas, as pessoas passam e a obra fica... Não me refiro, apenas, às que criaram a obra, mas também às outras, contemporâneas, que a aplaudiram ou ignoraram.

Por vezes, está-se perante um «nado-morto», quando a obra é medíocre. Na nossa época, existe muita arte morta, a arte dita comercial, epítome do mau gosto, que se vende bem. E não me estou a referir a determinado estilo, corrente, ou moda. Mas, no que há de mais baixo em qualquer género de música ou de literatura. 

A facilidade em escrever e em obter visibilidade (sites na Internet, por ex.) para os escritos, acrescenta uma camada suplementar de ilusão: Porém, não muda em nada a essência do que é produzido, nem a qualidade intrínseca da obra, ou seu valor artístico e literário. 

Esta multiplicação do «lixo» obriga a usar critérios muito mais exigentes. A cacofonia impede que se oiça a boa música, a boa poesia, a boa prosa. 

A verbalização imatura, despudorada, dos sentimentos é uma pornografia. Distingue-se a pornografia de arte erótica, pelo facto daquela apelar somente ao instinto sexual, sem veicular qualquer forma de beleza.

A destruição das formas de arte, muito em particular da música e da poesia, tem sido levada a cabo pela multiplicação da mediocridade. A produção industrial do que vem intitulado como «música» ou «literatura», torna mais difícil a abordagem da arte e obriga a um elitismo, mesmo quando se defende posições antielitistas, na sociedade em geral. 

Vive-se numa época em que muitos perderam as referências do passado e, portanto, deixou de haver possibilidade -para a imensa maioria - de construir um gosto pessoal, usando critérios estéticos próprios. 

Atualmente, não existe um «cânon» nas artes, «vale tudo». Não seria necessário, no entanto, (re)instituir um cânon. Supondo que tal fosse possível, nem acharia desejável. O conhecimento das diversas escolas estéticas deveria fazer parte da formação, desde a infância. A educação do público seria o meio mais importante - a meu ver - de restaurar a qualidade nos domínios artísticos; infelizmente, vai-se no sentido exatamente oposto.


segunda-feira, 3 de abril de 2023

MENSAGEM PARA TI


Estamos perante um Mundo quebrado, fragmentado. Numa sociedade ​fragmentada, onde ninguém se interessa por ninguém. É muito ESTRANHO o que se está a passar, tendo em conta que nós, humanos, somos animais sociais.
Creio que este estado de «autismo social» não foi alcançado de uma vez, mas progressivamente, de tal maneira que isso nos parece «natural». Com efeito, há mil e uma desculpas para não interagir pessoalmente com outras pessoas. 
A razão de fundo, é que nós nos transformámos, a pouco e pouco, em monstros: monstros de egoísmo, que só nos interessamos por alguém que reforça, de um modo ou do outro, a nossa «performance», nem que seja, apenas, simbolicamente. 
Um mundo assim, é «perfeito terreno de caça» para os psicopatas e sociopatas, pessoas que não têm nenhum afeto, que são realmente destituídos de empatia humana. Estas pessoas apenas simulam; interessam-se, apenas como cálculo. Seja como for, elas costumam desaparecer, assim que veem que a preza não interessa, ou que ela está demasiado consciente do jogo que o predador tem jogado.
Eu penso que as pessoas estão fechadas dentro do seu egoísmo; pensam que, se outros são egoístas ou indiferentes para com elas, elas «têm de pagar da mesma moeda». Só que esta abordagem é demasiado mesquinha e vai necessariamente conduzir a uma (abusiva) generalização.
A nossa natureza de humanos não está nas performances que fazemos; nas carreiras que temos; nos currículos que exibimos; nos bens materiais que acumulamos... Enfim, a grande doença da nossa época é a falta de amor; mas de um amor-dádiva, não de um amor posse, dum amor baseado no «toma lá, dá cá». 
Não há dúvida que precisamos de reciprocidade nas relações com os outros, mas pela positiva; se alguém «falha» em relação a nós (ou julgamos, pois pode até nem ser verdade), devemos perdoar e relativizar, devemos contextualizar, o que implica quase sempre que não devemos (consciente ou inconscientemente) nos autoabsolver do que correu mal na nossa relação. 
Pelo contrário, se estamos envolvidos num relacionamento humano a um nível mais profundo (amizade ou amor), então devemos ter a preocupação de cuidar desse elo que nos liga com a outra pessoa. Temos de estar vigilantes para perceber o que aborrece o outro e o que lhe dá prazer. Temos de saber mostrar que estamos atentos e nos interessarmos genuinamente por essa pessoa. É difícil, porque as pessoas estão muito metidas numa teia de relações interesseiras e não compreendem que o nosso ímpeto não seja determinado por «interesses», mas por afetos positivos.
A maior parte das pessoas não é genuína. Mesmo que elas estejam convencidas de que seu amor/amizade por nós é genuíno, podem estar a enganar-se a si próprias. 
O isolamento que as relações por via «digital» (como esta) provocam, é muito maior porque as pessoas «não têm tempo», só leem e dão atenção a algo muito concreto, que lhes traz (ou julgam que lhes traz) vantagem material.
O relacionamento direto, em situação não-hierárquica, deveria fazer parte de terapia social de grupo, para reequipar as pessoas nas suas referências de vida em sociedade. 
É como se quase todas as pessoas estivessem de tal maneira «destreinadas» do funcionamento em sociedade, que se isolam, ou têm comportamentos ambíguos, inadequados,​ agressivos.

