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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

FRESCOBALDI E O TRIUNFO DO BARROCO ROMANO (segundas-f. musicais, nº21)

     

 Girolamo Frescobaldi (FERRARA 1583- ROMA 1643) tornou-se célebre e celebrado em seu tempo de vida. As suas obras irradiaram aos quatro cantos da Europa. Os mais talentosos viajavam até Roma, para terem a honra de receber lições do Mestre. Um dos muitos discípulos não-italianos de Frescobaldi, foi Johann Jakob Froberger, organista do imperador Habsburgo.
A música de Frescobaldi é sobretudo instrumental, o que contrasta com as obras doutros compositores seus contemporâneos, cujas composições vocais assumiam geralmente um maior relevo que as instrumentais. A escola de órgão do Norte da Europa (Alemanha, Países Baixos, Cidades Hanseáticas do Báltico) assimilou a forma inovadora como Frescobaldi abordava as toccatas. Muitas das suas toccatas podem ser interpretadas tanto no órgão, como no cravo. No entanto, também deixou bom número de peças específicas para o cravo.
A sua influência direta estendeu-se para além do seu tempo de vida, facto mais raro no Século XVII do que agora. Sabe-se que Johann Sebastian Bach e seus filhos apreciavam as suas obras para tecla e que Mozart conhecia a obra do organista de S. Pedro.

Ária com variações, dita «A Frescobaldina». Ver nota biográfica no vídeo relatando um momento especial da visita e estadia do organista à sua terra natal, Ferrara.


As poucas canções escritas por Frescobaldi têm qualidade idêntica às de Monteverdi, seu contemporâneo. Oiça-se a canção de Frescobaldi «Se l'aura spira». Aqui, interpretada pelo grupo Red Dot Baroque, cantora solista Lilith Verhelst.


Uma das mais belas toccatas para o cravo, a XIª do Segundo Livro, é aqui interpretada por Roberto LoreggianAté cerca de metade do século XVI, as peças para instrumentos de tecla - mesmo as mais «livres» - não se tinham emancipado da escrita polifónica típica das obras vocais do princípio do Renascimento. Só na segunda metade do século XVI surgem as formas típicas da Toccata, com Giovanni e Andrea Gabrielli, Claudio Merulo e outros, precursores de Frescobaldi.

As "Fiori Musicali" são a recolha mais célebre da obra de Frescobaldi. Consta de missas para órgão, segundo a liturgia católica e suas festividades. No final desta recolha, estão incluídas algumas peças profanas do Mestre. Aqui pode-se ouvir a «Missa della Domenica» com Francesco Cera ao órgão histórico de Santa Maria in Vallicella, Roma.

As Toccatas Per L'Elevazione eram destinadas à Elevação - a consagração da hóstia pelo padre oficiante - na missa. Destinavam-se a sublinhar musicalmente este momento de solenidade interiorizada. Eram ricas em dissonâncias e em cromatismos*, talvez com o intuito de sugerir a reflexão, no auditor, do sofrimento de Cristo no Caminho do Calvário e na Cruz.

Diz o próprio Frescobaldi,"Chi questa Bergamasca sonarà, non pocho imparerà" (= Quem tocar esta bergamasca, não terá aprendido pouco). Simone Stella, ao órgão histórico da Igreja da Anunciação, em Florença.
Os órgãos também eram tocados nos palácios aristocráticos e nas cortes de reis e príncipes, para recitais e bailes. São conhecidos exemplos de peças profanas para órgão, anteriores ao séc. XVI. O órgão histórico desta gravação, embora situado numa igreja, possui os registos apropriados a peças do reportório profano.

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* As Toccate di durezze e ligature não só estão presentes na literatura para órgão, como também fazem parte do reportório (profano) para o cravo. Na Península Ibérica, correspondiam aos Tentos (Tientos) de Falsas. Em ambos os casos, jogavam com as dissonâncias, os cromatismos, as ditas «falsas» relações entre as notas.

