Rameau e os Enciclopedistas
A vida e obra de Jean-Philipe Rameau já foram citadas, neste blog [ver em baixo*].
Porém, faltava descrever a relação conflituosa deste grande compositor com os Enciclopedistas, nomeadamente com D'Alembert (que estudou, do ponto de vista matemático, o sistema de harmonia proposto por Rameau) e com Jean-Jacques Rousseau. Este último, adoptou uma postura antagónica e polémica contra Rameau, defensor da ópera genuinamente francesa. A controvérsia conhecida como «Querelle des Bouffons» teve grande eco, pois envolveu em campos antagónicos, não apenas os citados filósofo e compositor, como muitos outros, colaboradores da Enciclopédia (tomaram o partido de Rousseau, em maioria), além de numerosos membros da aristocracia e burguesia.
O público da época tomou partido, contra ou a favor de Rameau e da ópera francesa, iniciada no século passado com Jean-Baptiste Lully, músico ao serviço de Luís XIV. Os «pró-ópera francesa» não eram grandes apreciadores de ópera italiana e vice-versa.
Itália tinha-se tornado mais que uma moda, pois invadira (literalmente) as cortes e os palcos dos teatros, desde São Petersburgo a Lisboa, passando por Londres, Paris, Hamburgo e todas as grandes cidades da Europa do Século XVIII.
Hoje em dia, Jean-Jacques Rousseau é conhecido como autor de obras tais como «Le Contrat Social» e «Les Confessions». Porém, Rousseau também foi autor duma peça musical ao gosto italiano, «Le Devin du Village» pouco conhecida e relegada, hoje, à categoria de «curiosidade musical». Ela estaria totalmente esquecida, se não fosse seu compositor, o célebre Jean-Jacques Rousseau.
O matemático e editor da Enciclopédia acolheu muito favoravelmente -no início - as contribuições de Rameau para a Enciclopédia. Os artigos do músico sobre teoria musical continuam relevantes hoje e não apenas em História da Música. Mas, D'Alembert acabou por se incompatibilizar pessoalmente com Rameau. Talvez isso explique a sua preferência pelos pontos de vista de Jean-Jacques Rousseau.
Os artigos redigidos por J-J Rouseau para a Enciclopédia e os seus panfletos, em defesa apaixonada da ópera ao gosto italiano, podem parecer-nos excessivos... Mas, neste século XVIII, a vivacidade das trocas era normal.
Havia paixão pelas ideias na elite intelectual, apadrinhada por reis filósofos, como Frederico da Prússia, ou damas aristocratas como a Marquesa de Pompadour. Nos salões palacianos, conviviam aristocratas com os intelectuais em voga. O ambiente de ecletismo e tolerância, "a libertinagem do espírito", contribuiu para forjar e difundir as teorias filosóficas das Luzes, para além das habituais intrigas políticas, dos mexericos e das modas.
Nacionalismo e Cosmopolitismo
E hoje, pergunta-se; que resta de tudo isso?
- Na minha modesta opinião, a polémica dos «Bouffons», em si mesma, nada trouxe de essencial ao avanço das teorias e estéticas musicais. Porém, julgo encontrar aí um "fio de Ariadne", que liga a estética do barroco tardio ao século seguinte, o romântico século XIX.
Ideologicamente, no século XIX houve uma ascenção das correntes nacionalistas; enquanto as tendências cosmopolitas perderam parte do seu lustre.
Compositores célebres - como Verdi, Wagner, Brahms, Liszt, Tchaikovsky, Bizet, Debussy etc. -, eram defendidos pelos públicos das pátrias respectivas: Mas, afinal, por motivos que pouco tinham de musicais.
O legado de Rameau foi essencial para a construção do gosto francês, cosmopolita, centrado na elegância do discurso musical, tendo recurso frequente aos enredos mitológicos da antiguidade clássica para as óperas.
Quanto ao gosto italianizante, este apreciava a leveza da construção musical, o predomínio da melodia, a utilização de clichés teatrais, como nas intrigas da «Commedia dell' Arte».
A escola napolitana - com Pergolesi, autor da ópera buffa «La Serva Padrona» - influiu nos compositores ibéricos: Como exemplo de estilo italiano, cite-se o português Francisco António de Almeida, autor de óperas italianas. Enquanto a comédia em língua portuguesa, «Guerras do Alecrim e da Manjerona», de António José da Silva, posta em música por António Teixeira, é mais próxima da tradição teatral ibérica. Quanto a Carlos Seixas, utiliza a matriz da sonata bipartida de Domenico Scarlatti, mestre de música da Infanta Dona Bárbara e futura Rainha de Espanha. Porém, Carlos Seixas não abandona a tradição da Escola portuguesa e o Tento ibérico, por um lado; por outro, inclui frequentemente danças, inseridas enquanto 2º e 3º movimento das suas sonatas: o Minueto, de origem francesa ou a Giga, de origem inglesa.
O Século XVIII é cosmopolita, na música e nas outras artes. Os compositores integraram suas tradições nacionais com outras formas, vindas do estrangeiro. Muitas peças do Século XVIII foram compostas à maneira de uma escola nacional, embora seus compositores fossem doutra nacionalidade. São abundantes os exemplos nas obras de Bach, Haendel e Telemann.
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(*) Alguns artigos sobre a vida e obra de Rameau, neste blog:
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