Tradução por Manuel Banet Baptista, inicialmente publicado em:
https://ogmfp.wordpress.com/2019/03/03/bases-por-todo-o-lado-excepto-no-relatorio-do-pentagono/
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Por Nick Turse TomDispatch
Num espaço de horas, depois do Presidente Trump ter anunciado a
retirada das forças do EUA da Síria, o equipamento da base de al-Tanf
já estava a ser inventariado para ser removido. A mais importante
base americana na Síria estaria (talvez) sendo riscada dos livros do Pentágono
– só que, al-Tanf nunca esteve efectivamente nos livros do
Pentágono. Inaugurada em 2015 e, até
recentemente, albergando centenas de soldados dos EUA, é uma das muitas bases
militares que existem algures entre a luz e a sombra, um reconhecido posto
avançado que nunca fez parte do inventário oficial de bases do Pentágono.
Oficialmente, o Departamento da Defesa mantém 4.775 «locais», espalhados por todos os 50 Estados, por oito territórios dos EUA e por 45 países estrangeiros. Um total de 514 destes postos avançados estão localizados no estrangeiro, de acordo com o Catálogo mundial do Pentágono. Apenas para mencionar alguns da longa lista, estão nela incluídas as bases no Oceano Índico de Diego Garcia, de Djibouti, no Corno de África, tal como no Perú e em Portugal, nos Emiratos Árabes Unidos e no Reino Unido. Mas a versão mais actualizada do catálogo, emitida em 2018 e designada como «Relatório das Estruturas de Bases» (BSR), não inclui a base de al-Tanf. Ou qualquer outra das bases na Síria ou no Iraque, ou outros locais onde se saiba que tais acampamentos militares existem e, ao contrário da Síria, estejam em expansão.
De acordo com David Vine, autor de “Uma Nação de Bases: Como é que as Bases Militares dos EUA no Estrangeiro Afectam a América e o Mundo,” pode haver centenas de bases semelhantes, fora dos registos oficiais, em todo o mundo. «Os locais ausentes são um reflexo da falta de transparência do sistema do que considero serem as 800 bases dos EUA fora dos 50 Estados e de Washington, D.C., que têm pontilhado o globo desde a IIª Guerra Mundial» afirma Vine, que é também membro fundador da recém criada Coalição Pelo Rearranjo e Fechamento das Bases no Estrangeiro, um grupo de analistas em assuntos militares, que atravessa o espectro ideológico e advoga a redução da «pegada global» dos militares dos EUA.
Tais bases, ausentes dos registos, estão fora deles por um
motivo. O Pentágono não quer falar delas. “Falei com o oficial de
contacto com a imprensa, responsável pelo «Relatório da Estrutura das Bases» e
não tem nada a acrescentar, nem ninguém com quem se possa falar mais sobre
isto, neste momento” Foi o que a porta-voz do Pentágono, tenente-coronel
Michelle Baldanza afirmou ao TomDispatch, quando interrogada
sobre as muitas bases misteriosas do Departamento da Defesa.
“As bases não recenseadas estão imunes de escrutínio pelo
público e mesmo pelo Congresso,” explicou Vine. “As bases são uma manifestação
física da política estrangeira e militar dos EUA; portanto, bases
fora-do-registo significa que os militares e o executivo estão a tomar decisões
políticas sem debate público, frequentemente gastando milhões ou biliões de
dólares e que, potencialmente, podem envolver-se em guerras e conflitos sobre os
quais o nosso país não sabe nada.”
Quais São Elas?
A Coalição pelo Realinhamento e Encerramento das Bases notou que
os EUA possuem cerca de 95 por cento das bases militares no estrangeiro,
enquanto países como a França, a Rússia e o Reino Unido, têm cerca de 10-20
bases no estrangeiro, cada. A China possui apenas uma.
O Departamento de Defesa até se gaba de
que as suas localizações incluem 164 países. Dito de outro modo, tem uma
presença militar em 84 por cento das nações deste planeta, ou, pelo menos, assim
reivindica o Departamento de Defesa. Após TomDispatch ter
pesquisado sobre tal número numa página Internet, destinada a contar a «história»
do Pentágono ao público em geral, esta foi mudada rapidamente. “Apreciamos a sua
diligência em ir ao fundo deste assunto,” disse a tenente-coronel Baldanza.