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Post Scriptum 1: A obra de Frescobaldi é central para o Barroco, não apenas da Itália, como de toda a Europa. É, sem dúvida, um dos compositores dos finais do séc. XVI / princípios do séc. XVII, mais estudados e cujas obras são das mais ouvidas, em concerto ou em disco. Felizmente, grande número de peças foram preservadas, quer em edições impressas, quer em manuscritos. O reportório conhecido está acessível  on line, para o investigador e para o interprete.

Post Scriptum 2: Um vídeo com óbvias intenções didáticas, intitulado «Quem era Frescobaldi?», pode ser visionado AQUI. O vídeo, falado em italiano e com legendas em inglês, tem mérito enquanto meio de vulgarização da história da música antiga. Porém, não dispensa a audição de algumas composições de Frescobaldi, na íntegra e pelos melhores interpretes, como tentei de proporcionar no meu artigo, acima.

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Pode-se consultar os números anteriores desta série, no dossier «Coletânea de páginas sobre música»

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

CARLOS SEIXAS - OBRAS PARA INSTRUMENTOS DE TECLADO (Segundas-f. musicais, nº16)





Carlos Seixas, músico do barroco, é de muitos conhecido em Portugal e também se tornou foco de interesse de musicólogos, instrumentistas e amadores de música internacionais.

A «redescoberta» da música de Carlos Seixas deve-se, quase exclusivamente, ao Prof. Macário Santiago Kastner. Ele transcreveu as Sonatas a partir de documentos manuscritos e fez estudos estilísticos e comparativos. Assinalou, desde os primeiros estudos, a originalidade de Seixas. Sublinhou que Seixas adaptara a sonata (ou toccata) bipartida, ao gosto e ao sentir lusitano. O Prof. Kastner iniciou seus trabalhos de musicólogo em Portugal nos anos 30 do século passado, tendo-se dedicado à musicologia, ao ensino e à divulgação da música antiga, até aos anos 1980.
Graças aos seus estudos, não apenas a música de Seixas começou a ser estudada e apreciada, como a de outros compositores portugueses dos séculos passados. Nomeadamente, tornaram-se conhecidos, pelos seus estudos: António Carreira (séc. XVI), Manuel Rodrigues Coelho (Séc. XVI-XVII) e Pedro de Araújo (Séc. XVII), importantes compositores de música para tecla dos séc. XVI e XVII.


Música de tecla nos séc. XVII-XVIII

Importância do clavicórdio

Portugal, embora fosse uma potência europeia e mundial importante na época, estava fortemente dependente da Igreja Católica para todos os aspetos da instrução, assim como das artes. A arte dos sons não era exceção, pelo que raras são as expressões de música profana anteriores ao século XVIII, que tenham chegado aos nossos dias. A música sacra, direta ou indiretamente relacionada com os ofícios religiosos predominava. Os arquivos das Sés (catedrais) e as bibliotecas dos mosteiros recolhiam a maior parte dos manuscritos musicais.
A música que se fazia nos mosteiros estava relacionada com o manicórdio (ou clavicórdio), um instrumento de corda e tecla, de som delicado, muito utilizado como instrumento de estudo. Nos conventos, era frequente os religiosos possuírem um clavicórdio nas suas celas. Este instrumento não tinha o som estridente da espineta; possuía um som muito suave, que não atravessava as espessas paredes das celas conventuais.
Assim, no final do século 17, princípio do século 18, um organista na tradição do pai de Seixas, devia praticar no clavicórdio, para treino ou para compor peças destinadas ao órgão.

                  https://www.youtube.com/watch?v=VRoldp 

O órgão ibérico

O órgão ibérico era geralmente possuidor dum único teclado e não tinha pedaleira. Alguns órgãos possuíam dois teclados, mas eram pouco frequentes. Suas características são completamente diferentes dos órgãos do Centro e Norte da Europa. Não apenas pela riqueza em registos de palhetas, incluindo trombetas horizontais, mas também pela divisão do teclado. Uma peça polifónica típica tem cruzamentos de vozes, acima ou abaixo da linha mediana do «teclado partido». Somente uma escolha de registos muito simples, utilizando só um ou dois registos idênticos, para cada metade, permitirá a homogeneidade sonora, indispensável para as peças polifónicas. Um compositor de obras para órgão tinha de ter em conta que as peças seriam tangidas em órgãos com as limitações atrás enunciadas.

