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quarta-feira, 28 de maio de 2025

UMA VISÃO REFRESCANTE SOBRE A EVOLUÇÃO DO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO COMUNISTA

 


Richard Wolff, prof. universitário nos EUA, tem sido um divulgador do marxismo e das ideias associadas ao socialismo e ao comunismo. Porém, a sua inteligência permite-lhe ver para além das fronteiras ideológicas. A sua análise dos fenómenos económicos, sociais, culturais e políticos nunca é inteiramente conforme com o canon ortodoxo do marxismo-leninismo. Tem um vasto conhecimento da História, não apenas da disciplina de Economia, que lecciona.

Pode-se estar ou não de acordo com as suas posições fundamentais, porém, ele é totalmente sincero e as suas intervenções no Youtube, quer a solo, quer em diálogo, são uma ocasião única de ver a paisagem dum modo diferente da narrativa dominante. 

A transição para um «Estado socialista» na URSS e depois nos sucessivos países que foram (e alguns continuam a ser) designados como «socialistas», não é real. 

A própria visão de Lenine, segundo Richard Wolff, era de que a URSS tinha de construir as bases para o socialismo, através de um regime de «capitalismo de Estado». 

Este, acabou por se transformar num capitalismo de Estado burocrático, onde não havia possibilidade de evoluir para algo que se pudesse chamar de socialismo. Parto do princípio que o socialismo designa um regime onde os trabalhadores têm o controlo do poder de Estado e que - ao nível das empresas - são eles diretamente, ou por delegação, que decidem sobre todos os aspetos da gestão: Neste socialismo (como eu o concebo), não havendo propriedade individual dos meios de produção, também não haveria uma casta (a nomenklatura) que substituísse o patronado, a qual decidiria sobre tudo. 

Deparando-se com um sistema cada vez mais disfuncional, com maior atraso tecnológico em todos os setores produtivos, este causava uma paralisia da própria sociedade. Em vez de vir de baixo, das classes laboriosas, o rumo era traçado autoritariamente pela cúpula do partido comunista (o politburo), sendo depois transmitido por uma cadeia hierárquica de comando, até aos produtores. Estes, tinham de se conformar com as diretivas, por vezes absurdas, que vinham do alto. 

Foi na época de Gorbatchov que estas insanáveis contradições se tornaram demasiado óbvias: Os próprios aparatchiki, a começar por Gorbachov, já não acreditavam no próprio modelo que apregoavam; sabiam, por informações de primeira mão, como o sistema estava pobre e não era «reformável». Tentaram ainda assim uma reforma, porém esta tentativa foi desencadear forças centrífugas demasiado grandes, que derrubaram o «império soviético». 

Foi uma implosão, de que tomou nota a casta dirigente do regime chinês. Este era herdeiro do maoismo, o qual se filiava na vertente  mais chauvinista do comunismo, o estalinismo.

O mecanismo de substituição de um regime de tipo soviético pelo sistema misto de capitalismo de Estado, com uma componente importante de capitalismo privado, não se fez sem sobressaltos. Foi a experiência dolorosa da rebelião da Praça de Tien An Men, que não teve possibilidade de injetar uma dose de democracia nas estruturas «comunistas» burocratizadas. As hierarquias do partido e do exército retomaram o controlo com toda a brutalidade. 

Depois, houve uma fase em que o regime se ofereceu (literalmente) para servir os capitalistas internacionais que quisessem investir e explorar a classe trabalhadora chinesa. Não só esta classe estava destituída de qualquer poder sobre as suas vidas, como nem sequer podia fazer valer os seus direitos.

Foi assim que se deu a acumulação de riqueza no Estado totalitário chinês, com benefícios miríficos para a classe capitalista internacional. Esta, pôde assim baixar acentuadamente os custos de produção, graças aos salários chineses, dez vezes mais baixos que os equivalentes no «Ocidente».

Agora, o Estado muito repressor, que distribui aos capitalistas locais os «nacos» mais saborosos da exploração do seu próprio povo, não decidiu ainda encerrar muitas das empresas estrangeiras que se instalaram na China, desde há 30 anos. Mas, progressivamente, o capitalismo na China vai ser protagonizado por empresas chinesas, quer sejam estatais, ou de capitalistas locais. Provavelmente, continuará a haver algum capital estrangeiro investido em parcerias com o Estado, visto que  estes acordos são tipicamente de longa duração.