“Graças às suas observações, actualizámos o sítio defense.gov para
‘mais de 160.’”
O que o Pentágono ainda não definiu é o termo «local». O número
164 está mais ou menos a par com a avaliação do Departamento da Defesa
das estatísticas de efectivos, que mostra pessoal
colocado em 166 locais no estrangeiro, incluindo algumas nações com um número
escasso de militares dos EUA e outras, como o Iraque e a Síria, em que a
dimensão dos efectivos das tropas é obviamente muito maior, mesmo se não incluídas na lista
ao tempo do recenseamento. (O Pentágono afirmou, recentemente, que existem
cerca de 5.200 militares no Iraque e, pelo menos, 2.000 na Síria, embora este
número deva agora reduzir-se significativamente.) O inventário
de tropas no estrangeiro também contabiliza tropas em territórios americanos
como Samoa, Puerto Rico, Ilhas Virgens, e Ilha Wake. Dúzias de soldados,
segundo o Pentágono, também estão estacionados em “Akrotiri” (que, de facto, é
uma aldeia na ilha grega de Santorini !) e milhares de outros estão
aquartelados em locais «desconhecidos».
No seu último relatório, o número total das tropas com «localização
desconhecida», excede 44.000.
Os custos anuais com o pessoal militar dos EUA no
estrangeiro, tal como manter e gerir tais bases, atinge uma estimativa de 150
biliões de dólares anuais. O custo dos postos avançados apenas, soma,
aproximadamente, dois terços do total. “As bases dos EUA no estrangeiro custam
cerca de 50 biliões de dólares por ano, só para as edificar e manter, o que
poderia ser usado em necessidades prementes nos EUA, na educação, saúde,
habitação e infraestruturas” faz notar Vine.
Talvez o leitor não fique surpreendido por as declarações do
Pentágono serem um bocado vagas, sobre onde as tropas estariam estacionadas. O
novo sítio Internet do Departamento da Defesa contabiliza “4.800+
sítios de defesa” à volta do mundo. Depois de TomDispatch
ter pesquisado sobre esse total e como se relaciona com a contagem oficial de 4.775
locais mencionados na listagem oficial do BSR, o sítio Internet foi mudado para
“aproximadamente 4.800 sítios de defesa.”
“Obrigado por apontar a discrepância. Estamos a mudar para um
novo sítio Internet, estamos a actualizar informação,” escreveu a tenente-coronel Baldanza. “Por favor refira-se ao «Base Structure Report» (BSR)
que tem os últimos números.”
Num sentido literal, o «Base Structure Report» tem realmente os
números mais recentes — mas a sua precisão é outro assunto. “O número de bases
contabilizadas no BSR tem pouco a ver com o número efectivo de bases dos EUA
fora dos Estados Unidos, diz Vine. “Muitas bases, muitas delas
bem conhecidas e outras secretas, têm sido deixadas de fora da lista.”
Um exemplo notório é o da constelação de postos avançados que os
EUA construíram em África. O inventário oficial da BSR apenas menciona um punhado
de locais aí – na Ilha de Ascencion, tal como em Djibuti, no Egipto e no
Quénia. Na realidade, no entanto, existem muitos mais locais em muitos outros
países africanos.
Uma recente investigação pelo Intercept,
baseada em documentos obtidos do «U.S. Africa Command» através da Lei de
Liberdade de Informação, revelava a existência de uma rede de 34 bases,
sobretudo agrupadas no Norte e Oeste deste continente, assim como no Corno de
África. A «postura estratégica» da AFRICOM consiste em ter maiores postos avançados,
«duradoiros», incluindo dois «locais de operações avançadas» (FOSes), 12
«locais de segurança em cooperação» (CSLs) e 20 mais austeros, conhecidos como
«localizações contingentes» (CLs).