Elementos biográficos sobre Seixas

Sendo Carlos Seixas filho de Francisco Vaz, organista titular da Sé de Coimbra (que morreu quando Seixas tinha somente 14 anos), o cargo de organista titular da Sé foi assumido pelo adolescente. Mas, depressa se despediu da sua Coimbra natal. Foi para Lisboa aos 16 anos, procurando aí obter um lugar como músico da corte.

Há uma certa lenda em torno do encontro de Seixas com Domenico Scarlatti, o qual exercia o cargo de Mestre de Capela Real e professor particular da Infanta Dona Bárbara (depois, Rainha de Espanha). O certo, é que o jovem Carlos Seixas agradou ao ilustre Mestre Scarlatti. Penso que Scarlatti terá recomendado ao monarca que o jovem talentoso assumisse o posto de organista da Capela Real e, por extensão, da Sé de Lisboa. 

 
Órgão ibérico, na Sé do Porto

Alguns elementos da biografia de Carlos Seixas são conhecidos. Porém,  subsistem muitas lacunas, apesar da sua vida ter sido curta. Seixas morreu com 38 anos, apenas.

NB: Não é diminuir o valor da obra de Carlos Seixas, inseri-la no contexto do Reinado de D. João V, o qual foi, sem dúvida, um grande patrono da música. O Rei português pagou os estudos musicais, através de bolsas, a músicos jovens portugueses, em Roma e Nápoles, que se tornaram depois célebres nos finais do reinado de D. João V e no reinado de D. José I.
D. João V promoveu a introdução da ópera italiana em Portugal, tendo contratado vários músicos italianos (e outros estrangeiros) para integrar a Capela Real. É certo que, se Seixas aproveitou o ambiente generoso do Rei e da Corte para a arte dos sons, o reconhecimento do seu talento foi genuíno. Ele tinha concorrência de vários músicos estrangeiros que acorreram ao Reino.



Composições para instrumentos de tecla 

Seu catálogo pode parecer reduzido, à primeira vista: Cerca de 120 obras para tecla (apenas uma dúzia explicitamente para órgão), um Concerto para cravo e orquestra de cordas, uma "Overture", uma Sinfonia, uma Missa e alguns Motetes. Porém, é preciso ter em conta a destruição de muitos livros e documentos únicos nos incêndios de bibliotecas, em consequência do Grande Terremoto de 1755*.
De facto, temos de avaliar sua produção a partir das peças que chegaram até nós. As suas composições para tecla são, em geral, de qualidade acima da média, se comparadas com outras, da mesma da altura.
Seixas escreve num estilo galante e não recorre a imbricada polifonia. Só numa peça recorre ao contraponto imitativo, uma fuga para órgão. As sonatas são, geralmente, a duas vozes, sendo a voz do baixo, o sustentáculo harmónico.
A sua escrita tem a ver, por um lado, com a assimilação do estilo italiano: Na Itália, a música não litúrgica abandonara há muito o contraponto rigoroso, em particular, as tocatas e fantasias para órgão ou cravo**. 
Por outro lado, tal escrita tem um lado prático, visto que muitas das Sonatas de Seixas, tanto podem ser executadas em instrumentos de tecla encordoados (cravo, clavicórdio, pianoforte), como no órgão.


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Relacionado: 

A Profª. Cremilde Rosado Fernandes gravou Sonatas de Carlos Seixas no forte-piano. Sabe-se que no reinado do D. João V foram importados de Itália «cravos de martelos», os forte-pianos.