Pessoalmente, não me impressiona muito que a China se tenha erguido durante estes 35 anos ao nível de nº 2 ou mesmo nº1 em certas áreas ao nível mundial. Vendo as coisas com olhos objetivos, desde os anos 50 até 80 sob o comando de Mao e de sua clique,  a China estagnou: Podemos compreender que o pior mal foi feito pela casta dirigente, não obstante o nível muito baixo de que partiu a estrutura produtiva e o facto incontestável da guerra híbrida que o imperialismo dos EUA levou a cabo nestes anos. 

O paradoxo, neste caso, é que a própria direção do Estado e do partido oferecem à classe capitalista internacional (e agora também aos capitalistas nacionais da China) uma enorme oportunidade, com um enorme «bonus», que permitiu que este mesmo capitalismo fizesse a transição de economias industriais, para economias de serviços (financeirização da economia).

A exploração da classe laboriosa chinesa veio beneficiar principalmente a casta dirigente do partido e os capitalistas nacionais e internacionais. O bemestar relativo da classe trabalhadora chinesa é inegável, mas temos de ter em conta que se, nos últimos 30 anos, o nível de remuneração melhorou duas ou três vezes (200 ou 300 %), a produtividade global no setor industrial aumentou cerca de 20 vezes (2000 %)! Era impossível manter a classe  trabalhadora na miséria, pois esta iria virar-se contra o poder e talvez encetar uma revolução proletária a sério. O custo de manter a classe trabalhadora chinesa sossegada, trabalhando com afinco para melhorar a sua condição individual e da sua família, tem sido incrivelmente baixo, dado o diferencial entre o que recebe o povo em salário médio e os lucros obtidos pelos capitalistas.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

PARADOXOS DA GUERRA ECONÓMICA CONTEMPORÂNEA

 

                                                         Foto: Vista de Xangai

Na realidade, são um feixe de contradições que vêm pôr de rastos construções ideológicas, que passaram por ciência económica «bona fide», no passado recente e continuam presentes, quer no discurso político oficial, quer na media mainstream, ou ainda na academia.

A contradição maior é a China, país governado por uma direção comunista, experimentar um desenvolvimento capitalista vigoroso.  Hoje, é inegável a rapidez com que passou a estar no primeiro lugar em domínios de ponta, onde a excelência e a inovação vão de par com uma estrutura industrial em permanente renovação. 

Nestes domínios da «high-tech», os EUA e países ocidentais em geral, já não estão em primeira linha numa série de indústrias, tanto em termos de qualidade, como na cobertura ao nível mundial. 

Um exemplo importante é a rede 5G da telefonia móvel. Esta é dominada pela Huawei, empresa privada chinesa, que - apesar de todo o boicote levado a cabo há anos pelos EUA- está numa posição mundial dianteira. 

Lembram-se do lamentável episódio da vice-presidente da Huawei ter sido presa no aeroporto de Vancouver, quando em trânsito para a China, vinda dum congresso na América Latina? E do tempo que levou libertarem-na, embora inocente de qualquer crime e retida contra todas as normas do direito internacional?

A China de hoje não sofre de atraso em termos tecnológicos, em relação ao Ocidente, antes pelo contrário. Ela tem sido capaz de ultrapassar as dificuldades colocadas  pelos ocidentais à sua importação de componentes estratégicas, sujeitas a sanções pelo Ocidente. A indústria dos «chips» tem avançado depressa na China, embora esta não consiga ainda igualar certos tipos de chips de gama mais alta, fabricados em Taiwan. Pode-se dizer -porém - que não está em situação crítica, neste aspecto. 

Um «teste» que comprova isso, ocorreu recentemente, com os aviões de combate da força aérea do Paquistão de fabrico chinês, que superaram em combate os da força aérea indiana, de fabrico francês (Rafale). Obviamente, os aviões de caça possuem múltiplos sistemas eletrónicos, dos radares de deteção, aos sistemas de assistência  à pilotagem e ao combate. Estes sistemas utilizam os «chips» mais sofisticados. Penso que  a qualidade dos sistemas electrónicos incorporados se reflectiu nas capacidades de combate desses aviões.

A China tem uma economia integrada, mas não demasiado verticalizada, assim conciliando a capacidade em concentrar recursos humanos, financeiros e materiais, em áreas consideradas prioritárias, ao mesmo tempo que - ao nível local, de município ou de província - tem dado livre curso a experiências audaciosas, colocando a iniciativa privada em concorrência. Esta é estimulada, sendo a excelência recompensada. Veja-se o que diz a economista Prof.ª Keyu Jin sobre os pólos de excelência das «Silicon Valleys» chinesas. 

Neste país não há pobreza nas grandes cidades; a população está corretamente vestida; não tem carências alimentares, nem deficiências na saúde. 

