Não é de pouca importância para a paleoantropologia, como também possui enorme significado para a humanidade de hoje, pois muitos milhões de humanos contemporâneos são portadores de 2-4% de sequências denisovanas no seu genoma.
PROF. SHAUL STAMPFER (UNIV. HEBRAICA DE JERUSALÉM):
O prof. Stampfer apresenta argumentos que invalidam a lenda do rei Khazar ter-se convertido ao Judaísmo e o povo do seu reino, juntamente com ele.
Creio que o reino Khasar, embora muito real, estava tão longe de Espanha, que era fácil fazer passar por verídica, uma história forjada. Na Idade Média, as pessoas ignoravam praticamente tudo da Geografia e da História de regiões longínquas.
É um caso interessante de falsificação e de persistência de um mito. Qual o interesse em perpetuar uma história que assenta sobre praticamente nada?
Uma hipótese, é de que o mito da conversão Khazar seria uma explicação para as diferenças genéticas entre judeus Ashkenazi (do Centro e Leste Europeu) e judeus Sefarditas (Península Ibérica e bacia mediterrânica).
Recentemente têm sido feitos estudos de genética molecular, com o objetivo de esclarecer as origens das várias populações de judeus. Numerosos dados de sequências foram obtidos, nomeadamente:
- A sequenciação de amostras de ADN autossómico, do cromossoma Y e do cromossoma mitocondrial. Num extenso artigo de revisão (*), pode ler-se a seguinte conclusão:
«Still, in spite of repeated efforts, there is no agreed upon criterion to identify Jews, and samples examined for the distribution of biological or molecular markers all depend on the preconceived biases of the investigators. Races, it is assumed, may differ in inherent properties that are evaluated differentially. But races are not biological-meaningful classification entities. And if so, why is racism a bad property? The answer must be: Because it provides socio-cultural justifications for discrimination on the basis of presumed and irrelevant biological properties.»
[Este artigo é a
continuação da Parte I - ver aqui]
É muito difícil, senão impossível para nós, que não somos arqueólogos (e até
para arqueólogos profissionais) colocar em contexto uma pré-história que se
estende desde mais de 15 mil anos, até cerca de 3000 anos do presente. Mas eu
tento aqui fazer a síntese pessoal das leituras que tenho feito, esperando que
outras pessoas aproveitem algo. O ideal seria que sejam também
estimuladas a descobrir e avaliar os dados, que vão sendo descobertos e
divulgados por antropólogos e arqueólogos.
É de assinalar uma diferença
notável entre o modo como se pensava que as grandes mudanças tiveram lugar e a
realidade que se vem descobrindo, graças ao uso em larga escala (que permite
uma abordagem estatística) do ADN antigo, assim como o seu confronto com o ADN
das populações contemporâneas:
- Com efeito, as mudanças
culturais, acreditava-se, ocorriam sobretudo de contactos, de trocas, da
adopção de novas técnicas: mas - na realidade - este modelo «continuista» das
transformações sociais, para as etapas mais longínquas da pré-história, ficou
posto em causa, se as interpretações dos resultados com ADN antigo são
correctas.
Por exemplo, os progressos
do modo de vida agro-pastoril, a chamada «revolução neolítica», foram muito
lentos: demorou milénios a propagar-se desde o Crescente Fértil, até aos vários
recantos da Europa ocidental e nórdica:
- os
natufianos, no que é hoje Israel, e outros de uma região que se
estende desde o presente Iraque à presente Turquia, foram os povos onde
emergiram as primeiras práticas agrícolas há cerca de 15 mil anos, com
domesticação/hibridação dos cereais a partir das gramíneas selvagens da
região. Porém, na Península Ibérica, este modo vida não pode ter
surgido muito além de 7500 anos atrás (dados
arqueológicos disponíveis).
O intervalo temporal que
separa o início das práticas agrícolas pelos natufianos e pelos primeiros
iberos, é afinal de contas, sensivelmente o mesmo (7500 anos) que medeia entre
esses mesmos iberos do Neolítico e nós próprios!