Imaginei uma cena de encontro com o jovem Carlos Seixas, que me convidou a assistir a um sarau em Lisboa, numa casa da alta nobreza: 
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notas
* São fontes importantes de obras de Carlos Seixas vários manuscritos posteriores à morte do compositor (1742), que sobreviveram ao terramoto de 1755, ou que foram transcritos após este terramoto, contendo também sonatas doutros autores. Estes manuscritos são datáveis da segunda metade e alguns, mesmo, dos finais do século XVIII. Isto prova que as composições de Seixas continuaram a ser populares, para além do tempo em que viveu.

**Nos finais do século XVII, em Espanha e Portugal, a escrita contrapontística ainda predominava em Tentos, Fantasias e Obras, semelhantes às composições do século XVI, embora se notem evoluções.

sexta-feira, 15 de março de 2024

PÁSCOA 2024: UM REGALO DE VIVALDI

Um triplo presente, um triplo prazer, que decidi Vos oferecer. 
É que Vivaldi nunca deve estar ausente das grandes ocasiões, sejam elas quais forem. É ele que nos pode dar confiança na vida, dar energia ao espírito, com seu o otimismo sensato, refletido, que tanta falta nos faz, hoje em dia.
Vivaldi nunca é banal ou repetitivo. A ideia de que as «grandes obras» de Vivaldi se resumem ao reportório de concertos para violino e orquestra e pouco mais, é apenas uma afirmação ignorante, petulante e que não merece o mínimo crédito da nossa parte.
Vivaldi escreveu notáveis concertos para instrumentos diversos, como solistas, ou como «concertino»,  dialogando com o resto da orquestra de cordas. 

O fagote é um instrumento muito rico em possibilidades expressivas. Ele foi relegado para um papel de «baixo» do naipe das «madeiras» nas obras sinfónicas, principalmente a partir da segunda metade do século XVIII. Mas, o instrumento é muito apropriado como solista. A sua voz profunda e a riqueza do seu timbre, resultante dos harmónicos que produz, permitem grande variedade expressiva, tal como o violoncelo. 

Eu não sei - destes três concertos - qual o melhor, o mais bem construído, ou o que tem maior verve. São - para mim - três concertos do melhor Vivaldi, que conheço. Talvez seja ocasião para uma descoberta dos meus leitores.

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Bassoon Concerto In A Minor, Rv 497





        Interpreti Veneziani  (Andrea Bressan fagotto)




 

domingo, 10 de março de 2024

HAENDEL, BACH, SCARLATTI - ANNE QUEFFÉLEC AO PIANO (Folles Journées de Nantes, 2024)

                                               


Estes três compositores lendários nasceram no ano de 1685: Anne Queffélec celebra-os com um reportório neste recital, extraído das  obras destes gigantes do barroco.
A herança deles três perdura, sendo obrigatório na aprendizagem de instrumento de tecla (piano, cravo, órgão) estudar e praticar regularmente peças destes três compositores do Barroco.
A linguagem musical que transparece nestas amostras não é muito diferente uma da outra. Embora cada compositor, com o seu génio, imprima o caráter inconfundível de sua personalidade nestas e noutras peças, a verdade é que todos eles «falavam o mesmo idioma musical». Note-se que esta época - de cerca de 1700 a cerca de 1760 - foi de grande cosmopolitismo na Europa (apesar das guerras). A dominância da ópera italiana foi-se acentuando, assim como a tendência para se fixarem a forma sonata, a forma concerto e a forma suite (sequência de danças estilizadas). Domenico Scarlatti foi importantíssimo na codificação da «sonata bipartita». Bach foi importante em forjar a síntese do concerto italiano, francês e alemão e Haendel adaptou ou criou formas e estilos ao gosto e temperamento dos britânicos.
Houve mais músicos barrocos de génio, como Vivaldi e Rameau, por exemplo. Mas, no conjunto da Europa havia uma convergência, uma assimilação natural dos estilos de várias regiões.
- Se houve génios? - Sem dúvida que os houve!
Porém, o terreno estava «adubado» para eles crescerem e se desenvolverem.

