quarta-feira, 13 de agosto de 2025

A HISTÓRIA DE MARIA SEGUNDO O CATOLICISMO

 

                                                    A Assunção da Virgem, de Ticiano

Antes de mais, qualquer pessoa profundamente cristã, seja de que denominação for, não deve sentir-se ofendida e não deve considerar que neste escrito pretendi apoucar a figura de Maria, Mãe de Jesus.

O que irei descrever é relativo à maneira como o cristianismo, primeiro perseguido pelas autoridades instaladas no poder na Judeia, sob o império romano e - seguidamente - também pelo próprio império romano, acabou por se transformar numa religião de Estado do império romano, levando à extinção oficial dos cultos ditos pagãos e mais ainda a moldar as narrativas relacionadas com a vida de Jesus e dos apóstolos, da maneira mais conveniente para o poder da época.

Com efeito, desde a mais alta antiguidade, surgem relatos de «virgens» que miraculosamente dão à luz um Deus ou semi-deus, ou um profeta, que está assim marcado -desde o início- com a marca do maravilhoso, do milagroso. Em muitos relatos bíblicos, são descritos «milagres», ou seja, acontecimentos que não se conformam com a «ordem natural das coisas» e reveladoras da vontade de Deus, direta ou indiretamente, através dos sacerdotes, profetas, evangelistas e santos. 

Estamos a falar de uma era profundamente crente, mas que não faz a destrinça entre o sobrenatural insuflado nas obras divinas e o que passa por sobrenatural, num exercício destinado a convencer os fiéis. 

Sabemos que os relatos dos Quatro Evangelhos canónicos, escritos todos eles muito depois dos acontecimentos relatados e mesmo depois da morte de Cristo, são unânimes relativamente à virgindade e Maria, embora esta unanimidade não tenha estatuto de «testemunho» direto, apenas de relato perpetuado de geração em geração. 

O concílio de Niceia, convocado por ordem do Imperador Constantino e sob a sua atenta vigilância, pronunciou uma série de questões em disputa no seio dos doutores cristãos. Estes procuravam fazer valer a sua versão dos acontecimentos, em polémica uns com outros. Aqui, como em muitas circunstâncias, o resultado que está consignado no «Credo Niceno» é o produto de disputas de poder dentro da Igreja Cristã, já não uma comunidade primitiva de seguidores diretos de Jesus, mas uma igreja poderosa, profundamente marcada pela sua transformação em religião de Estado.

Mesmo dentro daquele corpo de doutrina muito estricto havia lugar para especulação, relativamente à forma concreta como Maria ficou grávida de Jesus. Dizer que «foi obra do Espirito Santo», não adiantava muito, pois o Espírito Santo, todos concordavam que estava em todo o lugar, sendo emanação de Deus todo-poderoso (o Deus trinitário do «Pai-Filho-Espirito Santo). O catolicismo, ou seja a versão do cristianismo próxima do papado de Roma,  insistia que tinha sido uma conceção «imaculada», como se a conceção pela via natural fosse «pecado». O constante do catolicismo, em todos os períodos, era ver pecado em tudo, em especial na vida  sexual e amorosa dos crentes, de forma a que eles se sentissem «pecadores» de várias maneiras e formas, e logo precisando da confissão e absolvição dos pecados para poderem continuar a participar na comunidade, na missa, a receber a hóstia durante a comunhão e os sacramentos, em geral.

Depois do Concílio de Trento, em meados do Séc. XVI, os reinos católicos, além da própria Igreja, promulgaram a doutrina oficial da «Imaculada Conceição de Maria». Ao fazê-lo, estavam oficializando uma doutrina que não tinha objetivamente apoio em nada, senão na tenacidade dos teólogos mais «fundamentalistas». 

Quanto aos cristãos reformados e protestantes, qualquer que fosse a sua obediência (anglicana, calvinista, anabaptista ou luterana), consideravam que esta inovação do Concílio de Trento era totalmente arbitrária e impunha aos católicos acreditarem em algo absurdo. Surgem assim expressões irónicas, como «emprenhar pelos ouvidos», que exprimem a incredulidade sobre gravidezes ocorridas sem haver ato sexual «normal». 

Mas o Concílio de Trento e a Igreja Católica (papal), não apenas produziram este contra-senso teológico e biológico, como também imaginaram sem base nenhuma, que Maria, depois do falecimento, ascendeu aos céus e foi diretamente ao Paraíso, para junto de Deus. Esta ascenção aos céus é relatada em quadros muito belos de grandes pintores, os quais estão, ou estiveram, nos altares dos templos consagrados a Maria. Em geral, em todos os templos católicos ou até em casas particulares, é frequente encontrar-se imagens da «Ascenção da Vírgem». Estas imagens mostram Maria com traços duma jovem mulher, sobre um crescente de Lua (símbolo ancestral de fertilidade), com uma auréola de santa e com anjinhos que voejam em torno dela.

A Ascenção aos Céus de Maria tornou-se um coroar da teologia destinada a criar a figura de uma Deusa, a figura divinal feminina, mas destituída dos aspectos eróticos das mulheres reais e das divindades femininas da antiguidade, assim como das religiões pagãs contemporâneas. Esta entidade divinizada de Virgem era a «intercessora», à qual os crentes deviam prestar culto e pedir que ela intercedesse por eles/elas, junto de Deus Pai e do Filho, para obter o perdão dos seus pecados.  Esta figura da Virgem era vista como mais «poderosa», para chegar junto de Deus, que qualquer outro Santo católico, pois tinha a característica única de ser a Mãe de Cristo. 

Os católicos que desprezam as outras religiões, nomeadamente as religiões politeístas, estão equivocados quanto à sua própria. Na realidade, a versão protestante do cristianismo, poderá ser considerada como tendente ao monoteísmo, embora não deixe de afirmar o dogma da Trindade (Deus sob forma Tri-una : Pai, Filho e Espírito Santo). 

Mas os católicos têm milhares de santos e santas, oficialmente reconhecidos e venerados em igrejas e noutros lugares. Quanto à Virgem Maria, é mais do que uma simples Santa: Ela tem as características todas de uma (mitológica) divindade, graças à longa tradição da teologia católica. Esta divinização de Santa Maria, Mãe de Deus, é considerada por não poucos protestantes como uma  grave heresia, na medida em que alça uma pessoa  - por mais Santa que tenha sido - à posição divina e assim é colocada para adoração dos muitos seguidores do catolicismo.


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