terça-feira, 28 de janeiro de 2025
LUCRÉCIO, «DE RERUM NATURA» a realidade histórica e a lenda
segunda-feira, 13 de novembro de 2023
TRADIÇÃO ESPIRITUAL E CIENTÍFICA
Complicam tudo.
De facto, a Palavra de Cristo é muito clara; não tem nada de misterioso ou de «escandaloso» como alguns pretendem.
Toda a dificuldade na questão da interpretação das palavras e atos atribuídos a Jesus nos Evangelhos, tem a ver com os preconceitos da nossa época.
Uma época materialista e racionalista não pode compreender - porque não pode aceitar - um discurso que se situa num universo mental diferente: Um Mundo profundamente imbuído do Espírito, onde o Espírito é a realidade última, enquanto a matéria é uma manifestação limitada, momentânea, da energia espiritual.
Os milagres são inversão da ordem natural das coisas, por intervenção do Espírito. Sem dúvida, no tempo de Jesus, havia falsos profetas, que tentavam iludir os incautos com truques de magia. As pessoas comuns que viram e sentiram a energia que se desprendia da presença física de Jesus, sabiam da existência desses falsos profetas, algumas até os teriam visto em ação. Portanto, de certa maneira, temos aqui uma prova de que Jesus era diferente de (falsos ou verdadeiros) profetas que o antecederam.
A arrogância das pessoas atuais consiste em pensarem que toda a sofisticação da sua maquinaria, seus gadgets eletrónicos, seus instrumentos científicos, permitiriam descobrir os truques usados (supostamente) por Jesus, nessas intervenções. Na verdade, sendo a Energia cósmica uma realidade espiritual ou não-material, não sendo formada por partículas ou ondas no Universo, a modificação instantânea de certos parâmetros físicos é tudo o que há de mais fácil para Deus. Cristo pediu o auxílio ao Deus Cósmico, que ele chamava «Pai», e Este, repetidas vezes, satisfez o pedido.
Daqui, não decorre que a filiação de Cristo ao Pai, seja de ordem material. Obviamente, é espiritual e a intervenção do Espírito Santo na gravidez de Maria é uma imagem simples, compreendida pela humanidade da época.
O contexto era espiritualista, não materialista. A gravidez era tida como fenómeno material, sabia-se perfeitamente que havia intervenção do sémen masculino para fecundação da mulher. Porém, a vida era considerada «dom de Deus», ou seja, toda a criança nascia por vontade de Deus.
Se acreditas realmente em Deus, qualquer que seja a forma como se reveste a tua visão do Divino, aceitas que os fenómenos - além das suas causas «mecanísticas» - estão sujeitos à vontade Divina. Ou, por outras palavras: Há uma espiritualidade que emana de todo e qualquer fenómeno, que ocorra, cuja «parte material» é indissociável da correspondente «parte espiritual».
Algures nos Evangelhos, é explicado que somos todos «filhos de Deus». Então, muitos fazem o erro de atribuir a Cristo a designação exclusiva de «filho de Deus» quando, na realidade, ele refere-se a si próprio como «O Filho do Homem».
Para mim, a dualidade não existe, há simplesmente um Universo, em toda a sua maravilhosa complexidade, a sua extensão no tempo e no espaço, de que somos todos «filhos». A mensagem de que somos todos «irmãos», não tem justificação no sentido literal, obviamente. Nem teria, a partir de especiosos argumentos sobre ADN antigo e recorrendo à Paleoantropologia, a Ciência do Aparecimento e da Evolução do Humano.
Mas, tem completo sentido para mim e para todos os «espirituais», que aceitam a comunhão fundamental dos seres vivos com o Universo. Não compreendo que pessoas que se consideram científicas, digam que somos feitos a partir da matéria formada nas estrelas (o que é verdadeiro, aliás) e não se considerem em comunhão com os outros seres vivos, nomeadamente com os outros humanos (de quaisquer «raças», nações, credos, etc.).
