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sábado, 17 de agosto de 2024

DENIS NOBLE: PALESTRA «A MÚSICA DA VIDA» + ENTREVISTA SOBRE EVOLUÇÃO

Denis Noble é um fisiologista britânico que se tem interessado pela evolução. Há cerca de 18 anos, publicou o livro «The Music of Life»  [A Música da Vida](ver 1º vídeo), onde propõe uma abordagem organísmica e integrada da expressão genética e do desenvolvimento do indivíduo. O organismo, o ser na sua totalidade, é que estará ao comando, em relação à expressão dos genes, segundo Denis Noble. Hoje em dia, esta sua abordagem é consensual. Porém, ainda existem resistências nas hostes «neodarwinianas», porque estão envolvidas, principalmente nos EUA, numa longa polémica com os criacionistas, situação que não ocorre no continente europeu. 

A entrevista que deu (ver vídeo nº2), intitulada «A Terceira Via do Evolucionismo», esclarece o seu pensamento sobre evolução. Ele próprio considera que sua visão se confronta apenas com as formulações erradas dos fenómenos, ou seja, com barreiras artificiais, resultantes da forma simplista, redutora, como os livros de texto continuam a tratar os assuntos da Evolução.





                                            https://www.youtube.com/watch?v=IAKE1SI9LJc


 

domingo, 26 de novembro de 2023

CONVERSÃO AO JUDAISMO DO REINO KHAZAR ?

PROF. SHAUL STAMPFER (UNIV. HEBRAICA DE JERUSALÉM):


O prof. Stampfer apresenta argumentos que invalidam a lenda do rei Khazar ter-se convertido ao Judaísmo e o povo do seu reino, juntamente com ele. 

Creio que o reino Khasar, embora muito real, estava tão longe de Espanha, que era fácil fazer passar por verídica, uma história forjada. Na Idade Média, as pessoas ignoravam praticamente tudo da Geografia e da História de regiões longínquas. 
É um caso interessante de falsificação e de persistência de um mito. Qual o interesse em perpetuar uma história que assenta sobre praticamente nada? 

Uma hipótese, é de que o mito da conversão Khazar seria uma explicação para as diferenças genéticas entre judeus Ashkenazi (do Centro e Leste Europeu) e judeus Sefarditas (Península Ibérica e bacia mediterrânica). 
Recentemente têm sido feitos estudos de genética molecular, com o objetivo de esclarecer as origens das várias populações de judeus. Numerosos dados de sequências foram obtidos, nomeadamente: 
- A sequenciação de amostras de ADN autossómico, do cromossoma Y e do cromossoma mitocondrial. Num extenso artigo de revisão (*), pode ler-se a seguinte conclusão:

«Still, in spite of repeated efforts, there is no agreed upon criterion to identify Jews, and samples examined for the distribution of biological or molecular markers all depend on the preconceived biases of the investigators. Races, it is assumed, may differ in inherent properties that are evaluated differentially. But races are not biological-meaningful classification entities. And if so, why is racism a bad property? The answer must be: Because it provides socio-cultural justifications for discrimination on the basis of presumed and irrelevant biological properties.»


(*) «Genetic markers cannot determine Jewish descent», por Raphael Falk
  

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

DIÁLOGOS SOBRE O FENÓMENO HUMANO


 Publicamos aqui um primeiro diálogo entre um Paleoantropólogo e uma Geneticista. 

P - Este desafio de falar sobre o humano é tão arrojado e, ao mesmo tempo, inescapável para alguém com a minha profissão. Nas fronteiras do humano, estão interrogações filosóficas quer nós nos debrucemos sobre o passado (evolução humana), o presente (antropologia cultural) ou o futuro (prospetiva). Quanto à ciência genética, que também faz parte das ciências que a paleoantropologia utiliza, o que te parece ter sido mais relevante, no que ela trouxe ao debate constante sobre este tema?

G- Eu sei que o paradigma dominante é - não apenas na genética - de um certo determinismo. Isso traduz-se no imaginário popular, como alguém tendo herdado o gene W, terá uma expressão do gene correspondente. Isto não é válido, como sabemos e os cientistas com certeza todos sabem que isso não funciona exatamente assim mas, ao nível mais profundo, mais epistemológico, há uma crença arreigada na determinação dos genes. 

P- Sim, há a velha e falsa polémica de «genes» versus «cultura», mas que evidentemente não leva a nada pois as coisas não são separáveis. É exatamente como a história de «quem veio primeiro: A galinha, ou o ovo».

G. No campo da genética, costuma-se separar as especialidades moleculares (o estudo dos genes e suas sequências), da genética das populações (como evoluíram as populações, como é que tais ou tais genes e conjuntos de genes se segregaram ou reuniram nas populações, neste caso, populações humanas). Mas, a utilização massiva e mesmo corriqueira de indicadores genéticos (sequências) em populações passadas ou presentes, em muitos estudos, veio agora tornar muito fluida a fronteira do que seja do domínio da «genética  molecular» ou da «genética das populações».

P- No campo da antropologia, a herança de um neo-darwinismo dogmático - que não deve ser confundido com as precoces, mas valiosas, contribuições de Darwin  - contribuiu para uma visão linear da evolução humana, com a agravante de querer que os achados sucessivos se enquadrassem dentro da tal visão estreita de uma «evolução progressiva», tendente a «um tipo perfeito de humano, que seria o Homo sapiens». Dessa distorção resultaram muitos preconceitos, difíceis de eliminar. Por exemplo, a correlação estreita da inteligência com a capacidade craniana, mesmo  estimada na proporção do total da massa corporal. Verificou-se que H. luzonensis e H. floriesiensis tinham capacidade craniana muito menor que os vários exemplares (contemporâneos alguns) de H. erectus, encontrados em várias ilhas do Sudeste Asiático. Ambas as espécies (luzonensis e floresiensis) eram, não apenas fabricantes de instrumentos de pedra, como tinham habilidade de caçar animais perigosos e de porte muito maior; sinal seguro de certo grau de inteligência. Se a correlação entre a massa cerebral e inteligência fosse linear, estas espécies teriam apenas o intelecto de chimpanzés e as realizações destes símios, ou seja, seriam apenas capazes de usar instrumentos «ready made» (pronto a usar), paus e pedras que encontrassem.  

