Nesta gravação, a transcrição de Bach é executada no piano-forte. Embora já existissem estes instrumentos no tempo de Bach, é mais provável que esta e outras transcrições tivessem sido executadas no cravo, por Bach e seus discípulos.
Transcribed c.1713-14?
Manuscript by Johann Bernhard Bach dated 1739
Source: D-B Mus.ms. Bach P 280
‘Transcriptions of concertos after Vivaldi and others’
Ivo Janssen, pianoforte
VOID Classics VOID9813
Hamburgo é a cidade da Europa mais rica em órgãos históricos: Vários deles foram construídos pelo organeiro Arp Schnitger. Noutra cidade da Liga Hanseática, Lübeck, exerceu grande parte da sua vida profissional o Mestre do órgão barroco nórdico. Chamava-se Buxtehude e foi organista da Igreja protestante de Stª Maria de Lübeck.
Dieterich (ou Didrick) Buxtehude é um compositor germano-dinamarquês, nascido na cidade (hoje sueca), de Helsingborg. Seu legado é muito importante, incontornável, na História da Música europeia. De facto, ele impulsionou a literatura de órgão para um nível de qualidade, que não existira antes. Isso mesmo foi reconhecido pelo seu contemporâneo, o músico e crítico musical Johann Matheson, que cunhou o termo Stylus Fantasticus, para descrever as composições livres, típicas do barroco, toccatas ou prelúdios com grande variedade temática, recorrendo a efeitos espetaculares e jogando com os contrastes entre secções.
Na Península Ibérica do Séc. XVII, desenvolveu-se um tipo específico de toccata, designado por «Batalha» (o seu modelo foi a famosa "Batalha de Marignan" de C. Janequin). Estas peças ibéricas, tal como as Toccatas e Prelúdios nórdicos, preenchiam as mesmas funções: Destinavam-se às entradas ou às saídas das Missas. Por sua vez, tanto a Escolasl Nórdica, como a Ibérica, tinham conhecimento dos prelúdios, toccatas e outras peças não usando contraponto estrito, das escolas de órgão francesa e da Itália (do Norte).
Buxtehude e Johann Sebastian Bach estiveram em relação com uma corrente da Reforma luterana designada por pietismo. É importante compreender o caracter espiritual na base das composições destes mestres: Elas destinavam-se a ser apoios para as preces dos cristãos.
Deixo aqui algumas obras para órgão que, na minha opinião subjetiva, traduzem a essência da música de Dietrich Buxtehude. Há muito mais obras do Mestre de Lübeck que merecem audição atenta: Porém, o meu intuito ao redigir este artigo, foi somente o de estimular a curiosidade do leitor.
Um conjunto de peças vocais e instrumentais é designada por Abendmusik. Estas peças eram executadas nos concertos espirituais, organizados por Buxtehude com a colaboração de discípulos e de músicos da cidade.
PS: As suites de D. Buxtehude para instrumentos de tecla e corda (cravo ou clavicórdio), são notáveis pela sua qualidade: Suite em Mi menor BuxWV 236
Estes três compositores lendários nasceram no ano de 1685:
A herança deles três perdura, sendo obrigatório na aprendizagem dum instrumento de tecla (piano, cravo, órgão) estudar e praticar regularmente peças destes três compositores do Barroco.
A linguagem musical que transparece nestas amostras não é muito diferente uma da outra. Embora cada compositor, com o seu génio, imprima o caráter inconfundível de sua personalidade nestas e noutras peças, a verdade é que todos eles «falavam o mesmo idioma musical».
Note-se que a época - cerca de 1700 a cerca de 1760 - foi de grande cosmopolitismo na Europa (apesar das guerras). A dominância da ópera italiana foi-se acentuando, assim como a tendência para se fixarem a forma sonata, a forma concerto e a forma suite (sequência de danças estilizadas). Domenico Scarlatti foi importantíssimo na codificação da sonata bipartita. Bach foi importante em forjar a síntese do concerto italiano, francês e alemão e Haendel adaptou ou criou formas e estilos ao gosto e temperamento dos britânicos.
