terça-feira, 5 de março de 2019

A UM ANO DE DISTÂNCIA DO «CASO SKRIPAL»


                             

Lembram-se com certeza do barulho e histeria que rodearam, há precisamente um ano atrás, este caso jamais plena e satisfatoriamente esclarecido?

Pois, um distinto escritor, Michael Antony, um britânico residente na Suíça, produziu recentemente uma narrativa alternativa, que sintetiza brilhantemente aquilo que se sabe sobre o caso rocambolesco e apresenta uma solução racional, baseada em evidências, que nos permite compreender toda a engrenagem envolvida neste caso. 

As implicações deste caso estão longe de estar encerradas. Não é de excluir que se volte a assistir a novos casos da mesma natureza ou do mesmo género. Ou seja, fabricações de serviços secretos ocidentais, para convencer as opiniões públicas zombificadas, com o objectivo último de criar um ambiente de nova «guerra fria» com a Rússia.
  
Claro que nunca saberemos toda a verdade sobre o assunto. Mas, pelo menos, com os elementos de que nós dispomos, sabemos que a versão oficial - a das autoridades britânicas - não pode ser verdadeira, nem sequer é verosímil. 

Leiam os artigos abaixo e avaliem:

https://michaelantonyblog.wordpress.com/2019/02/22/the-alternative-skripal-narrative/

https://off-guardian.org/2019/03/04/the-skripal-case-one-year-on/

segunda-feira, 4 de março de 2019

BASES POR TODO O LADO, EXCEPTO NO RELATÓRIO DO PENTÁGONO


                     

 Tradução por Manuel Banet Baptista, inicialmente publicado em:

https://ogmfp.wordpress.com/2019/03/03/bases-por-todo-o-lado-excepto-no-relatorio-do-pentagono/



Por Nick Turse  TomDispatch


Num espaço de horas, depois do Presidente Trump ter anunciado a retirada das forças do EUA da Síria, o equipamento da base de al-Tanf já estava a ser inventariado para ser removido.  A mais importante base americana na Síria estaria (talvez) sendo riscada dos livros do Pentágono – só que, al-Tanf nunca esteve efectivamente nos livros do Pentágono. Inaugurada em 2015 e, até recentemente, albergando centenas de soldados dos EUA, é uma das muitas bases militares que existem algures entre a luz e a sombra, um reconhecido posto avançado que nunca fez parte do inventário oficial de bases do Pentágono.

Oficialmente, o Departamento da Defesa mantém 4.775 «locais», espalhados por todos os 50 Estados, por oito territórios dos EUA e por 45 países estrangeiros. Um total de 514 destes postos avançados estão localizados no estrangeiro, de acordo com o Catálogo mundial do Pentágono. Apenas para mencionar alguns da longa lista, estão nela incluídas as bases no Oceano Índico de Diego Garcia, de Djibouti, no Corno de África, tal como no Perú e em Portugal, nos Emiratos Árabes Unidos e no Reino Unido. Mas a versão mais actualizada do catálogo, emitida em 2018 e designada como «Relatório das Estruturas de Bases»  (BSR), não inclui a base de al-Tanf. Ou qualquer outra das bases na Síria ou no Iraque, ou outros locais onde se saiba que tais acampamentos militares existem e, ao contrário da Síria, estejam em expansão.

De acordo com David Vine, autor de “Uma Nação de Bases: Como é que as Bases Militares dos EUA no Estrangeiro Afectam a América e o Mundo,” pode haver centenas de bases semelhantes, fora dos registos oficiais, em todo o mundo. «Os locais ausentes são um reflexo da falta de transparência do sistema do que considero serem as 800 bases dos EUA fora dos 50 Estados e de Washington, D.C., que têm pontilhado o globo desde a IIª Guerra Mundial» afirma Vine, que é também membro fundador da recém criada Coalição Pelo Rearranjo e Fechamento das Bases no Estrangeiro, um grupo de analistas em assuntos militares, que atravessa o espectro ideológico e advoga a redução da «pegada global» dos militares dos EUA.