Parecia que esta difusão
ultra-lenta fosse devida a uma conversão progressiva dos povos
caçadores-recolectores, em povos agro-pastoris.
Porém, estudos
com ADN antigo parecem indicar que houve aparecimento de haplotipos
novos na Europa central, depois ocidental e por fim, na Ibéria. Na mesma época,
certos haplotipos das populações ancestrais de caçadores-recolectores quase
desapareceram. Isto significa que houve populações invasoras, que substituíram
- em grande parte - populações paleolíticas locais.
Os dados são consistentes com uma invasão seguida de miscigenação em
que os indivíduos autóctones do sexo masculino - apenas - são excluídos da
reprodução, como acontece quando há massacres e/ou escravização massiva dos
dominados. Tal cenário seria a explicação mais plausível para o quase
desaparecimento dos haplogrupos típicos das populações paleolíticas,
anteriores à invasão. Em reforço desta hipótese,
observa-se uma continuidade dos tipos mitocondriais ancestrais (transmitidos
por via materna, exclusivamente), o que é coerente com a tal hipótese da
invasão. Com efeito, os invasores casam com as mulheres da população autóctone. Note-se que os haplotipos
acima referidos são variantes ou «marcadores» dos cromossomas Y. Não conferem -
em si mesmos - «vantagem» ou «desvantagem» aos seus portadores. Não se aplica, portanto, o
modelo de «selecção natural» de certas variantes genéticas. Estas mudanças são
afinal o vestígio, na herança genética, do que poderá ter sido uma limpeza
étnica ou genocídio dos autóctones pelos invasores.
Além disso, constata-se que
o fenómeno de substituição de haplotipos está mais presente nas zonas da Europa
central, do que em regiões periféricas e de difícil conquista: Não apenas a
Ibéria, como muitas populações do Norte da Europa, incluindo as Ilhas
Britânicas.
Existem numerosas evidências de que estas populações continuaram durante milénios,
em plena «era neolítica», o seu modo de vida de caçadores-recolectores, apesar
de contactos e vizinhança com outras populações, agro-pastoris, que se tinham instalado próximo dos territórios dos
primeiros.
Uma
densidade populacional fraca tornou possível a manutenção de modos de
vida radicalmente diferentes, a pouca distância. Os
caçadores-recolectores, desde que tivessem condições, não se deixavam
facilmente render ao novo modo de produção. Pode ter havido uma esporádica
troca de bens e até miscigenação numa pequena escala; porém, uns e outros
conservaram suas tradições e modos de vida respectivos.
Compreende-se hoje que o
modelo «continuista» da propagação do modo de produção agrícola e das inovações
culturais associadas, seja uma projecção, uma construção ideológica
inconsciente.
A propósito destas questões,
vale a pena ver e ouvir a conferência de Krause, abaixo:
“I am especially interested by one issue: It is possible, maybe even likely, that an important fraction of the genetic medical variation that we find in our species arose in the last 10,000 years. Such variation/adaptation may be the result of the intense cultural development that led to agropastoral economies, a lifestyle that introduced major differences in the lives of large sections of humanity in almost every part of the world.”
Penso que não podia haver citação mais apropriada para encabeçar o tema em estudo, que a de Cavalli-Sforza, que morreu a 31 de Agosto deste ano.
Com efeito, ele liderou um projecto internacional em que se tentava fazer a «história dos povos sem história». Tendo, por um lado, marcadores genéticos (de amostras sanguíneas de populações contemporâneas) e por outro, as famílias linguísticas a que pertencem esses mesmos povos; suas afinidades, quer genéticas, quer linguísticas, permitiam fazer uma gigantesca árvore da família humana. Era notória a sobreposição das árvores construídas apenas com dados de genética, com as que utilizavam os dados da linguística. O conhecimento das migrações, por outro lado, era a dimensão geográfica indispensável, quer para compreender as afinidades e diferenças genéticas, quer as de língua e cultura.
