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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

TERÁ BACH COMPOSTO PARA O ALAÚDE? (segundas-f. musicais nº 37 )


Bach é celebrado hoje, como talvez nunca foi antes: É com base em obras de Bach que se ensinam os rudimentos da arte de tanger os instrumentos de tecla, mormente o órgão, mas também o cravo e clavicórdio. Porém, este sucesso póstumo levou a uma visão demasiado rígida, a uma visão de sua música como sujeita a um canon interpretativo, que coloca certas escolhas à margem, como heresias, ou como adaptações inapropriadas...
Porém, o próprio Mestre esteve sempre implicado em adaptações, apropriações, ou «plágios», como diríamos hoje, de obras de outros ou de composições dele próprio, que teria composto anteriormente.

O detalhe da vida e obra de Bach, leva-nos - no entanto - a compreender melhor o espírito do grande Mestre. É consensual que, no aspecto de usar vários instrumentos para as peças, estava perfeitamente dentro do «mainstream» da época.

Paul O'Dette, Nigel North e Eliot Fisk - excelentes intérpretes-alaudistas e também profundos conhecedores de Bach e sua época - vêm nos ajudar em Watch History a deslindar a questão de saber se aquilo que hoje em dia é tido como «obras de Bach para alaúde» o são verdadeiramente, ou se foram escritas para outros instrumentos e porteriormente transcritas, para serem executadas no alaúde.

Este magnífico instrumento foi importado da música árabe. Na Península Ibérica, nomeadamente, desenvolveu-se uma civilização requintada (Al Andaluz) que influenciou os eruditos cristãos, mas também se fixou nas tradições do povo. Basta ver as influências mozárabes, muito nítidas na Peninsula Ibérica, bem depois do último Reino Árabe, nas artes do século XVI e posteriormente.
Tornou-se o alaúde, no Renascimento, o instrumento preferido no acompanhamento do canto popular, como se pode verificar pela iconografia. As partes de acompanhamento da melodia, até ao século XV, em geral, eram apenas delineadas, sendo tarefa do cantor/alaúdista de  improvisar as partes não  escritas. 
Do ponto de vista acústico, é um instrumento com baixo volume sonoro, sendo mais apropriado como instrumento de câmara do que para manifestações ao ar livre.
Com outros instrumentos, participava em conjuntos, fossem eles de cordas e arco, ou da família das flautas. Na era barroca era usado com o teórbo, enquanto «baixo contínuo», em peças instrumentais. Nas primeiras óperas, ou «Dramas em Música», Monteverdi e outros compositores, utilizaram profusamente o alaúde e o teórbo.
Os alaudistas - nomeadamente os franceses - foram muito importantes na génese da Suite para instrumentos de corda e tecla. Os cravos possuíam um registo dito de alaúde (a extremidade percutente era em pele de búfalo, em vez de pena de pássaro).
Pode notar-se na escrita de cravistas da época (como Louís Couperin e muitos outros), a importação do estilo «brisé», muito comum na forma de executar acordes no alaúde.
No século XVIII, houve um renovo de interesse pelo instrumento. Mas, limitou-se a um público de amadores requintados, tocado muitas vezes a solo, ou em pequeno conjunto instrumental.

É bem possível nalguns casos (noutros sendo certo) que peças para outros instrumentos (violoncelo, cravo, etc) tivessem sido adaptadas por Bach, ou seus discíplos, ao alaúde.

É esta flexibilidade interpretativa, que envolve a sonoridade dos instrumentos, as diferenças tonais e utilização de diferentes ornamentos, que me seduz.

Pessoalmente, as «Suites de Bach para alaúde» soam-me muito naturais para este instrumento, sobretudo quando executadas por grandes intérpretes contemporâneos, que nos dão a conhecer as composições mais intimistas do Kantor da Igreja  de S. Tomás de Leipzig.