Para mim, as coisas são simples, no seu âmago, mas hoje, demasiado difíceis ou laboriosas de explicar. Porque, qualquer civilização humana, até bem perto dos nossos dias, dava a presença do Espírito sob suas várias formas, como uma evidência, como dado adquirido.
Porém, um nefasto extremismo materialista veio acentuar, a partir do século XVII, o «exclusivismo » da matéria, desenvolvendo um paradigma mecânico na física, que depois se estendeu a outras ciências, incluindo a fisiologia e a psicologia.
Triunfou a falácia de que «tudo é matéria»: Isto implicava que só seriam validadas explicações que recorressem exclusivamente aos aspetos materiais. Vê-se claramente que se trata dum raciocínio circular: Dá como provado aquilo que pretende provar. Pior, tudo o que seja espiritual é decretado como uma «emanação», como um «fenómeno secundário» do cérebro humano, de relações eletroquímicas e moleculares neste.
As consequências éticas desta postura são evidentes. Embora existam pessoas materialistas com elevada ética individual, uma civilização baseada nos princípios acima, é suscetível de cometer os piores crimes contra a Humanidade ou a Natureza. Claro que não será por isso que uma posição filosófica será mais ou menos verdadeira. Mas, a sacralidade da Vida, a religião verdadeira do Respeito pelo Cosmos, está a ser arredada, de várias maneiras, da esfera pública pelo «transumanismo», pelo «materialismo consumista», pelo «egoísmo hedónico», que tão obviamente penetram na psicologia das massas, quer através de «intelectuais», quer da media corporativa, quer da publicidade destinada a criar a dependência pelo novo e pela acumulação de objetos.
segunda-feira, 3 de abril de 2023
MENSAGEM PARA TI
sexta-feira, 22 de julho de 2022
O QUE MOVE O MUNDO?
Salvador Dali (1931): SEIS APARIÇÕES DE LENINE SOBRE UM PIANO
O que move o mundo, as sociedades? Existe algum princípio gerador da evolução das sociedades? Existe(m) força(s) determinante(s) da História?
Aqui, neste breve ensaio, apenas poderei aflorar as questões acima enunciadas.
Durante muito tempo, as pessoas estiveram convencidas que as ideias é que moviam o mundo. Que eram as ideias que impulsionavam o «progresso». A própria ideia de «progresso», surgiu assim e foi-se afirmando uma corrente progressista, ou seja, que via o tal progresso como inevitável e - sobretudo - como algo de positivo para os destinos coletivos da humanidade.
Esta ideia, que se foi afirmando durante o período chamado das «Luzes», teve como principais propagandistas pessoas pertencentes à burguesia, a classe em ascensão nessa época (séc. XVIII e XIX). Os intelectuais, que não estivessem ao serviço do aparelho da Igreja, os «batalhões» de intelectuais laicos, eram recrutados entre os filhos de pessoas abastadas, que podiam dar uma educação «liberal» à sua descendência. As filhas, continuavam discriminadas e tinham, em geral, uma preparação para serem «boas donas de casa, esposas e mães».
Este grupo de intelectuais oriundos da burguesia adquiriu rapidamente o controlo das instituições públicas, decisivas na época e que ainda o são: as instituições científicas, as universidades, o ensino médio e superior; a magistratura, incluindo advogados, juízes, procuradores e notários; as burocracias estatais, a administração nos ministérios, não só postos de nomeação governamental, como de «carreira» (hoje, designados como fazendo parte do «Estado profundo») e as elites militares, especialmente, nos postos que implicavam saber técnico, tais como Artilharia e Engenharia militar.