Tais bases, ausentes dos registos, estão fora deles por um motivo. O Pentágono não quer falar delas.  “Falei com o oficial de contacto com a imprensa, responsável pelo «Relatório da Estrutura das Bases» e não tem nada a acrescentar, nem ninguém com quem se possa falar mais sobre isto, neste momento” Foi o que a porta-voz do Pentágono, tenente-coronel Michelle Baldanza afirmou ao TomDispatch, quando interrogada sobre as muitas bases misteriosas do Departamento da Defesa.
“As bases não recenseadas estão imunes de escrutínio pelo público e mesmo pelo Congresso,” explicou Vine. “As bases são uma manifestação física da política estrangeira e militar dos EUA; portanto, bases fora-do-registo significa que os militares e o executivo estão a tomar decisões políticas sem debate público, frequentemente gastando milhões ou biliões de dólares e que, potencialmente, podem envolver-se em guerras e conflitos sobre os quais o nosso país não sabe nada.”


Quais São Elas?

A Coalição pelo Realinhamento e Encerramento das Bases notou que os EUA possuem cerca de 95 por cento das bases militares no estrangeiro, enquanto países como a França, a Rússia e o Reino Unido, têm cerca de 10-20 bases no estrangeiro, cada. A China possui apenas uma.
O Departamento de Defesa até se gaba de que as suas localizações incluem 164 países. Dito de outro modo, tem uma presença militar em 84 por cento das nações deste  planetaou, pelo menos, assim reivindica o Departamento de Defesa. Após TomDispatch ter pesquisado sobre tal número numa página Internet, destinada a contar a «história» do Pentágono ao público em geral, esta foi mudada rapidamente. “Apreciamos a sua diligência em ir ao fundo deste assunto,” disse a tenente-coronel Baldanza. “Graças às suas observações, actualizámos o sítio defense.gov para  ‘mais de 160.’”




O que o Pentágono ainda não definiu é o termo «local». O número 164 está mais ou menos a par com a avaliação do Departamento da Defesa das estatísticas de efectivos, que mostra pessoal colocado em 166 locais no estrangeiro, incluindo algumas nações com um número escasso de militares dos EUA e outras, como o Iraque e a Síria, em que a dimensão dos efectivos das tropas é obviamente muito maior, mesmo se não incluídas na lista ao tempo do recenseamento. (O Pentágono afirmou, recentemente, que existem cerca de 5.200 militares no Iraque e, pelo menos, 2.000 na Síria, embora este número deva agora reduzir-se significativamente.) O inventário de tropas no estrangeiro também contabiliza tropas em territórios americanos como Samoa, Puerto Rico, Ilhas Virgens, e Ilha Wake. Dúzias de soldados, segundo o Pentágono, também estão estacionados em “Akrotiri” (que, de facto, é uma aldeia na ilha grega de Santorini !) e milhares de outros estão aquartelados em locais «desconhecidos».
No seu último relatório, o número total das tropas com «localização desconhecida»,  excede 44.000.

                 Official Defense Department manpower statistics show U.S. forces deployed to the nation of "Akrotiri."

Os custos anuais com o pessoal militar dos EUA no estrangeiro, tal como manter e gerir tais bases, atinge uma estimativa de 150 biliões de dólares anuais. O custo dos postos avançados apenas, soma, aproximadamente, dois terços do total. “As bases dos EUA no estrangeiro custam cerca de 50 biliões de dólares por ano, só para as edificar e manter, o que poderia ser usado em necessidades prementes nos EUA, na educação, saúde, habitação e infraestruturas” faz notar Vine. 
Talvez o leitor não fique surpreendido por as declarações do Pentágono serem um bocado vagas, sobre onde as tropas estariam estacionadas. O novo sítio Internet do Departamento da Defesa contabiliza “4.800+ sítios de defesa” à volta do mundo. Depois de TomDispatch ter pesquisado sobre esse total e como se relaciona com a contagem oficial de 4.775 locais mencionados na listagem oficial do BSR, o sítio Internet foi mudado para “aproximadamente 4.800 sítios de defesa.”
“Obrigado por apontar a discrepância. Estamos a mudar para um novo sítio Internet, estamos a actualizar informação,” escreveu a tenente-coronel Baldanza. “Por favor refira-se ao «Base Structure Report» (BSR) que tem os últimos números.”
Num sentido literal, o «Base Structure Report» tem realmente os números mais recentes — mas a sua precisão é outro assunto. “O número de bases contabilizadas no BSR tem pouco a ver com o número efectivo de bases dos EUA fora dos Estados Unidos, diz Vine. “Muitas bases, muitas delas bem conhecidas e outras secretas, têm sido deixadas de fora da lista.”
Um exemplo notório é o da constelação de postos avançados que os EUA construíram em África. O inventário oficial da BSR apenas menciona um punhado de locais aí – na Ilha de Ascencion, tal como em Djibuti, no Egipto e no Quénia. Na realidade, no entanto, existem muitos mais locais em muitos outros países africanos.

