Aqui, não vos irei falar sobre a infinidade de sentidos que é dada à expressão ou a forma como o público, em geral, avalia qualquer obra como sendo «romântica» ou não. Isso terá pouco interesse, se não se compreender previamente a existência de um movimento dentro da História, que é simultaneamente estético, político e filosófico.
É esse movimento romântico que me interessa: o que foi assim designado por críticos contemporâneos ou posteriores, ao movimento sobre o qual escreveram.
Muito haveria a escrever sobre as componentes que o caracterizam - a estética, a política e a filosofia. Estão entrançadas de tal modo que, ao distingui-las, devemos ter em mente que isso se deve antes a conveniência na exposição, pois se misturarmos os aspetos, acabamos por não clarificar nada sobre as várias facetas do movimento.
A definição de romantismo poderia dá-la sintetizando definições de dicionários; mas estou convicto que essas definições «congelam» ideias, causam a sua cristalização, tanto na mente de quem escreve como de que lê.
É inegável a ligação do romantismo com algumas ideias que «andavam no ar», nos finais do século XVIII: A ideologia liberal, na sua formulação primeira, a da Declaração de Independência dos Estados Unidos. A filosofia dialética de Hegel, a filosofia da Natureza de Goethe e de muitos mais. Nota-se a emancipação da Escolástica medieval. Embora o ser humano ainda seja colocado no centro da Criação, não é um «pedaço de argila moldado por Deus», antes o construtor de si próprio, da sua própria vida, do seu devir. Num tempo em que as estruturas do passado se desmoronam, a realeza absoluta, a Igreja da Inquisição, a família patriarcal, começo de emancipação da mulher (somente na aristocracia e na burguesia), tendência a acabar o regime de monopólio e privilégio das companhias de comércio, protegidas pelo poder real, levando à entrada de vários atores no mercado. Tudo isso, tinha relação com um dos pilares da nova visão do Homem enquanto indivíduo, um ser dotado de inteligência, sensibilidade e senso moral: ele não podia já ser tratado como mera criança, obrigado a aceitar como as únicas ideias «legítimas», as que lhe impunham os padres, os reis e os nobres. A descoberta doutros mundos, para além do Velho Mundo, da Europa, Ásia e África, implicava relativizar ou por francamente em causa «certezas» ensinadas e reproduzidas em austeros tratados, nas Universidades europeias. O saber deixou de estar limitado à elite universitária e eclesiástica, com a nova dimensão do saber técnico, o saber-fazer. Pense-se nos saberes associados à navegação: a geografia, a cartografia, as técnicas de construção de navios, a descoberta e descrição de novas espécies vegetais e animais, nos continentes explorados pelos europeus. Nos dois séculos anteriores ao século XIX, houve um constante alargar dos horizontes. Foi, propriamente, o início da revolução científica e técnica. Esta revolução não foi política, ou não teve como motivação substituir a ordem política vigente. Os reis e os poderosos encorajavam as expedições longínquas, acolhendo os novos dados científicos que delas resultavam, com a mesma abertura com que acolhiam novas trocas comerciais.
Foi assim nascendo a ideia do ser humano enquanto indivíduo. Não que dantes não existisse uma tal noção. Mas, de uma forma ou doutra, ela esteve subordinada ao coletivo: o povo, a pátria, a pertença ao reino, à zona geográfica, à profissão (as corporações de ofícios). O homem do século XVIII/XIX ainda continua conectado a essas realidades, que moldam o seu destino. Mas, aquilo que muda, é a ênfase: o essencial, já não é a proveniência do indivíduo, a sua classe de origem ou a sua pertença a tal ou tal reino.
Na música, no teatro, na pintura e escultura, as sociedades aceitam o cosmopolitismo dos artistas e até o encorajam. Por exemplo, a corte do rei D. João V de Portugal, que beneficiou das muitas riquezas das colónias, em particular do Brasil, estava repleta de estrangeiros, músicos, artistas plásticos, cientistas, etc. na sua maioria, italianos.
A ênfase tornou-se mais política, a partir da Revolução Francesa. O cidadão, era aquele individuo que aderia ao projeto revolucionário. Assim, houve deputados polacos, irlandeses e alemães à Convenção da França revolucionária. Eram homens que se tinham identificado com a causa revolucionária; eram legitimamente membros deste corpo representativo. Note-se que, mais tarde, esta noção política de cidadania foi instrumentalizada por Napoleão: Em todas as suas campanhas militares utilizou estrangeiros (regimentos de irlandeses, de polacos, de suíços, de alemães), completamente subordinados ao poder imperial.
Na literatura, a grande revolução foi o dar-se primazia ao indivíduo, através da exposição dos sentimentos: Rousseau (Confessions), Goethe (Werther) etc.
Na música, o cânon clássico representado por Haydn e outros músicos, foi destronado a favor do romantismo nascente, correspondente ao movimento literário «Sturm und Drang» (Tempestade e Ímpeto).
A crítica foi muito negativa, na estreia da 3ª Sinfonia de Beethoven. Porém, a nova estética acabou por triunfar. Os músicos românticos, após a morte de Beethoven, foram célebres: Mendelssohn, Schubert, Liszt, Chopin, Berlioz, etc. A estes, seguiu-se uma segunda e uma terceira vaga. Na época do romantismo ascendente não são produzidas peças «delico-doces», associadas pelo público à expressão música romântica. A ideia do romantismo como música «lamecha» e com falta de imaginação, tem origem na utilização de fórmulas, por pessoas sem talento, mas que se atreviam a compor.
