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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

APONTAMENTOS SOBRE ARTE POÉTICA

Existem tantas formas de escrever poesia quantas as personalidades dos / das poetas que a escrevem.

A característica que considero fundamental, numa composição poética, é sua música. Música intrínseca, ou seja, o discurso moldado para produzir determinadas sonoridades e ritmos, com suas cadências e andamentos, tonalidades e  orquestrações. No fundo, esta foi e continua a ser a matéria-prima poética, o ingrediente principal da magia que nos envolve e surpreende. 

Os atributos acima citados, aplicam-se tanto a uma composição musical, como a uma composição poética. É costume classificar-se as duas em categorias diferentes, estão arrumadas em prateleiras separadas, uma das partituras,  outra dos livros de poesia. Mas, afinal, são o mesmo, somente utilizando notações diferentes.

As pessoas estão demasiado imersas numa norma estreita, racionalizadora. Uma prova dessa estreiteza, é pretender sempre encontrar «o sentido» num poema. Uma peça musical instrumental, salvo quando classificada como «música descritiva», não suscita um tal afã nos auditores, de encontrar «sentido». 

Outra maneira das pessoas passarem ao lado da essência duma obra de arte, seja ela musical, poética ou outra, é estarem interessadas, quase exclusivamente, nas circunstâncias em que o autor escreveu o poema /partitura, que significado essa composição teve na sua vida, etc. Tudo o que é exterior à obra propriamente dita, é esmiuçado como se fosse uma prova de erudição, de bom gosto, até!  

Mas, as pessoas passam e a obra fica... Não me refiro, apenas, às que criaram a obra, mas também às outras, contemporâneas, que a aplaudiram ou ignoraram.

Por vezes, está-se perante um «nado-morto», quando a obra é medíocre. Na nossa época, existe muita arte morta, a arte dita comercial, epítome do mau gosto, que se vende bem. E não me estou a referir a determinado estilo, corrente, ou moda. Mas, no que há de mais baixo em qualquer género de música ou de literatura. 

A facilidade em escrever e em obter visibilidade (sites na Internet, por ex.) para os escritos, acrescenta uma camada suplementar de ilusão: Porém, não muda em nada a essência do que é produzido, nem a qualidade intrínseca da obra, ou seu valor artístico e literário. 

Esta multiplicação do «lixo» obriga a usar critérios muito mais exigentes. A cacofonia impede que se oiça a boa música, a boa poesia, a boa prosa. 

A verbalização imatura, despudorada, dos sentimentos é uma pornografia. Distingue-se a pornografia de arte erótica, pelo facto daquela apelar somente ao instinto sexual, sem veicular qualquer forma de beleza.

A destruição das formas de arte, muito em particular da música e da poesia, tem sido levada a cabo pela multiplicação da mediocridade. A produção industrial do que vem intitulado como «música» ou «literatura», torna mais difícil a abordagem da arte e obriga a um elitismo, mesmo quando se defende posições antielitistas, na sociedade em geral. 

Vive-se numa época em que muitos perderam as referências do passado e, portanto, deixou de haver possibilidade -para a imensa maioria - de construir um gosto pessoal, usando critérios estéticos próprios. 

Atualmente, não existe um «cânon» nas artes, «vale tudo». Não seria necessário, no entanto, (re)instituir um cânon. Supondo que tal fosse possível, nem acharia desejável. O conhecimento das diversas escolas estéticas deveria fazer parte da formação, desde a infância. A educação do público seria o meio mais importante - a meu ver - de restaurar a qualidade nos domínios artísticos; infelizmente, vai-se no sentido exatamente oposto.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

AQUILO QUE NÃO TEM PREÇO [entrevista a Annie Le Brun]


 "Aquilo que Não Tem Preço" de Annie Le Brun, um livro de crítica da arte contemporânea e do capitalismo mundializado, que vem desfazer a ilusão gerada pela sociedade do consumo. 
A mercantilização da arte é parte integrante da mercantilização da própria sensibilidade humana.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

WAGNER E O NAZISMO

Estas notas são um comentário após leitura do muito bem documentado ensaio de Brenton Sanderson: 

Evil Genius - Constructing  Wagner As Moral Pariah


Aprecia o belo, naquilo que ele tem de mais espiritual.

Despreza a pequenez, a necessidade dos medíocres em rebaixar o génio humano, de o transportar para a trivialidade de suas paixões «de cozinha». 

Como sabemos, existem inúmeras obras-primas da escultura, arquitetura, ou doutras artes, das quais não sabemos - nem teremos jamais conhecimento -  sobre quem as fez, muito menos que vida levou e quais os seus pensamentos. Mas, nós apreciámo-las sem nos preocupar com outra coisa senão com a estética. 

Por que motivo, temos de apensar o cunho, o ferrete, de uma ideologia, às obras de autores que viveram em tempos não muito recuados? 