                            East Africa Response Force soldiers during emergency response exercise, Camp Lemmonier, Djibouti. (U.S. Air Force photo by Senior Airman Peter Thompson)

Uma recente investigação pelo Intercept, baseada em documentos obtidos do «U.S. Africa Command» através da Lei de Liberdade de Informação, revelava a existência de uma rede de 34 bases, sobretudo agrupadas no Norte e Oeste deste continente, assim como no Corno de África. A «postura estratégica» da AFRICOM consiste em ter maiores postos avançados, «duradoiros», incluindo dois «locais de operações avançadas» (FOSes), 12 «locais de segurança em cooperação» (CSLs) e 20 mais austeros, conhecidos como «localizações contingentes» (CLs).
O inventário do Pentágono incluí dois locais: Ilha de Ascension e a jóia da coroa de bases de  Washington em África, o Camp Lemonnier em Djibouti, que se expandiu de 88 acres, no início dos anos 2000, até cerca de 600 acres, actualmente. O referido relatório «Base Structure Report», no entanto, omite um «local de segurança em cooperação» (CSL) no mesmo país, o Chabelley Airfield, um posto-avançado menos vistoso, a cerca de 10 Km do primeiro, que tem servido como base de drones em África e no Médio Oriente.
A listagem oficial do Pentágono também menciona uma base pela designação obscura de “NSA Bahrain-Kenya.” A AFRICOM tinha começado por descrevê-la como um grupo de armazéns construídos na década de 1980, no porto e aeroporto de Mombaça, no Quénia, mas agora aparece como «CSL» na listagem de 2018. No entanto, há uma outra base no Quénia, o Campo Simba, mencionada em 2013, num estudo interno do Pentágono sobre operações secretas com drones na Somália e no Iémen. Pelo menos duas aeronaves pilotadas de vigilância estiveram baseadas aí, na altura. Simba foi, há algum tempo, uma  instalação operada pela Marinha; agora é mantida pela Força Aérea, concretamente pelo Esquadrão Expedicionário Nº475 de Base Aérea, parte da Esquadra Aérea Expedicionária Nº435.

O pessoal dessa mesma esquadra aérea pode ser encontrado noutro posto avançado, que não está mencionado no «Base Structure Report»,  situado no lado oposto do continente. O BSR declara que não regista informação sobre locais «não EUA» e que menciona somente os que tenham pelo menos 10 acres  de tamanho e que valham pelo menos 10 milhões de dólares. Porém, a base em questão — A Base Aérea 201  em Agadez,  no Níger — tem já um custo em construções de 100 milhões de dólares, quantia que será em breve eclipsada pelo custo de funcionamento da base, de 30 milhões de dólares anuais. Quando, em 2024, o presente acordo de dez anos cessar, seus custos de construção e de funcionamento atingirão cerca de 280 milhões de dólares.

Outras bases que faltam no relatório BSR são as do vizinho Camarões, incluindo uma base de longa duração em Douala, um campo aéreo de drones na longínqua Garoua e uma instalação conhecida como Salak. Este local, segundo uma investigação de 2017 pelo Intercept, pela Forensic Architecture, e por Amnesty International, tem sido usado por pessoal dos EUA e por contratantes, para vigilância com drones e missões de treino, e pelas forças camaronesas, aliadas dos EUA, para prisões ilegais e torturas.