Pode-se argumentar como se queira, mas a pobreza é o factor de exclusão maior: Automaticamente, exclui os pobres da participação ativa na vida social e cívica. Além disso, a pobreza tende a perpetuar-se de geração em geração. 

É no Ocidente que a pobreza progride. Aí, verifica-se a subida dos índices mais preocupantes, como o da taxa de mortalidade de bébés e infantes, o desemprego em massa dos jovens, o alcoolismo, o consumo de drogas e os suicídios... e tudo isto, enquanto a sociedade do consumo desenfreado continua a segregar a miragem da opulência. Esta miragem faz as pessoas mais pobres do Sul global imigrarem para os países «afortunados», onde  irão encontrar, em vez dum «paraíso», o inferno da exploração!

Porém, é na China que ocorre o  mais dinâmico desenvolvimento capitalista, numa combinação de capitalismo de Estado e de capitalismo privado.  

A República Popular da China declara-se socialista, mas não exclui nem marginaliza o capitalismo privado, enquanto modo de produção. 

Se, de facto, este modelo de socialismo tem tanto sucesso, ele não deveria assustar as pessoas dos países da Europa e América. Deveriam ver quais as vantagens que pode trazer, embora não para lhe copiar mecanicamente as soluções. Estas, podem ser adequadas para a China, mas não para outras paragens. Muitos países do Sul Global estão já a beneficiar da cooperação com a China.

Paradoxalmente, enquanto continua a pregar a «liberdade de concorrência», a «livre iniciativa», etc, o Ocidente mantém uma guerra de retaguarda com o resto do mundo. Claramente, esta destina-se a conservar os privilégios da oligarquia, a qual não tem interesse em desenvolver seus países, no sentido autêntico de emancipação das pessoas, sua maior autonomia, suas melhores condições de vida e uma melhor educação e informação.

Ao fazer esta escolha - pela oligarquia - a casta política europeia está cada vez mais dissociada das necessidades reais da cidadania. Prova clara desta dissociação, é sua opção pelo confronto bélico com a Rússia, indo ao ponto de mostrar-se mais inflexível que os EUA. Esta escolha, acabará por levar a Europa para um plano subalterno, não só no tecido tecno-científico-industrial, mas também ao nível civilizacional

Múltiplos casos históricos de países, mostram que a perda de dinamismo (em particular, no setor produtivo) está na origem da decadência e se não for revertida, desemboca em dependência neo-colonial.    



 

quinta-feira, 13 de julho de 2023

MIKE WHITNEY, NUM ARTIGO MEMORÁVEL, COMPARA AS ECONOMIAS DOS EUA E DA CHINA

Na minha opinião, embora M. Whitney apresente como imagens que «dizem tudo», uma comparação entre dois mapas de caminhos de ferro de alta velocidade na China em 2008 e em 2023, este outro diagrama (abaixo) que ele inclui no artigo, da responsabilidade do FMI, ainda é mais impressionante. Será mesmo a prova da tese que Mike Whitney defende ao longo do artigo... 




 https://www.unz.com/mwhitney/the-one-chart-that-explains-everything-2/ 


Deste excelente artigo, depreende-se que:
- A China vai tornar-se a maior economia (capitalista) no século XXI.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

SOBRE O XXº CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DA CHINA

Há quem diga que a China é um «país comunista ao nível do governo, com uma economia capitalista». Se a economia é capitalista, como é possível que seja «comunista»  ou governado por um partido comunista. Não existe possibilidade de reconciliar os factos com as declarações. O poder monolítico do PCCh, não admite a mais leve dissidência, ou crítica, interna ou externa. O essencial deste regime é o de uma ditadura autocrática, com laivos totalitários. A ficção de que «é comunista» vai favorecer a clique no poder, assim como funciona como espantalho ou justificação para os governos capitalistas ocidentais. Estes, tão depressa louvam o sistema «do comunismo chinês» como fazem campanhas para denegrir o mesmo, sob pretexto (hipócrita) de defesa dos «direitos humanos». 

Os que não estão enfeudados a um «marxismo-leninismo», como justificativo de contorções mentais e de posição política mais patéticas, mas que defendem o socialismo e comunismo enquanto emancipação, não precisam de se obnubilar com a propaganda de um lado ou doutro. Afinal, a verdade é revolucionária (sempre!) e a verdadeira solidariedade deve ser com os explorados, oprimidos, perseguidos, seja qual for a sua origem, etnia, nação... 