G- As descobertas da genética nos finais do século passado e no  século XXI também foram de molde a destruir algumas falsas verdades, como a universalidade da transmissão mendeliana dos carateres ou a possibilidade de transmissão hereditária de informação «material», por oposição a «cultural», por uma outra via, que não a do ADN. Isto torna caducos uma série de modelos e mesmo de teorias em genética, pois não se baseiam nesta «nova» genética, mas numa genética onde a transmissão dos carateres hereditários se faria estritamente segundo as leis mendelianas e estava exclusivamente codificada nos genes, formados por sequências de nucleótidos. Mas de facto conjugar as recentes descobertas ao nível molecular e celular, com os dados de observação das populações, é muito difícil. A teoria neodarwiniana dos anos 30-60 do século passado fez isso, na chamada «síntese neodarwiniana», porém este modelo ficou caduco, passados poucas décadas depois de ter triunfado. A partir da descoberta dos intrões (anos 1970-80) e  de um conjunto de descobertas que formam a base do que chamamos a epigenética, até então insuspeitadas. Mas, esta «síntese neodarwiniana» fascinou as mentes, ao ponto de muitos cientistas se «agarrarem» a ela, visto não existir nenhuma outra teoria global que a substitua.

P - O que acabas de relatar é muito interessante e tem analogias em vários ramos do saber. No domínio da paleoantropologia por exemplo, a tipificação de uma espécie, muitas vezes a partir de um número reduzido de fósseis, cria (mentalmente) uma categoria estanque. Ou seja, essa espécie (admitindo que fosse real) só podia ter evoluído transformando-se noutra, mais recente, ou extinguindo-se e deixando espaço para outra espécie ocupar o nicho ecológico, deixado vazio. Assim, a existência (constatada hoje, para além de qualquer dúvida, graças à genética molecular) de hibridações interespecíficas, em antecessores dos humanos, não era concebida ou era considerada heresia, pelos paleoantropólogos há 30 anos atrás. A revolução conceptual da descoberta de grandes pedaços do genoma neandertal e denisovano nas populações humanas atuais, ainda está por «digerir» inteiramente. É difícil, para alguém que sempre pensou a evolução enquanto sucessão de mutações, conducentes a uma melhor adaptação, formando espécies cada vez mais aperfeiçoadas, ser confrontado com o modelo oposto: Uma evolução ramificada, com múltiplas introgressões, na árvore evolutiva humana e pré-humana.

G- A imagem que nos fica na Paleoantropologia, na Genética e mesmo de outras ciências, é que a ideia do humano está datada. Nós construímos uma civilização com base num humanismo renascentista, o qual tinha toda a razão de existir, quando apareceu e nos séculos imediatos. Mas agora, embora não seja a «morte do Homem» é - parece-me - a morte da imagem que nós temos de nós próprios. Não achas que o vazio e a incerteza daí decorrente podem ser ocasião para se afirmarem ideologias tão absurdas e nefastas como o racismo, o eugenismo, etc.? O transumanismo é apontado, por alguns, como sendo o futuro mas creio que estamos perante a imposição autoritária, mais uma vez, dum modelo de poder sobre a humanidade. 

P- Sim, o desejo de poder é o que carateriza melhor as elites eugenistas (que continuam a existir) e que propagam, através dos seus meios consideráveis, a sua visão do mundo. Elas fazem-no em relação ao transumanismo, mas também em relação à Nova Ordem Mundial. Têm ideias malthusianas e nós todos sabemos como isso acaba. As visões de «fim do mundo» são propaladas por alguns, amplificadas e retomadas por pessoas que nem suspeitam como foram influenciadas. De facto, a humanidade no seu todo complexo, não é mais evoluída que outra espécie qualquer. Não faz sentido dizermos que somos mais evoluídos que os gorilas ou que os golfinhos. Porque as espécies de gorilas e de golfinhos que existem à face da Terra hoje, são as que subsistiram, depois de milhões de anos de evolução. Quer por acaso, quer por estarem melhor adaptadas ao seu ambiente, estas espécies nossas contemporâneas sobreviveram, outras desapareceram. A ideia de uma evolução «progressiva» embora muito atraente para o espírito está centrada na nossa existência, é o mito do antropocentrismo. Nós, subjetivamente, pensamos estar cá nesta Terra porque fomos os mais aptos, mais evoluídos que outros hominídeos. Mas, isso não se passa assim. Há muito de arbitrário, de caótico, na evolução das espécies e nós - humanos - somos apenas uma entre  milhões de outras espécies e os mecanismos que se aplicam a essas outras espécies, também se aplicam a nós. 

G- É difícil ao público, em geral, apreender que somos diferentes do que idealizamos, como autoimagem. Mesmo para os cientistas, custa a crer que sejamos uma espécie entre milhões. Esta ideia - por mais que seja aceite intelectualmente- esbarra com crenças profundas: A «natureza humana», a «essência de ser-se humano», tudo isso vai esbarrar com a biologia, porque esta não tem que assumir valores, esta limita-se a usar critérios (questionáveis e mutáveis) do que se considera humano ou não. Por exemplo, se nós tivermos um ADN dum fóssil com cerca de 200 mil anos, portanto contemporâneo de seres humanos " modernos mais antigos", visto que existiram H. sapiens em África nessa época, mas esse fóssil apresentar características humanas e outras não-humanas. Se esse ADN revelar que em termos de sequências «consensuais» com os genes humanos atuais, existe uma divergência importante, embora menor que em relação aos outros símios ... Como classificar esses fósseis? Estou a pensar em Homo naledi  

P- Sim, o problema que colocas, no fundo, envolve toda a problemática da classificação. Nós sabemos que a classificação começou a ser uniformizada, pela ciência, na época de Lineu. Nesse tempo, a Criação era vista como uma coisa estática, as espécies estavam definitivamente formadas e não se entrecruzavam no estado selvagem. Os poucos híbridos conhecidos eram entre animais domésticos. Por isso, o conceito de espécie surgiu como algo de «natural» quando, na verdade, era apenas uma construção arbitrária do intelecto. Toda a ciência biológica recorre a este conceito, mesmo quando ele é muito pouco apropriado, como em Bacteriologia, Virologia, ou Micologia...

