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sexta-feira, 2 de maio de 2025

PROPAGANDA 21 (Nº27): A GUERRA PELA NOSSA ATENÇÃO


 A digitalização quase completa da rede de relacionamento de muitas pessoas, equivale a colocá-las dentro de uma redoma de imagens, «memes» e slogans, cujos efeitos nas camadas profundas do psiquismo são devastadores.

As pessoas deixam de estar condicionadas pelos próprios pensamentos, reflexos ou impulsos, para estarem a receber os estímulos, constantes e não identificáveis, que as encaminham para uma dada configuração mental. Uma vez esta configuração estabelecida e consolidada através de mecanismos de reforço, as pessoas terão a ilusão de serem «autónomas», «autodeterminadas», «conscientes», quando - em boa verdade - estão capturadas numa redoma que as encaminha quase fatalmente para um determinado comportamento.

Talvez seja difícil imaginar o grau de influência a que estamos sujeitos. Mas, é bastante fácil avaliar as nossas dependências, quando (por vontade ou acidente) não transportamos connosco o telemóvel, durante uma semana ou mesmo um dia; aí tudo se complica, todas as nossas rotinas são subvertidas, a nossa segurança posta em causa, a nossa enorme dependência torna-se óbvia.

Também é essa rede múltipla de contactos e de impulsos, que mantém a nossa atenção focalizada nos mais diversos objetos ou assuntos. Em qualquer dos casos, encontramos sempre uma racionalização para justificar a nossa dependência.

Mas, devíamos saber, que ter como «pano de fundo» este novelo de contactos mediados pelos meios digitais, não corresponde à «realidade real», mas a uma «híper-realidade», portanto uma fabricação, uma arquitetura mental assimilada passivamente, um enredo cada vez mais espesso de narrativas, de dependências fortuitas ou desejadas, pelas quais e por causa das quais, gastamos a maior parte do nosso tempo e sacrificamos o melhor da nossa atenção e energia.

Não restam muitas dúvidas de que, afinal - como já tinha sugerido num texto deste blog - existe a tal «droga», apresentada no romance de Aldous Huxley, a «soma», que desencadeia uma total conformidade de todos os indivíduos da sociedade, porque ela proporciona prazer; um prazer associado à libertação de mediadores cerebrais, por nós produzidos nos nossos neurónios.

A droga do prazer, chama-se telemóveis, internet, redes sociais, chats, etc. Apesar de parecer diversa, ela é realmente uma única droga; a maioria das pessoas julga-se imune, mas isso é auto-ilusão. Estes indivíduos são, muito frequentemente, adictos em estado de «denegação».

Como dizia um ex-professor meu, «O melhor é estarmos alienados». Suspeito que ele proferia esta frase como uma provocação, como uma reflexão irónica... Eu penso muitas vezes nesta frase. Sabemos que ninguém deseja estar sujeito ao sofrimento do isolamento, à exclusão e à indiferença do seu entorno imediato. O maior obstáculo para a felicidade ( ...o inferno...) são «os outros», parafraseando alguém ( talvez de Sartre, mas tem sido atribuída a outros).


Estar em dissonância cognitiva com a sociedade e com os seres mais próximos, tem um peso muito pesado: sentir o isolamento, a impossibilidade de partilha, por mais abertos que sejamos aos outros.

Creio que o impulso gregário é muito mais forte do que nós estimamos. Pois a nossa vivência social está de tal modo penetrada por uma «normalidade», que depende de relacionamentos materiais, mentais, psicológicos, simbólicos e todos eles, a vários níveis, em simultâneo.

O famoso «apagão» (28-04-2025) da Península Ibérica (e além) deixando as populações de Espanha e Portugal (e outras, na Europa), durante meio dia e uma noite sem electricidade, serviu para ver como somos frágeis, como a nossa civilização está sujeita ao aleatório, ao imponderável. É ilusão a estabilidade em que nos mantemos, um estado hipnótico; foi o acordar do referido estado o que muitos de nós experimentámos, quando sujeitos ao referido «apagão».

Depois, a grande maioria terá retomado a «rotina», ou aquela «hipnose suave» do quotidiano. A memória desse dia 28 de Abril de 2025, será apenas uma vaga recordação. Outros, porém, talvez consigam extrair uma «lição de vida» do acontecimento. Talvez isso lhes permita aumentar o seu nível de consciência e os convença que «os confortos da civilização» são apenas ilusão, que na realidade, devemos estar sempre psicologicamente capazes de enfrentar a ruptura do cenário.

São esses, os poucos que poderão vencer as provas que irá colocar, em dias próximos, o colapso societal, o qual se está já a viver, em câmara lenta. Ele já começou e irá acelerar-se, desencadeando situações «anómalas» com maior frequência, até um colapso geral da trama social.

