Este nº11 da série de vídeos musicais é bastante «leve», pois estamos em férias. Sugiro que aproveitem a sesta para se deliciarem com as 5 composições cantadas por grandes interpretes.
Houve uma moda, nos anos 50 e 60, de fazer versões em inglês de canções inicialmente compostas em francês, ou noutros idiomas (italiano, espanhol...). Depois, muitos cantores e grupos não anglófonos, começaram a cantar diretamente em inglês. Perante o sucesso comercial obtido, reforçaram esta anglofonia.
Hoje em dia, quando os oiço, confesso que os acho - quase sempre - ridículos, patéticos. Porém, o talento faz com que uma «salada anglo-francesa» se torne palatável e até mesmo agradável, como é o caso das canções aqui apresentadas.
A mistura de duas línguas tão diferentes no modo de as pronunciar, apesar de tão próximas dos pontos de vista da Geografia e da História, resulta algo insólita. Penso que seja tal contraste que desencadeia o efeito cómico, nestas obras superiormente interpretadas pelos respetivos artistas: Patachou, Charles Aznavour, The Beatles, Louis Armstrong e Léo Ferré.
Muita gente conhece a canção de Serge Gainsbourg e Jane Birkin «Je t'aime, moi non plus». Tornou-se um enorme êxito comercial e propagou para uma fama ainda maior este par já bastante famoso. Porém, eu não considero que esta canção seja grande coisa, nem do ponto de vista musical, nem do ponto de vista da letra «erótica». O facto de uma letra falar explicitamente de sexo, de ato sexual, não a torna automaticamente merecedora de entrar na categoria de erotismo.
Compare-se com o bolero de Consuelo Velasquez «Besame»(1): Não há dúvida que é uma canção de amor com forte componente erótica (ela explicita somente beijos e abraços)...
Com efeito, os surrealistas consideravam que era ingrediente fundamental da poesia erótica(2), esse erotismo estar recoberto dum véu, de haver ambiguidade, incerteza, duplicidade de sentido, que tornam o poema, ou peça musical, muito mais interessantes.
O auditor é confrontado com uma sensação análoga à que tem, quando os traços dum rosto são sugeridos, por detrás de um véu.
O contrário ocorre hoje, em particular nas praias, com o rosto e com o corpo todo, não deixando qualquer espaço para a imaginação.
Para os surrealistas, a Arte erótica era sugestão, provocação encoberta, o «dizer sem dizer»(3). Note-se que esta definição não era inspirada por uma moral puritana, antes pelo contrário. Eles, surrealistas, faziam na sua vida uma experimentação permanente, o desregramento sexual era "regra", não havia para eles tabus de qualquer espécie.
Porém, hoje em dia, se dissermos "erótico", provavelmente as pessoas irão pensar em sexo explícito, em obscenidades, em pornografia. Mas, estas características estão afinal nos antípodas do verdadeiro erotismo.
(2) André Breton: « La beauté convulsive sera érotique-voilée, explosante-fixe, magique-circonstancielle ou ne sera pas »
(3) Aliás, é notável o número de artistas plásticas femininas surrealistas; estas mulheres-artistas desenvolveram sua própria abordagem do erotismo.
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A canção seguinte, «In the mood for love(4)», sugere que ela está nesse estado quando está na presença do seu amado. Mas, quererá isso dizer que «está pronta para fazer amor»? Note-se que não é o que ela diz, realmente. O efeito sugestivo advém da música, lânguida e sensual, que reforça o caráter erótico da canção.
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(4) traduziria por «estou numa onda de amor» ou algo deste género.
No poema «Pensionnaires», de Verlaine magistralmente posto em música por Léo Ferré, a situação é explícita e tem um pormenor tal, que se compreende quais as atividades a que se entregavam as duas irmãs. Se há um aspeto explícito de atos sexuais, por outro lado, há o contraste (musicalmente sublinhado) da criança no berço, muito contente e entretida, enquanto as duas amigas se entregam a rituais fogosos.
Escolhi-o, porque é, a meu ver, uma obra-prima poética e porque na arte não existem fronteiras estanques, nem regras absolutas: Apesar do aspeto explícito, parece-me algo só ligeiramente transgressivo. A arte do poeta e do músico, conseguem fazer-nos aceitar a letra como sendo erótica, não como pornografia.
Poema de Paul VERLAINE /Música e Canto de Léo Férré:
Este poema foi composto na prisão, juntamente com outros poemas eróticos. Veja abaixo a ilustração feita por Jean Berque, que também ilustrou outros poemas do livro «Amies», publicado em vida do autor sob pseudónimo:
Françoise Hardy, que faleceu recentemente aos 80 anos, deixou-nos algumas das canções mais belas em língua francesa. Ela tinha um modo de cantar extremamente sensual. Além disso, era excelente compositora e letrista. Ninguém fica indiferente à sua beleza e à sua voz. Oiçam (letra em baixo):
A canção «Moi vouloir Toi» (letra e música de Françoise Hardy/ Louis Chedid), celebra o amor físico entre um homem e uma mulher, enquanto o melhor antídoto para descolar das chatices do mundo. Mas como não é explícita, cai dentro da minha definição de erotismo.