G- Sim, a ciência está ligada a construções históricas de conceitos, não havendo possibilidade de transformar esses conceitos, senão através de múltiplas ruturas. Por exemplo o conceito de gene, que é tão recente afinal: Ele data do início do século XX, assim como a própria palavra «gene». Este conceito evoluiu de forma decisiva e hoje já não tem grande coisa que ver com a ideia de «gene», dos melhores e mais avançados geneticistas dos anos 1920... Penso que tanto o conceito de gene, como o de espécie perduram porém, porque têm algo de útil, por muitas exceções que possamos colocar às respetivas definições. O conceito de espécie, como sendo de indivíduos que se entrecruzam livremente no seu ambiente natural e dando descendência fértil, é posto em causa em múltiplos casos, no Reino dos Fungos, das Bactérias ... Mesmo nas Plantas superiores, o conceito não é pacífico, pois é tão frequente a fecundação cruzada (em ambiente natural) entre espécies aparentadas, dando híbridos viáveis e férteis. Isto é do conhecimento dos estudantes em Botânica. 

P- Muitas polémicas em paleontologia e em paleo-antrolopogia estão centradas em torno das definições dos termos, em torno de semântica. Ás vezes, parecem-me mais a afirmação de egos, do que  debate científico. Poucas pessoas têm a noção de que os cientistas são gente comum, com sentimentos comuns, com reações comuns. Alguns elementos destacam-se, como em todas as profissões, pela sua criatividade, originalidade, etc. Mas, por vezes , fico com a sensação de que os próprios cientistas de colocam numa «casta» à parte, nada interessada em dar publicidade às suas teorias e descobertas, para além do círculo restrito dos seus pares. Mas, este comportamento elitista está a mudar, devido à enorme quantidade de jovens cientistas, de todos os cantos do mundo, que investigam e que são o motor real da investigação. Sem eles, a ciência seria morta, seria uma «seita» esotérica, sem qualquer relação com a realidade do mundo. 

G- Sim, a educação científica progrediu muito, em termos de quantidade e de qualidade. Mas, ainda tem de percorrer um vasto percurso. Eu penso que ainda poderá ser alcançado outro patamar, porque a ciência não é esotérica, é a forma de conhecimento que deveria ser a mais aberta, por definição. Vejo também uma crescente participação de mulheres em todos os ramos da investigação o que, não apenas reflete sua igualdade, em termos intelectuais, mas também a imagem que as jovens têm delas próprias.

P- Bom tema para a próxima troca entre nós, G: A problemática da ciência e a sexualidade humana! Até breve!

G- Gostei muito desta primeira conversa. Estou de acordo em pegar no tema que propuseste. Até breve!

 


domingo, 30 de janeiro de 2022

HUMILDE PLANTA PÕE EM CAUSA A VALIDADE DA GENÉTICA MENDELIANA?

Sim, é realmente uma planta muito comum, pode encontrar-se em vários habitats. Coloniza os bordos dos caminhos e das estradas. Chama-se Arabidopsis thaliana e tornou-se célebre há umas décadas atrás, quando foi escolhida pelo projeto de sequenciação completa de genomas, para representar as plantas superiores. É a «Drosophila» do Reino Vegetal. Foi o terceiro organismo eucariota a ter seu genoma totalmente sequenciado.




A publicação do estudo na revista científica Nature (*) é de molde a revolucionar o nosso entendimento dos mecanismos de seleção natural e portanto da própria evolução das espécies, pelo menos ao nível mais «baixo», da transmissão dos genes (e suas mutações) à descendência. 
Os investigadores do estudo em causa começaram por obter em laboratório uma série de mutantes em várias regiões cromossómicas. Esses mutantes não apresentavam qualquer desvio em relação ao que seria de esperar, para um modelo de mutação ao acaso. Estas mutações ao acaso, são um dos pilares da teoria da seleção/mutação, neodarwiniana. Mas, para sua surpresa, investigando bases de dados genéticas contendo milhares de mutações e suas localizações precisas, descobriram que certos genes e ADN na sua proximidade, possuíam como que uma proteção às mutações, pois que a frequência de mutações nestes locais  era bastante menor que noutras zonas cromossómicas, aparentemente, com as mesmas caraterísticas estruturais. Verificaram que as zonas protegidas de mutações eram aquelas que, em caso de mutação, tinham alta probabilidade de ter graves efeitos para a planta afetada, ou mesmo de serem letais. 
Esta proteção era obtida com a presença de determinadas proteínas nucleares, situadas sobre ou perto dos genes que era necessário proteger. Claro que este mecanismo não significa que as proteínas em causa tenham «vontade» de proteger as sequências genéticas referidas. A proteção é essencialmente resultante da afinidade preferencial de certos domínios das proteínas por determinadas sequências do ADN. 


A descoberta coloca, entretanto, um patamar suplementar na complexidade dos genomas. 
A investigação da expressão dos genes e a epigenética, têm-se desenvolvido muito nos últimos trinta anos, dando conta da subtileza e complexidade da regulação do genoma. A epigenética tem revelado, em várias espécies (incluindo a espécie humana), novos mecanismos hereditários, mas que não passam pelo ADN, que transmitem determinadas caraterísticas de uma geração para outra. 
A presente descoberta, quase de certeza, poderá vir a ser observada noutros eucariotas**. Ao nível do genoma, os animais, incluindo os mamíferos e a nossa espécie, diferem pouco nos mecanismos de transmissão e regulação dos genes. Há poucas diferenças até na regulação fina dos genes, por mais diversas que sejam a fisiologia e anatomia.   
Se as observações deste estudo vierem a confirmar-se, não só noutras espécies de Plantas, como no Reino Animal, a Genética Mendeliana, tal como a aprendemos na escola, tem de ser posta de lado, como aproximação demasiado grosseira dos subtis mecanismos da transmissão hereditária. Mas, este abandono implicará também a «machadada final» na teoria neodarwinista, que já estava seriamente abalada por descobertas anteriores. As mutações não seriam inteiramente ao acaso, havendo várias possibilidades de regulação interna, as quais «não são visíveis» perante a seleção natural.