Segundo Vine, o facto de manterem secretas as bases africanas dos EUA tem vantagens para Washington: Protege os aliados neste continente da possível oposição pela presença de tropas dos EUA, enquanto garante que não haverá um debate a nível doméstico sobre despesas e compromissos dos militares envolvidos. “É importante para os cidadãos dos EUA saberem onde estão baseadas as suas tropas em África e em todo o mundo” disse ao TomDispatch, “porque a presença de tropas dos EUA custa biliões de dólares todos os anos e porque os EUA estão envolvidos ou potencialmente envolvidos em guerras e conflitos que poderiam ter uma escalada e ficarem fora de controlo.”


As tais Bases Ausentes

África está longe de ser a única zona em que a lista oficial do Pentágono não se coaduna com a realidade. Durante mais de duas décadas, o «Base Structure Report» ignorou as bases em toda a espécie de zonas de guerra, com intervenção de americanos.  No culminar da ocupação do Iraque, por exemplo, os EUA tinham 505 bases aí, desde postos avançados, até bases com instalações gigantescas. Nenhuma delas aparecia nas listagens oficiais do Pentágono.
No Afeganistão, os números ainda são mais elevados. Tal como foi noticiado por TomDispatch em 2012, a Força Internacional liderada pelos EUA tinha cerca de 550 bases naquele país. Se forem adicionados os postos de controlo da ISAF – pequenas bases para garantir a segurança de estradas e aldeias – à contagem das mega-bases, o número atinge o valor de 750. E se tivermos em conta as instalações estrangeiras  – incluindo as logísticas, as administrativas e as instalações de apoio – o comando conjunto da ISAF contabilizou 1.500 locais. A quantidade das que estavam ao cuidado dos americanos ficou porém misteriosamente ausente da contagem oficial do Departamento de Defesa.

                         

Existem agora muito menos instalações assim no Afeganistão – os números podem descer ainda mais nos próximos meses, na proporção da redução das tropas. Mas a existência do Campo Morehead, da Base Fenty de operações avançadas, do Aeródromo de Tarin Kowt, do campo Dahlke ocidental, do Aeródromo de Bost, tal como do Campo Shorab,  uma pequena instalação no que foi antes o local das bases gémeas conhecidas como Campo Leatherneck e Campo Bastion, são incontestáveis. No entanto, nenhuma destas jamais apareceu no «Base Structure Report».

Analogamente, embora já não existam mais de 500 bases dos EUA no Iraque, nos anos mais recentes, visto que regressaram tropas americanas a este país, alguns quartéis foram restaurados ou construídos de raiz. Estes incluem o Complexo Besmaya Range, a base de Sakheem, a  base de Um Jorais, e a base aérea Al Asad, assim como o  aeródromo de Qayyarah Ocidentaluma base situada a 40 milhas a sul de Mosul, mais conhecida por “Q-West.” De novo, não encontrareis quaisquer delas na lista oficial do Pentágono.

Nestes dias, é difícil obter informação rigorosa sobre efectivos militares nas zonas de guerra, onde estejam envolvidos americanos, assim como sobre o número de bases em cada uma delas. Como explica Vine, “Os militares dizem que mantêm os números secretos, em parte, para esconder as bases dos seus adversários. Mas, como não será difícil localizar as bases em locais como a Síria ou o Iraque, tal secretismo é destinado antes a prevenir o debate ao nível doméstico, sobre o dinheiro, o perigo e mesmo para evitar tensões diplomáticas e inquéritos internacionais.

