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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

OPUS VOL.III Nº29: DESALMADA



 Caminha pela rua, bamboleia-se 

Ao ritmo da música dos auscultadores

Imagina-se a deslizar numa onda, 

Surfando sobre a música, quase voando

Voando pelos ares irradiando energia

Não vê nada além do sonho

O sonho sem os limites do mundo


Tudo o que tem de fazer

É mover o corpo, esse avatar

Obedecendo ao ritmo 

Que se desprende incessante

Obsessivo, hipnótico

E, muito mais que isso,

Um espesso vidro, inquebrável


Vive no simulacro do corpo

Mas habitado pelo som 

Em todas as moléculas

Vibra e ondeia no espaço

No interior/exterior

Da sua fantasia


Evolui em espirais

Pelo espaço-tempo

Ao ponto muito elevado

De onde observa a rua

Com a sua banalidade


E as pessoas cansadas

Ou vagarosas, distraídas

Ou pensativas, raivosas

Ou sorridentes, enfim

Se elas soubessem 

Se elas acordassem

Se elas escapassem

Coitadas...

Só que nunca o fazem!


Um vulto no passeio

Avança com passos

Cadenciados gestos

Nos dedos e nas mãos

Trejeitos na boca

Oscilando a cabeça

Possuído pela música

Indiferente ao resto 





 

sábado, 26 de outubro de 2024

OPUS VOL. III nº 28: IMPENITENTE

 


Há um cadafalso que te espera

Impenitente verdadeiro

Fugidio relapso 

Insensato herege

Amante da vida 'té à morte

"Ela que entre" dizes, sorrindo

"E nos teus braços se extinga 

O fraco pulsar do coração".


Murtal, Parede

Outubro, 2024


OPUS. VOL. III nº27: REGISTO



Vivi em parte incerta, em tempo remoto

Dos humanos desprezado, confidente dos bichos

Sua língua falei;  foi também a minha

Desenhei quantas nuvens se desdobram no céu

Fui escrivão de sonhos, as palavras eu comi

E o vento, d'erva fresca temperado, eu bebi 

Debaixo de terra permaneço; aqui fico

Tranquilo espero a eternidade.


quinta-feira, 24 de outubro de 2024

OPUS VOL. III. Nº26: METAFÍSICO




 Ah,  pudesse eu mais que em sonho abraçar-te

Se estivesses comigo agora, sentindo teu respirar 

Ser ou não ser, não importa mais qu'este  sofrer

O destino frio desta matemática ausência


Por que persigo o impossível com a aplicação

Dos loucos ou dos heróis, não posso desculpar-me.

A sombra que somente eu vejo não me esconde

É um sudário que recobre levemente o cadáver


Mas no espaço de infinitas dimensões, quem sabe?

Talvez nos encontremos, um átomo, um instante

Na impulsão de sonhar que nos propulsiona


Talvez nos encontremos em uma vida paralela

Á beira mar, com suave brisa e serena plenitude

Unida alma fluirá, bailando no céu de estrelas




domingo, 13 de outubro de 2024

OPUS VOL. III, nº25: SECRETOS PENSARES


SE outrora vivera em redoma de amor, há muito dela me esqueci

SE nosso espírito no corpo se compraz, é que estamos de boa saúde

SE pudesse voltar ao passado, já não seria o passado mas outro presente

SE hoje sou como sou, à história do mundo e do universo o devo

SE caminho pelos bosques e veredas, não admira que seja bicho do mato

SE a felicidade é ausência de dor, escolhi não ser feliz e loucamente amar

SE estes versos te parecem estranhos, percorre mais um pedaço da vida

SE o espanto da Natureza te assalta, é porque a criança em ti não morreu

SE alguém me ignora, eu não levo a mal; ele será incompatível comigo

SE a vida duns vale mais ou menos que a doutros, só Deus o sabe.