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(*) Mutation bias reflects natural selection in Arabidopsis thaliana https://www.nature.com/articles/s41586-021-04269-6

(**) Os eucariotas são todos os organismos possuindo células com núcleo, contendo os cromossomas, separado por uma membrana: são os Protistas, os Fungos, as Plantas e os Animais.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O «ADN LIXO» QUE AFINAL NÃO ERA


O artigo acima, muito interessante, mostra que se pode inativar especificamente uma zona não codificante de um cromossoma de mamífero, com efeitos catastróficos na formação dos embriões e dos fetos, apesar de todos os genes terem permanecido intactos. Assim, a manipulação descrita no artigo mostra que existe um papel relevante desta região do ADN. Ainda não se sabe qual a sua função concreta e como a desempenha, neste estádio da pesquisa. 

Algumas das histórias mais fascinantes das descobertas da genética molecular relacionam-se com o mal nomeado «ADN lixo». O ADN que não codifica para nenhum gene é a imensa maioria do ADN que compõe os cromossomas, no ser humano, nos animais e, mesmo, em todos os eucariotas, constituídos por células com um núcleo isolado do citoplasma por uma membrana. 

Em geral, convenciona-se que, para haver um gene, isso implica que sua sequência seja uma ORF (= open reading frame): Isto significa que, dentro da sua sequência, não exista nenhum codão stop (daí chamar-se um «quadro de leitura aberto»). A presença de um tal codão stop iria finalizar precocemente a tradução do ARNm no ribossoma. Igualmente, uma tal sequência deveria ter um promotor funcional, ou seja, um local de ancoragem das ARN-transcriptases, as enzimas capazes de transcrever uma sequência de ADN, em sequência de ARN mensageiro. Sem isto, não poderá haver a expressão de um gene, no seu produto, a proteína respetiva. A ORF será, portanto, aceite como um «provável gene», mesmo que se ignore tudo sobre o seu produto e função. 

Mas, fora e além de todas as «ORF», existem numerosos «pseudo- genes», isto é, sequências que já não são genes, ou porque foram interrompidas por um ou vários codões STOP, inviabilizando a formação completa da cadeia de aminoácidos, ou porque foram destruídas as sequências promotor, portanto a ARN-polimerase já não pode iniciar a sua transcrição. Tais pseudo -genes estão presentes no ADN de mamíferos (incluindo o homem) mas, também, em muitas outras espécies estudadas.

Tais pseudo -genes correspondem, muitas vezes, a retrovírus que se integraram algures no genoma, durante a evolução, tendo perdido a possibilidade de se replicar e permanecendo aí como «fósseis retrovirais». Os retrovírus, quando se conseguem replicar normalmente, usam de um processo semelhante aos elementos transponíveis ou transposões. Estes elementos, presentes tanto no nosso genoma, como no de muitos outros eucariotas, foram primeiro descobertos no milho (Zea mays), por Barbara McClintock, o que lhe valeu o prémio Nobel.

                                                                               Barbara McClintock em1947.

Será relativamente fácil que certos transposões inativos se «reativem», bastando para isso reverter uma ou duas mutações, para eles voltarem ao seu estado inicial.
Embora tal mecanismo seja raro, foi observado algo semelhante em bactérias, onde genes para a produção de certos enzimas, envolvidos no processamento dum nutriente raro ou pouco frequente, estão inativados por mutação. Estes são «reativados», na presença desse nutriente.

É fascinante verificar que os elementos que estão na base da divisão celular (mitose e meiose) e da repartição equitativa dos cromossomas, como os centrómeros e os telómeros dos cromossomas eucariotas, possuem sequências muito iteradas, repetitivas. O mesmo tipo de sequências também são a «marca» deixada pelos transposões ou pelos retrovírus, quando se inserem e depois se propagam, de um ponto para outro do genoma.

Longe de ser um ADN lixo sabe-se, desde há bastante tempo, que o facto de ser abundante e não codificar aparentemente para proteínas, não retira a funcionalidade a este ADN. Sabe-se que zonas não codificantes do ADN desempenham funções muito relevantes na mitose e no processamento dos cromossomas que esta implica. Vão sendo descobertas outras funções nessas zonas do ADN, desde a regulação da expressão dos genes, a fatores de «empacotamento cromossómico» fundamentais no ciclo celular. 

O facto de que os genes dos eucariotas estejam, em geral, interrompidos por sequências intrónicas («intrões»), aumentando muito a sua extensão, também não pode ser considerado como «lixo», pois existem muitos casos (de funcionamento normal) em que há formação de proteínas distintas, a partir de pedaços (exões) alternativos. Este processo (a «maturação») ocorre durante a transição do ARN pré-mensageiro em mensageiro, pelo corte e excisão dos intrões, seguido de sutura dos exões.

A visão que existe atualmente da evolução ao nível molecular, permite dar um papel de relevo a todo esse ADN não diretamente envolvido na codificação e expressão dos genes. É que existe muito mais potencial num genoma eucariota, comparativamente a bactérias, sejam elas eubactérias ou arqueobactérias. Embora se conheçam algumas (raras) sequências de intrões em arqueobactérias, os genomas bacterianos são extremamente compactos, em regra. Todas as partes do genoma bacteriano - uma molécula de ADN circular - têm uma função precisa. A evolução das bactérias está limitada pelo seu modo de vida unicelular (apesar de formarem colónias), onde a única inovação pode provir apenas de mutações, que ocorrem no seu genoma.
Aquilo que o mundo bacteriano tem a seu favor é a rapidez e os grandes números, que conseguem produzir em condições favoráveis. Pelo contrário, o eucariota possui, no seu organismo individual, um certo número de recursos que lhe permitem adaptar-se. O recurso da sexualidade vai conferir aos eucariotas uma maior variabilidade e adaptabilidade. Estas propriedades estão inegavelmente associadas ao genoma eucariota, embora seja ainda difícil de perceber profundamente os mecanismos moleculares envolvidos.