Se o objectivo do Pentágono tem sido o de evitar o debate doméstico, tem sido alcançado ao longo dos anos, escapando às questões sobre a sua postura global ou sobre o que um colaborador regular de TomDispatch, Chalmers Johnson designava como o “Império de bases americano.”
Em meados de Outubro, TomDispatch  perguntou a Heather Babb, uma outra porta-voz do Pentagon, sobre os postos avançados no Afeganistão, no Iraque e na Síria, que estavam ausentes do relatório «Base Structure Report», assim como os que faltavam em relação às bases africanas. Entre outras questões colocadas a Babb: O Pentágono poderia dar uma simples contagem – ou uma listagem – de todos os postos avançados? Possui uma verdadeira contagem das instalações no estrangeiro, mesmo que esta não tenha sido revelada ao público – uma lista que afinal fizesse o que a «Base Structure Report» apenas alega fazer? Outubro e Novembro passaram sem resposta.
Em Dezembro, em resposta aos pedidos de informação, Babb respondeu – em linha com a política usual de manter os cidadãos americanos no escuro acerca das bases que estes pagam e sem ter em conta a dificuldade de negar a existência de postos que se estendem de Agadez no Níger a Mosul no Iraque – «Não tenho nada a acrescentar», declarou ela, «à informação e aos critérios que estão incluídos no relatório».

A decisão do Presidente Trump em retirar tropas americanas da Síria, significa que o relatório de 2019 «Base Structure Report» será provavelmente o mais preciso desde há alguns anos. Pela primeira vez, desde 2015, a contabilidade dos postos avançados do Pentágono já não omitirá a guarnição de al-Tanf (ou, de novo então, talvez o faça). Mas isso ainda deixa de fora centenas de bases, ausentes da listagem oficial. Um posto avançado terá saído, mas quem sabe quantos ainda faltam?

Nick Turse é editor da redacção de TomDispatch e colaborador de Intercept
O seu livro mais recente intitula-se “Next Time They’ll Come to Count the Dead: War and Survival in South Sudan.”(«Na próxima, vez virão para contar os mortos: guerra e sobrevivência no Sudão do Sul»).
O seu sítio Internet é NickTurse.com.

sábado, 2 de março de 2019

LA VIE ANTÉRIEURE - CHARLES BAUDELAIRE

 



J'ai longtemps habité sous de vastes portiques
Que les soleils marins teignaient de mille feux
Et que leurs grands piliers, droits et majestueux,
Rendaient pareils, le soir, aux grottes basaltiques.


Les houles, en roulant les images des cieux,
Mêlaient d'une façon solennelle et mystique
Les tout-puissants accords de leur riche musique
Aux couleurs du couchant reflété par mes yeux.


C'est là que j'ai vécu dans les voluptés calmes,
Au milieu de l'azur, des vagues, des splendeurs
Et des esclaves nus, tout imprégnés d'odeurs,


Qui me rafraîchissaient le front avec des palmes,
Et dont l'unique soin était d'approfondir
Le secret douloureux qui me faisait languir.


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Análise por Manuel Banet

Baudelaire refere-se a uma vida anterior, em que os seus sentidos estão plenamente satisfeitos e sua alma também, em paz e harmonia com os sentidos.
O poeta afirma que viveu num ambiente de volúpia calma, no meio de esplendores e de escravos nus. 
O tom, intencionalmente vago, deixa adivinhar uma época da antiguidade e uma latitude tropical.
Porém, a mais perfeita beleza e a realização dos desejos sensuais eram apenas sofrimento, afinal; ou melhor, uma forma de aprofundar o sofrimento do poeta.

Do ponto de vista formal, o soneto usa a cadência clássica do verso alexandrino. A rima é rica e não afectada. O discurso flui com naturalidade.
Os símbolos, usados em cada estrofe, são evocadores de faustosas mansões, de templos, da beleza primacial da natureza, que se conjuga com uma civilização da antiguidade no seu apogeu.
No último verso, dá-se uma deslocação de sentido; no meio do cenário sumptuoso de prazer sensual, o poeta revela algo, um segredo, que o perturba e anula a sensação de paz dos versos anteriores. A natureza do segredo não é revelada, mas o verso refere-se ao sofrimento que ele provoca.

A música está presente em toda a obra de Baudelaire, principalmente ligada à beleza da forma. Embora o sensualismo dos versos seja óbvio, a transmutação das imagens e impressões através da música implícita apela para um além misterioso. 
Léo Ferré pôs em música e interpretou este poema de Baudelaire extraído da célebre recolha «Les Fleurs du Mal», na gravação abaixo, originalmente de 1957, recentemente restaurada. 


sexta-feira, 1 de março de 2019

POR QUE MOTIVOS FALHARAM AS CONVERSAÇÕES TRUMP-KIM EM HANOI?