Houve mais músicos barrocos de génio como Vivaldi e Rameau, por exemplo. Mas, no conjunto da Europa havia convergência e assimilação natural dos estilos das várias regiões.
Durante a minha infância e adolescência tive a sorte de ser colocado em contacto com múltiplos exemplos de arte dos sons, em edições contendo pequenos discos de 45 rotações, dentro dos quais eram traçados os principais aspetos da música, da vida e da personalidade de diversos compositores.
Recordo que, no caso do álbum da vida e obra de Bach, os concertos brandeburgueses ocupavam um lugar de destaque. Esta foi uma escolha com inteira justiça, pois estas joias do barroco musical têm inesgotáveis belezas; umas patentes, outras mais subtis.
O pequeno auditor pode ficar entusiasmado com a riqueza e diversidade das orquestrações; o jovem, mais maduro, pode compreender a subtileza e adequação do caráter da peça ao conjunto de instrumentos selecionado; o auditor de meia idade pode refletir sobre as formas musicais que apresentam uma grande diversidade, ao ponto de serem como um «reportório» da arte contrapontística de Bach e da sua inesgotável criatividade nas partes solistas.
Se se ouvir frequentemente e com atenção estes concertos, pode-se ficar como que impregnado do saber dos processos que ele usou como compositor de música instrumental profana. Este Bach, aliás, não está de modo nenhum dissociado do Bach das Cantatas sacras. O que nos parece evidente, hoje em dia, não o foi durante séculos: O compositor de música sacra tinha de obedecer a regras que não se aplicavam, ou que eram muito mais elásticas na aplicação, quando tinha que compor e executar música profana.
Mas, Bach não contrariou a grande tradição musical europeia: Integrou as diversas escolas e correntes de várias nações, tendo composto ao gosto e seguindo os traços característicos de cada uma delas. Isto é o equivalente musical dum autor literário, não somente conseguir falar e escrever em várias línguas, como ser capaz de compor - com talento - romances, poemas, etc. noutros idiomas que não o seu, com excelente qualidade.
Admiro muitos outros compositores, antigos ou contemporâneos. Mas, continuo, depois destes anos todos, a ficar estarrecido perante a elegância, a flexibilidade e a erudição do grande Mestre João Sebastião.
Bach moldava a matéria musical como Deus molda o Universo. Por isso, o sopro divino transparece claramente em peças de Bach que não têm relação explícita com o sagrado.
Uma obra de juventude, provavelmente composta em Arnstadt, por volta do tempo em que seu irmão Johann Jacob entrou ao serviço do Rei Carlos XII da Suécia, em 1704.
As peças dos 2 livros do «Cravo Bem Temperado» de J.S. Bach, são bem conhecidas: Não faltam integrais de ambas as recolhas, de entre as quais se podem escolher interpretes e instrumentos ao gosto de cada um.
Porém, uma das caraterísticas fundamentais destas COLETÂNEAS PEDAGÓGICAS é serem exercícios de estilo, de «bom gosto», mais do que meros exercícios de aperfeiçoamento da execução.
Praticamente todas as peças exigem muita destreza e controlo do executante, num ou noutro aspeto. Porém, não são certamente concebidas para exercitar a velocidade. Ora, alguns interpretes caem no erro de executar certas peças, no máximo da velocidade de que são capazes. Com isso, lamentavelmente, desnaturam a musicalidade dos prelúdios e fugas!
É portanto crítico encontrar o andamento adequado para as referidas peças, de modo que possa sobressair sua beleza própria. É importante também o temperamento , quer enquanto sinónimo de afinação do instrumento, quer no sentido metafórico, ou seja do caráter.
A escolha que fiz de interpretações abaixo podem não ser das mais célebres, mas são as que me pareceram mais apropriadas para exprimir o espírito da peça, quer interpretada ao cravo, quer ao piano.