O inventário do Pentágono incluí dois locais: Ilha de Ascension
e a jóia da coroa de bases de Washington em África, o Camp Lemonnier em
Djibouti, que se expandiu de 88 acres, no início dos anos
2000, até cerca de 600 acres, actualmente. O referido relatório «Base Structure Report»,
no entanto, omite um «local de segurança em cooperação» (CSL) no mesmo
país, o Chabelley Airfield, um posto-avançado menos
vistoso, a cerca de 10 Km do primeiro, que tem servido como base de drones em África e no
Médio Oriente.
A listagem oficial do Pentágono também menciona uma base pela
designação obscura de “NSA Bahrain-Kenya.” A AFRICOM tinha começado por
descrevê-la como um grupo de armazéns construídos na década de 1980, no porto e
aeroporto de Mombaça, no Quénia, mas agora aparece como «CSL» na listagem de
2018. No entanto, há uma outra base no Quénia, o Campo Simba, mencionada em 2013, num estudo
interno do Pentágono sobre operações secretas com drones na Somália e no Iémen.
Pelo menos duas aeronaves pilotadas de vigilância estiveram baseadas aí, na
altura. Simba foi, há algum tempo, uma instalação operada pela Marinha; agora é mantida
pela Força Aérea, concretamente pelo Esquadrão Expedicionário Nº475 de Base Aérea, parte
da Esquadra Aérea Expedicionária Nº435.
O pessoal dessa mesma esquadra aérea pode ser encontrado noutro
posto avançado, que não está mencionado no «Base Structure Report»,
situado no lado oposto do continente. O BSR declara que não regista informação
sobre locais «não EUA» e que menciona somente os que tenham pelo menos 10
acres de tamanho e que valham pelo menos 10 milhões de dólares. Porém, a base
em questão — A Base Aérea 201 em Agadez, no
Níger — tem já um custo em construções de 100 milhões de dólares, quantia que será
em breve eclipsada pelo custo de funcionamento da base, de 30 milhões de dólares
anuais. Quando, em 2024, o presente acordo de dez anos cessar, seus custos de
construção e de funcionamento atingirão cerca de 280 milhões de dólares.
Outras bases que faltam no relatório BSR são as do vizinho
Camarões, incluindo uma base de longa duração em Douala, um campo aéreo de drones na
longínqua Garoua e uma instalação conhecida como Salak.
Este local, segundo uma investigação de 2017 pelo Intercept,
pela Forensic Architecture, e por Amnesty International, tem sido usado por pessoal dos EUA e por contratantes, para vigilância com drones e missões de
treino, e pelas forças camaronesas, aliadas dos EUA, para prisões ilegais e
torturas.
Segundo Vine, o facto de manterem secretas as bases africanas
dos EUA tem vantagens para Washington: Protege os aliados neste continente da
possível oposição pela presença de tropas dos EUA, enquanto garante que não
haverá um debate a nível doméstico sobre despesas e compromissos dos militares
envolvidos. “É importante para os cidadãos dos EUA saberem onde estão baseadas
as suas tropas em África e em todo o mundo” disse ao TomDispatch,
“porque a presença de tropas dos EUA custa biliões de dólares todos os anos e
porque os EUA estão envolvidos ou potencialmente envolvidos em guerras e
conflitos que poderiam ter uma escalada e ficarem fora de controlo.”
As tais Bases Ausentes
África está longe de ser a única zona em que a lista oficial do
Pentágono não se coaduna com a realidade. Durante mais de duas décadas, o «Base
Structure Report» ignorou as bases em toda a espécie de zonas de guerra, com
intervenção de americanos. No culminar da ocupação do Iraque, por
exemplo, os EUA tinham 505 bases aí, desde postos avançados, até bases com
instalações gigantescas. Nenhuma delas aparecia nas listagens oficiais do
Pentágono.
No Afeganistão, os números ainda são mais elevados. Tal como foi
noticiado por TomDispatch em 2012, a Força Internacional
liderada pelos EUA tinha cerca de 550
bases naquele país. Se forem adicionados os postos de controlo
da ISAF – pequenas bases para garantir a segurança de estradas e aldeias – à
contagem das mega-bases, o número atinge o valor de 750. E se tivermos em conta
as instalações estrangeiras – incluindo as logísticas, as
administrativas e as instalações de apoio – o comando conjunto da ISAF contabilizou 1.500 locais. A quantidade das que estavam ao cuidado dos americanos ficou
porém misteriosamente ausente da contagem oficial do Departamento de Defesa.