Não irei detalhar muito mais sobre a formação e evolução da intelectualidade dos últimos duzentos anos. Mas irei sublinhar que a quase totalidade da classe política, incluindo os revolucionários, é oriunda dessa camada: São pessoas oriundas da burguesia com um nível de educação, que lhes confere um estatuto «superior». Um exemplo deste estatuto especial, consiste na situação dos médicos, não só hoje, como nos séculos XIX e XX. Eram (e são) pessoas respeitadas, veneradas como sacerdotes laicos da religião da «ciência». Esta «ciência» é somente a expressão da ideologia cientista ou mecanicista. Muitas pessoas procuram, por ambição própria ou induzidas pelos progenitores, uma carreira de prestígio, que lhes dê superioridade social (e económica), algo que se designa por «status». Além do aspeto económico, o aspeto de prestígio social está na base de muitas das «escolhas» de carreira, que não são «livres escolhas», porque as pessoas são empurradas para elas.
Embora esta casta ou camada, a burguesia intelectual, não seja geralmente a detentora direta dos meios de produção (empresas), beneficia - ainda assim - duma parte do «bolo», visto que o excedente dos lucros desses meios de produção vai alimentar instituições onde esta intelectualidade floresce. Basta pensar-se nas universidades privadas e nas doações por grandes patronos, as corporações gigantes e com muitos lucros, que fazem assim autopromoção com o seu «mecenato» cultural e científico, ao mesmo tempo que baixam o seu nível de impostos (aqueles aos quais não têm maneira de escapar).
Será essa intelectualidade, com o seu brilhantismo e capacidade de persuasão, que nos quer convencer de que «são as ideias que fazem andar o mundo para a frente». Estão a defender o seu estatuto e a sua posição económica, sem dúvida, mas não se apercebem disso, na maior parte. Estão convictos de que têm uma «missão». Aliás, quanto mais convictos forem disso, melhor irão desempenhar o papel que lhes foi atribuído. São como missionários, a sua religião é somente uma - apesar da diversidade aparente - a «religião do progressismo».
No entanto, com o crescimento das forças produtivas do capitalismo, outras visões se vieram opor a esta visão de idealismo ingénuo, de que as «ideias faziam avançar o mundo».
A difusão de teorias políticas e sociais no século XIX e XX, veio dar a prioridade às chamadas «forças materiais», em particular, ao capital e ao trabalho humano. Marx e o marxismo são creditados - inadequadamente, a meu ver - por tal mudança de perspetiva. Mas ao fetichismo das ideias, apenas se substituiu o fetichismo da mercadoria, do capital, do dinheiro. O chamado «Materialismo histórico» é uma ideologia inventada por Marx e por Engels, sobretudo para justificar a sua teoria política, de que a sociedade, fatalmente, iria transformar-se em socialista e, depois, em comunista. Com o fervor dos propagandistas, mas com grande deficiência ao nível filosófico, trataram de «justificar» as suas crenças, com uma visão global da História e da Sociedade que viesse «confirmar» a sua escolha por um determinado modelo de sociedade (a sociedade comunista autoritária). Marx era um discípulo de Hegel. Daí que tenha vertido a sua visão da História, da Sociedade e da própria Natureza, numa matriz de Dialética. Na época, meados do século XIX, a crença ou fé na ciência, mais propriamente num cientismo materialista, era muito difundida nas classes intelectuais onde também se difundiam propagandas revolucionárias e socialistas de vários matizes. Para «fundamentar» as suas crenças e dar-lhes uma aparência de teoria científica, Marx e Engels foram buscar argumentos aos economistas clássicos (Adam Smith, David Ricardo, etc.), e também aos socialistas franceses (Proudhon, nomeadamente), assim como a outros cientistas sociais e naturais da época. Embora eles tivessem um grande poder de síntese, deve-se ter em conta que poucos conceitos e teorias, creditados como «marxistas», que sejam realmente de Marx e Engels. Quanto muito, eles foram seus difusores; serviram-se de certos conceitos pré-existentes: «mais-valia», «classes sociais» (ambos presentes nos economistas ingleses clássicos, tal como em Proudhon e noutros socialistas franceses), etc. Os marxistas que lhes sucederam, mostrando enorme ignorância ou má-fé (ou as duas coisas), limitaram-se a tomar como «palavra de Evangelho» tudo o que liam nos escritos de Marx e Engels, sem ter em conta que estiveram envolvidos em violentas polémicas com seus opositores, nomeadamente, os autores anarquistas e outros socialistas não-autoritários. Os que ergueram as primeiras cooperativas, os sindicalistas da primeira hora, os que fundaram comunas e as fizeram funcionar, todos eles foram apodados de «socialistas utópicos» por Marx. Porém, o comunismo autoritário que ele defendia, tinha todas as características duma utopia! O socialismo prático dos operários que se auto-organizavam em cooperativas, formando associações sindicais e fazendo frente à exploração dos patrões, enfim todos os que estavam empenhados na luta de classes nessa época, eram esses mesmos que Marx considerava utópicos! Hoje em dia, muitos marxistas repetem as mesmas atoardas e estão a reproduzir os mesmos falsos argumentos com intenção difamatória.