As forças que puxam para o caos são as mesmas que procuram dissipar a nossa atenção, distraindo-a do que realmente importa, para que possamos mais facilmente ser manipulados, condicionados a fazer as «nossas» escolhas, gestos e pensamentos, as que nos vão encaminhar para a tal «Nova Ordem». Será um universo segundo Huxley, em que as pessoas «desejam» estar cativas, pois receberão a sua «droga», a sua «dose de alienação», que estimulará a libertação de hormonas do «bem-estar», da «felicidade», do «prazer».

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ESTRANHOS CASOS DE SOLIDÃO «SOCIAL»

              
Tenho vindo a refletir sobre alguns comportamentos e atitudes de pessoas, minhas conhecidas ou não, que revelam antes de mais uma grande incapacidade para estarem sós. 
Algumas pessoas procuram desesperadamente um parceiro/a, convencendo-se que a vida assim é um fardo difícil de suportar, mas possuem pouca tolerância, por outro lado, para se compatibilizarem e aceitarem pessoas reais, com outros modos de ser, com outras visões do mundo e da vida em sociedade.
Outras, têm uma vida «social» aparentemente muito ampla e diversificada, mas com uma superficialidade que espelha a superficialidade nelas próprias.
Outras ainda, pensam que são muito capazes de «compreender os outros»; porém, isso apenas acontece nas suas cabeças, não no mundo real.

Muitas pessoas têm «medo» de estar sós: sentem-se angustiadas, sentem-se inseguras. 
A disfunção social traduz-se,  por ser a principal causadora, ao nível dos indivíduos, dos comportamentos auto-destruidores, começando pela fragilização da auto-imagem e podendo ir até a comportamentos de risco, roçando a criminalidade ou marginalidade.
As famílias estão desestruturadas, a cada geração é maior o número de crianças que crescem sem um dos progenitores (o pai, na imensa maioria dos casos) e, no entorno destas crianças, muitas vezes, não existe sequer uma rede verdadeira de afetos. 
A família nuclear, reduzida ao mínimo, está produzindo pessoas adultas disfuncionais em termos sociais, em particular na esfera afetiva, incapazes de relacionamentos felizes com os outros. 
As crianças estão mais isoladas dos adultos e, por isso, incapazes de compreender os adultos das gerações anteriores, o que faz com que a sociedade se estruture em «gerações», estruturação aparentemente cómoda para alguns, mas que é totalmente anti-natural, pois sempre houve uma sociedade composta por várias gerações, formando uma rede em torno dos indivíduos. 
Dizem alguns estudiosos do comportamento humano que a nossa capacidade de relacionamento algo profundo e significativo com outros humanos tem um número limite bastante baixo, o de uma pequena aldeia com umas poucas centenas de adultos. É verdade que as oportunidades reais de contactos significativos com outras pessoas, ao longo da vida, devem ter sido desta ordem de grandeza, durante dezenas de milhares de anos. 
Podia-se esperar uma multiplicação deste tipo de interacções como resultado da industrialização. Mas a industrialização não trouxe senão uma redução desse número (refiro-me a interacções sociais significativas, com algum conhecimento aprofundado, não trivial, do outro). 
A industrialização acentuou o isolamento das pessoas, com o ambiente urbano em que se viram incluídas. Neste ambiente foram nascendo cada vez mais humanos: sabe-se que o número total de humanos vivendo nas grandes aglomerações mundiais, já é agora maior que os vivendo em pequenas vilas ou aldeias, que ainda têm um modo de vida rural. 
O indivíduo continuou a ter a «sua aldeia», de certo modo, na rede de relacionamento social urbana, durante algum tempo, mas isso está a perder-se com a individualização extrema que se observa em múltiplos aspectos da vida social contemporânea. 
Os empregos eram antes uma natural oportunidade de diversificar os relacionamentos humanos, a vários níveis. Hoje em dia, pelo contrário, a própria organização do trabalho favorece a separação, a individualização, uma falsa autonomia, pois está sempre dependente da vontade soberana do «dador de trabalho», da empresa. O patrão, ele próprio, tornou-se algo impessoal, sem rosto, em cada vez maior número de casos.
A sociedade humana não tem (nem teve, nunca) uma estruturação rígida, como a dos outros animais sociais. 
Isso é que permitiu à humanidade inventar outros modos de organizar a sua própria vida social, ao longo dos tempos. Porém, agora, chegou-se a uma espécie de beco sem saída.

A solidão não será propriamente «a doença do século»; no entanto, é um sintoma da verdadeira doença do século - o individualismo.