Como extra -programa, Anne Queffélec interpretou a sonata de Beethoven em Lá bemol Maior. Parece-me perfeitamente apropriado, pois nos mostra a rutura estilística, que foi o romantismo em relação à época anterior.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

HENRY PURCELL: DIDO AND AENEAS

Dido and Aeneas, de Henry Purcell: 



Uma joia cénica e musical da ópera: WAYWARD SISTERS

Nesta ópera*, H. Purcell reúne todos os elementos dramáticos, para construir um monumento barroco que resiste muito bem à passagem do tempo.  

A bruxa chama as suas irmãs para lançar a maldição sobre Cartago, da qual Dido é a rainha.  Através das Wayward Sisters é representada uma conspiração, nesta cena e seguintes. 

https://www.youtube.com/watch?v=hzvgpCZ6rxM&list=OLAK5uy_lJokTwIL2ajsgOayUyKP12vw-77bT73ic&index=14



Purcell é realmente um monumento ímpar, em toda a cultura europeia do século XVII. Se o virmos como participante do grande movimento barroco europeu, não apenas como expoente da música das Ilhas Britânicas, temos de concluir que representa um passo decisivo para a modernidade plena. Um músico charneira, num certo sentido, mas certamente original, quer na música instrumental, quer na ópera. A inovação estilística é muito significativa, embora não pretenda entrar em ruptura com a tradição, mas apenas alargar a expressão das paixões humanas. Aplica-se plenamente a designação «drama em música», utilizada em Itália na viragem do século XVI para o séc. XVII, para a ópera. A ária celebérrima «When I'm laid in earth» (Ato III, cena 2), da mesma ópera, tem ocultado esta joia de negrume das bruxas lançando sua terrível maldição sobre Cartago... Faz-me pensar nas bruxas de «Macbeth» de Shakespeare, embora Purcell não tenha composto a ópera a partir da peça do dramaturgo.

Haendel reconheceu a qualidade dramática e musical de Purcell, criador da ópera em língua inglesa. Embora as óperas de Haendel sejam compostas em italiano - para satisfazer a moda da sua época - moldou magistralmente a matéria musical em língua inglesa, nas suas oratórias.

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sexta-feira, 10 de março de 2023

TOMBEAU DE MONSIEUR DE SAINTE COLOMBE - MARIN MARAIS [SOPHIE WATILLON]


Monsieur de Ste Colombe, foi o mestre de viola da gamba, que ensinou a Marin Marais e a outros gambistas os segredos desta arte, toda em subtileza e dignidade. 
A viola da gamba faz parte de uma família de instrumentos de arco, que foi preterida, a  partir da segunda metade do Século XVIII, para os instrumentos da família do violino. 
J. S. Bach ainda escreveu várias peças para viola da gamba e contínuo e fez intervir este instrumento em certas obras instrumentais (alguns concertos Brandeburgueses) e em obras sacras vocais e instrumentais (cantatas e paixões).
 No entanto, é a escola francesa deste instrumento que mais produziu e mais ficaram para a posteridade os exemplares da escrita para viola da gamba. 
Deste escol de músicos, sem dúvida, Marin Marais é o principal. Foi músico da corte de Luís XIV e deixou muitas peças para o seu instrumento, quer a solo, quer em concerto com outros instrumentos. 
Além da escola francesa, os «consorts de viola» do final do renascimento e início do barroco ingleses também nos legaram peças notáveis: a família das violas formava conjuntos (viola da braccio, da gamba e contrabaixo): Estes consorts eram executados - por vezes - em instrumentos que tinham sido construídos com o fim de serem tocados em conjunto. 


As peças designadas de «TOMBEAU» são uma idiossincrasia do barroco francês, evocada por músicos do século XX, como Ravel, que escreveu um «Tombeau» em memória do grande François Couperin. 

Já analisei algumas obras designadas por Tombeau neste blog: 

J. J. FROBERGER:  «Tombeau faict à Paris sur la mort de Monsieur Blancheroche»

MARIN MARAIS - O «TÚMULO DE LULLY»:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/05/marin-marais-o-tumulo-de-lully.html

Outra versão do «TOMBEAU DE MONSIEUR STE. COLOMBE»:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2017/10/marin-marais-tombeau-de-monsieur-de-ste.html

São obras-primas do Barroco, apreciadas pelos amadores de música antiga.