Podemos ser críticos da casta dirigente chinesa e desejar boas relações com o governo de Pequim. Uma coisa não exclui a outra, pois a nossa liberdade e autonomia deve permitir-nos analisar todos os aspetos da questão, sem a-priori, sem sentenças drásticas. Afinal trata-se de ser realista, adulto politicamente,  não interferir nos assuntos internos do povo chinês (como de qualquer outro povo), pois «a libertação dos trabalhadores é a tarefa dos próprios trabalhadores».

Um dos pontos mais notórios da ditadura a que está submetido o povo, é a campanha de intimidação disfarçada de campanha sanitária. Não é preciso tomar posições «negacionistas» em relação ao covid, para se perceber que, do ponto de vista médico e epidemiológico, a política de «COVID Zero», não tem validade científica, é mera construção política conveniente. Isto sobressai com a utilização dos testes e das quarentenas (lockdown) (1) como forma de controlo das populações. 

Mas, todo o espetáculo encenado deste XXº congresso do PCCh é o da exibição da fidelidade aos órgãos do partido e ao seu chefe máximo, não tem qualquer papel de discussão dos caminhos e métodos para o partido e para o país. Xi Jin Pin aparece como aquele que se posiciona (2) entre Mao e Deng.


A fragilidade da economia chinesa, neste momento, não pode ser menosprezada. Com a proibição de exportação de semicondutores para a China e a interdição de quaisquer cidadãos americanos colaborarem com qualquer indústria de semicondutores sediada na China, a guerra económica e de sanções dos EUA intensifica-se. Porém, estas medidas terão consequências negativas(3) para os países ocidentais.

A política de deixar o setor imobiliário desenvolver-se até formar uma bolha enorme, (4) teve a consequência de ficarem arruinadas muitas pessoas modestas, que acreditaram que investir neste setor era seguro (70 % das poupanças privadas na China estão investidas no imobiliário; compare-se com cerca de 25% para os países ocidentais). 

A China está limitada no seu desejo de investir  massivamente na sua economia interna (consumo corrente, equipamento, educação...) não por limitação de capitais, mas por limitação de meios materiais e humanos para realizar esta viragem. Neste domínio da expansão da produção para consumo doméstico, a China pode mobilizar mais depressa (5) capital e recursos humanos do que muitos outros países.



A viragem também se dá em relação às exportações: Com a nova guerra fria, os países que crescem em termos de trocas comerciais com a China são a Rússia, (6) os países da Ásia Central, África, América Latina, muitos dos quais participando em projetos das Novas Rotas da Seda. Os países ocidentais, EUA, Austrália, Reino Unido, União Europeia, verão suas trocas comerciais com a China estagnarem ou recuarem. 

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(1) https://www.youtube.com/watch?v=VLWlMFrT7bQ

 (2) https://www.youtube.com/watch?v=CbedG2j8fmY

(3)https://asiatimes.com/2022/10/china-chip-ban-a-us-exercise-in-extreme-self-harm/

(4) https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/09/se-china-implode.html

(5) https://en.ndrc.gov.cn/news/mediarusources/202202/t20220216_1315656.html

(6)  https://www.silkroadbriefing.com/news/2022/05/10/understanding-the-china-russia-trade-investment-economic-relationship-in-the-context-of-the-ukraine-conflict/

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O QUE ESTÁ EM JOGO NA CRISE DE HONG-KONG?

                                 
                              Hong Kong’s days as global financial hub may be numbered – Jim Rogers

Ela pode ter sido fortemente impulsionada pela comunidade de negócios, aliada com os serviços de «inteligência» dos EUA e britânicos. Mas, o facto permanece que os problemas de Hong-Kong são os mesmos que os da China continental, mas sob outra perspectiva. 


Vou tentar explicitar o meu ponto de vista da forma mais simples possível.

A estrutura do poder na China é a dum capitalismo de Estado (designada «socialismo com características chinesas»). 
Neste capitalismo de Estado, contam sobretudo as ligações orgânicas ao poder político e à hierarquia militar. Os que estão próximos do poder, beneficiam de uma situação de enorme privilégio que lhes permitiu amassar - durante menos de vinte anos - fortunas. A China é um paraíso para bilionários... 
A China reveste-se portanto das roupagens do «socialismo», para levar a cabo um desenvolvimento que efectivamente arranca milhões da pobreza, mas também projecta a desigualdade e a estratificação de classes para níveis do século XIX. 
Os marxistas auto-iludem-se ao ver a China como a grande esperança de um socialismo brotar - como que por encanto - do mais vigoroso desenvolvimento capitalista deste século.  