Artigo de Manuel Baptista inicialmente publicado em:



A imprensa internacional «mainstream» apenas tem dado eco às declarações de Donald Trump, logo após o cancelamento brusco da cimeira:
“Era basicamente acerca das sanções,” disse o Presidente Donald Trump aos repórteres após cessar as negociações com Kim Jong-un. “Queriam as sanções levantadas na íntegra e nós não podíamos fazer isto. Ás vezes tem-se de abandonar conversações e foi exactamente o caso disso.”
As declarações de Ri Yong-ho, o ministro dos negócios estrangeiros da Coreia do Norte, afirmam circunstâncias bem diferentes:
A Coreia do Norte pediu o levantamento parcial das sanções …“que tolhem a economia civil e os meios de subsistência do povo,” referindo partes de cinco resoluções da ONU de 2016 e de 2017. Existem, no total, 11 resoluções da ONU impondo sanções à Coreia do Norte.
Além disso, o compromisso de Junho de 2018 deixava bem claro o que fazer de uma e outra parte e qual a sequência do processo.
O Presidente Trump e o Secretário-Geral Kim Jong Un afirmam o seguinte:
1.  Os Estados Unidos (EUA) e a República Democrática Popular da Coreia (DPRK) comprometem-se a estabelecer relações de acordo com o desejo dos povos de ambos os países, pela paz e prosperidade.
2.  OS EUA e a DPRK juntarão seus esforços para conseguir uma paz duradoira e estável na Península Coreana.
3.  Reafirmando a declaração de Panmujom de 27 de Abril de 2018, a DPRK compromete-se a trabalhar em direcção à completa desnuclearização da Península Coreana.
4.  Os EUA e a DPRK comprometem-se a resgatar os restos mortais de prisioneiros de guerra e de soldados combatentes, incluindo o repatriamento imediato dos que já estão identificados.

Após oito meses, nem a abertura de embaixadas, nem um levantamento de sanções foi assinado. A Coreia do Norte destruiu túneis de teste de armas nucleares e uma rampa de testes nucleares. Alguns restos mortais de prisioneiros de guerra/soldados foram repatriados. Mas do lado dos EUA não houve quaisquer medidas que correspondessem ao cumprimento dos seus compromissos.
A «cereja no bolo» foi o aparecimento extemporâneo de John Bolton, o conselheiro de segurança de Trump, que teria – segundo a imprensa sul coreana – feito exigências suplementares sobre destruição de armas químicas e biológicas da Coreia do Norte – o que, manifestamente, não se encontrava na agenda – perto do final das conversações, tendo por objectivo fazer capotar a hipótese de um acordo. 
A opinião pública sul coreana reagiu com desânimo e incredulidade ao comportamento leviano, que atribui à delegação dos EUA.
Resta compreender como e porquê, o Presidente Trump está mais preocupado em agradar ao ramo mais conservador e belicista da Administração, do que ao seu próprio eleitorado. Tem-se a sensação de que o Presidente ficou refém do «Estado profundo», não podendo satisfazer as promessas eleitorais de que iria descomprometer os EUA de teatros bélicos pelo mundo fora, concentrando-se antes na defesa das suas próprias fronteiras.

Leituras complementares:


https://tomluongo.me/2019/02/28/north-korea-talks-breakdown-trump-keeps-the-empire-happy/

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

EMERGÊNCIA DE UM NOVO SISTEMA MUNDIAL BASEADO NO PADRÃO OURO

Reproduzo alguns aspectos essenciais da análise de Jim Willie, que poderão consultar na íntegra, aqui

