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terça-feira, 3 de junho de 2025

«A ORDEM A PARTIR DO CAOS» ?

 









Tenho encontrado muitas vezes este conceito de que uma «nova ordem» possa resultar da desordem, do «caos». Esta formulação tem sido aplicada por muitos. É um conceito partilhado pelos revolucionários que ambicionam derrubar a «ordem vigente», para impor a «sua nova ordem», uma ordem nova, superior tanto no plano moral, como material.

Esta ideia é traçável até bastante longe, no tempo. Foi muito propagada nas sociedades secretas que se fortaleceram nas vésperas das grandes revoluções burguesas no século XVIII, a Revolução Americana e, alguns anos depois, a Revolução Francesa.

Sabemos que o papel das sociedades secretas, como a Maçonaria, os Illuminati e outras, foi decisivo para agregar forças e vencer as monarquias vigentes: A monarquia absoluta, no caso francês, ou o poder colonial, no caso da colónia americana da corôa britânica.

A ideia segundo a qual «do caos possa nascer uma nova ordem», é contrária às Leis da Física. A IIª Lei da Termodinâmica define que qualquer transformação, num sistema fechado ou isolado, não pode conservar 100% da energia presente no momento inicial.

Pode haver percentagem maior ou menor de perda energética, sob forma de calor, mas toda a transformação energética (por ex.: a transformação de energia química, em energia cinética) implica aumento da entropia, ou seja, há uma fração de energia que não pode ser conservada, nem recuperada.

Mas, no século XVIII as leis da termodinâmica ainda não tinham sido formuladas. Portanto, podemos admitir que os melhores espíritos (como Lavoisier, Benjamin Franklin, e muitos outros),  julgassem ser possível uma transformação tal que do caos, surgisse uma nova ordem.

De facto, os espíritos esclarecidos do século XVIII e protagonistas da filosofia das Luzes, tinham o modelo subconsciente de tal transformação do caos em ordem: Era o modelo da Criação, tal como está descrita na Bíblia. Mesmo os que tinham abandonado a fé cristã, tinham absorvido este modelo bíblico. Ainda não se desenvolvera, em larga escala, a visão evolucionista da Natureza. Só mais tarde isso aconteceu, quer na formulação Lamarckiana, quer Darwiniana.

Somente começou a ser possível uma ciência do «Caos e da Ordem» em meados do século XIX, durante a revolução industrial triunfante: É nesta altura que a ideia de transformação do caos em ordem começa a ser posta em causa, com o nascimento da Termodinâmica, a ciência da Energia, com Sadi Carnot, Bolzmann, J.W. Gibbs e William Thomson (Lord Kelvin).




A ideia maçónica da revolução (o caos), que seria a parideira da nova ordem, continuou a ser defendida e teorizada por intelectuais revolucionários no século XIX. Em particular, por Marx, o qual pretendia que suas teorias eram científicas. Em geral, todos os teóricos da revolução social, seguidores ou não de Marx, tomavam como verdade evidente este conceito de que "a ordem podia ser engendrada a partir do caos".

Nos séculos dezanove e vinte, múltiplos avatares desta ideia agitaram as massas, frustradas pelas suas condições de vida e pela exploração do seu trabalho pelos donos do capital. Sabemos que a burguesia aproveitou movimentos progressistas, até mesmo revolucionários, para se impor com maior eficácia. Frequentemente, ao colocar-se na liderança, o elemento burguês acabava por instrumentalizar os protestos para satisfazer as suas ambições políticas (1).

A utilização do caos para fins políticos é uma constante na História: Mas, a transformação da «ordem antiga» em «ordem nova» tem sido, frequentemente desfavorável à grande maioria. São tipicamente resultantes de revoluções, os regimes com repressão e subida ao poder duma clique governante.

A «revolução» portuguesa do 25 de Abril parece excepção. Porém, ela apenas substituiu uma facção por outra (uma burguesia fascista, por uma burguesia liberal) no governo. De resto, nas revoluções, em geral, há mais mortes e maiores sofrimentos, não nas fileiras dos opressores, mas nas dos insurrectos.

Quanto às revoluções (aparentemente) bem sucedidas, como o bolchevismo ou o maoismo, foram-no não por qualquer propriedade intrínseca destas convulsões (sangrentas), mas porque libertaram energias para a modernização da estrutura produtiva nestas sociedades e completaram a revolução industrial. Note-se que tanto os regimes czarista da Rússia, como de Chang Kai Tchek, na China, não tinham condições para levar a cabo as transformações acima mencionadas.

O capitalismo, por muito que seus defensores digam o contrário, não é amigo da ordem. Tem multiplicado o caos, através de golpes de Estado, guerras civis, guerras entre países, incluindo guerras «por procuração» (proxi wars). No século passado e neste, tem favorecido perigosamente o confronto entre potências nucleares.

Diz-se que as ideias não têm peso no mundo real, porém a ideia difusa, ainda presente em muitos espíritos, de que «uma nova ordem vai brotar a partir do caos» pode causar muita confusão. É uma ideia falsa em Física e perniciosa em História e Sociologia.