Quando Hong-Kong entra em revolta dá-se uma coligação frágil de interesses entre defensores de uma visão radical da democracia (essencialmente estudantes) e  uma burguesia, que vive numa bolha artificial de negócios, centro internacional da Ásia como há poucos, com toda a espécie de negócios, o capitalismo sem máscara, glorificado pelos mais fundamentalistas religiosos dos mercados. 
Do outro lado, a burocracia do partido comunista está interessada em Hong-Kong enquanto porta de entrada de capitais frescos para alimentar a economia de exportação - embora esta esteja em desaceleração - na China continental. Este facto é suficiente para esperar que a situação se acalme, em vez de usar a violência da repressão, conquanto não a descarte totalmente, como se pode verificar com o amassar de forças militares na cidade próxima de Hong-Kong, em  Shenzhen.

Com certeza que Hong-Kong, na sua natureza capitalista não disfarçada, contradiz a doutrina socialista com características chinesas oficial. Porém, o facto de ter regressado à soberania chinesa foi um êxito do regime pós-Mao. 
Com efeito, o regime chinês mascara-se de socialista, mas a sua essência é a de  um capitalismo de Estado, de características orientais, evocando o «Modo de Produção Asiático» que Marx inventou para arrumar aquilo que não se conformava nem com o modelo feudal, nem com o capitalista. 
É igualmente importante, sobretudo pela coesão das massas com a elite dirigente, o nacionalismo nesse dito «socialismo com características chinesas». 
A aceitação passiva pelo povo do PCCh, tem a ver com a cultura nacionalista arreigada, nomeadamente, com a atribuição aos imperialistas de todos os males que sofreu o povo chinês no «século de humilhação»(entre 1840 e 1949). 
Mas também tem a ver, por outro lado, com a rápida ascensão do nível de vida de milhões de pessoas, devido ao «milagre» económico das últimas décadas. As pessoas renunciam à esfera política, porque ocupando-se apenas dos assuntos do quotidiano, das suas vidas pessoais, conseguem alcançar uma relativa felicidade, avaliada em termos da construção de uma carreira, de uma família etc. 
Apenas os estudantes, com o seu modo de vida incerto, enquanto grupo social em transição, sem segurança, sem fortes amarras ao mundo da produção, têm atracção pela militância política; em geral ela traduz-se pela defesa de mais democracia, mais liberdade, maior justiça social. As suas posturas tornam-se facilmente extremas e as formas, radicais. 
Isto verificou-se também, ironicamente, nos movimentos radicais na origem do Partido Comunista da China e de outros partidos comunistas da Ásia, na década de 1920.

Em termos gerais, a situação encontra-se num impasse. Mas ela terá uma resolução, seja ela qual for, mais ou menos repressiva. Tal, porém, dificilmente será no sentido de satisfazer os anseios da população autóctone pela conservação da sua democracia e auto-governo, sentimentos generalizados dos que se manifestam pacificamente em Hong-Kong. 

A razão deste meu pessimismo, é que as forças que têm conduzido a contestação não estão interessadas na conciliação com o poder comunista, não querem a negociação: querem prolongar o braço-de-ferro, porque a sua táctica, inspirada e encorajada pelas agências da ex-potência colonial (Grã-Bretanha) e dos EUA, é a de expor o poder de Pequim, como sendo de natureza totalitária. 

As potências ocidentais esperam assim desautorizar a ascensão da China à liderança do Terceiro Mundo, como no tempo do Movimento dos Não-Alinhados dos anos 60 do século passado. Mas agora, esta liderança já não seria sob a bandeira internacionalista (incluindo nela o nacionalismo revolucionário dos movimentos de libertação), mas teria as roupagens dum mundo multipolar, através das «Novas Rotas da Seda».

No ponto de vista geo-estratégico, esta agitação em Hong-Kong é um episódio da guerra híbrida levada a cabo pelos poderes ocidentais e os EUA contra a China. Não existe solidariedade verdadeira com a população de Hong-Kong da parte destes governos, nem da media ocidental; não estão realmente interessados na liberdade dos cidadãos de Hong-Kong. 
Eles tentarão tudo para desencadear uma situação de repressão, com Pequim no papel de «mau da fita».

O jogo das potências ocidentais é triplo: trata-se de 
(1) afundar a sedução das Novas Rotas da Seda junto de governos dos países do «Terceiro Mundo», 
(2) desestabilizar por dentro o regime chinês e
(3) «justificar» perante a sua opinião pública ocidental a agressividade, o cerco militar que têm levado a cabo, iniciado com o «Pivot to China» de Obama e continuado por Trump. 

Se houver um banho de sangue em Hong-Kong, tanto melhor! É assim que eles raciocinam...

PS: uma outra perspectiva sobre HK, no vídeo abaixo. 
https://www.youtube.com/watch?v=a38bOtUEXcc