NB1: Cerca de 3 meses depois do que escrevi acima, leio um artigo que dá conta de investigações, cujos resultados vêm confirmar as minhas visões sobre os genomas eucariotas. Não será inteiramente por acaso; tenho estudado genética, biologia molecular, bacteriologia, evolução... desde 1972!

terça-feira, 1 de setembro de 2020

CÃES CANTADORES DA NOVA GUINÉ ... UMA ESPÉCIE PRÓXIMA DA EXTINÇÃO

                  Scientists investigating sightings of possible New Guinea Singing Dogs on Papua New Guinea were able to retrieve DNA samples from trapped wild dogs in 2018.

                           Cães selvagens visitam uma mina de ouro, na Nova Guiné


Já tinha conhecimento dos cães cantadores? 

- Estes cães têm características muito próprias. Além de serem caracterizados pela voz ululante aguda, que foi designada por «canto» (ver aqui vídeo de cadela da Nova Guiné, num zoo), têm a capacidade de trepar às árvores, para caçar pequenos mamíferos e aves, como se fossem gatos.

Infelizmente, apenas restam cerca de 200 cães cantadores, em diversos zoos. A espécie podia considerar-se quase extinta, pois já não são assinalados exemplares, no estado selvagem, no seu habitat de origem.

Recentemente, na Nova Guiné, uma equipa de naturalistas conseguiu obter amostras de sangue de um grupo de cães selvagens, muito semelhantes aos cães cantadores. Estes cães selvagens vivem perto de uma mina de ouro, numa zona remota da ilha. A sua existência foi revelada pelo facto de frequentarem o local da mina.

Notaram coincidências muito grandes do seu genoma, com o dos cães cantadores cativos, apenas se notando divergência nalguns traços de ADN devidos a cruzamentos com cães domésticos de aldeias vizinhas. 

Esta descoberta permitirá - talvez-  obter a reintrodução dos cães cantadores no seu habitat natural, fortificando o seu património genético. Este poderá ser diversificado por cruzamento dos exemplares mantidos em diversos zoos, com exemplares deste grupo de cães selvagens, agora descoberto. 

sábado, 4 de janeiro de 2020

RAPOSAS, LOBOS, CÃES: DOMESTICAÇÃO, GENÉTICA, EVOLUÇÃO



Este vídeo introduz-nos um estudo experimental da evolução. Com efeito, a um nível micro, aquilo que os experimentadores soviéticos fizeram foi realmente acelerar a selecção (artificial, neste caso) de modo a fazer com que prevaleça uma modalidade de comportamento, transportada por um gene ou genes. 
Não podemos reconstruir exactamente as etapas que aconteceram na domesticação das espécies pelo homem há dezenas de milhares de anos, nomeadamente o cão a partir do lobo, mas sabemos hoje como este tipo de processo se pode ter desenrolado, por analogia com a domesticação das raposas. 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

EM DEFESA DOS BURROS

                       Voice of a...donkey? Rescue animal with incredible vocal range goes viral (VIDEO)

                  https://www.rt.com/business/450405-pakistan-donkeys-export-china/

Uma notícia muito séria (ver acima), sobre exportação de burros do Paquistão para a China, esteve na origem desta reflexão.
Sabemos que o burro é tido - nas fábulas e nos provérbios - como um animal extremamente estúpido, limitado, teimoso.

Este retrato do burro é absolutamente injusto, pois o asno não tem menos inteligência que qualquer outro equídeo. Simplesmente, as imaginações românticas vêem, no cavalo, o animal «nobre», um animal muito dedicado ao seu dono, etc...
Ora, na verdade, quase ninguém tem contacto quotidiano com cavalos. Praticamente, não se vêem cavalos no dia-a-dia: apenas em filmes ou em concursos hípicos, ou nas guardas de honra aquando das visitas de presidentes estrangeiros... Daí que  lhe seja atribuída uma «nobreza» de carácter e muitas outras virtudes, porque é usado, actualmente, em situações de aparato, de gala, ou de desporto  de alta competição. 
O cavalo - como todo o animal domesticado - foi sujeito a selecção. No tempo em que a força animal era praticamente exclusiva, houve raças dedicadas ao transporte, ao trabalho nos campos, assim como à guerra, etc. 
Os cavalos que conhecemos são fruto de 5 mil anos de selecção pelos humanos. Os poucos cavalos selvagens que restam nas estepes Ásia Central mais se parecem com burros, na verdade, pela sua anatomia. 
Quanto aos burros, eles foram também usados em larga escala, durante sensivelmente o mesmo tempo que os cavalos. Mas, as suas características fizeram do burro um animal ideal para o transporte e os trabalhos agrícolas. É muito mais resistente que o cavalo, capaz de se contentar com uma ração menos nutritiva.
Porém, o burro tem outras características muito interessantes, em si mesmo. 
O preconceito social é que impede as pessoas de compreender que o burro é um animal com uma inteligência bastante maior, da que lhe é atribuída.
Tem uma grande paciência, não se enfurece facilmente, embora o coice de burro possa ser mortífero; colabora com o seu dono e transporta-o sem fazer capricho...
«Mais vale burro que me carregue do que cavalo que me derrube» (um provérbio popular, já existente antes de mestre Gil Vicente o ter para sempre celebrizado na «Farsa de Inês Pereira»).

Nos países do Norte da África, que eu visitei e em muitos outros, que apenas conheço indirectamente, o burro continua a ser um animal essencial como ajudante nos trabalhos agrícolas e no transporte de bens para os mercados. 
Na minha infância (há quase 60 anos), viam-se burros a puxar carroças, que entravam em Lisboa - pela praça de Espanha - de madrugada,  e se dirigiam para os diversos mercados (nessa altura, não havia super e hiper mercados) com os produtos hortícolas e frutícolas da região saloia. 
No interior norte de Portugal, principalmente, é vulgar a presença de burros nos campos e nas estradas, transportando toda a espécie de produtos ou alfaias.