Na verdade, assistiu-se, desde então até agora, ao crescimento da «religião materialista», não firmada em qualquer ciência, mas na ideologia. O termo ideologia significa uma «teoria política que é avançada para facilitar a tomada de poder, ou fundamentar a manutenção desse poder». Portanto, é o contrário - em termos teóricos e práticos - de ciência propriamente. A dita ideologia, declarada repetidamente como «verdade científica», tem servido aos ambiciosos para exercer esse poder sobre os proletários, sobre o povo em geral, para impor a sua «ditadura do proletariado». Qualquer pessoa que estude, em profundidade, o que Marx e sucessores entendem pela expressão «Ditadura do Proletariado» (como eu estudei), irá chegar à conclusão de que se trata de (auto-)justificação da dominação da nova classe burocrática sobre a sociedade em geral. Na verdade, este conceito de «Ditadura do Proletariado» é a única originalidade do marxismo, enquanto teoria política. Tudo o resto - conceitos de socialismo, comunismo, luta de classes, proletariado, etc. - são conceitos, ou que Marx foi buscar aos teóricos da economia clássica (burgueses), ou que eram lugares-comuns no movimento socialista, operário, na sua época. É revoltante ver-se o grau de ignorância de muitos militantes comunistas e socialistas atuais, sobre os factos acima apontados. Estes factos são sobejamente conhecidos de intelectuais dos vários partidos, mas eles omitem-nos, porque acham que são verdades «inconvenientes» para as massas.
A difusão do marxismo levou a que muitas pessoas, que pouco sabem de Marx e que nunca se consideraram marxistas, adotem (sem o saberem) conceitos típicos de Marx e seus adeptos: Uma visão determinista, no campo social e da História, é marxista, é parte do chamado «Materialismo Histórico». O facto de se considerar tal ou tal posição como «materialista» é, muitas vezes, fruto de ignorância dos conceitos de matéria e de energia da Física contemporânea. O ensaio «Materialismo e Empiriocriticismo» de Lenine, é exemplo disso quando discute a natureza da matéria e da energia. Ele utilizou argumentos de autoridade e citações de cientistas, mas fora de contexto. Dominique Lecourt escreveu um interessante estudo sobre essa obra. Na época posterior a Lenine, na URSS, a deriva do regime fez com que se erigisse uma «ciência proletária», em oposição à «ciência burguesa». Algo semelhante aconteceu na «Revolução Cultural» chinesa. Em ambos os casos - além da selvagem perseguição a cientistas íntegros - a ciência e a técnica sofreram atrasos tais, que se reflectiram em desastres económicos, distanciando esses países em relação aos EUA e outros países ocidentais. Isto aconteceu tanto na URSS de Estaline, como na China Popular de Mao.
O fracasso do marxismo enquanto teoria coerente do Mundo e da evolução histórica, não significa que os erros do cientismo, do materialismo mecanicista, do determinismo, do «ideologismo», tenham sido varridos para sempre da teoria ou da prática políticas. Infelizmente, existe muita gente que foi - duma forma ou doutra - influenciada pelos preconceitos acima referidos. Muito do que se passou na «crise do COVID» seria impossível sem a forte difusão do materialismo vulgar, resultante duma versão caricatural do marxismo.