MOI VOULOIR TOI
Pour décoller d'la planète
y a des plans plus ou moins nets
comme les piqûres en cachette
l'alcool et les cigarettes
y a des pilules, des tablettes,
des salades sans vinaigrette
moi je suis toujours à la fête
chez toi
pour décoller d'la planète
et s'envoler à perpète
j'ai la meilleure des recettes
moi vouloir toi
moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi
pour décoller d'la planète
autrement qu'en superjet
qu'en soucoupe ou en navette
en yogi ou en ascète
pour perdre carrément la tête
sans presser sur une gâchette
exclusif, je regrette
moi vouloir toi
moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi
moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi
moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi
Paul Verlaine (1844 -1896) tem sido considerado um dos chefes de fila do movimento Simbolista.
Tal era a sua potência poética que - apesar da sua «má vida» e dos amores proibidos com Artur Rimbaud - o elegeram o «Príncipe dos Poetas», do Parnasso Contemporâneo.
A sua arte é talvez a forma mais acabada de síntese entre o clássico e o moderno.
Quando nos debruçamos sobre a sua obra, valorizando os aspetos estéticos, ficamos extasiados pela musicalidade, subtileza e pela utilização de audácias de estilo que seriam lembradas pelos seus sucessores.
Afinal de contas, é certo que ele seja o Príncipe: Porque, que mais pode uma alma literária desejar para sua posteridade, do que ser admirada, plagiada, estudada, posta em música e isto, em sucessivas gerações!?
A peça Clair de Lune (Luar) de Debussy, integrada na suite «Bergamasque», não sendo um «poema musicado» é uma peça que banha na atmosfera simbolista e possui óbvias referências à poesia de Verlaine. Não apenas o nome «Clair de Lune» é idêntico a um dos poemas da recolha das «Fêtes Galantes» mas, no poema de Verlaine, este menciona «masques et bergamasques»: Trata-se de uma ironia saborosa, pois «masques» (máscaras) estão unidas, pela rima interna, com «bergamasque» a dança renascentista, originária de Bergamo, Itália.
Estou convencido que Debussy escolheu este título da suite «Bergamasque», como forma de homenagear o poeta simbolista.
Uma nova playlist, com o melhor do melhor da canção francesa. Não posso agradar a todos os gostos, evidentemente, por isso usei o critério de agradar a mim próprio.
Há quem pense que «as pessoas são aquilo que comem»... Porém, eu sou aquilo que amo. As canções que eu amo, com os interpretes que eu considero os melhores*.
JULIETTE GRÉCO, ÉDITH PIAF, BORIS VIAN, LÉO FÉRRÉ, JACQUES BREL, ADAMO, FRANÇOISE HARDY, MIREILLE MATHIEU, CHARLES AZNAVOUR, YVES MONTAND, CHARLES TRENET, GEORGES MOUSTAKI.
* Outros grandes nomes - Georges Brassens, Serge Gainsbourg e Jacques Dutronc - já tinham sido incluídos em playlists exclusivas. Na presente playlist, eu decidi limitar-me a incluir somente doze interpretes com 2 canções, cada (24 canções no total).
Eis uma lista de canções, musicadas por Léo Férré, quer dos seus próprios poemas, quer de poetas de várias épocas da literatura francesa.
Esta antologia, partilho-a com os leitores, porque me parece que Léo Férré é tão importante, musical e poeticamente.
Ele realmente transcende os géneros... popular, erudito?
... Que significado tem isso, perante uma imaginação e prodigiosa capacidade de jogar com os sons? - Talvez seja um dos melhores meios de iniciação à língua francesa, a uma cultura viva e não académica.
Et que leurs grands piliers, droits et majestueux,
Rendaient pareils, le soir, aux grottes basaltiques.
Les houles, en roulant les images des cieux,
Mêlaient d'une façon solennelle et mystique
Les tout-puissants accords de leur riche musique
Aux couleurs du couchant reflété par mes yeux.
C'est là que j'ai vécu dans les voluptés calmes,
Au milieu de l'azur, des vagues, des splendeurs
Et des esclaves nus, tout imprégnés d'odeurs,
Qui me rafraîchissaient le front avec des palmes,
Et dont l'unique soin était d'approfondir
Le secret douloureux qui me faisait languir.
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Análise por Manuel Banet
Baudelaire refere-se a uma vida anterior, em que os seus sentidos estão plenamente satisfeitos e sua alma também, em paz e harmonia com os sentidos.
O poeta afirma que viveu num ambiente de volúpia calma, no meio de esplendores e de escravos nus.
O tom, intencionalmente vago, deixa adivinhar uma época da antiguidade e uma latitude tropical.
Porém, a mais perfeita beleza e a realização dos desejos sensuais eram apenas sofrimento, afinal; ou melhor, uma forma de aprofundar o sofrimento do poeta.
Do ponto de vista formal, o soneto usa a cadência clássica do verso alexandrino. A rima é rica e não afectada. O discurso flui com naturalidade.
Os símbolos, usados em cada estrofe, são evocadores de faustosas mansões, de templos, da beleza primacial da natureza, que se conjuga com uma civilização da antiguidade no seu apogeu.
No último verso, dá-se uma deslocação de sentido; no meio do cenário sumptuoso de prazer sensual, o poeta revela algo, um segredo, que o perturba e anula a sensação de paz dos versos anteriores. A natureza do segredo não é revelada, mas o verso refere-se ao sofrimento que ele provoca.
A música está presente em toda a obra de Baudelaire, principalmente ligada à beleza da forma. Embora o sensualismo dos versos seja óbvio, a transmutação das imagens e impressões através da música implícita apela para um além misterioso.