Mas, na verdade, eu não creio muito na implementação imediata de tal abordagem, sem que haja uma transformação social profunda. 
Infelizmente, a possível transformação que antevejo para o futuro imediato - com o agravamento duma crise económica, cultural e civilizacional, para a qual francamente não estamos preparados - é uma transformação regressiva do ponto de vista social e dos valores humanistas.

Estou plenamente ciente de que ​esta reflexão não agradará a muitos, pois eu não caio nos estereótipos usuais. Também não aponto a «solução», o que os vendedores de banha da cobra disfarçados de terapeutas, costumam fazer. 
Mas, proponho que as pessoas aumentem o seu grau de consciência, aprofundem o conhecimento das causas do seu mal-estar, para chegarem a um diagnóstico e que façam algo para mudança das suas condições. 
Podem ser condições externas e materiais, mas podem também ser psicológicas e espirituais. 
Em todo o caso, as pessoas têm de «tomar-se a si próprias pela mão e  serem seu próprio auxílio». 
Se encontram, no caminho, alguém de confiança para as ajudar, ótimo. Mas, não devem nunca esquecer que o trabalho essencial é o da própria pessoa... mesmo, quando beneficiam  duma ajuda terapêutica.



sábado, 31 de dezembro de 2022

A CRISE DA ESQUERDA E PORQUE ISSO É GRAVE PARA TODOS

 Neste fim de ano de 2022, gostaria de vos dar, senão uma perspetiva sorridente do ano que vem aí, pelo menos apresentar-vos alguma paisagem com uma nesga de céu azul de esperança. Mas, tal não será fácil de acontecer, pelo menos na transição de 2022 para 2023, apesar de que todos - subjetivamente - nos sentimos atraídos para o otimismo, nestas épocas. 

É difícil e penoso explicar-vos a enorme revolta que sinto, quando penso na evolução que o mundo está a tomar. Mas, após esse pensamento inicial, pergunto-me: «como é que chegámos aqui?». Qual o fio condutor que nos leva - durante estes anos todos - a chegar com a quase fatalidade da tragédia, ao estado presente do mundo e das nossas sociedades?

As raízes do mal presente são tão fundas, que preciso recuar no tempo (pelo menos) até aos alvores das democracias. Contrariamente ao que muitos podem pensar, as democracias na Europa e América do Norte, não se instauraram de uma vez, como resultado de uma «revolução». Foi um processo lento, com períodos muito conturbados, é certo, mas com a persistente vontade dos povos a serem representados ao nível das estruturas de poder. Qualquer que seja a democracia que daí decorreu, quer mais «parlamentar», quer mais «presidencial», todas elas se basearam no princípio da representação.

O princípio da representação, como fundamento de um Estado democrático, eis o que nos soa a natural, a óbvio. 

Porém, ao nível de grandes conjuntos populacionais, não existe nunca uma representação, sem que o processo ocorra através de representantes políticos eleitos. Então essa pedra-angular da representação (como diziam os revolucionários liberais americanos: não pode haver taxação sem representação) foi substituída por outro critério, muito menos transparente, que é o «princípio da eleição». 