Em termos gerais, o espírito crítico e o conhecimento real da Evolução Histórica, são «venenos mortais» para quaisquer ideologias. No nosso tempo, os conhecimentos relevantes, tanto em História, como em Ciências Sociais, aumentaram de tal maneira em número e complexidade, que a generalidade das pessoas não os pode facilmente assimilar. Isto facilita a tarefa aos autoritários de toda a espécie, pois fazem passar por «ciência», aquilo que é apenas a sua ideologia. O que não acontece somente com marxistas, mas com muitas correntes que florescem nos meios académicos. Não vejo outra solução para o problema, senão aumentar a difusão da educação para um espírito crítico. Caso contrário, iremos adotar outra ideologia intolerante, de sentido contrário à que queremos combater.
Num Mundo caótico, onde se desenvolvem forças de destruição que ameaçam a própria base da civilização contemporânea, é muito necessário o BOM SENSO: Não emitir a torto e a direito teorias, nos domínios económico e social, apresentando-as como se fossem a «VERDADE». Deveria haver mais senso e espírito crítico; não aceitar argumentos, só pelo facto de serem enunciados por «autoridades académicas ou científicas».
sábado, 18 de junho de 2022
MITOLOGIAS (VII) O GRANDE MITO DO NOSSO TEMPO
domingo, 25 de outubro de 2020
A ESTRANHA PROPRIEDADE DE NÃO NOS COMPREENDERMOS
Quando olho através da janela e vejo o céu, plantas, uma cerca... estou a ver algo real. Mas as palavras que escrevi, agora mesmo, não descrevem sequer o real. Não poderia esse real ser descrito por uma filmagem pois, o que uma filmagem mostra, é uma paisagem sob determinado ângulo (escolhido pelo indivíduo que está filmando) e as imagens captadas estão «congeladas» num dado momento do tempo. O filme não capta as transformações que ocorrem ao longo de meses, nem tão pouco pode captar o micro detalhe do que se passa no interior das estruturas, do solo, das plantas, etc... O problema que tenho - todos temos afinal - é que o real está para além do trivial. Temos aqui uma situação paradoxal. Não queremos especular, queremos nos limitar ao que «vemos», ao sensível. Mas, sabemos que existe - na realidade - muito, para além do que nos é oferecido conhecer através dos sentidos. Porém, logo que começamos a pensar em processos atómicos ou cósmicos, nas escalas do espaço e do tempo, começamos a especular, entramos no domínio da especulação.
Há uma distância irredutível do homem à realidade do mundo, mas também à sua realidade interior, afinal a base do seu ser, da sua personalidade. Não nos é suportável a introspecção, senão por breves momentos, a introspecção permanente é caminho certo para a loucura, já é um sinal de loucura. A subjectividade existe, porém: estamos sempre a reelaborar o nosso passado, somos seres dotados de um cérebro extremamente sofisticado, completamente diferente, nos princípios lógicos e no modo operacional, dos computadores da nossa tecnologia. O cérebro é um órgão, é um componente do corpo, nós «raciocinamos» com o corpo todo, não apenas com o cérebro. O cérebro tem a propriedade única de integração das diversas partes do organismo, permitindo a homeostasia, esse maravilhoso poder de manter um determinado estado interior.
Tal como a homeostasia de funções «orgânicas», como o intervalo de flutuação dos níveis de glucose no sangue, ou de hormonas, a homeostasia das funções emotivas e cognitivas é realizada através de operações no cérebro. Isso traduz-se pela activação ou inibição de certa categoria de circuitos neuronais, etc., mas também pela própria modificação estrutural, visto que estamos sempre a fabricar dentrites e mesmo neurónios, numa arquitectura extremamente complexa e bem organizada.
A nossa fala espelha de um modo grosseiro a complexidade do mundo. É característico do mais simplista e equivocado pensamento, confundir a «etiqueta», o nome dado às coisas, com as coisas. Mas, todos nós - insensivelmente - fazemos isso, e com grande frequência, porque o nosso cérebro gosta de atalhos, gosta de poupar energia; evita gastar energia num grande número de operações.
