Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
Estes três compositores lendários nasceram no ano de 1685: Anne Queffélec celebra-os com um reportório neste recital, extraído das obras destes gigantes do barroco.
A herança deles três perdura, sendo obrigatório na aprendizagem de instrumento de tecla (piano, cravo, órgão) estudar e praticar regularmente peças destes três compositores do Barroco.
A linguagem musical que transparece nestas amostras não é muito diferente uma da outra. Embora cada compositor, com o seu génio, imprima o caráter inconfundível de sua personalidade nestas e noutras peças, a verdade é que todos eles «falavam o mesmo idioma musical». Note-se que esta época - de cerca de 1700 a cerca de 1760 - foi de grande cosmopolitismo na Europa (apesar das guerras). A dominância da ópera italiana foi-se acentuando, assim como a tendência para se fixarem a forma sonata, a forma concerto e a forma suite (sequência de danças estilizadas). Domenico Scarlatti foi importantíssimo na codificação da «sonata bipartita». Bach foi importante em forjar a síntese do concerto italiano, francês e alemão e Haendel adaptou ou criou formas e estilos ao gosto e temperamento dos britânicos.
Houve mais músicos barrocos de génio, como Vivaldi e Rameau, por exemplo. Mas, no conjunto da Europa havia uma convergência, uma assimilação natural dos estilos de várias regiões.
- Se houve génios? - Sem dúvida que os houve!
Porém, o terreno estava «adubado» para eles crescerem e se desenvolverem.
Como extra -programa, Anne Queffélec interpretou a sonata de Beethoven em Lá bemol Maior. Parece-me perfeitamente apropriado, pois nos mostra a rutura estilística, que foi o romantismo em relação à época anterior.
"Fandangos" Santiago de Murcia, Codex Saldívar, ca. 1730
É interessante estudar o caso do fandango: Uma dança popular, com raízes tanto em Portugal como em Espanha, inicialmente «mal vista pela igreja». Mas, devido à moda que se alastrou na corte, ela tornou-se uma das danças mais frequentemente estilizadas no século XVIII. Ao longo do século XVIII, muitos músicos, como Bocherinni, Domenico Scarlatti, ou o Padre António Soler, compuseram fandangos. Além das peças designadas como «fandango», a voz do baixo desta dança serviu para se comporem muitas variações, como o Ground in C de Purcell.
O instrumento mais utilizado foi a guitarra de 5 ordens, na qual Miguel Rincón interpreta os fandangos dum manuscrito do início do século XVIII.
A estrutura musical do fandango é bastante simples e possui afinidades com outras danças estilizadas ibéricas*, nomeadamente:
- La Folia é, das danças ibéricas, a mais utilizada nos séculos XVII e XVIII, incluindo músicos não-ibéricos como Corelli, Marin Marais e outros. Ela própria deriva de Guardame la Vacas; no século XVI, esta canção foi transcrita para instrumentos de corda e de tecla, sob forma de «tema e variações».
- Canários: uma dança popular desta época, cujo nome indicaria ter sido trazida do (ou associada de algum modo ao) Arquipélago das Ilhas Canárias.
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* Oiça várias danças estilizadas de Santiago de Murcia:
Algo de muito especial na história da música ocorreu com Domenico Scarlatti (Nápoles 26 de Outubro 1685 - Madrid, 23 de Julho 1757).Os «exercícios» e as sonatas, especificamente para o cravo, são simultaneamente excelente música adaptável e adaptada a variados instrumentos de corda e tecla, o clavicórdio, ou o forte-piano mas também de corda dedilhada, como se pode apreciar neste recital de guitarra clássica.
A música instrumental de Domenico é popular e aristocrática, ao mesmo tempo. As formas mais puras da sonata bipartita são postas ao serviço de uma profusão de temas, muitos dos quais com inegável sabor popular. Sem dúvida, influenciaram as circunstâncias muito especiais em que produziu a sua obra, na qualidade de músico e professor da Infanta Maria Bárbara de Bragança, que depois foi Rainha de Espanha... A sua obra é ímpar pela quantidade e qualidade das sonatas, única na sua diversidade e coerência, no reportório de cravo da Península Ibérica.