Sabemos muitos detalhes biográficos sobre artistas que viveram há duzentos anos, ou há menos tempo. É natural que muito tenha permanecido, que os eruditos tenham conseguido desenterrar vários documentos sobre génios ou talentos celebrados. 

Temos curiosidade em conhecer as biografias dos nossos compositores preferidos. Construímos uma imagem das personalidades que estiveram na origem das obras-primas que mais apreciamos. Não são imagens reais; são apenas imagens que satisfazem os estereótipos, que permitem reforçar o mito em torno de tal ou tal artista. 

Através de tais biografias, os seus autores contemporâneos (ou não), dos artistas cuja vida eles descrevem, vão tentar moldar os acontecimentos para se coadunarem melhor com a imagem que eles próprios possuem dos tais ídolos. 

Também surgem casos de personagens biografados, quase sempre, de um modo negativo. Um caso extremo, é o de Wagner e do seu (real) antissemitismo

«Hitler foi o grande inspirador de Wagner» seria tentado a dizer ironicamente, para caracterizar as inúmeras biografias que enfatizam Wagner como um «precursor» do nazismo. 

Nada mais idiota, não mostram uma mínima compreensão da ideologia antissemita, tão disseminada e tão evidente, em grande parte dos meios intelectuais e de elite no século XIX. É um anacronismo absurdo, um erro crasso, se nós quisermos acreditar na boa-fé dos autores. 

Porém, tal não é possível, na verdade. Não podemos ingenuamente «perdoar» os tais críticos. Pois, realmente, para estes, trata-se de afirmar o «politicamente correto» de uma forma  bem pouco arriscada, indo ao encontro do preconceito, reforçando-o. 

Por exemplo, que a música de Wagner era «adorada» pelos nazis, é falso, totalmente. E depois, mesmo que tal fosse o caso, que culpa teria Wagner disso, tendo ele vivido no século XIX e morrido em 1883? 

Aquilo que me cansa é a constante etiquetagem que outros fazem e as pessoas aceitam como sendo «cultura», quando afinal não é mais do que transposição de preconceitos, ódios e amores, frustrações e desejos, pessoais do próprio crítico, para o campo da crítica de arte. 

As opiniões de certos críticos sobre tal ou tal artista do passado ou presente, são muito reveladoras, mas da personalidade de quem emite estes juízos críticos!

Eu adoro Wagner, em particular, as canções a Wesendonck , a abertura da ópera de «Die fliegende Hollaender/ The Flying Dutchman» e o prelúdio a «Tristão e Isolda»

Isso faz de mim, um nazi? Só totalitários, afinal (quaisquer que sejam as ideologias que afixem) podem pensar tal coisa!

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

VALSA nº2 DE DMITRI SHOSTAKOVICH

Célebre valsa, da suite «jazz»


Esta pequena peça, extraída da suite nº2 «Jazz», é a mais popular e celebrada do compositor soviético

É paradoxal que o gosto das pessoas se tenha fixado em formas musicais do século XIX ou, por outras palavras, que a maior parte das experiências musicais levadas a cabo no século XX (e XXI) deixem uma grande parte do público «frio». 
Porém, observa-se com o gosto pela música, o que eu designo como «o paradoxo da abundância». Aliás, este paradoxo é geral, pois envolve  muitas circunstâncias da vida de hoje, não apenas no campo musical. Pode-se enunciar da seguinte maneira:
«A selectividade do público perante produções (culturais) decresce, na medida em que cresce a oferta (a facilidade de acesso) do referido bem (cultural).»
Ao longo do século vinte, assistimos à extraordinária difusão do disco e da rádio, na sua primeira metade e da TV, do vídeo, da Internet, na segunda... Todos estes meios facilitaram extraordinariamente o acesso de todos os públicos, tanto o erudito como o ignorante, aos mais variados géneros e estilos de músicas. 
Nota-se, com o evoluir dos tempos, um consumo de massas cada vez menos selectivo. 
É certo que a qualidade do que é produzido, em várias épocas, é difícil de apreciar, até porque nossas apreciações estão fortemente enviesadas pelo sucesso de certas obras e autores. Esse sucesso vai mantendo determinadas composições na memória colectiva, sendo executadas em concertos ou em disco, repetidas vezes. 