SE , no entanto, queres um conselho meu, segue o teu caminho




terça-feira, 8 de outubro de 2024

OPUS VOL. III, nº 24: VERSOS RECOLHIDOS NOS ESCOMBROS




Tantas luzes se consumiram

Nos fogos fátuos, na escuridão

Tantos corpos se quebraram

Num sopro, rente ao chão

Tantas vidas viveram

No Universo eterno

Tantos amores escolheram

Serem felizes no instante

Tantos falharam. Dizem

Aqueles que nem tentaram

Descolar os pés do chão

Promessas de Prometeus

Brotaram obras nos cumes

Que os deuses para si

Mesmos reservavam

Por tudo isto e muito

Mais, nos confrontam

Águias depenadas

Mas com fortes garras;

Dominam

Ovelhas humanas

E aos penhascos as lançam

Pelo prazer de rasgar

Suas carnes tenras

Algum dia virá o fim

Das pulsões de morte

Algum dia chegará

Em segredo, o Eros

Que vencerá o obscuro

Dentro dos humanos

Algum dia regenere

A Terra-Mãe

Dos estragos

Causados apenas

Por alguns, poucos

Mas que todos

Estamos sofrendo

Só há dois possíveis:

Ou projetas teu ser,

Tua energia no futuro

Ou constróis, instante

A instante, o presente

De cada um e de todos

A construção, aqui e agora

Do Mundo Humano

É sempre possível

Mas fizeram-nos descrer

Homens, desta saída

Atirando a felicidade

A justiça e igualdade

Para o futuro incerto

Os poderosos enganam

Os povos, arrastados

Por novas/velhas utopias

Á procura de paraísos

Na Terra ou no Céu

Só se podem libertar

Aqueles que percebem

Como seus corações

Foram escravizados

Logo, libertos

No cosmos infinito

Voarão como anjos

Mas de carne e osso

Ensinando aos outros

A voarem, também
































quarta-feira, 25 de setembro de 2024

OPUS VOL III, 23: ILUSÃO

 


Peguei no telemóvel 

Marquei aquele número que me disseram 

Uma voz maviosa respondeu

Ouvi um longo desfiar de frases

Que me preveniram supostamente

De todas as infrações / penalidades 

Eximia-se de qualquer responsabilidade 

E eu apenas tinha de dizer "sim"

Por fim, após uma musiquinha

Que se repetiu quinhentas vezes 

Veio a voz (real) de alguém 

Um homem que se identificou 

Mas não percebi seu nome

Da maneira como o pronunciou 

Apenas queria saber o meu nome

Completo, meu número da Seg. Social

Número fiscal, data de nascimento 

E depois perguntou-me:

"O que deseja?"

Já não sabia se desejava

Falar com alguém assim.

Afinal, tinha sido impulsionado

Por um agudo sentimento

Como se fosse uma vertigem,

Um mal-estar, de impotência 

Para continuar a arrastar

Comigo a sombra do passado

E de encarar o presente.

Estava realmente na ponta

Final da luta comigo próprio,

Mas a fatalidade jogava

Tudo para me empurrar 

Para dentro dum poço 

Sem fundo de meu

Desespero...

Não encontrei palavras

Para lhe responder.

Os pensamentos atravessavam

Meu cérebro como raios

U.V. e nem ouvia já 

Aquela voz insistente 

Ao meu ouvido

Que me repetia 

De maneira polida

"O que desejava ?"

Por fim, disse-lhe:

- Desculpa , não é nada.

E desliguei.




quinta-feira, 12 de setembro de 2024

OPUS. VOL. III, 22 DIÁLOGO ENTRE O REFLEXO E O REFLETIDO


- Se tu sabes, não digas.

- Confesso que não sei

Ignoro tudo, nada sei

Se olho prá Lua

Vejo um queijo

Cada coisa é nova

Inédita, um mistério

Um inexplicado

Movimento 

Sem causa aparente

- Muito bem, rapaz:

Vejo que aprendeste 

Bem e depressa; 

Mas, ainda melhor 

É ficares calado.


domingo, 11 de agosto de 2024

OPUS VOL. III 21: AGUARELA


O pincel desloca-se suavemente sobre o papel branco

Este absorve a tinta fixando espirais de cinzento

Recolhe mais tinta no tinteiro; aplica curtos traços

Nos intervalos brancos do papel; surge uma figura

Uma paisagem, um céu que se destacam do fundo

Como se sempre lá estivessem, mas invisíveis

Esta arte de pintar é toda em subtileza

A mais ambiciosa, na modéstia dos meios usados

Não admira que vejam nela meditação profunda.



