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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

EM DEFESA DOS BURROS

                       Voice of a...donkey? Rescue animal with incredible vocal range goes viral (VIDEO)

                  https://www.rt.com/business/450405-pakistan-donkeys-export-china/

Uma notícia muito séria (ver acima), sobre exportação de burros do Paquistão para a China, esteve na origem desta reflexão.
Sabemos que o burro é tido - nas fábulas e nos provérbios - como um animal extremamente estúpido, limitado, teimoso.

Este retrato do burro é absolutamente injusto, pois o asno não tem menos inteligência que qualquer outro equídeo. Simplesmente, as imaginações românticas vêem, no cavalo, o animal «nobre», um animal muito dedicado ao seu dono, etc...
Ora, na verdade, quase ninguém tem contacto quotidiano com cavalos. Praticamente, não se vêem cavalos no dia-a-dia: apenas em filmes ou em concursos hípicos, ou nas guardas de honra aquando das visitas de presidentes estrangeiros... Daí que  lhe seja atribuída uma «nobreza» de carácter e muitas outras virtudes, porque é usado, actualmente, em situações de aparato, de gala, ou de desporto  de alta competição. 
O cavalo - como todo o animal domesticado - foi sujeito a selecção. No tempo em que a força animal era praticamente exclusiva, houve raças dedicadas ao transporte, ao trabalho nos campos, assim como à guerra, etc. 
Os cavalos que conhecemos são fruto de 5 mil anos de selecção pelos humanos. Os poucos cavalos selvagens que restam nas estepes Ásia Central mais se parecem com burros, na verdade, pela sua anatomia. 
Quanto aos burros, eles foram também usados em larga escala, durante sensivelmente o mesmo tempo que os cavalos. Mas, as suas características fizeram do burro um animal ideal para o transporte e os trabalhos agrícolas. É muito mais resistente que o cavalo, capaz de se contentar com uma ração menos nutritiva.
Porém, o burro tem outras características muito interessantes, em si mesmo. 
O preconceito social é que impede as pessoas de compreender que o burro é um animal com uma inteligência bastante maior, da que lhe é atribuída.
Tem uma grande paciência, não se enfurece facilmente, embora o coice de burro possa ser mortífero; colabora com o seu dono e transporta-o sem fazer capricho...
«Mais vale burro que me carregue do que cavalo que me derrube» (um provérbio popular, já existente antes de mestre Gil Vicente o ter para sempre celebrizado na «Farsa de Inês Pereira»).

Nos países do Norte da África, que eu visitei e em muitos outros, que apenas conheço indirectamente, o burro continua a ser um animal essencial como ajudante nos trabalhos agrícolas e no transporte de bens para os mercados. 
Na minha infância (há quase 60 anos), viam-se burros a puxar carroças, que entravam em Lisboa - pela praça de Espanha - de madrugada,  e se dirigiam para os diversos mercados (nessa altura, não havia super e hiper mercados) com os produtos hortícolas e frutícolas da região saloia. 
No interior norte de Portugal, principalmente, é vulgar a presença de burros nos campos e nas estradas, transportando toda a espécie de produtos ou alfaias.

Se faz sentido ou não, do ponto de vista económico, tal como no Paquistão (ver notícia acima), desenvolver a criação de burros em Portugal ... não sei. 
Mas o facto é que existem raças de burros, tal como existem de cavalos. Estas raças podem ter um potencial genético muito apreciado para determinados fins. 
Sabemos que a coudelaria de Alter do Chão é muito célebre pela qualidade dos seus cavalos, de raça Lusitana. É bem possível que faça sentido existir algo equivalente para as raças autóctones de burros. Penso que algumas poderão estar em vias de extinção.  
Mesmo que a conservação das raças autóctones de burros não pareça prioritária para pessoas desprevenidas, parece-me que existe todo o interesse - e não apenas da ciência - em conservar a sua diversidade genética.
Afinal de contas (tal como o cavalo) o burro é um produto de milénios de criação, cruzamentos selectivos, apuramento de raças. 
Como qualquer outro animal doméstico, a espécie burro/asno e todas as suas raças são património da cultura, da história, do saber humanos.   

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

DO NEOLÍTICO À IDADE DO BRONZE (PARTE IV *)

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                 Carro da idade do bronze, com c. 4000 anos

Se a sequenciação completa do genoma humano trouxe uma série de surpresas (mas isto seria tema para outro artigo) a descoberta de ADN antigo de várias proveniências e o seu relacionamento com o ADN das pessoas contemporâneas tem um papel igualmente desestabilizador relativamente às «certezas» das origens deste ou daquele povo. 
Hoje, iremos ver como é que um povo - os yamnaya - oriundo de uma zona entre as montanhas do Cáucaso e o Mar Negro, chamada o Ponto, se expandiu há cerca de 4500 anos atrás, espalhando os seus genes - como comprovado pelo ADN antigo - mas também a sua língua, o proto-indo-europeu, de onde derivaram quase todos os idiomas actuais da Europa e também do Próximo-Oriente, da Pérsia e do Norte da Índia.
Com efeito, contrariamente ao que se pensava, o modelo de transformação de uma cultura noutra por influências, «continuísta», não é o mais adequado, sendo antes a ruptura decorrente de invasão e conquista, uma modalidade de transformação que se afirma cada vez com maior nitidez, à medida que o ADN antigo vai sendo mais utilizado nos estudos.
Segundo os estudos com ADN antigo, os haplotipos autóctones (presentes no cromossoma Y) são substituídos, há cerca de 4500 anos atrás, seguidos de transformações em muitos aspectos tecnológicos, como as cerâmicas cordiformes, sepulturas de novo tipo, formando pequenas colinas artificiais e rituais diferentes de sepultamento, sepulturas individuais em vez de colectivas. Tudo o que se conhece nesta transição, indicia uma mudança de uma sociedade relativamente igualitária, para uma fortemente hierarquizada. 
Esta modificação teria mesmo sido acompanhada pelo desaparecimento completo dos autóctones do sexo masculino na Península Ibérica, como refere David Reich (1).