Jim Willie começa por afirmar que a supressão do preço do ouro está a chegar ao fim. Esta supressão teve como suporte os contratos de futuros em ouro (o mesmo se passa com a prata) que são negociados, como outros derivados, nas bolsas do COMEX e da LBMA, mas que não correspondem a quase nenhum ouro subjacente. Por outras palavras, negoceiam-se títulos de compra e venda de ouro, que não desembocam na entrega do metal, mas apenas são «redimidos» em dólares. Os pedidos de entrega do ouro correspondente a contratos, têm sido - repetidas vezes - negados. Apenas grandes bancos têm - na prática - a possibilidade de obter, desta forma, o ouro físico. 
Pensa-se que a proporção de contratos sobre a quantidade de ouro depositado nos cofres destas instituições, seja de cerca de 1:200 (1 onça de ouro físico para 200 onças de «ouro-papel»). Esta fraude repetida tem permitido a supressão do preço do ouro: Quando a tendência é para uma subida acentuada, os grandes bancos emitem contratos de ouro-papel (vazios, não baseados em barras de ouro subjacentes) que inundam o mercado de futuros do COMEX e LBMA, normalmente em horas de pouca movimentação, para garantir a descida mais acentuada do preço.

Segundo Willie, 3 factores se conjugam para o preço do ouro subir até valores que compensem a impressão monetária, em grande escala, que tem ocorrido.

1- O regresso do QE (Quantative Easing) ou seja, da impressão monetária não contrabalançada por retirada de divisas do mercado. 
Powell deu um claro sinal de que a FED vai fazer uma «pausa» na redução/venda dos activos detidos. A imprensa financeira e Wall Street interpretaram isso como uma inversão da política de Quantitive Tightening (QT) prosseguida desde há dois anos, nos EUA. Por outro lado, os especialistas em obrigações do tesouro (treasuries) e em derivados, asseguram que a compra discreta destas pela FED tem continuado, apesar da sua proclamada retirada. Quanto à subida gradual da taxa de juro, esta ainda está muito longe de atingir a sua média histórica.
A política de QE da FED foi causadora de uma grande subida do ouro, invertendo a tendência de descida, a partir do ano de 2016. Agora, existe um mercado altista no ouro, que a «pausa» no QT ou a retoma do QE, está a estimular.

2- O SGE (Shangai Gold Exchange): a bolsa do ouro de Xangai tem tido um enorme volume de transacção de ouro físico. Há uns tempos atrás, a China lançou uma nota de crédito em Yuan, como instrumento importante nas suas trocas comerciais globais, nomeadamente, com países exportadores de petróleo. Esta nota de crédito em Yuan vem substituir as «treasuries» americanas de curto e médio prazo, que têm sido utilizadas como instrumento corrente de pagamento, em trocas de grande volume. 
Com a maior utilização da nota de crédito em Yuan, conjuga-se a possibilidade de converter esses yuan em ouro no SGE. Necessariamente, a bolsa de Xangai será ainda mais activa e cada vez maior número de instâncias internacionais aceitarão de bom grado esta nota de crédito. Esta nota de credito em Yuan será bem aceite, pois não terá risco e será redimível em ouro (No SGE a compra de ouro é exclusivamente feita em Yuan).

3- As directivas de Basel: Basel é onde se situa a sede do BIS (Bank of Internacional Settlements) o «banco central dos bancos centrais». 
Este banco tem emitido directivas cujos bancos centrais dos vários países fazem cumprir às entidades bancárias sob sua jurisdição. Assim, segundo directiva em vigor partir de 31 de Março, os bancos comerciais vão poder constituir reservas em ouro, visto que este passa a ter o estatuto de «Tier 1» ou seja, a par do dinheiro líquido e das obrigações do tesouro. 
Estas reservas, por sua vez, são muito importantes para os bancos comerciais, pois determinam a sua solidez e quais os montantes estão autorizados a emprestar. 
Esta pequena mudança em relação ao ouro, está a sinalizar uma nova abordagem. O seu intuito claro é salvaguardar a sua utilização como componente do grande «reset», ou seja, da reestruturação do sistema monetário internacional. 
Aliás, várias vozes próximas do FMI têm vindo a propor uma reestruturação baseada na substituição do US dólar  como moeda de reserva (uma das resultantes dos Acordos de Bretton Woods) por um cabaz  (o SDR) de moedas em proporções diversas... dólares, euros, yens, libras e yuans. Propuseram eles que este cabaz seja alargado a metais preciosos (ouro, principalmente) e até matérias-primas (petróleo, etc). 