Ora, como tenho várias vezes escrito neste blog e noutros locais, a representação é inevitavelmente falseada pelos mecanismos eleitorais, que dão peso - implicitamente - a quem tem mais poder económico. Os magnates «gostam» de entregar milhares ou milhões a partidos e seus candidatos, não porque estes tenham a sua simpatia ideológica. Mas, antes porque assim os têm «na mão». Ou seja, o partido ou candidato que «morder a mão que lhe dá de comer», já sabe que, na próxima eleição, não terá subsídios (meios de corrupção) para conseguir atender às importantes e inevitáveis despesas eleitorais. Não será eleito, porque a campanha de propaganda de seu(s) adversário(s) estava melhor subsidiada, portanto, as campanhas rivais «convenceram» o eleitorado, em detrimento da campanha do «partido ingrato».

Perante este esquema de corrupção estrutural, não existe verdadeira democracia, pois a representação do dinheiro (quem tem mais dólares, mais euros, etc. e que os podem investir nas campanhas) é quem inevitavelmente ganha. Não são mesmo necessárias grandes fraudes, ao nível da votação ou da contagem dos votos. Os partidos que compõem o leque parlamentar e sobretudo, o leque dos elegíveis para cargos de governo, acabam sempre por ser partidos em consonância com o sistema, mesmo que alguns tenham posturas radicais de direita ou de esquerda. 

O que se constata da história das democracias, é que não são poucos os casos históricos de partidos de esquerda que chegaram ao poder, para logo - ou passado pouco tempo - governarem, não em função da vontade dos seus eleitores (em geral, da classe trabalhadora e da burguesia mais modesta), mas dos interesses dos grandes capitalistas. Justificam estas viragens com o «interesse nacional», ou outra frase-feita, suficientemente vaga, para que não seja fácil demonstrar a  falácia.

A partir de certo ponto, que começou no início do século vinte, deu-se a rendição da social-democracia; eram partidos inicialmente revolucionários, que pretendiam derrubar o capitalismo e instaurar o  socialismo. Sucessivas ondas de (ditos) representantes do proletariado, nas democracias ditas liberais, tiveram o mesmo destino; iniciaram a sua atividade parlamentar como forças de «fora» do sistema, mas em pouco tempo integraram-se inteiramente na mecânica parlamentar. Quando vemos isto, podemos ficar desencorajados, pois é um mecanismo que não pode ser mudado facilmente; o mecanismo da cooptação é o que melhor garante a continuidade do status- quo.

Aquilo que se está a passar neste momento trágico na Ucrânia, é devido à rendição das diversas esquerdas, que jogaram o jogo do belicismo. Isto é válido em todos os países da Europa, incluindo claro, a Rússia. Mas, sobretudo, as forças mais poderosas da esquerda, as que se agrupam na chamada 2ª Internacional Socialista, que têm tido governos ou forças parlamentares de oposição fortes em praticamente todos os países da Europa ocidental, todas se alinharam com o belicismo: Marcharam todas integrando o desfile militar, a passo cadenciado, a mando dos que dominam, da oligarquia. Uma guerra, sobretudo destas dimensões (pan-europeia, na verdade), é sempre impulsionada pela ínfima minoria que explora e domina a maior parte da  riqueza criada e que tem manobrado os governos, através do seu controlo das finanças, da média, da corrupção dos partidos, dos peritos e especialistas. 

O dilema de uma força de esquerda parlamentar é, hoje, bastante claro: 

- Ou se retira da fantochada eleitoral e a breve trecho desaparece, como força organizada ao nível nacional, reduzindo-se à dimensão de «seita»; 

- Ou se mantém, mesmo que diga que o faz «criticamente», mas o seu objetivo acaba por ser a manutenção e expansão  da representação parlamentar, com o objetivo de vir a ser convidada e participar num governo de centro-esquerda. 

Não creio que possa existir uma «terceira» via, para partidos de esquerda, que escolheram a via de colaboração com o sistema. É esta a mensagem implícita que nos dão as suas estratégias e táticas, as suas tomadas de posição e declarações. Claro, não vão dizer ao eleitorado, largamente das classes mais pobres, «nós vamos continuar a política de centro-direita/centro esquerda» e «vocês devem votar em nós, porque nós somos os bons, os competentes, etc.» Claro que a sinceridade está fora do jogo do parlamentarismo. São enganadas muitas pessoas, convencidas de que a transição para o socialismo está ao virar  da esquina, bastando para isso votar nos partidos que têm advogado o socialismo. É dentro desta alienação que opera toda a esquerda parlamentar, hoje em dia.

Não quero deixar a impressão de que tenho uma saída - de curto prazo - para este problema. Não a tenho e confesso-o sem hesitar. 