Os esfumados que nos dão a espessura, os vazios

Que se enchem de luz, as linhas apenas sugeridas,

Os relevos de corpos gráceis ou pesados

As humanas formigas que descem a colina

Encosta abaixo, até aos telhados de colmo


Arte pensada, imaginada, antes de executada

Toda ela tensão entre o interior e o exterior

Poesia realista e onírica que mais aprecio

Mas que nunca alcançarei!

sábado, 27 de julho de 2024

OPUS VOL. III, 20: A CINZA DE GAZA



 Já não restam lágrimas, só cinzas

Que sobre as cabeças caem 

Vindas do céu mortífero

Da crueldade despejada

Sobre a cidade esventrada

Vê-se nos écrans digitais

Olhos vidrados já não veem

Outros olhos não querem

Outros são indiferentes 


O sangue das vítimas

inocentes espalha-se

Sobre as pequenas cabeças

Ensopa-lhes os cabelos

Escorre pelas faces


A degradação humana

Atinge esta civilização

Ela perdeu o senso moral

Demasiado poderosa

Totalmente impiedosa


A monstruosidade

e a cobardia

Não se apagarão:

Estão para sempre

por cima das cabeças

Dos que cometem 

Dos que abençoam

Dos que viram a cara


Haverá cinza suficiente,

Suficiente para enterrar 

A cinza dela própria

Sua autodestruição

Material e simbólica?





domingo, 7 de julho de 2024

OBRAS VOL. III, 19: IRREVERSÍVEL



Fotos desbotadas, imensa tristeza que vem da lonjura

Enterrada na presença pungente que dilacera o espírito 

Viver com lastro de tantas recordações, tantas presenças 

Ausentes para sempre, que povoam as memórias 

Algo que nunca imaginei na juventude , o mundo 

Parecia estável apesar de todos os redemoinhos

Mas foi retirando os entes que eu amava

Restando apenas a distância incomensurável 

De um passado e todo o absurdo de sermos

Passageiro único de um imenso navio

Ou  dum longo comboio sem vivalma

Atravessando planícies monótonas 

Para destino nenhum , velozmente.

E o passado, em sonhos esfarrapados

Que me agitam e fazem acordar,

Desfila em sequências caóticas .

Aprendi então a viver no meio

De meus fantasmas familiares 

E , enquanto posso, vou saboreando

Os instantes poucos que me restam

De alegria e gratidão, que sabedoria

Me dá, agora que juventude se foi.


segunda-feira, 17 de junho de 2024

EROTISMO NA CANÇÃO (Segundas-f. musicais nº5)


Muita gente conhece a canção de Serge Gainsbourg e Jane Birkin «Je t'aime, moi non plus». Tornou-se um enorme êxito comercial e propagou para uma fama ainda maior este par já bastante famoso. Porém, eu não considero que esta canção seja grande coisa, nem do ponto de vista musical, nem do ponto de vista da letra «erótica». O facto de uma letra falar explicitamente de sexo, de ato sexual, não a torna automaticamente merecedora de entrar na categoria de erotismo.
Compare-se com o bolero de Consuelo Velasquez «Besame»(1): Não há dúvida que é uma canção de amor com forte componente erótica (ela explicita somente beijos e abraços)...

Canta Lisa Ono


Bésame


Bésame, 
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Bésame
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte
Perderte después
Quiero tenerte muy cerca
Mirarme en tus ojos
Verte junto a mí
Piensa que talvez mañana
Yo ya estaré lejos
Muy lejos de ti
Bésame,
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Que tengo miedo a perderte, perderte después

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Com efeito, os surrealistas consideravam que era ingrediente fundamental da poesia erótica(2), esse erotismo estar recoberto dum véu, de haver ambiguidade, incerteza, duplicidade de sentido, que tornam o poema, ou peça musical, muito mais interessantes.
O auditor é confrontado com uma sensação análoga à que tem, quando os traços dum rosto são sugeridos, por detrás de um véu.
O contrário ocorre hoje, em particular nas praias, com o rosto e com o corpo todo, não deixando qualquer espaço para a imaginação.
Para os surrealistas, a Arte erótica era sugestão, provocação encoberta, o «dizer sem dizer»(3). Note-se que esta definição não era inspirada por uma moral puritana, antes pelo contrário. Eles, surrealistas, faziam na sua vida uma experimentação permanente, o desregramento sexual era "regra", não havia para eles tabus de qualquer espécie.