Talvez o problema da nossa abordagem ao real, esteja relacionado com a hiper sofisticação dos nossos modos de viver e de pensar. Talvez sejamos construídos basicamente com uma estrutura igual ou equivalente à dos primeiros homens modernos, mas o nosso cérebro e o nosso ser de sapiens contemporâneos está confrontado, talvez desde o nascimento - certamente, desde os primeiros anos de vida - com os desafios da complexidade. Falo de complexidade social, relacional, sociológica, cultural... Nós conseguimos, graças à nossa «incompletude» (a propriedade da «neotenia»), nos adaptar ao mundo tal como ele é, evoluir e transformar múltiplos aspectos (físicos, emocionais e intelectuais) do nosso comportamento. Mas, o homem, durante perto de 300 mil anos (e só considerando o homem anatomicamente moderno), viveu num mundo completamente diferente, onde as interacções sociais significativas eram muito poucas, mas - talvez - mais intensas. As questões de sobrevivência eram sempre prementes (não havia um excedente acumulado pelo agrupamento humano). Certamente, os comportamentos e os cérebros destes nossos antecessores estavam totalmente mobilizados para atender às tarefas relacionadas com a sobrevivência.
No entanto, a nossa capacidade de inovar estava presente, a transformação - progressiva ou brusca - das comunidades humanas, significou uma série de desafios inéditos, para os contemporâneos dessas transformações. A vertente do conhecimento e exploração da realidade mais desenvolvida na nossa espécie, porque verdadeiramente importante, foi da realidade social. Os indivíduos percebem que pertencem a uma certa comunidade, que têm de lutar dentro dela para que lhes seja reconhecido um dado estatuto: a realidade social foi - desde muito cedo - apreendida como vital, mais importante que o conhecimento do entorno natural.
Por mais que certas teorias o neguem ou o menosprezem, o ser humano sempre foi um animal social. O tipo de relacionamento que os humanos estabelecem em sociedade evolui, mas a espécie humana, em si mesma, não é concebível sem uma estrutura social complexa. Graças à plasticidade cerebral, desde os alvores da humanidade (e mesmo das espécies que a precederam, há milhões de anos) e até hoje, podemos dedicar trabalho cerebral a resolver um problema matemático, apreciar uma obra literária, ou a construir um arranha-céus... mas, não perdemos a capacidade de nos relacionar entre indivíduos, de nos apaixonarmos, de termos conflitos pessoais, de sentirmos afecto, ternura, repúdio e aversão... O cérebro emotivo está na base do desenvolvimento do cérebro racional. Somente devido a uma espécie de soberba é que muitas pessoas, incluindo as mais inteligentes, colocam as funções racionais acima das funções de gestão das emoções. A situação, hoje, pode ser menos nítida; mas, ao longo dos últimos 500 anos, foi esta a posição dominante.
A incapacidade do homem em se perceber a si próprio, apesar de ter usado sua inteligência para resolver tantos mistérios da natureza e desenvolvido tantas técnicas com base nestes saberes, é o que há de mais estranho. Mas, isto não se deve à escassez de obras de psicólogos, filósofos, etc... que se debruçaram sobre os diversos aspectos do problema, avançando com teorias, mais ou menos convencionais ou revolucionárias. A literatura sobre o assunto é enorme e fisicamente impossível de conhecer em pormenor. Somente podemos ter alguma ideia das teorias em voga; podemos intuir como as pessoas assimilam tais teorias; como são referidas na media, nas obras de divulgação e no ensino.