O processo de isolar, purificar e sequenciar ADN antigo, desenvolvido pelo Prof. Svante Pääbo no laboratório de Antropologia Evolutiva do Instituto Max Planck de Leipzig, permitiu um avanço espectacular na paleo-antropologia e trouxe-nos uma maior compreensão dos mecanismos de humanação: - quais foram os processos genéticos, populacionais, evolutivos, que levaram as espécies ancestrais - homininos - a se transformarem na nossa espécie? Pelas estimativas mais recentes, a espécie Homo sapiens existe há cerca de 300 mil anos, enquanto as várias espécies da linhagem «Homo» surgiram há milhões de anos.
A grande surpresa decorrente dos trabalhos de Pääbo e colaboradores, sobre ADN de Homo neanderthalensis é a de que parte significativa do seu ADN (1 a 3%) está presente nas populações europeias e asiáticas contemporâneas. Isto significa claramente que, num passado remoto, houve cruzamento dos humanos «modernos» com os neandertais.
Além de neandertais, existem provas de que houve cruzamento com outras espécies... O nosso ADN é, afinal de contas, um «puzzle» de ADN originário de várias espécies ancestrais.
No entanto, o desenvolvimento da tecnologia com ADN antigo não se ficou pelas formas mais ancestrais da nossa espécie, ou das espécies extintas aparentadas. A inovação técnica permitiu recuperar e purificar ADN fortemente danificado e contaminado e isso permitiu estudar genomas de muitos restos humanos fósseis, contendo ADN em más condições de conservação, o que antes seria impossível.
Assim, ADNs de ossos fossilizados de muitos e diversos povos, com 12 mil a 4 mil anos em relação ao presente, correspondentes ao neolítico (idade da pedra polida), ao calcolítico (idade do cobre) e à idade do bronze, foram sequenciados e fizeram-se estudos estatísticos da disseminação de variantes de genes e de «loci» particulares, os SNPs (Single Nucleotide Polimorphisms).
As partes mais interessantes do genoma, para este género de estudos de genética, correspondem a dois tipos particulares de material genético:
- O ADN mitocondrial, de transmissão materna exclusivamente: somente recebemos mitocôndrias, com seus genes próprios, das nossas mães; dos espermatozóides, apenas recebemos o ADN dos 23 cromossomas nucleares.
Isto tem a ver com a possibilidade de isolar tais moléculas, relativamente pequenas, por isso, menos danificadas, mesmo quando o ADN cromossómico restante está demasiado danificado.Por outro lado, este ADN permite traçar linhagens em intervalos de tempo longos. Com efeito, não existe, nem no ADN do cromossoma Y, nem mitocondrial, possibilidade de recombinação.
David Reich e sua equipa trouxeram dados muito interessantes nesta investigação: compararam o ADN ancestral proveniente de sítios arqueológicos da região do Cáucaso, onde se crê que foi originada a grande migração «indo-europeia», com amostras de diversas populações contemporâneas, por toda a Europa, Médio-Oriente, Pérsia e Índia.
A propósito das migrações destes povos nómadas, já se possuíam dados sobre disseminação linguística, assim como artefactos e técnicas (cultura material), indicando que uma nova cultura «invadiu» o espaço europeu, num espaço de tempo breve.
Mas não se podia discriminar, com as técnicas tradicionais da arqueologia, se tinha havido apenas uma propagação cultural ou, em alternativa, migrações propriamente ditas.
- Como é que surgiram e se disseminaram as práticas agrícolas, como viviam as primeiras comunidades agro-pastoris?
- Como se transformaram estas, de forma que tenham surgido as primeiras cidade-Estado, das primeiras civilizações propriamente ditas, com poder centralizado, com religião formalizada em templos, com castas, etc.?
... Sobre a «revolução neolítica», estas e muitas outras questões se podem colocar...