Retrato de 1926 por Man Ray

Porém, hoje em dia, se dissermos "erótico", provavelmente as pessoas irão pensar em sexo explícito, em obscenidades, em pornografia. Mas, estas características estão afinal nos antípodas do verdadeiro erotismo.
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(1) A minha versão preferida é a de Cesária Évora, na minha playlist, aqui: Talentos Latino-Americanos
(2) André Breton: « La beauté convulsive sera érotique-voilée, explosante-fixe, magique-circonstancielle ou ne sera pas »
(3) Aliás, é notável o número de artistas plásticas  femininas surrealistas; estas mulheres-artistas desenvolveram sua própria abordagem do erotismo.
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A canção seguinte, «In the mood for love(4)», sugere que ela está nesse estado quando está na presença do seu amado. Mas, quererá isso dizer que «está pronta para fazer amor»? Note-se que não é o que ela diz, realmente. O efeito sugestivo advém da música, lânguida e sensual, que reforça o caráter erótico da canção.
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(4) traduziria por «estou numa onda de amor» ou algo deste género.



Canta Sarah Vaughan


I'm In The Mood For Love 


I'm in the mood for love
Simply because you're near me.
Funny, but when you're near me
I'm in the mood for love.
Heaven is in your eyes
Bright as the stars we're under
Oh! Is it any wonder
I'm in the mood for love?
Why stop to think of whether
This little dream might fade?
We've put our hearts together
Now we are one, I'm not afraid!
If there's a cloud above
If it should rain we'll let it
But for tonight, forget it!
I'm in the mood for love

Compositores: Dorothy Fields / Jimmy Mchugh

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No poema «Pensionnaires», de Verlaine magistralmente posto em música por Léo Ferré, a situação é explícita e tem um pormenor tal, que se compreende quais as atividades a que se entregavam as duas irmãs. Se há um aspeto explícito de atos sexuais, por outro lado, há o contraste (musicalmente sublinhado) da criança no berço, muito contente e entretida, enquanto as duas amigas se entregam a rituais fogosos.
Escolhi-o, porque é, a meu ver, uma obra-prima poética e porque na arte não existem fronteiras estanques, nem regras absolutas: Apesar do aspeto explícito, parece-me algo só ligeiramente transgressivo. A arte do poeta e do músico, conseguem fazer-nos aceitar a letra como sendo erótica, não como pornografia.

Poema de Paul VERLAINE /Música e Canto de Léo Férré:



Pensionnaires

L'une avait quinze ans, l'autre en avait seize ;
Toutes deux dormaient dans la même chambre.
C'était par un soir très lourd de septembre
Frêles, des yeux bleus, des rougeurs de fraise.

Chacune a quitté, pour se mettre à l'aise,
La fine chemise au frais parfum d'ambre.
La plus jeune étend les bras, et se cambre,
Et sa soeur, les mains sur ses seins, la baise,

Puis tombe à genoux, puis devient farouche
Et tumultueuse et folle, et sa bouche
Plonge sous l'or blond, dans les ombres grises ;

Et l'enfant, pendant ce temps-là, recense
Sur ses doigts mignons des valses promises,
Et, rose, sourit avec innocence.