Nos últimos 150 anos, a negação da espiritualidade recebeu o beneplácito do mundo científico-académico, ao contrário das épocas anteriores. O materialismo tornou-se - de facto - a filosofia implícita nos meios científicos. A espiritualidade em si mesma, não implica maior ou mais aprofundado saber sobre a nossa subjectividade, sobre o eu emocional. Mas, o materialismo bloqueou qualquer progresso neste domínio, insistindo em modelos completamente absurdos. Penso que se pode falar de «obstáculo epistemológico» a este propósito, sobretudo em relação ao reducionismo, associado ao materialismo. Esse modo de proceder consiste em reduzir/degradar ao nível de impulsos electro-químicos, de conexões neuronais e de influências hormonais, tudo o que esteja relacionado com o eu emocional / relacional e seu modo operativo. O modelo da «actividade racional», pelo contrário, foi o do computador, a analogia mais fraca que se possa imaginar, mas que continua, como mito nas sociedades urbanizadas (o nosso «computador interior», o cérebro).
As neuroses, o fechamento sobre o ego, o narcisismo, o egoísmo, o hedonismo, todas estas patologias dos indivíduos são, em simultâneo, sociais. São características de uma sociedade alienada e alienante. Os indivíduos, hoje em dia, não encontram, nem as referências tradicionais (que reforçavam as normas sociais, mas também davam segurança ao indivíduo), nem constroem novas referências, adaptadas à época. Por isso, experimenta-se um mal-estar de fim de época. Nestes tempos, tornam-se óbvios sintomas de decadência que surgiram precisamente noutros momentos, dos mais perturbados da História: O relativismo moral impera, confunde-se o dogmatismo com valores, predomina o raciocínio e acção segundo padrões identitários. Estranhamente, ou talvez não, reencontramos atitudes e ideologias muito semelhantes, noutros momentos de crise civilizacional. Nomeadamente, nos últimos tempos de Império Romano do Ocidente, na decadência dos dois super poderes ibéricos no Século XVII, na véspera da Revolução francesa de 1789, da Revolução Russa de 1917, na Europa, durante o imediato pós-guerra de 1918/1919, etc...
Neste quadro, não admira que as pessoas estejam desorientadas e possam desenvolver comportamentos «anti-sociais», de uma ou outra forma. A desagregação na sociedade dá-se sempre a vários níveis, que se reforçam mutuamente.
É como um edifício que entra em ruína. A decadência ocorre, em simultâneo, em várias estruturas: tanto na fachada, como nos alicerces; tanto na consistência do cimento, como na podridão das vigas.
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Não preconizo «um remédio» social, nem individual. Mas gostaria de debater* estes assuntos com pessoas, quer tenham opiniões concordantes ou discordantes comigo.
[ * Se o/a leitor/a tiver interesse em fazê-lo, pode inserir seus comentários. Pode colocá-los livremente neste blog. Apenas retirarei conteúdos manifestamente insultuosos e ofensivos.... ]
domingo, 1 de abril de 2018
ESPIRITUALIDADE E RELIGIÃO
As civilizações agrárias e as primeiras manifestações de Estados organizados e de Religiões codificadas são de menos de 12 mil anos, ou seja, menos de 4% da História da espécie humana, propriamente dita. Os paleo-antropólogos e arqueólogos são muito prudentes ao atribuírem actividades de culto. Eles puseram em evidência claros sinais, não apenas no H. sapiens paleolítico, como até nos Neandertais, que surgiram cerca de 800 mil de anos e se extinguiram há 24 mil anos.
- Esta parece-me ser uma discussão estéril.
O próprio da ciência é de reformular ou mesmo abolir conceitos e configurações teóricas que se tornaram obsoletos, caducos. Muitos cientistas, naturalmente, têm adoptado uma atitude de grande prudência nestes assuntos, não excluindo nenhuma possibilidade, mas também não deixando que se tome por «ciência» as fantasias de pessoas (talvez bem intencionadas) que procuram novas abordagens do fenómeno do espírito.
Pessoalmente, não tenho nenhuma dificuldade em conceber o Universo pleno de energia radiante e onde esta se corporiza em formas que nós reconhecemos como sendo dotadas de vida...Mas, longe de mim a veleidade de «ter encontrado uma explicação para tudo»!