Estão - por detrás da cortina - a cozinhar a tal transição ou «reset», mas discretamente, para não desencadearem pânico no público. Também estão a tentar uma transição que mantenha o poder dos bancos centrais e da grande banca, ou até o reforce ainda mais. 

Os leitores interessados poderão consultar vários artigos que tenho dedicado, ao longo dos anos, a estes assuntos, ver em particular:

http://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/11/como-e-que-elite-globalista-pretende.html

http://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2019/02/para-compreender-o-mundo-de-hoje.html

http://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/07/o-famoso-reset-ja-estara-ocorrendo.html




quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

PROBABILIDADE DE INTERVENÇÃO MILITAR DOS EUA NA VENEZUELA AUMENTA

Vejam o vídeo abaixo, em que uma jornalista de RT entrevista um professor de Direitos Humanos de uma Universidade dos EUA. 
Infelizmente, na media e nos círculos do poder dos países da NATO, só pensam em termos de derrubar Maduro e submeter a Venezuela.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

DEMONSTRADO: EURO BENEFICIOU SOMENTE ALEMANHA E HOLANDA

                     'Euro was flawed at birth and destined to collapse' - Nobel economist

Um estudo do CEP publicado em Fevereiro de 2019, mostra que o euro beneficiou muito a Alemanha e os Países Baixos, tendo um efeito nefasto nas economias dos países do Sul, Portugal*, Espanha, Grécia e Itália. 



Esta conclusão não é inédita, mas tem o mérito de provar com dados precisos e quantificar o que cada pessoa destes países, em média, beneficiou - ou não  -desde a introdução do euro, em 1999.
Lembro que nos meus escritos sobre o euro - podem encontrá-los neste blog, ver aqui, aqui e aqui - já estava bem claro o papel inibidor do euro nas economias que deixavam de poder desvalorizar suas divisas para manterem a competitividade das exportações. O superávit sistemático de certos países e o déficit sistemático de outros, o desequilíbrio sistemático da balança comercial entre Norte e Sul, o seu claro efeito no desemprego, no endividamento externo, etc. são sinais muito claros de que algo estava e está mal, no desenho da «união monetária». 
O que está mal? 

- Em primeiro lugar, não existindo semelhança de grau de desenvolvimento industrial e tecnológico entre várias zonas do Euro, a criação de uma zona monetária única vai reforçar a penetração dos produtos das zonas mais fortes, em detrimento das mais fracas, visto não existirem barreiras alfandegárias.

- Em segundo lugar, a existência de um mercado único, com uma moeda única implicaria, para ser «fair play», que as regras do mesmo mercado fossem o mais uniformes possível de país para país; ou seja, com as mesmas exigências em relação às condições em que operam os agentes económicos; o mesmo nível de impostos, as mesmas regras nas relações laborais, as mesmas condições de acesso ao crédito, etc, etc. 

- Em terceiro lugar, seria necessário introduzir um mecanismo de garantia de obrigações do tesouro de cada país emissor, uma efectiva garantia solidária do conjunto da zona euro. Isto significaria que, tanto os países ricos, como os pobres, teriam capacidade para pedir empréstimos em condições semelhantes, não haveria o enorme diferencial das taxas de juro; taxas ao nível da inflação ou mesmo menores, para os países mais ricos e taxas altíssimas, um crédito «punitivo», para os pobres. 

As disfunções e anomalias resultantes da introdução da moeda única, nas condições em que tal foi feito, eram absolutamente previsíveis, mas os políticos que fizeram Maastricht tinham uma agenda essencialmente política, não económica. Depois, entronizaram as «regras de Maastricht» como se fossem absolutas, reforçando-as com uma «disciplina» que não tem qualquer significado económico. 

Na verdade, o projecto da UE, especialmente com o tratado de Lisboa e o Euro, é um projecto de construção dum império continental, não duma verdadeira federação de Estados livres e conservando uma parte significativa da sua soberania. Num projecto imperial, como este, as regras são ditadas pelos mais fortes. 

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* Consultar os gráficos da página 12 do referido relatório, para a evolução da situação de Portugal.