Na política-espetáculo, o discurso é tudo, a narrativa impera sobre os factos, a forma sobre o conteúdo, a personalidade e a aparência física de quem emite a «opinião», primam sobre tudo o resto. Estamos perante uma ilusão coletiva de democracia, um teatro de aparências, pois não existem reais contrapoderes. ( 8 de abril de 2022) https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/04/nossos-grilhoes-mentais-gestao-da.html
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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

FRESCOBALDI E O TRIUNFO DO BARROCO ROMANO (segundas-f. musicais, nº21)

     

 Girolamo Frescobaldi (FERRARA 1583- ROMA 1643) tornou-se célebre e celebrado em seu tempo de vida. As suas obras irradiaram aos quatro cantos da Europa. Os mais talentosos viajavam até Roma, para terem a honra de receber lições do Mestre. Um dos muitos discípulos não-italianos de Frescobaldi, foi Johann Jakob Froberger, organista do imperador Habsburgo.
A música de Frescobaldi é sobretudo instrumental, o que contrasta com as obras doutros compositores seus contemporâneos, cujas composições vocais assumiam geralmente um maior relevo que as instrumentais. A escola de órgão do Norte da Europa (Alemanha, Países Baixos, Cidades Hanseáticas do Báltico) assimilou a forma inovadora como Frescobaldi abordava as toccatas. Muitas das suas toccatas podem ser interpretadas tanto no órgão, como no cravo. No entanto, também deixou bom número de peças específicas para o cravo.
A sua influência direta estendeu-se para além do seu tempo de vida, facto mais raro no Século XVII do que agora. Sabe-se que Johann Sebastian Bach e seus filhos apreciavam as suas obras para tecla e que Mozart conhecia a obra do organista de S. Pedro.

Ária com variações, dita «A Frescobaldina». Ver nota biográfica no vídeo relatando um momento especial da visita e estadia do organista à sua terra natal, Ferrara.


As poucas canções escritas por Frescobaldi têm qualidade idêntica às de Monteverdi, seu contemporâneo. Oiça-se a canção de Frescobaldi «Se l'aura spira». Aqui, interpretada pelo grupo Red Dot Baroque, cantora solista Lilith Verhelst.


Uma das mais belas toccatas para o cravo, a XIª do Segundo Livro, é aqui interpretada por Roberto LoreggianAté cerca de metade do século XVI, as peças para instrumentos de tecla - mesmo as mais «livres» - não se tinham emancipado da escrita polifónica típica das obras vocais do princípio do Renascimento. Só na segunda metade do século XVI surgem as formas típicas da Toccata, com Giovanni e Andrea Gabrielli, Claudio Merulo e outros, precursores de Frescobaldi.

As "Fiori Musicali" são a recolha mais célebre da obra de Frescobaldi. Consta de missas para órgão, segundo a liturgia católica e suas festividades. No final desta recolha, estão incluídas algumas peças profanas do Mestre. Aqui pode-se ouvir a «Missa della Domenica» com Francesco Cera ao órgão histórico de Santa Maria in Vallicella, Roma.

As Toccatas Per L'Elevazione eram destinadas à Elevação - a consagração da hóstia pelo padre oficiante - na missa. Destinavam-se a sublinhar musicalmente este momento de solenidade interiorizada. Eram ricas em dissonâncias e em cromatismos*, talvez com o intuito de sugerir a reflexão, no auditor, do sofrimento de Cristo no Caminho do Calvário e na Cruz.

Diz o próprio Frescobaldi,"Chi questa Bergamasca sonarà, non pocho imparerà" (= Quem tocar esta bergamasca, não terá aprendido pouco). Simone Stella, ao órgão histórico da Igreja da Anunciação, em Florença.
Os órgãos também eram tocados nos palácios aristocráticos e nas cortes de reis e príncipes, para recitais e bailes. São conhecidos exemplos de peças profanas para órgão, anteriores ao séc. XVI. O órgão histórico desta gravação, embora situado numa igreja, possui os registos apropriados a peças do reportório profano.

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* As Toccate di durezze e ligature não só estão presentes na literatura para órgão, como também fazem parte do reportório (profano) para o cravo. Na Península Ibérica, correspondiam aos Tentos (Tientos) de Falsas. Em ambos os casos, jogavam com as dissonâncias, os cromatismos, as ditas «falsas» relações entre as notas.

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Post Scriptum 1: A obra de Frescobaldi é central para o Barroco, não apenas da Itália, como de toda a Europa. É, sem dúvida, um dos compositores dos finais do séc. XVI / princípios do séc. XVII, mais estudados e cujas obras são das mais ouvidas, em concerto ou em disco. Felizmente, grande número de peças foram preservadas, quer em edições impressas, quer em manuscritos. O reportório conhecido está acessível  on line, para o investigador e para o interprete.

Post Scriptum 2: Um vídeo com óbvias intenções didáticas, intitulado «Quem era Frescobaldi?», pode ser visionado AQUI. O vídeo, falado em italiano e com legendas em inglês, tem mérito enquanto meio de vulgarização da história da música antiga. Porém, não dispensa a audição de algumas composições de Frescobaldi, na íntegra e pelos melhores interpretes, como tentei de proporcionar no meu artigo, acima.

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Pode-se consultar os números anteriores desta série, no dossier «Coletânea de páginas sobre música»