Se faz sentido ou não, do ponto de vista económico, tal como no Paquistão (ver notícia acima), desenvolver a criação de burros em Portugal ... não sei. 
Mas o facto é que existem raças de burros, tal como existem de cavalos. Estas raças podem ter um potencial genético muito apreciado para determinados fins. 
Sabemos que a coudelaria de Alter do Chão é muito célebre pela qualidade dos seus cavalos, de raça Lusitana. É bem possível que faça sentido existir algo equivalente para as raças autóctones de burros. Penso que algumas poderão estar em vias de extinção.  
Mesmo que a conservação das raças autóctones de burros não pareça prioritária para pessoas desprevenidas, parece-me que existe todo o interesse - e não apenas da ciência - em conservar a sua diversidade genética.
Afinal de contas (tal como o cavalo) o burro é um produto de milénios de criação, cruzamentos selectivos, apuramento de raças. 
Como qualquer outro animal doméstico, a espécie burro/asno e todas as suas raças são património da cultura, da história, do saber humanos.   

sábado, 2 de junho de 2018

UM GENE ESPECÍFICO RESPONSÁVEL PELA EXPANSÃO CEREBRAL



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Nos dias de hoje, saturados com notícias sensacionalistas, que supostamente dão uma informação sobre os progressos em biologia, é difícil de não se cair no cepticismo. Porém, algumas descobertas transportam a marca do que se pode designar - sem exagero - de pequenas revoluções no conhecimento da biologia evolutiva. 


É o caso de um gene, especificamente humano, que se designa por NOTCH2NL. Possui a propriedade de retardar a vinculação das células cerebrais, no caminho da diferenciação  em direcção ao estado de neurónio. Ou seja, graças à actividade deste gene uma linhagem celular vai ficar mais tempo no estado indiferenciado, na forma de células estaminais. Ora, as células estaminais vão continuar a dividir-se e dar origem a novas células. Temos assim um mecanismo de diferenciação que é atrasado, retardado, na espécie humana, por comparação com o que se passa nos tecidos equivalentes dos símios, os quais não são possuidores deste gene activo. Assim, certas zonas do cérebro humano - córtex frontal, nomeadamente - continuam mais tempo em divisão activa durante a gestação, comparativamente aos nossos primos símios. 

Esta diferença explica uma parte do aumento da massa cerebral, que se observa justamente a partir da bifurcação que deu origem ao género Homo. 
Outra parte, deve-se a um complexo de causas e consequências, um mecanismo de selecção, em que o surgimento de seres dotados de maiores cérebros, correspondia a comportamentos mais aptos à sobrevivência; o que, por sua vez, permitia a perpetuação desta característica nas gerações seguintes.

Os autores desta importante descoberta fazem notar que o surgimento deste gene poderia ter ocorrido (por reparação de genes similares) em qualquer momento da evolução dos primatas. Mas esse acontecimento terá ocorrido, segundo estudos da divergência de sequências de ADN, há cerca de 4 milhões de anos. Foi nessa altura, na origem deste gene, que se iniciou a divergência evolutiva entre os símios antropoides (chimpanzés, gorilas, etc) e a linhagem ancestral de todo o género Homo.

Outra curiosidade importante deste estudo, foi a relocalização do gene, noutro ponto do genoma humano. Estava mapeado noutro sítio do genoma humano, que não aquele onde ele efectivamente se encontra. 
Ora, a sua verdadeira localização é extremamente interessante, pois é a zona onde ocorrem  genes associados a macrocefalias e microcefalias, mas igualmente genes envolvidos nas doenças do desenvolvimento cognitivo, como o autismo e outras patologias. 
O gene NOTCH2NL pode ser sujeito a deleção ou duplicação, originando anomalias por si próprio ou pode sua alteração ser causadora de perturbação no seu entorno, na expressão doutros genes.  



segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A CIÊNCIA DO VINHO; O ABANDONO DA AGRICULTURA

CIÊNCIA DO VINHO, ENOLOGIA 

O vinho é um sumo de uva fermentado. 
A fermentação realiza-se graças a leveduras que transformam os açúcares presentes na uva em álcool e dióxido de carbono. 
As leveduras não são visíveis à vista desarmada, são micro-organismos. Estão naturalmente presentes na adega, na vinha, na superfície da uva e, geralmente, em todos os lugares onde exista o cultivo da vinha. 
Foram estas, as leveduras ditas «indígenas» ou naturais, durante muito tempo utilizadas para produzir o vinho. As leveduras «indígenas» estão a regressar à produção vinícola - nomeadamente - nos vinhos ditos naturais. 

A ciência do vinho é multissecular em Portugal. 
As nossas vinhas e as castas de origem portuguesa são cuidadosamente  inventariadas, catalogadas e experimentadas, em institutos públicos e nas grandes empresas do sector. 
A genética molecular, as técnicas de recombinação, clonagem e de transformação de leveduras, têm encontrado ultimamente numerosas aplicações no domínio da vinificação. 
Para se fazer vinho digno desse nome, são tão importantes as condições climáticas, do solo, das variedades de vinha, como os micróbios que fazem parte dum ecossistema. 
Além destes factores, evidentemente, há toda uma série de saberes, de técnicas de cultivo da vinha, do processamento do vinho, transmitidos de pais para filhos, mas que também se podem ensinar e aprender, como parte integrante da cultura científica e técnica.