Nicola Bisotti numa cópia de cravo Ruckers (1612)
András Schiff ao piano
Pode-se acompanhar o prelúdio com partitura, AQUI.
O Prelúdio e fuga em Lá menor é um exemplo destylus fantasticus, designação utilizada pelo teórico e crítico musical Matheson. Este estilo é característico das peças de órgão, não diretamente litúrgicas, da Escola do Norte da Europa, principalmente de Dieterich Buxtehude.Este mestre teve a maior influência no jovem Bach, nos seus anos de formação.
Conhecem-se alguns pormenores da visita que J. S. Bach efetuou a Buxtehude. É um episódio bem conhecido da sua biografia. O jovem organista de Muelhausen, para visitar Buxtehude, efetuou uma viagem a pé (centenas de quilómetros!), desde a Alemanha Central, até à cidade portuária do Báltico, Luebeck. Tal era o desejo de aprender com o Mestre da Escola do Norte!
Deparou-se-lhe em Luebeck a possibilidade ficar com o posto de organista da Marienkirche, ocupado por Buxtehude. Porém, nesses tempos, havia que respeitar as tradições. Era costume o candidato ao posto casar com a filha do organista-titular em funções. Esta regra rígida e autoritária, fazia da filha do organista-titular uma espécie de «moeda de troca» para um jovem poder alcançar o posto prestigioso. Se a regra funcionou para outros, tal não aconteceu com Bach: Talvez achasse demasiado feia e antipática a filha do Mestre Buxtehude, ou por qualquer outro motivo.
Bach regressou a Muelhausen sem noiva e sem o lugar de organista da Marienkirche. Ele demorou-se, porém, muito mais do que o tempo que lhe tinha sido autorizado. Apesar disso, Bach não foi despedido e manteve-se em Muelhausen como organista, até conseguir o mais prestigioso lugar de Mestre-de-Capela do Duque de Weimar.
Mas, afinal, a visita a Buxtehude permitiu que Bach assimilasse, deste e doutros mestres do Norte, o exuberante e luminoso estilo, que transparece nas Toccatas, Fantasias e Prelúdios.
O Grande Prelúdio e Fuga BWV 543 é uma magnífica peça no referido estilo!
Helène Grimaud executa a transcrição para o piano por Franz Liszt, numa gravação memorável, de grande sensibilidade e perfeito domínio técnico, como é habitual na famosa interprete.
KATJA SAGER & ANASTASIA SEIFETDINOVA: DUAS INTERPRETAÇÕES DA FANTASIA E FUGA BWV 542
A Fantasia e Fuga em Sol Menor de Bach é a peça mais impressionante para o órgão, do Mestre barroco. Eu ouvi, ao longo dos anos, diversas versões da mesma. Porém, a luminosidade e o tempo adequado na interpretação de Katja Sager, dão-lhe uma força e beleza insuperáveis, que me fazem preferir a sua versão a todas as outras.
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Anastasia Seifetdinova, nesta gravação em recital, com seu perfeito domínio técnico e estilístico, permite-nos apreciar a força e delicadeza que emanam da transcrição pianística de F. Liszt da peça para órgão de Bach.
As duas versões, para cravo (Richard Egarr) e para piano (Murray Perahia), da Allemande da Suite francesa nº4, aqui apresentadas são a meu ver de igual excelência, pela sua adequação da interpretação ao instrumento e pela sua sobriedade.
Uma «Suite» é uma sucessão de danças estilizadas, com a mesma tonalidade, reunidas numa determinada sequência. A Allemande costumava ser a primeira peça - além da peça introdutória, o prelúdio ou toccata - duma suite para o cravo ou o alaúde. Nesta Allemande sobressai o estilo «brisé» ou «quebrado», que foi importado do reportório do alaúde, para os instrumentos de tecla com corda. Neste estilo, os acordes decompostos desenham a melodia. Os acordes que compõem a tessitura harmónica da peça sucedem-se e, por vezes, existem curtas passagens de junção. Este estilo era típico dos prelúdios, mas também era usado noutras formas, como é o caso desta Allemande.