Existem agora muito menos instalações assim no Afeganistão – os
números podem descer ainda mais nos próximos meses, na proporção da
redução das tropas. Mas a existência do Campo
Morehead, da Base Fenty de operações avançadas, do Aeródromo de Tarin Kowt, do
campo Dahlke ocidental, do Aeródromo de Bost, tal como do Campo Shorab, uma pequena instalação no
que foi antes o local das bases gémeas conhecidas como Campo Leatherneck
e Campo Bastion, são incontestáveis. No entanto, nenhuma destas jamais apareceu no
«Base Structure Report».
Analogamente, embora já não existam mais de 500 bases dos EUA no
Iraque, nos anos mais recentes, visto que regressaram tropas americanas a este
país, alguns quartéis foram restaurados ou construídos de raiz. Estes incluem
o Complexo Besmaya Range, a base de Sakheem, a base de Um Jorais, e a base aérea Al Asad,
assim como o aeródromo de Qayyarah Ocidental, uma base situada a 40
milhas a sul de Mosul, mais conhecida por “Q-West.” De novo, não
encontrareis quaisquer delas na lista oficial do Pentágono.
Nestes dias, é difícil obter informação rigorosa sobre efectivos militares nas zonas de guerra, onde estejam envolvidos americanos,
assim como sobre o número de bases em cada uma delas. Como explica Vine, “Os
militares dizem que mantêm os números secretos, em parte, para esconder as
bases dos seus adversários. Mas, como não será difícil localizar as bases em
locais como a Síria ou o Iraque, tal secretismo é destinado antes a prevenir o
debate ao nível doméstico, sobre o dinheiro, o perigo e mesmo para evitar
tensões diplomáticas e inquéritos internacionais.
Se o objectivo do Pentágono tem sido o de evitar o debate
doméstico, tem sido alcançado ao longo dos anos, escapando às
questões sobre a sua postura global ou sobre o que um colaborador regular
de TomDispatch, Chalmers Johnson designava como o “Império de bases americano.”
Em meados de Outubro, TomDispatch perguntou a
Heather Babb, uma outra porta-voz do Pentagon, sobre os postos avançados no
Afeganistão, no Iraque e na Síria, que estavam ausentes do relatório «Base
Structure Report», assim como os que faltavam em relação às bases africanas.
Entre outras questões colocadas a Babb: O Pentágono poderia dar uma simples
contagem – ou uma listagem – de todos os postos avançados? Possui uma
verdadeira contagem das instalações no estrangeiro, mesmo que esta não tenha
sido revelada ao público – uma lista que afinal fizesse o que a «Base Structure
Report» apenas alega fazer? Outubro e Novembro passaram sem resposta.
Em Dezembro, em resposta aos pedidos de informação, Babb
respondeu – em linha com a política usual de manter os cidadãos americanos no
escuro acerca das bases que estes pagam e sem ter em conta a dificuldade de
negar a existência de postos que se estendem de Agadez no Níger a Mosul no
Iraque – «Não tenho nada a acrescentar», declarou ela, «à informação e aos
critérios que estão incluídos no relatório».
A decisão do Presidente Trump em retirar tropas americanas da
Síria, significa que o relatório de 2019 «Base Structure Report» será
provavelmente o mais preciso desde há alguns anos. Pela primeira vez, desde
2015, a contabilidade dos postos avançados do Pentágono já não omitirá a
guarnição de al-Tanf (ou, de novo então, talvez o faça). Mas isso ainda deixa
de fora centenas de bases, ausentes da listagem oficial. Um posto avançado
terá saído, mas quem sabe quantos ainda faltam?
Nick Turse é editor da redacção de TomDispatch e colaborador de Intercept.
O seu livro mais recente intitula-se “Next Time They’ll Come to Count the Dead:
War and Survival in South Sudan.”(«Na próxima, vez virão para contar os mortos:
guerra e sobrevivência no Sudão do Sul»).
O seu sítio Internet é NickTurse.com.
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