Este poema foi composto na prisão, juntamente com outros poemas eróticos. Veja abaixo a ilustração feita por Jean Berque, que também ilustrou outros poemas do livro «Amies», publicado em vida do autor sob pseudónimo:





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Françoise Hardy, que faleceu recentemente aos 80 anos, deixou-nos algumas das canções mais belas em língua francesa. Ela tinha um modo de cantar extremamente sensual. Além disso, era excelente compositora e letrista. Ninguém fica indiferente à sua beleza e à sua voz. Oiçam (letra em baixo):

Canta Françoise Hardy

A canção «Moi vouloir Toi» (letra e música de Françoise Hardy/ Louis Chedid), celebra o amor físico entre um homem e uma mulher, enquanto o melhor antídoto para descolar das chatices do mundo. Mas como não é explícita, cai dentro da minha definição de erotismo.
MOI VOULOIR TOI
Pour décoller d'la planète
y a des plans plus ou moins nets
comme les piqûres en cachette
l'alcool et les cigarettes
y a des pilules, des tablettes,
des salades sans vinaigrette
moi je suis toujours à la fête
chez toi

pour décoller d'la planète
et s'envoler à perpète
j'ai la meilleure des recettes
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

pour décoller d'la planète
autrement qu'en superjet
qu'en soucoupe ou en navette
en yogi ou en ascète 
pour perdre carrément la tête
sans presser sur une gâchette
exclusif, je regrette
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi



sexta-feira, 14 de junho de 2024

OPUS VOL. III. N. 18 : ASSIM OS LEVA O VENTO

 


Era um tempo sem bússola 

De parte a parte parecia

Um mundo fictício 

Porém era real

Para onde quer que olhasse

Já não reconhecia 

Os meus amigos

Vivia num pesadelo

Acordando em suor

Com a memória 

Misturando-se de sonhos

E estes não eram doces

Mas de calafrios

As lindas criaturas

Transformadas em hienas

Meus leais companheiros

Em verdugos sádicos 

Oh! Meu Deus, serei

Eu o louco, afinal?

Não sei; as conversas

Com o Senhor do Universo

Têm estado difíceis 

Ultimamente 

Mas, ao acordar, recebi

Uma críptica mensagem :

"Assim os leva o vento"

quarta-feira, 5 de junho de 2024

OPUS VOL. III, 17: AQUELE PUNHO FECHADO

 


Aquele punho fechado inspira coragem

E vem com o braço e o pulso

Finos, delicados e fortes da mulher

Dela erguem-se palavras 

Soam e ressoam no meu espírito

Sem falsa retórica e sem ódio

 

Sabe falar da guerra e da paz

Não precisa de falsos argumentos

Só de três coisas precisa: Amor, 

Coragem e Verdade. 

 Mais força tem que um exército

Mais pontaria que atirador de elite 


Sua palavra abrasa corações 

Invencível: Sendo impossível

De suprimir, brota da terra 

Recobre o horizonte 

É brisa ou vendaval

Sai do peito daquela mulher


Mas palavras assim poderosas

Outras vozes as pronunciam

Quem recebeu tais palavras

Pode fazê-las suas 

E disseminar como semeador

Que lança na terra nova vida







terça-feira, 21 de maio de 2024

OPUS. VOL. III 16 VIAGEM




 Na poltrona viajo sem mexer

Ciente dos perigos da estrada

Enquanto os pesadelos do sonho

Só nos dão um mau acordar

Passageiro.


Só percorro vales e montes

Montado na imaginação e basta

A realidade já não é perigosa

Nem nos traz grandes surpresas: 

Tornou-se chata.


Percorrendo avenidas e atalhos

Recolho imagens únicas e vivas

Mais vivas que as da vida real 

De tão reais que as exteriores

Empalidecem.


E como a matéria colorida,

Também a matéria sonora

Um tango ou sinfonia,

Entra pelos ouvidos adentro: 

Sublime


Não aconselho viagens 

Com drogas ou licores 

O viajante dos sonhos

Deve estar ao leme

Do navio


E quando acordo na realidade

Que tem de ser, quotidiana

Acordo com profunda tristeza

De visionar um mau filme

É o que é!


quinta-feira, 2 de maio de 2024

OPUS VOL. III, 15. O CONSELHO DOS ABUTRES

 Nota prévia:

Este poema foi escrito na sequência do 11 de Setembro de 2001. Publiquei-o a 29 de Setembro desse mesmo ano. Não tinha ilusão sobre a política de abutres grandes e pequenos que iria desenrolar-se daí por diante. Infelizmente, para todos nós, a minha intuição estava correta!

