A crise de 2007-2008 foi apenas o borbulhar de uma acumulação de capital fictício, de capital levantado a partir de operações com derivados, os tais produtos financeiros (contratos de futuros, etc) transpostos, ou copiados dos mercados de matérias-primas (principalmente agrícolas, para assegurar um rendimento das colheitas, etc.). Afinal, foi a financiarização que permitiu que hipotecas «sub-prime» se vendessem «por atacado», nos diversos mercados mundiais, como se fossem investimentos seguros...
A resposta ao colapso, consistiu em injectar somas colossais nos bancos ditos sistémicos, para evitar que a queda do Lehman Brothers viesse a arrastar consigo a queda dos outros bancos e instituições financeiras. Foi uma medida de emergência, que o governo dos EUA e a FED decidiram no momento. Mas essa emergência foi prolongada por sucessivas compras de «activos tóxicos» aos ditos bancos, pela FED. Logo as economias mais desenvolvidas e respectivos bancos centrais - Banco central do Japão, o ECB, o Bank of England, etc... - faziam o mesmo. A massa monetária foi-se multiplicando, sem que houvesse a recuperação económica vigorosa, como era desejada.
No intervalo de tempo de 2009 a 2018, os grandes grupos financeiros, os fundos de investimento, etc... foram comprando os activos financeiros - acções, obrigações, derivados - nos mercados, a tal ponto que a inflação nestes produtos se tornou muito notória: Por exemplo, subiam cotações bolsistas de empresas que não tinham lucro e estavam com uma montanha de dívidas. Os juros das obrigações soberanas de Portugal atingiram valores de mercado baixíssimos, semelhantes às dos EUA, depois de terem estado com juros acima dos 10% em 2012 - 2013, numa severa crise da dívida soberana. Esta fora causada por sobre-endividamento por parte do governo e seguida por especulação contra estes títulos da dívida. Mas o ECB passou a comprar a dívida de todos os países do euro, enchendo assim a sua folha de activos; os juros, tanto mais baixos quanto mais as cotações sobem nas obrigações, foram descendo. O efeito perverso, é que em países com desequilíbrio crónico da balança de pagamentos, pouco ou nenhum esforço se fez para equilibrar as suas contas.
Em Dezembro de 2018, as bolsas sofreram um «crach», completamente inesperado para muitos investidores. A razão deste foi a política da FED, de «re-normalizar» os juros, levada a cabo com subidas muito graduais, ao longo do ano anterior e outras anunciadas. Perante este crach, a FED teve logo de anunciar uma inversão da política. A partir deste ponto, era claro que o sistema financeiro e os bancos centrais que - de certo modo - tentavam regulá-lo, estavam metidos num ciclo infernal:
- Se parassem a injecção permanente de dinheiro e deixassem de manter o custo dos empréstimos (os juros) em valores baixíssimos, desencadeavam uma crise financeira, que se poderia avolumar e transformar em depressão económica;
- Se continuassem com esta política de oferecer «dinheiro gratuito» aos grandes actores financeiros, estavam a desbaratar a confiança nas divisas fiat (dólar, euro, etc) e corriam o risco de que a inflação saísse do universo dos activos financeiros, para os produtos de consumo e se tornasse hiper-inflação. Diga-se que os governos quase sempre preferem inflacionar a divisa, a fazer «default». Em ambos os casos falham as suas obrigações de pagamento, mas no primeiro caso não têm de o confessar.
Assim se chega a Setembro de 2019, em que os bancos, nos EUA, começam a não emprestar uns aos outros, tal como aconteceu no desencadear da crise de 2008, nas operações de empréstimo de curta duração. O facto de não emprestarem facilmente traduziu-se na subida dos juros, que passaram para mais de 10%, quando o normal era da ordem de 2-3 % . A FED teve de injectar neste mercado «REPO» somas de biliões semanalmente. Esta intervenção foi anunciada como de curto prazo, um mês ou dois. Mas, apesar de haver dito que este expediente seria de curta duração, a FED continuou até ao fim do ano e para além deste, a injectar somas colossais, o que fez muitos observadores considerar que a FED estava discretamente a intensificar o «quantative easing» (impressão monetária, na realidade).
Veio a crise dita do COVID, no primeiro trimestre de 2020. Antes disso, o grande capital mais por dentro das realidades financeiras, começou a vender activos, principalmente acções cotadas e aumentando os activos de baixo risco, como obrigações do Tesouro (treasuries), imobiliário, metais (ouro e prata)... Nas bolsas, o que desencadeou pânico em Março, foi o facto de a FED não conseguir obter uma significativa baixa dos juros, apesar de ter injectado uma quantia elevada no mercado. Teve de voltar à carga poucos dias depois para conseguir estabilizar, um pouco, os mercados obrigacionistas.