De entre as ideias falsas, esta tem um potencial devastador (2), pois coloca as pessoas a desempenhar papéis que - julgam elas - conduziriam ao «Paraíso na Terra». No entanto, só produzem um «Inferno», pois do caos só pode sair mais caos.

Quanto à ordem, ela só pode ser originada a partir do investimento de energias construtivas, que permitem elevar a sociedade a um novo patamar de organização/civilização.
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(1) Os autoritários de todas tendências,  da extrema direita à extrema-esquerda, passando pelo "extremo-centro", sempre consideraram a violência geradora do caos, como bemvinda, desde que os ajudasse a guindarem-se ao poder.

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(2) O mais claro exemplo disso, é a guerra: Esta é o caos, e a ordem dela resultante é a «paz dos cemitérios». 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O TERRAMOTO, NA FILOSOFIA, NA TEOLOGIA E NAS ARTES

Vem esta crónica a propósito da exposição «anatomia de uma pintura» (1) que está em exibição no Museu Nacional de Arte Antiga.  

                                  

Esta pintura do célebre pintor da época, João Glama (c.1708-1792), descreve a sua memória do que presenciou; é o melhor testemunho directo, visto que não existia fotografia, nem registo sonoro, apenas os esquissos de artistas poderiam dar conta, para as gerações futuras, da catástrofe e das suas consequências.

                      

Para além do momento, para além da geografia, este terramoto, marcou uma ruptura. 
Por essa altura, a intelectualidade erudita da Europa, aquela que «pensava o mundo», estava envolvida em polémica, uma guerra de ideias. 
Os autores libertinos de espírito, mais ou menos deístas (como Voltaire) ou mais ou menos ateus (como Diderot), esgrimiam-se contra a Igreja católica e contra a religião instituída, em geral. 
Tudo servia como argumento para destronar as visões teológicas de uma «Causa Divina» ou «Providência», para os acontecimentos deste mundo. 
Voltaire difundia, nos seus panfletos, a ideia de que Deus fez o mundo, como uma máquina, dotada de leis maravilhosas e simples, como ensinara Newton, mas não se inquietou em o manter em funcionamento (a metáfora do Grande Relojoeiro). 
Outros, clandestinamente, tentavam provar que não existia Deus, que o Universo se poderia explicar simplesmente pelas forças materiais e pela conjugação dos átomos, retomando o modelo do atomismo grego (Demócrito) e tentando demonstrar que não é necessária a hipótese de Deus para compreender o mundo, que todos os fenómenos tinham uma causa natural.
Aquando do Terramoto de Lisboa, acontecimento terrível que parecia castigar sem piedade um reino inteiro e sua população, logo saltaram os habituais predicadores da moral dizendo que se tratava de um castigo, da «Providência divina». 
Nessa ocasião, a crença em Deus ainda estava profundamente ancorada nas mentes da pessoas. Não era como agora, em que acreditar em Deus e afirmá-lo é quase um acto heróico, pelo menos em certos meios. 

Leibniz salvaguardava Deus no concerto universal, afirmando que tudo estava feito desde o início, segundo «o melhor dos mundos possíveis», projectando a Providência divina para a eternidade, pelo que aquilo que nos pareciam crueldades e imperfeições da Natureza, na realidade, não o eram, mas apenas consequências, fenómenos inevitáveis da divina obra global, mas cujo plano e desígnio estavam para além da humana compreensão.
O debate entre filósofos centrava-se em torno da questão de saber se existia, ou não, uma «divina providência» e o terramoto de Lisboa serviu como argumento, pela impressão profunda de horror, de absurdo existencial («avant la lettre» !) que se desprendia de tal destruição. 
Não! A Natureza, nem sempre era boa e generosa, também era capaz de - num instante - destruir vidas inocentes, de riscar povoações inteiras do mapa, transformar em montão de ruínas as cidades mais formosas.

Carlos Maria Bobone escreveu um artigo (2) bastante aprofundado, muito legível, sobre esta relação do debate filosófico no século das luzes com o grande terramoto de Lisboa de 1755.

Embora de um período mais tardio ( cerca de 1790), a peça para órgão de Mozart (3), pode ilustrar este tema, pela profundidade trágica que emana dos seus acordes.


    
  

Mozart era mação, tinha uma visão da Divindade  como «O Grande Arquiteto». Deixou-nos, além dessa obra-prima imortal, A Flauta Mágica, algumas obras abertamente maçónicas, destinadas a lojas que frequentava. 
Viena dessa época era tanto mais tolerante para com a maçonaria, que ela estava imiscuída nas mais altas esferas do poder político. 
Porém, Mozart não renegou o catolicismo; deixou-nos muita música sacra em conformidade com o rito católico, de profunda inspiração espiritual.



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(1) http://www.museudearteantiga.pt/exposicoes/anatomia-de-uma-pintura

(2) http://observador.pt/especiais/terramoto-de-1755-a-tragedia-que-arrasou-lisboa-e-tambem-mudou-o-mundo/

(3) https://www.youtube.com/watch?v=Q9WHeha80RA