Manuel Banet

(Murtal, Parede, a 02 de Maio de 2024)




Fábula: O CONSELHO DOS ABUTRES


Reuniu-se o Conselho Supremo dos Abutres,
Para decidir de magna questão:

O Abutre-chefe, bateu as asas e disse:

"Senhores; a situação é grave.
Há grande falta de carniça no mercado!"
Virando-se para um dos seus generais,
Interrogou: "Não haverá por aí uma
Guerra que se aproveite?"
Ao que o general abutre respondeu: "De momento,
Que se veja, não! Porém, temos planos para
Remediar tão penosa situação "
"Dizei-me então", retorquiu o Abutre-Chefe,
"Tem de ser algo em grande, 
E que nos sirva por muitos e bons anos!"

G: "Recebi informação dos nossos amigos Chacais
Que um banho de sangue de carneiros está em preparação,
Pelos abutres do outro lado"
A-C: "Quais? Dizei-me tudo o que sabeis!"
G: "Aqueles mesmos que preparámos e treinámos
Durante longos anos e que agora se têm rebelado
Contra o Vosso supremo comando:
Vão causar um genocídio, dentro da nossa coutada,
Para mostrar que já não nos temem ou respeitam!"
A-C: " Dentro da nossa coutada !?"

Aí, pediu a palavra o velho Abutre, que já tinha sido
Conselheiro de muitas empresas de carne-para-canhão
E disse: "Pois bem, deixemos que atuem!
Assim, teremos pretexto para desencadear as nossas operações!"
Grande algazarra se elevou então no Conselho:
Uns gritavam: "O quê? Deixar que soframos uma tal humilhação?!"
Outros: "Mas se desta vez os cachorros
Se puserem a ladrar que estamos feitos com o outro lado?"

A maioria estava muito excitada, ao saber
Que a grande crise estava prestes a terminar:
Os abutres não se importam de onde vem a carniça,
É sempre bem-vinda, para satisfazer suas grandes panças.
O Abutre-chefe ergueu-se então do seu trono,
Voejou em torno da mesa de conferências e pousou no meio desta.
Fez-se logo um silêncio sepulcral. Então disse:
" Sim; este é o momento!
D'agora em diante, teremos abastecimento
Copioso, tanto e tanto, que ainda vai sobrar
Pra satisfazer a gula dos falcões, hienas,
Chacais e todos os nossos amigos: 
Eles são os nossos aliados naturais!
Vamos organizar o cenário da guerra, 
Com sua preciosa colaboração."

O enviado dos falcões disse então:
"Estamos d'alma e coração convosco!
Temos nossas esquadrilhas preparadas
Para atacar. Iremos vestidos de pombas,
Como é nosso hábito, para que os cordeirinhos
Da nossa cerca fiquem quietos e calados!"

O Embaixador das Hienas, pediu a palavra
E disse: "Se Vossas Senhorias me permitem,
Devido aos longos anos que tenho de
Experiência com as hostes cornudas,
Penso que podemos dar precioso contributo
A tão nobre causa; temos esquadrões
Bem treinados para semear o terror
Nos rebanhos, receitas infalíveis
Para os desorientar, para confundirem
Nossos dizeres com apelos de cães-pastores:
Assim eles serão voluntários
Para irem imolar-se pela nossa causa!"

"Muito bem!" Disse o Chefe-Supremo.
"Ordeno que ponham em marcha os preparativos
Da grande guerra que irá, com nosso selo,
Marcar o início desta nova era! "

Todos aplaudiram entusiastas, fazendo juras
D'eterna fidelidade ao Céu dos Abutres,
À civilização da Carnificina,
Ao modo de vida Necrófago.

A voz rouca do velho abutre fez-se
Ouvir, após a gritaria ter acalmado:
"Amigos: que tal escolher uma data
Simbólica de início da grande campanha
Ficava a calhar o 11 de Setembro:
Sim: Onze do nove de setenta e três!
Com certeza se recordam desta data,
Para a qual eu muito contribui
Discretamente preparando
Aquele magnífico holocausto!"