Graças ao renovo de interesse pela execução, não só em cópias fiéis dos instrumentos da época, como também graças a um aprofundamento do estudo das fontes pelos musicólogos e executantes, podemos apreciar a  música destes séculos  (XVII e XVIII), revivida com o maior rigor possível. 

Sophie Watillon pertence ao número pequeno, mas crescente, de interpretes que aprofundam as técnicas e estilos de execução da viola da gamba.


quarta-feira, 8 de março de 2023

RAMEAU, PEÇAS PARA CRAVO EM CONCERTO (EXCERTOS)


 Foi assim que decidi homenagear este dia ( 8 de Março, dia da nossa cara metade), no feminino. 
Rameau presta-se muito bem a isto, pois ele construiu peças em torno da feminilidade, representando vários caracteres (com os nomes respetivos ou sem eles) pela música.

 Este conjunto instrumental é de qualidade, adequando estilo e andamento aos requisitos próprios destas peças do final do barroco.


Outros posts sobre Rameau no blog «Manuel Banet, ele próprio»:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2020/10/rameau-primeiro-livro-de-pecas-para.html 


https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/10/jp-rameau-obras-para-cravo.html


https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/09/opera-ballet-les-indes-galantes-de.html


https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2017/03/gavotte-e-variacoes-de-rameau.html

terça-feira, 26 de abril de 2022

[Mitsuko Uchida] W. A. Mozart: Fantasia em Ré menor, K. 397




                                            https://www.youtube.com/watch?v=eNOhBE20zsI

A minha dupla homenagem, ao génio pré-romântico de Mozart e a Mitsuko Uchida que exprime toda a subtileza da música mozartiana, de modo único.

(para uma análise da peça, ver AQUI )
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Meu comentário:

Esta peça, tal como outras composições de Wolfgang Amadeus, tem um inegável toque de sensibilidade romântica. Talvez, o que caracteriza o romantismo seja - antes de mais - uma configuração mental. 

A época dita «rococó» está cheia de exemplos de peças ou de passagens, que soam como românticas aos nossos ouvidos. Provavelmente, porque na época seguinte, durante o Século XIX, muitos compositores se serviram de certas fórmulas como clichés. 
Aliás, não só Mozart revela sensibilidade pré-romântica. Também se pode notar esta tendência (estilo «Empfindsamkeit») nos filhos de Bach, Carl Philipp Emanuel e Wilhelm Friedmann, ou mesmo em Joseph Hadyn.
É notório que o movimento literário «Sturm und Drang» do final do século XVIII, era totalmente romântico. Porém, nessa época - cerca dos anos 1780 - a música ainda se regia pelos cânones do Classicismo.
Creio que o romantismo musical surge como a cristalização de tendências que já se afirmavam no Barroco tardio e no Classicismo.

 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

VELASQUEZ E O JOGO DE ESPELHOS

Se o século XVII teve alguns génios em pintura, Velasquez é certamente um deles. Tentarei explicar porquê.

A arte, nos reinos europeus, no período que vai do Renascimento até meados do século XVII, é toda ela figurativa e simbólica. O cânon era dado pela civilização greco-romana, considerada o pináculo inultrapassável de elevação estética. 

A própria estética estava imbrincada com o sentido moral, visto como muito mais elevado que o saber técnico. Este, o saber técnico, seria elemento fundamental para alcançar a maestria, mas não o único pois, necessariamente, a elevação moral tinha de perpassar nas obras. Elas tinham de ter uma componente exemplar. 

As grandes obras tinham de ser modelos, não apenas estéticos, como de conduta. O tema duma obra como «Las Meninas» era imediatamente compreendido pelos contemporâneos. Retratava a família real e a corte, em torno da infanta, a única descendente sobrevivente.  