Do ponto de vista económico, o sector vinícola em Portugal tem três tipos distintos de empresas;  as quintas familiares, onde se produz vinho para o auto-consumo e pouco mais; as pequenas e médias empresas, que têm frequentemente uma cooperativa vinícola a apoiá-las, onde se recolhem as uvas, se fermentam, se engarrafam e comercializam e por fim, as grandes empresas exportadoras, organizadas para a conquista dos mercados internacionais. 
Estas grandes empresas estão «verticalizadas» ou seja possuem os terrenos, as vinhas, as adegas, os circuitos de comercialização. Tiveram origem, muitas vezes, em capitais estrangeiros, como na produção de vinho do Porto, na região do Douro. 
Estas três tipificações mostram que há possibilidade de uma economia se diversificar e crescer a partir do sector agrícola e obter um rendimento apreciável, não apenas um auto-sustento. 
A exploração familiar que faz vinho, além de outras produções, porém, não é de desprezar. Muitas famílias do Norte da Europa vieram para Portugal fazer este tipo de agricultura, usando seus conhecimentos técnicos e científicos para construir explorações viáveis e ecológicas. As explorações pequenas e médias para o mercado «bio» têm também futuro no nosso país. 
O sector agrícola em Portugal tem futuro, obviamente, se as condições ambientais excepcionais  forem preservadas. 
  
ABANDONO DA AGRICULTURA

A vocação natural e histórica de Portugal é agrícola.  
Porém, o país é um importador de alimentos; as exportações são muito mais baixas do que as importações, ano após ano, quer em termos de dinheiro, quer em volume de produtos. A produção agrícola e as pescas nacionais não chegam a cobrir 50% das necessidades do mercado interno.

Portugal é um país de clima atlântico sob influência  mediterrânica. Possui os melhores solos para a vinha (solos xistosos) em várias zonas do território. Mesmo noutras zonas, a vinha pode ser cultivada, pois existem castas e técnicas adequadas a essas condições.

Em geral, o que a agricultura de Portugal precisa mais é de água. 


                     Paisagem da Beira, perto de Monsanto                    
                     
A água disponível, na maior parte do território continental, é suficiente para as diversas necessidades humanas, incluindo a agricultura, mas está irregularmente distribuída. Por outras palavras, uma irrigação apropriada é necessária para corrigir esta irregularidade. 
Igualmente, as precipitações também estão irregularmente distribuídas no tempo; embora se possa usar, nalguns casos, uma «rega de emergência» para salvar culturas, numa altura de seca excepcional, o mais adequado será fazer-se a criteriosa selecção das espécies, variedades e cultivares, mais apropriados aos factores climatéricos. Tem também aqui lugar uma genética agrícola, respeitando e tirando partido das características do ecossistema. 
Mas a escassez e/ou irregularidade das precipitações ao longo do ano, faz com que a água seja o factor limitante. 

Pinheiros no campo, quadro a óleo de E. H. Gandon

O abandono dos campos, principalmente na Beira interior e no Alentejo, ao longo de meio século, fez com que se criasse e alargasse a mancha de «deserto verde» ou «floresta de produção», baseada no eucalipto, cujo único escoamento é a produção de pasta de papel. 
Um motor deste fenómeno foi o facto de que, só assim, podiam obter das terras um rendimento pecuniário os proprietários absentistas, perante a quase ausência do trabalho assalariado.  Desde a década de 1960 até hoje, os trabalhadores agrícolas têm emigrado massivamente para as cidades do litoral ou para países europeus com necessidade de mão-de-obra. A emigração rural, o abandono da agricultura, propiciou ainda mais o alargamento do «deserto verde», que impediu na prática a  manutenção das comunidades, obrigando a um maior êxodo, num ciclo vicioso...

Quando penso nisto, fico muito triste, porque é um lento e frio assassinato de um país, de uma cultura, de um povo, de um saber agrícola (que deixou de estar...) enraizado na memória.

As pessoas jovens que estão sem emprego ou com um emprego de má qualidade (mal pago, precário) podiam formar cooperativas e reconverter-se à agricultura. 

Penso que um país com boa sustentabilidade alimentar terá um melhor viver e guardará capacidade para se desenvolver nos restantes sectores. Pelo contrário, a indústria, nesta fase de transição energética, só poderá ter futuro, se não for baseada no petróleo.
A aposta «fácil» mas não sustentável (aqui, em Portugal) é o turismo, que se desenvolve no curto prazo. Deixa determinados sectores inflacionados, tais como o imobiliário e restauração, mas sem reprodução do capital e dos saberes. Pode o turismo ser uma alavanca, mas apenas se este sector for integrado com o sector agrícola e das pescas, numa visão de longo prazo. 

Gostaria de saber a tua opinião sobre este assunto.
 Escreve para manuelbap2@gmail.com
Obrigado!
Manuel Banet 





quarta-feira, 4 de outubro de 2017

SEMENTES DE DESTRUIÇÃO (OGM) F. W. ENGDAHL

Nesta conferência F. W. Engdahl dá uma série de razões que demonstram que os Rockefeller e outros se dedicaram a concretizar projectos de eugenia e de redução programada da população (malthusianismo).
É assustador porque é absolutamente não demagógico, só factos, muito documentado.


quarta-feira, 17 de maio de 2017

EPIGENÉTICA - O NOVO PARADIGMA

Pergunto-me algumas vezes por que motivo alguém precisa de uma narrativa que a «desculpabilize» pelos seus fracassos pessoais. Já deve ter acontecido consigo que alguém lhe venha alegar traumas de infância ou relacionamentos infelizes na vida adulta, para «justificar» as suas falhas, a sua incapacidade em enfrentar as dificuldades da vida. 
De facto, muitas pessoas gostam de ser «assistidas», como se se tratasse de pessoas padecendo de doença, que precisavam de cuidados de saúde.  
Poucas pessoas assumem a sua própria «governança» e se auto-programam no sentido de serem aquilo que querem ser. 

Deparei-me com um vídeo, que coloca muitas perguntas, além de que vai buscar elementos de compreensão a um ramo da ciência biológica que eu tenho particularmente acompanhado, ao nível de artigos de divulgação. Como biólogo, tive o privilégio de trabalhar em estágio num laboratório dedicado, nos anos 80 do século passado, à expressão dos genes. Hoje em dia, os trabalhos dessa época seriam classificados como «epigenética». Simplesmente, o vocábulo não tinha ainda sido inventado ou não lhe era dado o significado que é dado hoje.

Acredito que existe algo de muito fundamental no «apoderamento» (empowerment) que faz com que o nosso Eu sub-consciente se encarregue de muitos dos comportamentos, visíveis ou não. A atitude interior, por oposição ao «teatro social» é aquilo que impulsiona as pessoas, não pela decisão do seu Eu racional, mas impulsionadas por várias forças. 