A designação de suites «francesas» é posterior à morte de Bach. Na realidade, há bem pouco de «francês» para as diferenciar: Nas 6 suites «francesas», a segunda dança da suite é - em 4 casos - uma «Courante» portanto do tipo francês, sendo, nos outros 2 casos, do tipo «Corrente» ou italiano. Quando Bach escreveu estas suites (cerca de 1722), a estilização destas danças estava bem estabelecida, tendo evoluído do Renascimento e Barroco inicial, até uma codificação universal, no Século XVIII.
Não será tanto pelas características da Allemande, Courante, Sarabande e Gigue, as peças «obrigatórias» da Suite, que se poderá diferenciar o gosto francês, italiano, ou alemão. Penso que a diferenciação «nacional» mais perceptível será antes ao nível das outras peças, cuja presença não era «obrigatória» (ex.: Bourrée, Menuet, Gavotte, Rigaudon, Laure, etc.) .
Esta Allemande utiliza elementos muito simples. Acho que tem uma sensibilidade «feminina», sem ser «efeminada». Consigo imaginar Anna-Magdalena Bach a interpretar a Suite em Mi bemol maior. A obra está presente no livro manuscrito, dedicado à sua caríssima e amantíssima esposa, por Johann Sebastian.
Segundo alguns alunos de Bach, a Partita nº2 e a Chaconne que constitui o seu andamento final, terão sido escritas em memória da falecida esposa, Maria Bárbara.
Esta Chaconne é muito expressiva e plangente. Tem duração muito maior que os outros andamentos.
A Chaconne (em italiano Ciaconna) é uma dança ternária, inicialmente de andamento vivo, importada das Américas no final do século XVI pelos marinheiros espanhóis e espalhada por toda a Europa, no século seguinte.
A partir do século XVII, foi adaptada para instrumentos de orquestra ou de tecla. É baseada, tal como a Pasacalle, num tema do baixo com variações. Numerosos compositores que antecederam Bach, como Louis Couperin ou J. Pachebel, compuseram Chaconnes. A peça composta por Bach está integrada nesta tradição.
Porque não iniciar um novo ano com as belíssimas peças para órgão de J. S. Bach?
0:00:05 - BWV 525 I. - (Sem Indicação de Tempo)0:02:48 - BWV 525 II. - Adagio0:10:35 - BWV 525 III. - Allegro0:14:14 - BWV 526 I. - Vivace0:17:45 - BWV 526 II. - Largo0:21:06 - BWV 526 III. - Allegro0:25:18 - BWV 527 I. - Andante0:30:46 - BWV 527 II. - Adagio E Dolce0:36:46 - BWV 527 III. - Vivace0:40:49 - BWV 528 I. - Adagio - Vivace0:43:28 - BWV 528 II. - Andante0:48:39 - BWV 528 III. - Un Poc'Allegro0:51:12 - BWV 529 I. - Allegro0:56:07 - BWV 529 II. - Largo1:01:16 - BWV 529 III. - Allegro1:05:09 - BWV 530 I. - Vivace1:08:55 - BWV 530 II. - Lento1:14:17 - BWV 530 III. - Allegro
J.S. Bach escreveu as seis sonatas em trio para órgão, para serem tocadas pelo seu filho primogénito Willelm Friedmann. Este, mostrou-se desde cedo cheio de talento. Seu Pai considerava-o mesmo como o mais talentoso dos seus numerosos filhos.
W. F. Bach (Weimar, 1710 - Berlim, 1784) é conhecido sobretudo enquanto compositor de obras para tecla (sobretudo para o cravo e o pianoforte). Foi um precursor do romantismo musical.
Contrariamente ao irmão Carl Philipp Emanuel, não teve uma carreira brilhante. Ele subsistia dando concertos, nos últimos anos de vida. Pobre e crivado de dívidas, tentou - em vão - obter um posto como organista em várias igrejas de Berlim e arredores.
A sua obra continua a ser pouco conhecida hoje, o que me parece injusto.