Creio que o factor essencial é a educação (neste caso, a educação musical). 
Sem uma educação, uma cultura, um conhecimento mais do que superficial, não se pode usufruir com plenitude uma obra de arte. 
É como a iliteracia: temos capacidade de ler (ouvir) as palavras de um texto, mas sem fazer a conexão entre elas (a gramática e a semântica). Embora a faculdade de compreender a língua falada do nosso meio de origem, seja em certo grau, herdada, é muito insuficiente, está muito aquém de nos habilitar a usufruir das grandes obras da literatura ou, mesmo, de pequenos textos efémeros, que também podem ser geniais, à sua maneira.
- Tal como existe uma relação  entre a compreensão espontânea e básica duma língua e a capacidade em apreciar as produções da sua literatura, também o mesmo se aplica à arte musical, ou noutras artes. 
Nas artes plásticas, por exemplo, não se pode compreender determinada obra, sem conhecer os códigos estéticos que vigoravam na época da sua produção e mesmo, sem saber algo sobre os constrangimentos inerentes aos materiais e às técnicas utilizados nessa obra ... 
A fixação do gosto das massas é causada pela exposição repetitiva a determinados clichés musicais, reiterados e usados como fórmulas de sucesso. Mas, a originalidade também deveria ser factor de favorecimento do público. 
Com efeito, no caso musical, a originalidade consiste, por exemplo, em obter um efeito sonoro imprevisto, mas que se enquadra dentro da lógica da composição. Ela também é detectável numa composição dita «fácil», que nos «entra no ouvido».
É o caso da Valsa nº2 de Shostakovich: se analisada cuidadosamente, teremos a surpresa de encontrar nela pequenos detalhes subtis, reveladores da mão de um mestre. 

quinta-feira, 6 de julho de 2017

CONFERÊNCIA POR ROGER SCRUTON - «O VERDADEIRO, O BOM E O BELO»


O Dr. Scruton representa  uma corrente de filosofia sobre estética, que tem sido completamente posta de lado pelas correntes do pós-modernismo, que revela a ligação (óbvia) a meu ver, da estética com a moral (quer individual, quer colectiva).
Uma conferência apaixonante, do princípio ao fim.


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

HOJE, COMO SEMPRE ... MOZART!


Mozart - Piano Concerto No. 21 in C, K. 467 







Perante a estupidez humana, não há nada a fazer, senão observar com nostalgia as raras instâncias em que o espírito humano se uniu com a divindade e ser paciente.

Na época em que vivemos, a loucura suicida dos humanos excede tudo o que se possa dizer ou pensar. Só resta o refúgio da arte. Para mim este refúgio ainda existe, espero sinceramente que possa abrigar também o leitor/auditor.

A alegria, a tristeza, o entusiasmo e a nostalgia, tudo isso se exprime de dentro destas notas musicais que Mozart nos legou.

Serei parcial, mas paciência... Nunca - penso eu - a música terá atingido cumes mais altos que nas obras do mago de Salzburgo.

O que distingue o génio, do simples engenho?

- A música transporta em si sentimentos, para além das óbvias sensações auditivas. Ou seja, a música é moral. Não se limita a sensações físicas. Então, o génio consegue transportar-nos para um universo de sentimentos e não apenas nos transmite sensações físicas. 
Porém, uma música que apenas resulta do engenho, pode transmitir sensações muito prazenteiras; mas não passa disso...

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

ABEL SALAZAR, CIENTISTA, ARTISTA E RESISTENTE


Abel Salazar foi muito acarinhado pela geração dos médicos e biólogos à qual pertenceram os meus Pais. Ele estava sempre disponível para ajudar jovens. Uma tal Georgette Banet trocou correspondência com ele sobre questões de Histologia, às quais respondeu gentilmente. Também lhe ofereceu uma obra sua de Histologia e Patologia, um importante recurso para o estudo da finalista ou jovem médica, que era minha Mãe. 
Guardo com muito carinho este livro científico do Prof. Abel Salazar, com uma dedicatória manuscrita à minha Mãe. Guardo também uma àgua-forte do Mestre Abel Salazar, oferecida aos meus pais, como afirmação da sua estima pelo trabalho do casal de jovens médicos. 

O tema da referida àgua forte é semelhante ao do quadro a óleo, visível abaixo, recentemente vendido numa leiloeira de Lisboa




Na casa-museu, existem muitas obras e recordações do Homem multifacetado que veio a ser homenageado, depois da queda da ditadura fascistóide.  Deram o seu nome a um dos centros de investigação e ensino mais dinâmicos do país, o «Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar», no Porto. 

O óleo abaixo (que se pode ver na Casa-Museu Abel Salazar) representa vendedeiras no mercado ao ar livre no Porto. 

                            


A preferência por cenas representando o povo trabalhador, humilde, faz dele precursor ou iniciador do movimento neo-realista. 
Porém, acho que é muito redutor - para qualquer artista - tentar enquadrá-lo dentro de uma determinada corrente. Qualquer artista verdadeiro é multifacetado, tem uma procura e uma evolução natural, intríseca, da sua arte. 
Aqui e agora, lamentavelmente, o realismo tem sido posto de lado, por críticos de arte que apenas se interessam e valorizam as ditas «vanguardas». Mas esta visão é tão parcial como a visão académica oposta, pois na nossa sociedade -como em todas - coexistem diversas correntes estéticas e isso, afinal de contas, é muito positivo. 
Porém, esse efeito de «moda» - ou seja, a obsessão com algumas correntes, apenas e a sistemática omissão do que esteja em contradição ou não se conforme com uma determinada visão da arte - não apenas é redutor, como empobrece e distorce aquilo que o grande público pode captar das principais correntes estéticas, num dado país.