O Dr. Lipton tem razão - com certeza - ao apontar os programas comportamentais que estão «engramados» no nosso cérebro, que foram adquiridos entre os 0 e 7 anos. É um reportório de base, que todas as crianças adquirem num estado de recetividade extraordinária, semelhante à hipnose. Os muito pequeninos fazem por instinto, aprendem por instinto, tudo neles é instinto... são «bolinhas de afecto». 
Por isso, não me custa aceitar que estejamos todos programados socialmente, a um nível profundo, pela vivência na tenra infância. Também concordo com o entrevistado em relação ao papel dos genes como «plantas do edifício» (blue prints) ou seja, algo que contém as informações para construir edifícios ou pequenas máquinas maravilhosas (as proteínas) as quais serão ativas, a vários níveis, nas células e no corpo. 
Mas os genes não são ativos ou inativos: aqui reside o cerne da viragem de um paradigma para outro, ou seja... o sistema é que «decide» transformar essa potencialidade, o gene, em algo que irá ter expressão no corpo. Assim, nós já não estamos sujeitos à fatalidade do gene, o gene que «determina» uma doença ou uma característica não é - por si só - determinante de coisa nenhuma. 

Isto era sabido, evidentemente, desde o início da genética, nas primeiras décadas do século XX (como descrevo no livro «Génese e Genes»). Porém, a formulação «popular» acabou por tomar conta da forma de pensar dos médicos e cientistas e estes acabaram por raciocinar - e portanto também por agir - «como se» fossem os genes os protagonistas.

A possibilidade de um indivíduo moldar muito do seu ambiente próximo, aproveitando-o bem ou menos bem, traz como consequência que somos largamente responsáveis pela nossa saúde, pelo nosso estado, por tudo o que nos acontece. 
A predisposição para uma determinada afeção pode existir pelo hábito, pela atitude relativa ao complexo de variáveis ambientais que nos influenciam ou não. 
Por exemplo, se tivermos um comportamento responsável em relação ao nosso corpo, comendo comida saudável, equilibrada, fazendo exercício físico adequado à nossa pessoa e às circunstâncias em que nos encontramos... a probabilidade de cairmos doentes, mesmo de doenças transmitidas por agentes biológicos (vírus e bactérias...) diminui enormemente, em relação à média da sociedade. 
Isto deve-se ao facto de que - na sua grande maioria - os comportamentos dominantes e com interferência no estado de saúde geral são largamente negativos, irracionais, pulsionais... 

Também acredito que uma mudança de paradigma tenha implicações no modo como nos relacionamos socialmente; um grande empenho coletivo em realizar determinado objetivo, por estranho que pareça, é mais importante que a justeza teórica, racional, do mesmo. 
Infelizmente, quem nos manipula usa isso para o pior. Os demagogos servem-se das multidões, do desejo inconsciente de homens e mulheres, em serem tratadas como crianças e conduzidas a «acreditar» em algo, com toda a força, assim como as crianças o fazem em relação aos seus pais. 
Note-se que - na criança - isto é lógico e biológico: ela não tem dúvidas de que os seus progenitores querem o seu bem, o que - em geral - é o caso. Por isso, faz todo o sentido para a sua própria defesa, para a sua sobrevivência. 
Todas as pessoas têm um lado de criança, todas têm nostalgia de quando eram cuidadas pela mãe e se alimentavam tanto do seu amor, como do leite materno.

As proibições e os medos no indivíduo adulto são oriundos dum «superego» que lhes é incutido desde pequeno, com programas comportamentais altamente supressores da criatividade, da liberdade e da autonomia individual. 
Mas o que é importante para a sociedade em geral é justamente a capacidade dos indivíduos acrescentarem algo de original, de serem criativos. 
Para que prevaleça realmente este objetivo na educação, a sociedade deverá ser mais baseada na entre-ajuda e na fraternidade, como uma grande família (uma visão comunista autêntica, que nada tem que ver com o bolchevismo). 
No entanto, ela tem os seus gérmenes agora, pois as crianças são propensas a comportamentos de partilha e de entreajuda, de compaixão, de empatia, também em relação a animais, não apenas aos seus colegas... 
O que se chama agora de educação não é mais do que um amestrar, que coloca vendas nos olhos das crianças e adolescentes, fazendo deles dóceis e condicionáveis, para serem «bons» trabalhadores nesta sociedade em que 99% tem de obedecer a um ou vários patrões... 
Dentro desta sociedade, a criatividade não interessa; apenas a submissão é premiada, apontada como modelo: a reprodução de ideias erradas, mas que servem os propósitos das «elites», são constantemente papagueadas, nas escolas e nos media. 

Neste contexto, sair da «matrix» pode custar esforço e coragem, pois implica um risco real. No mínimo, implica uma certa solidão ou isolamento, devido à incompreensão no meio circundante... e nós sabemos que precisamos uns dos outros, que não podemos viver, senão em sociedade.

A possibilidade de vivermos de acordo com os nossos sonhos profundos existe, no entanto.
Todas as coisas que queremos realmente, nas nossas vidas acabam por realizar-se, mas não do modo como fantasiámos que iriam acontecer. 
Eu verifico isso aos 62 anos, na minha vida pessoal: tudo o que desejei profundamente realizou-se; tudo o que eu próprio sou agora, teve sua génese na minha própria existência, numa vivência que foi largamente influenciada pelo meio em que mergulhei, em várias circunstâncias e pela minha resposta, em cada caso, a esses desafios. 
Por outras palavras, construí-me a mim próprio. Isto não tem nada de extraordinário; é realmente comum a todos. 

Ao fim e ao cabo, o fator principal é a nossa intenção deliberada, aquilo que é nosso profundo desejo de realização. Este é um fator muito mais potente do que imaginamos. 
A determinação dos genes é muito relativa. Como biólogo geneticista eu sei isto de longa data e tenho surpreendido pessoas leigas nesta ciência ao lhes dizer isso mesmo...