Porém, a única forma de transformar a realidade política e social em profundidade é através da educação, é pela educação que as pessoas se tornam críticas, que são capazes de raciocinar e de estudar por si próprias, aprendendo não só aspetos «técnicos» dos assuntos, mas também as questões mais profundas. Uma educação verdadeira implica conhecimento, o estudo de livros e artigos sobre Filosofia, Política, Sociologia, Psicologia e História. É de constatar que a escola de hoje está muito longe de encorajar a independência de espírito. As pessoas que organizaram os curricula - desde curricula da escola primária até ao ensino superior- são pessoas da inteira confiança da classe dominante. A escola não é um corpo separado do resto da sociedade, mas é atravessado pelas contradições que nela se exprimem. Apesar disso, a educação, mesmo que não tenha sequer uma réstia de crítica ao poder dominante, é sempre perigosa para este, pois alguns filhos da classe oprimida, conseguem atingir um nível de compreensão aprofundada das matérias e destes, uns poucos, serão críticos da realidade social que se lhes depara. 

Concedo que um partido pudesse ser o veículo dessa educação independente,  não enfeudada a interesses de classe, que são os tipos de ensino dominantes nas escolas superiores e universidades, controladas por vários arautos da burguesia. Mas, a verdade é que este tipo de educação, muitas vezes, se limita a formar quadros do próprio partido. Assim, a educação popular, em todas as esferas da atividade não pode ser veiculada por qualquer partido, mesmo que este tenha as melhores intenções do mundo. Porém, organizações populares de base, não enfeudadas a nenhum partido, poderiam desempenhar um papel  muito mais relevante do que o fazem hoje: Cooperativas, associações populares, associações de vizinhança, sindicatos (não controlados por nenhum partido) etc., podem ser um bom terreno para a emergência duma cultura não-elitista, que proporcione as mesmas oportunidades a todos .  

Se o mundo sobreviver entretanto, talvez daqui a muitos anos haja uma transformação qualitativa nas sociedades e seja ultrapassada a etapa capitalista, em que nos encontramos. Parece-me afinal mais construtivo apontar para um objetivo longínquo mas realizável, do que insistir na fórmula vazia (corrompida e corruptora) do parlamentarismo. Os políticos «profissionais» de esquerda, que sabem isso melhor que ninguém, vivem do engano dos seus eleitores. 

Não é verdade que a «esquerda», por o ser, tenha uma qualquer vantagem moral sobre as formações políticas de direita, ou de centro. A mitificação da esquerda, como superior moralmente às outras forças, traduz-se numa autoilusão, numa alucinação mesmo (nalguns casos) de militantes de base sinceros; enquanto os outros, sobretudo dos escalões de topo e intermédios, têm sobretudo uma enorme sede de poder e não são de modo nenhum sinceros. 

Costumo dizer que a melhor maneira de nos corrigirmos, é olharmos para nós próprios e vermos realmente aquilo que nós fizemos de certo ou de errado. É uma autoanálise praticada pelos filósofos desde a antiguidade greco-romana, pelo menos. Também faz parte do ensinamento de muitas escolas filosóficas do Oriente: do Confucianismo, do Budismo Zen. Está igualmente presente no Cristianismo, no Judaísmo e no Alcorão. Em correntes leninistas e maoistas, encontramos apelos à «crítica e autocrítica»; encontramos semelhante apelo para a introspeção em filósofos influenciados pela psicanálise, ou em pós-modernistas. Podemos encontrar em muitas filosofias, não-europeias, este apelo; a própria «sabedoria das nações», repositório da  experiência multissecular dos povos, vai nesse sentido. Seria de esperar que tal fosse praticado pelo povo de esquerda também, ou seja, pelos que não se deixaram corromper e que não têm a soberba de achar que o mundo todo está errado, que eles é que estão certos.

Um bom ano de lutas para 2023!


Uma ilustração de humor satírico de William Banzai

                               https://www.zerohedge.com/news/2022-12-30/stay-woke

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MITOLOGIAS (cap. X) : CASSANDRA, DA ILÍADA AOS NOSSOS DIAS

Quando falamos de Cassandra, estamos a falar de um mito, independentemente de ter existido, ou não, uma princesa em Troia com tal nome.

 A história contemporânea não reconhece a Ilíada como um escrito histórico, que sobreviveu miraculosamente, primeiro oralmente, depois por escrito, relatando a guerra das cidades-estado do Peloponeso contra Troia. Porém, a constante utilização do longo poema pelas artes, poesia e literatura nos séculos após os supostos acontecimentos,  tem criado a ilusão de que os episódios da obra atribuída a Homero seriam, senão historicamente exatos, pelo menos, verosímeis.