O génio do pintor está no arranjo da cena: Aparentemente, capta um momento do seu trabalho, enquanto pintava o retrato do casal real. O espelho no fundo reflete a imagem desfocada, mas perfeitamente identificável, do rei e da rainha, que estariam no plano donde nós observamos o quadro. 

A chave deste quadro está encerrada na cena, ela própria. 

Poucas pessoas se perguntam porque razão este quadro foi intitulado «Las Meninas», ou seja, as aias da princesa. Não seria mais apropriado designá-lo como «A infanta visitando Velasquez, enquanto pintava o casal real»? - Sim e não. 

O nome «Las Meninas» é apropriado, porque elas estão realmente no primeiro plano e descrevem uma espécie de anel protetor em torno da infanta. Elas próprias estão rodeadas pelas figuras do anão e da anã, com o cão, o mastim pachorrento e, mais atrás, dois vultos; uma mulher, com hábito de religiosa e um homem.

No umbral da porta aberta, uma silhueta de homem austero, criado ou nobre, junto ao espelho refletindo o casal real.  

Tudo está arranjado para dar a impressão de espontâneo, mas encerra um significado e simbolismo discretos. A própria ambiguidade dos planos em que está construída a obra, a sensação espacial que daí se desprende, traz complexidade, tanto na leitura da ótica física da cena, como de sua ótica simbólica,  do «recado implícito» que transmite. Nem uma, nem outra são simples: A obra está estruturada com grande maestria técnica, mas não é o exercício de virtuosismo gratuito que muitos descrevem. 

A tela transporta uma imagem fulcral, a de Velasquez que, ao se auto retratar, quis demonstrar algo. Ele, que estava ao serviço do monarca Filipe IV, implicitamente colocava-se ao serviço da herdeira do trono e  fazia-o como alguém orgulhoso de servir. 

Não é por acaso que ostenta no gibão a Cruz de Cavaleiro da Ordem de Santiago: Está a dizer que seu trabalho é o de um Cavaleiro, não de mero prático, de artesão afortunado, premiado pelo seu rei. Com sua presença, está a afirmar seu dever e compromisso de servir a infanta, tal como as duas «Meninas» o fazem, mas de outro modo. 

Este quadro fez correr «rios de tinta» e fará correr muitos mais, estou convencido. Afinal, esta obra realiza, de um modo que Velasquez nunca sonhou, a perpetuação da memória do tempo em que a Espanha era governada pela monarquia dos Habsburgo. 

Impressiona-me pensar que posso ver as figuras do rei, da rainha, da infanta, dos nobres, etc. na sua «palpável humanidade». Mas, ao mesmo tempo, penso como eram figuras tão poderosas. Detinham uma fortuna quase impossível de avaliar, dominavam metade do planeta, com seus povos e nações. Não é estranho que sua aparência no quotidiano chegue até nós, como se estivéssemos no palácio real?  

Velasquez era um génio. Como todos os génios, transcendeu as circunstâncias históricas de sua época. Por isso hoje, também, suas obras podem iluminar (no sentido de educar) as pessoas.  


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Nota: Possuem interessante informação, estes dois vídeos sobre o quadro. 

https://www.youtube.com/watch?v=WKRKrpz09Fk

https://www.youtube.com/watch?v=Ylc7ESyVK7Q

quinta-feira, 1 de julho de 2021

«LA NOTTE» CONCERTO PARA FLAUTA E ORQUESTRA, DE VIVALDI

 «La Notte» é uma joia da música descritiva, tão bela como os concertos para violino das «Quatro Estações». 
A peça pode ser interpretada na flauta transversal, mas também na flauta de bisel, como é o caso nesta gravação ao vivo.
No barroco, é frequente que instrumentos diferentes realizem a parte solística, sem afetar a autenticidade e - sobretudo - a beleza da música