Penso ser adequado considerar Domenico Scarlatti como músico ibérico de origem italiana (napolitana), pois exerceu os seus talentos na Corte portuguesa a partir de 1719, como professor da Infanta e, depois como músico na corte em Madrid, a partir de 1733, quando esta infanta se tornou rainha de Espanha. Scarlatti exerceu durante longos anos este cargo, com os seus extraordinários talentos de compositor e de cravista, até ao fim da vida. Além das peças para cravo, compôs peças litúrgicas, cantatas e óperas. Mas, a parte mais célebre da sua obra são as 555 sonatas para cravo.
Esta obra monumental tem sido servida por notáveis cravistas, pianistas e guitarristas pois, pela estrutura e carácter, muitas sonatas, embora escritas para o cravo, adaptam-se perfeitamente a outros instrumentos.
Carlos Seixas, um dos nomes mais conhecidos da música barroca portuguesa é, na verdade, muito pouco conhecido...
Sem dúvida, foi celebrado em vida, durante a curta vida, em que lutou para obter o título de «Cavaleiro» que lhe permitia entrar na corte e assegurar o futuro das suas filhas. Filho de um organista de Coimbra, cedo ficou órfão e teve de procurar sustento em Lisboa.
Caiu nas boas graças do rei D. João V, que nessa altura tinha o grande Domenico Scarlatti ao seu serviço. Muito influenciado teria sido o Rei por Scarlatti, o mestre de música da Infanta Bárbara e futura rainha de Espanha.
D. João V enviou a Roma e a Nápoles vários músicos para se aperfeiçoarem na música italiana, então favorecida na corte portuguesa e em todas as cortes europeias.
Apesar do italianismo reinante, Seixas tem uma forma de compor as sonatas que, embora reminiscente da escrita de Scarlatti, é por demais distante, para que se possa dizer que o português tomou como modelo o italiano. Nomeadamente, as sonatas seixianas, numa forte proporção, possuem vários movimentos, tal como a sonata XXII aqui reproduzida, que se inicia com um Allegro, na forma da sonata bipartita típica das escolas italo-ibéricas, continua com um adágio e finaliza com um menuet, peça típica do gosto francês.
O fortepiano, presente nas casas mais ricas da corte, proveniente de Itália, é conveniente para interpretar esta música, toda ela em subtileza, tal como é apropriada no clavicórdio, instrumento mais modesto e presença banal nos lares burgueses ou nas celas conventuais, nessa época.
Santiago Macário Kastner, o musicólogo descobridor e primeiro editor destas Sonatas, costumava dizer que a música de Carlos Seixas flui como água de nascente. Dizia sobre a qualidade destas peças que elas eram como um cofre cheio de pedras preciosas: muitas maravilhosas e perfeitas, porém algumas tendo um pouco de «jaça» (aquela imperfeição ou impureza nas pedras preciosas, que lhes diminui o valor).
Muitas peças de Seixas são de uma sensibilidade muito para lá da época, ou seja, anunciam o final do barroco, o estilo chamado «rococó», presente na música para tecla de Carl Philip Emmanuel Bach.
Como exemplo, oiça-se a sonata XVII Em Dó Menor, com uma sensibilidade e um estilo que poderiam passar perfeitamente por composição das últimas décadas do século XVIII, da época pré-romântica.
Aliás, foram copiadas e executadas estas sonatas de Seixas, muito tempo depois da sua morte, o que - de certa maneira - apoia tal juízo.
A Professora Cremilde Rosado Fernandes, musicóloga eminente discípula do Prof. Kastner, é uma das mais conceituadas interpretes e mestras do cravo e do fortepiano, tendo leccionado na Escola Superior de Música de Lisboa (da qual foi Directora). Além de várias gravações discográficas, participou em recitais a solo ou com orquestra, em inúmeras ocasiões, em Portugal e no estrangeiro.