C-A: "Está bem, velho e fiel amigo"
Disse o Grande Chefe Abutre,
"Acho que é uma ótima ideia!"
Dito isto, encerrou solenemente o Conselho,
Com piedosa oração e toda a assembleia se dispersou,
Cada qual indo cumprir sua missão,
Dando seguimento às ordens do Chefe Abutre.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

OPUS VOL. III, 14. GRITO DOS OPRIMIDOS DA TERRA

 



Quase todos se designam como ambientalistas

Está na moda; mas, quantos estão genuinamente

A lutar pelo ambiente, o que inclui os humanos?



Onde estão os ambientalistas quando se trata

De manifestar contra a guerra

Exigindo paz imediata, salvando vidas

E salvando a ecosfera, impactada

Pelo desastre ecológico das guerras?


Que protesto contra a hipocrisia 

Dos dirigentes que falam contra

Mas enviam armas e munições

A um dos lados, para eternizar

O bom negócio para a indústria

Dos armamentos?


Não lhes importa o ambiente

Nem tão pouco as pessoas

São ecologistas da treta

Que se indignam apenas

Com um dos lados e calam

Críticas a quem lhes paga!


A Terra, essa, não tem 

Quem a defenda

Apenas a regeneração

Natural, no longo prazo

Se os homens entretanto

Não tiverem conseguido

Tudo destruir!




quarta-feira, 17 de abril de 2024

OPUS VOL.III, 13. O POETA TRANQUILO



Escrevia como se respira

Muitas vezes o vi sentado

Naquela mesa de café

Olhando o vazio

Logo de seguida

Mergulhava num caderno

Onde rabiscava 

Misteriosos signos

Depois, sorvia o café

E ia dar um passeio

Ou recolhia-se em casa

Se o tempo fosse agreste

Não sei o seu nome

Para mim, é «o poeta tranquilo»


domingo, 14 de abril de 2024

OPUS. VOL. III 12. ANTEVISÃO

 

Um tiro no escuro...

E o que restou desse tiro?

Estalido, ruído, tremor, temor?

Quando se alumiou a cena, o que ficou?


- Pois uma estranha peça de caça

Carcaça que estava congelada  

E logo se desembaraçou do gelo

Mas sem miolos, feitos em papa


Ergueu-se à custa dos músculos

E quis esmagar tudo e todos

Mas, acabará em desaire 

Inconsciente do que faz!


Deixá-lo! Já basta de bestas

Esta vai dar muitos socos

No vazio, coices nas paredes

Urrando ferozes ameaças


Mas, nós ficamos a olhar

Sem intervir, certos que ela

Desmiolada vai esgotar

As forças sem proveito


E que assim seja:

Que esmurre o vazio

Pois acabará por soçobrar 

Ante seu próprio peso!


Deixá-lo! Já basta de bestas

Que nos atormentam

É tempo de regressar

À paz, à vida, sem mais dor



 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

OPUS. VOL. III 11. PALAVRAS OBSCURAS



 Serão palavras obscuras,

As que eu tenho para te mostrar:


Amei a luz e o calor

Não vi o cortejo

De invejosos atrás de mim

Ofereci meu coração

E afeto, mas a quem

Não sabia dar de volta


Agora estou às voltas

Com o meu passado

Arrependimento?

Só de ter sido ingénuo

Pois amor não é pecado!


Neste mundo onde vivemos

Hipocrisia, cobiça e outros

Sentimentos venenosos

Involucraram-se

Nas massas cerebrais

Dos contemporâneos


Ao ponto de não saberem

Distinguir a realidade

Das suas narrativas 

Auto justificadoras.


Tenho pouca esperança

D'amanhãs que desencantam

Dedico-me a estudar e mergulhar

Na Natureza, ela me ensina


Meu otimismo está na fonte

D'onde a glória cósmica

Emana; nas sociedades

Contemporâneas

Em vão procurei

A fonte de Vida

Procurei longamente

No meio das trevas


Não tenhais ilusões

Procurai o bem e o justo

No interior de vós próprios

Não em discursos elogiosos

Mas no saber de si próprio


Só assim podereis 

Velejar na travessia

Do oceano turbulento.