Antonio Vivaldi: "La Notte", Flute Concerto in G minor, RV 439 Support us on Patreon: http://www.patreon.com/bremerbarockor... Follow on Instagram: http://www.instagram.com/bremenbaroqu... Bremer Barockorchester: http://www.bremer-barockorchester.de Largo: 0:00 Presto (Fantasmi): 1:47 Largo: 2:35 Presto: 3:30 Largo (Il sonno): 4:33 Allegro: 6:17 Solo Recorder: Dorothee Oberlinger Violin I: Tomoe Badiarova, Meelis Orgse, Annie Gard, Naomi Burrell Violin II: Anna Stankiewicz, Marina Kakuno, Ana Vasić Viola: Alice Vaz, Luis Pinzón Violoncello: Néstor Fabián Cortés Garzón Double Bass: Eva Euwe Bassoon: Martin Jaser Lute, Guitar: Hugo de Rodas Harpsichord: Nadine Remmert


quinta-feira, 23 de julho de 2020

AKADEMIE FUR ALTE MUSIK BERLIN - WATER MUSIC - HAENDEL


G.F. Händel: Water Music - Akademie für alte Musik Berlin - Live concert HD Georg Kallweit, viool/leiding G.F. Händel 1685-1759. Water Music, HWV 348-350 - - Overture: Largo-Allegro - Adagio e staccato - Allegro / Andante / Allegro da capo - Allegro - Air - Minuet - Bourrée - Hornpipe - Allegro moderato - Allegro - Alla hornpipe - Minuet - Rigaudon 1 / Rigaudon 2 / Rigaudon 1 - Lentement - Bourrée - Minuet 1 / Minuet 2 - Gigue 1 / Gigue 2 da capo - Minuet

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

BACH-VIVALDI: Concerto para 4 cravos

A fusão da música dos dois mestres do barroco exprime-se no máximo de expressividade e elegância neste concerto para 4 violinos e orquestra de cordas de Vivaldi, transcrito por Bach para quatro cravos e orquestra de cordas, transcrito para órgão solo, por Daniel Maurer. 

Deixo aqui 3 excelentes versões: 
1º de Pascale Mélis ao órgão Cavaillé-Coll de São Clodoaldo de St Cloud (França), 
2º a execução ao vivo do concerto para 4 cravos BWV 1065 em Alberta,
3º, o concerto para 4 violinos (a partitura original) RV 580 de Vivaldi, pelo Giardino Armonico.

Espero que gozem esta música em todo o seu esplendor!









sexta-feira, 26 de outubro de 2018

J.P. RAMEAU: obras para cravo

                                    Image result for rameau


                  


Jean-Philippe Rameau (1683 - 1764)

Um jovem provincial desembarca em Paris no início do século XVIII, com um rolo de partituras debaixo do braço, uma ambição de fama e glória, mas também uma forte formação de organista pela sua tradição familiar. 


O prelúdio da primeira série de peças para cravo tem o mérito de mostrar um exemplo de peça típica da escola francesa para cravo: 


Trata-se de uma peça com latitude para o intérprete, num estilo improvisado, razão pela qual não existem barras de compasso, «prélude non-mesuré». Logo nesta peça de juventude, Jean-Philippe Rameau anuncia quem é e ao que vem. Mais tarde, ficará conhecido como teórico polémico e popular autor de óperas. Irá polemizar com celebridades da Enciclopédia, nomeadamente, J.-J. Rousseau e D'Alembert.  
A força da sua personalidade e a sua subtileza transparecem nas peças seleccionadas por Scott Ross, no vídeo abaixo...

                

 Estas permitem-nos «sentir» o século XVIII francês: um discurso aparentando frivolidade, às vezes... mas capaz de se mostrar subtil, irónico, terno, ou enfático, em resumo: um teatro de sentimentos. 
É que este discurso musical banha na mesma atmosfera que os debates dos filósofos nos «salons», ou que os diálogos das comédias de Marivaux.  
A linguagem da escola francesa construiu-se numa sucessão ininterrupta de grandes cravistas do século XVII, uma grande tradição de que Rameau é ponto cimeiro. 
Depois dele, houve grandes músicos de talento ímpar; mas Rameau continua sendo o mais célebre músico francês do século XVIII, nos dias de hoje.