A música e a poesia romântica vão de par com uma sensibilidade emancipatória, envolvendo as determinantes nacionais e sociais.
Os heróis românticos não dependiam senão do seu destino. O seu devir era moldado por suas características psicológicas; pela sua capacidade em amar, o seu sentido do dever, a sua determinação. Também existe a imagem estereotipada do herói/heroína que sucumbe ao destino trágico: Eles lutam até ao limite de suas forças. São vencidos, mas não resignados.
Mesmo a vertente «negra» do romantismo (ver poema de Baudelaire, abaixo*), não implica uma renúncia ao bem ou ao que há de saudável nos humanos e na sociedade. Se Baudelaire adota, nalguns poemas, uma pose «decadentista» ou mesmo «satânica», isso deve-se, sobretudo, à sua condição pessoal: ele sofre, mas não aceita esse sofrimento com resignação. A revolta é percetível, em muitos dos seus poemas.
Vous êtes un beau ciel d'automne, clair et rose! Mais la tristesse en moi monte comme la mer, Et laisse, en refluant, sur ma lèvre morose Le souvenir cuisant de son limon amer.
— Ta main se glisse en vain sur mon sein qui se pâme; Ce qu'elle cherche, amie, est un lieu saccagé Par la griffe et la dent féroce de la femme. Ne cherchez plus mon coeur; les bêtes l'ont mangé.
Mon coeur est un palais flétri par la cohue; On s'y soûle, on s'y tue, on s'y prend aux cheveux! — Un parfum nage autour de votre gorge nue!...
Ô Beauté, dur fléau des âmes, tu le veux! Avec tes yeux de feu, brillants comme des fêtes, Calcine ces lambeaux qu'ont épargnés les bêtes!
Conversa
Sois um belo céu de Outono, claro e róseo! Mas a tristeza invade-me como a maré, E deixa, ao refluir, no meu lábio dormente A lembrança ardente do limo amargo.
— Tua mão deslisa em vão sobre meu seio tenso; O que procuras, amiga, é um local arruinado Pelas garras e dentes ferozes da mulher. Não procures mais o coração; as feras o devoraram.
Meu coração é um palácio invadido pela turba; Ela se embebeda, se mata e se agarra pelos cabelos! — Um perfume flutua em torno de vosso seio nu!...
Ó Beleza, duro flagelo das almas, tu o exiges! Com teus olhos de fogo, luzindo como festas, Calcina estes farrapos que sobraram das feras!
Eis uma lista de canções, musicadas por Léo Férré, quer dos seus próprios poemas, quer de poetas de várias épocas da literatura francesa.
Esta antologia, partilho-a com os leitores, porque me parece que Léo Férré é tão importante, musical e poeticamente.
Ele realmente transcende os géneros... popular, erudito?
... Que significado tem isso, perante uma imaginação e prodigiosa capacidade de jogar com os sons? - Talvez seja um dos melhores meios de iniciação à língua francesa, a uma cultura viva e não académica.
Et que leurs grands piliers, droits et majestueux,
Rendaient pareils, le soir, aux grottes basaltiques.
Les houles, en roulant les images des cieux,
Mêlaient d'une façon solennelle et mystique
Les tout-puissants accords de leur riche musique
Aux couleurs du couchant reflété par mes yeux.
C'est là que j'ai vécu dans les voluptés calmes,
Au milieu de l'azur, des vagues, des splendeurs
Et des esclaves nus, tout imprégnés d'odeurs,
Qui me rafraîchissaient le front avec des palmes,
Et dont l'unique soin était d'approfondir
Le secret douloureux qui me faisait languir.
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Análise por Manuel Banet
Baudelaire refere-se a uma vida anterior, em que os seus sentidos estão plenamente satisfeitos e sua alma também, em paz e harmonia com os sentidos.
O poeta afirma que viveu num ambiente de volúpia calma, no meio de esplendores e de escravos nus.
O tom, intencionalmente vago, deixa adivinhar uma época da antiguidade e uma latitude tropical.
Porém, a mais perfeita beleza e a realização dos desejos sensuais eram apenas sofrimento, afinal; ou melhor, uma forma de aprofundar o sofrimento do poeta.
Do ponto de vista formal, o soneto usa a cadência clássica do verso alexandrino. A rima é rica e não afectada. O discurso flui com naturalidade.
Os símbolos, usados em cada estrofe, são evocadores de faustosas mansões, de templos, da beleza primacial da natureza, que se conjuga com uma civilização da antiguidade no seu apogeu.
No último verso, dá-se uma deslocação de sentido; no meio do cenário sumptuoso de prazer sensual, o poeta revela algo, um segredo, que o perturba e anula a sensação de paz dos versos anteriores. A natureza do segredo não é revelada, mas o verso refere-se ao sofrimento que ele provoca.
A música está presente em toda a obra de Baudelaire, principalmente ligada à beleza da forma. Embora o sensualismo dos versos seja óbvio, a transmutação das imagens e impressões através da música implícita apela para um além misterioso.
NB: Ce poème, de 1985, donne son nom à un recueuil inédit de poésie écrite à la même époque, en langue française. Le poème «Mon Pays» (déjà publié dans ce blog) est aussi dans le même recueuil.