De facto, o que se sabe seguramente pela arqueologia, é que Troia existiu, mas que houve uma sucessão de cidades, umas sobre as outras. Além disso, não houve uma única guerra de Troia, mas sim várias. O relato de Homero (ou atribuído a Homero) poderia ter condensado, numa única narração, o longo período de guerras de  Troia contra exércitos coligados das cidades-Estados gregas.  

Podemos - portanto - considerar que Cassandra, tal como está descrita na Ilíada, releva do mito, mais do que da História mitificada. 

Eu vejo a história de Cassandra (*) como simbólica dos comportamentos das sociedades, em relação às pessoas com maior visão, mais sábias, corajosas, e sabendo que estão a ir contra a corrente mas - ainda assim - dizendo a verdade, custe o que custar,  face aos poderosos e ao povo. 

A obra de Luís de Camões contém uma «atualização» de Cassandra, na figura do «Velho do Restelo». Este desempenha, no poema épico «Os Lusíadas», a mesma função que Cassandra, na Ilíada: Profetizar perigos e desgraças que ocorrerão a Portugal e aos portugueses, em consequência do lançamento das ambiciosas e aventureiras viagens marítimas, a partir dos finais do século XV.  

Uma caraterística comum nas «Cassandras» que se nos deparam ao longo da História, é que seus vaticínios, embora pareçam sensatos quando são lidos após os acontecimentos, foram descartados como  fantasias, sintomas de loucura, palavras vãs, pelos indivíduos que, contemporaneamente, ouviram ou leram tais profecias. 

Figura: Aquando da queda de Troia, Cassandra, que se refugiara no templo de Atena, é  violada e depois feita escrava.

No mito, Cassandra é abençoada com um dom, que consiste na capacidade de ver o futuro e, em simultâneo, é amaldiçoada com a impossibilidade de que suas palavras sejam tomadas a sério por seus concidadãos, incluindo a sua própria família. 

Na nossa época, as «Cassandras» avisaram com detalhe e antecedência e, como na lenda, não foram ouvidas. No âmbito económico, mas com grande repercussão política, a chamada «crise das sub-prime» (2008), levou ao quase desmoronamento do castelo de cartas da economia financeirizada. Esta crise foi prevista - com antecedência - por mais do que um analista dos mercados, incluindo figuras célebres do mundo financeiro.  

Mais recentemente, autores de várias escolas de pensamento económico, têm feito avisos muito enfáticos sobre a iminência de um colapso muito superior, em magnitude, ao de 2008. Os avisos são dirigidos ao poder financeiro nos bancos centrais e ministros da economia e finanças dos governos. Estes preocupantes alarmes têm sido também publicados na media, ao alcance do mais amplo público. 

Estes avisos, como os das outras «Cassandras» da História, estão a ser completamente ignorados, por quase todos: Desde pequenos especuladores, a gestores de Wall Street e doutros centros financeiros, a políticos - tanto no poder, como na oposição. Para mim, esta situação não só ilustra a enorme miopia dos poderes, especialmente após o quase colapso de 2008, como parece ser uma enésima atualização da história de Cassandra da Ilíada.

As multidões costumam ignorar, escarnecer, ou mesmo, violentamente atentar contra pessoas que vêm contrariar preconceitos e medos obsessivos. A fúria das multidões é estimulada por ditadores e demagogos, que assim defletem a ira e a frustração popular para que, perante as consequências de suas decisões aventureiras e fatais, nunca lhes sejam atribuídas responsabilidades, mas ao «bode expiatório». 

As pessoas com lucidez e juízo, nestes tempos conturbados, devem ser discretas. Não se devem expor, pois seriam «arrastadas na lama», ou ostracizadas, no mínimo. Devem preservar-se, pois de nada serve tentar convencer uma multidão fanatizada ou hipnotizda

Estas tentativas vãs apenas irão exacerbar a vontade de vingança das massas enganadas, que julgam que «o mensageiro das desgraças» é o causador das mesmas. O mensageiro é castigado em vez do tirano, que afinal de contas, é o causador das más notícias trazidas pelo primeiro. 

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(*) Citação da «Cassandra» de Friedrich Schiller:

« Por que me encarregaste tu de proclamar as tuas profecias com um pensamento lúcido numa cidade cega? Por que é que me fazes ver aquilo que não poderei desviar do nosso povo? O destino que nos ameaça deve cumprir-se, a infelicidade que eu temo tem de realizar-se, a desgraça que eu antevejo tem de acontecer»...

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