De então para cá, o sistema está em roda livre, pois os bancos centrais, em uníssono, puseram-se a verter grandes quantidades de divisas, sem qualquer suporte na economia real, criando ou ampliando bolhas para todos os activos financeiros existentes. Um mercado não financeiro, o imobiliário, continuará durante algum tempo artificialmente cotado, mas sua descida será muito rápida. Aliás, já começou: o sector comercial e o sector dos apartamentos de luxo estão ambos em colapso ou, pelo menos, estão paralisados. Quanto aos mercados do ouro e da prata, valores refúgio com especial apelo nos países da Ásia (China, Índia, etc.), têm subido acentuadamente (crescimento do preço do ouro de 25% num ano, quando cotado em dólares), apesar dos esquemas de supressão, envolvendo contratos de futuros - emitidos fraudulentamente mas impunemente - por grandes bancos, que agem por conta dos governos e bancos centrais ocidentais.
Se, tudo o que os bancos centrais e governos encontram como «solução» mágica, são as divisas digitais centralmente emitidas, ou seja, uma digitalização total e forçada do dinheiro em circulação, nada de essencial será resolvido. A desconfiança do público não vai dissipar-se: muitas pessoas vão constatar que sua situação objectiva continua a piorar. Apenas os bancos serão beneficiários da captura e retenção de pequenas somas nos seus cofres, quando o público já não puder transaccionar em papel-moeda.
No entretanto, as pequenas e médias empresas de todo o mundo ocidental estão em grave risco. A crise de desemprego vai ser enorme, pois elas empregam cerca de 70% da força de trabalho por conta de outrem, em Portugal e noutros países europeus (os outros 30% são funcionários públicos e de grandes empresas).
Não haverá possibilidade de reabsorver esta massa enorme de trabalhadores. Por isso mesmo, a «elite» (oligarquia) tem apontado como «solução» o rendimento mínimo incondicional (RMI), ou seja, as pessoas, quer tenham ou não emprego, receberão uma soma - por ex.: 500 € - a qual lhes permitiria suprir as necessidades básicas. Mesmo antes que venha uma crise de hiperinflação, uma inflação mais elevada é suficiente para tornar essa «esmola social» completamente insuficiente para sustentar as pessoas.
A classe dos ricos não tem nenhuma intenção de se desapossar dos seus excedentes. Ela está a congeminar a «solução» seguinte, apresentada por Klaus Schwab e os oligarcas que se reúnem no Fórum Económico Mundial de Davos (este ano tendo sido deslocado e adiado, para Singapura, em Junho...):
- A sociedade de «participantes» ou «stakeholder society» mais não é do que uma espécie de feudalismo, adaptado ao século XXI. O grosso das pessoas não poderá senão alugar, não serão proprietárias de nada... Não serão proprietárias da sua habitação, apenas inquilinas, terão de arrendar veículos, instrumentos de trabalho, etc. Terão de constituir micro-empresas, onde trabalharão e farão trabalhar seus familiares, por vezes, com rendimento demasiado baixo, que o rendimento mínimo iria suprir.
Mas, este «sonho molhado» da oligarquia que nos explora, só pode ser eficaz se houver colaboração activa dos agentes do Estado, os governos, as polícias, os tribunais, etc. Não se verá -pós-pandemia de COVID - um renovo da liberdade, nem da participação cidadã na vida política: pelo contrário, haverá sempre algum «vírus», ou «terrorista» para «justificar» estados de excepção, que se tornarão a norma, enquanto as constituições serão mantidas... isto é, mantidas penduradas nas paredes, para decoração!
O que é confrangedor observar é a entusiástica adesão a aspectos parciais deste plano macabro, plano esse que é completamente público, uma «conspiração a céu aberto», por parte de grupos tradicionalmente defensores dos direitos dos cidadãos, como os partidos de esquerda, os sindicatos, os intelectuais, os universitários, os artistas, os jornalistas...
- Num primeiro momento, ficaram siderados com a resposta, vinda de cima, dos governos, à pandemia. Depois, ficaram tomados de psicose de pânico alguns; outros, perceberam confusamente que tinham dado o aval à maior tomada de poder deste século, ao maior golpe contra a liberdade. Mas não tinham receio em relação ao seu nível de vida pessoal, em relação às suas pessoas físicas e dos seus familiares, desde que ficassem quietinhos ...E assim, a oligarquia venceu por «KO» a democracia.
Os que estão suficientemente longe do poder para compreender a gravidade do que se passa, estão a reagir, mas são demasiado destituídos de meios, face a cartéis bem organizados, instituídos e financiados. Muitas pessoas irão acordar, para o tarde, numa altura em que será difícil fazer algo, sem correr sérios riscos.
PS1 (08/01/2021): Depois de ter escrito este artigo, veio-me à notícia a estranha circunstância da «invasão» do Capitólio em Washington.
Segundo a análise de Paul Craig Roberts, o Estado Profundo tem feito uma luta incessante contra Trump, desde o momento da sua eleição há quatro anos, até agora. Também defende a tese de que o Establishment quer vingar-se de Trump e fazê-lo de um modo tal que este não possa vir a liderar um movimento/partido alternativo/populista.
A obsessão censória de algumas figuras, querendo perseguir tudo o que seja «trumpista» com um zelo semelhante ao da Inquisição e do McCarthyism, mostram que já não existe laivo de democracia liberal nos EUA: Esta faliu, com os golpes sucessivos e mortíferos, vindos tanto do lado do Partido Republicano, como do Democrata.
A época que se avizinha, no chamado Ocidente, é sombria...