A domesticação do cavalo (2) e a utilização da roda radiante (ao contrário da roda de madeira sólida) tornando mais leves e ágeis os carros de guerra, terão sido os meios que permitiram a rápida conquista dos Yamnaya. 
Eles invadiram em ondas sucessivas, ultrapassando as grandes estepes e planícies a leste do Danúbio e do Elba, até ao Oeste do continente europeu, até o Atlântico. A data da conquista de Península Ibérica terá sido um pouco mais tardia, mas nem por isso foi menos avassaladora, ou mesmo, brutal.  
As hostes eram compostas essencialmente por homens; as mulheres não seriam mais do que um décimo da população em migração. Sabemos isso, pelo rasto do ADN antigo de haplotipos de  mulheres yamnaya, em populações europeias ocidentais após a invasão.
Houve portanto formação de descendentes híbridos entre homens yamnaya e mulheres autóctones. 

Note-se que ocorreu outra substituição de haplotipos típicos de uma população masculina autóctone de caçadores-recolectores, com aparecimento de novos haplotipos, oriundos de populações que já praticavam agricultura, muitos milénios antes (cerca de 10 mil anos antes do presente), aquando da transição do Paleolítico tardio para o Neolítico. Na Península Ibérica, o processo terá ocorrido há cerca de 8000 anos, bastante mais tarde que em relação ao centro da Europa. 
As migrações que espalharam as culturas do Neolítico na Europa deixaram rasto nos ADN dos cromossomas Y: verifica-se uma substituição não a 100%, mas da ordem de 80%. 
Por contraste, nas invasões do fim da idade do cobre (Calcolítico), início da idade do bronze, observa-se uma substituição total dos haplotipos anteriores (masculinos). Os especialistas em dinâmica populacional (3) da antiguidade colocam portanto a hipótese de que existiu uma guerra de extermínio e escravização dos sobreviventes, com tomada das mulheres dos povos submetidos pelos guerreiros invasores.

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Não sou a pessoa indicada para escrever em detalhe sobre as mutações (4) que sofreu o continente europeu, ao longo dos milénios do que se convencionou chamar a pré-história. 
Apenas gostava de chamar a atenção para o facto de haver muitas culturas esquecidas do grande público, do imaginário colectivo, apenas estudadas pelos eruditos. Mesmo as várias narrativas da antiguidade, que referem povos como os «filisteus» (Bíblia), ou os «troianos» (Ilíada), têm contribuído para uma visão parcial dos mesmos; só agora, com a arqueologia contemporânea, podem ser plenamente reavaliados. 



(1) A genetic analysis has revealed that, about 4500 years ago, part of southern Europe was conquered from the east. In what is now Spain and Portugal, the local male line vanished almost overnight, and males from outside became the only ones to leave descendants.
David Reich of Harvard Medical School in Boston, Massachusetts presented the results on Saturday at New Scientist Live in London, UK.
https://reich.hms.harvard.edu/

domingo, 22 de janeiro de 2017

ALGUNS ENCONTROS COM ANIMAIS

1/ O cavalo branco apascentava calmamente no monte, lá ao longe, na orla de um formoso bosque. Ele apareceu-me várias vezes. Nunca pude decidir se o cavalo era alucinação ou se era real. O monte e o bosque são visíveis nas traseiras da minha casa. Sempre que olho para lá, lembro-me da estranha visão, que nunca mais voltei a ter.
2/ No pino do Verão, vi uma linda serpente, de mais de um metro de comprimento, estendida sobre o muro do jardim. Eu tive todo o tempo para a observar da janela. Depois dum pedaço, deslocou-se com movimentos ondeantes. Rastejou para um matagal nas traseiras, uma propriedade abandonada. Não tive receio; fiquei fascinado com a ondeante sensualidade de sua locomoção tranquila.
3/ Os gatos das redondezas, embora eu não lhes dê comida, vêm ao jardim, terreno seguro e calmo para eles. Eu não os enxoto. Costumam preguiçar à sombra das tuias. Não fogem quando entro pelo portão do jardim, apenas me fixam tranquilos com o seu olhar.
4/ Um cão de guarda da vizinha, um são bernardo, está sempre a vigiar quem passa atrás do portão. Considero-o um amigo pessoal, que cumprimento de formas diversas, sempre que passo frente deste portão. Ele exprime alegria efusiva, pulando e ladrando, quando me vê, no meu regresso, após uma curta ausência de alguns dias.
5/ Sonho, frequentemente, com aves; sobretudo com gaivotas, com maçaricos e outras aves da orla marítima. Estou sempre atento às aves selvagens, esteja eu onde estiver.
6/ Estava uma vez, num cocktail, no último piso dum hotel em Lisboa. Vi através da larga vidraça o que me pareceu ser um falcão ou águia de pequeno porte. Aterrou num rebordo imediatamente abaixo da janela envidraçada do restaurante panorâmico. Depois desta insólita visão, decidi investigar se  aves tipicamente selvagens fazem incursões dentro das cidades. Foi então - e só então - que soube tratar-se de um fenómeno relativamente vulgar...
7/ Ouvi, num recinto público, o canto melodioso duma ave, muito diferente de tudo quanto estou habituado a ouvir. Tentei observar a ave canora pela janela, mas não consegui. Gosto de ouvir o canto das aves e tento identificar as espécies correspondentes. Estranhamente, o mesmo fenómeno ocorreu algumas semanas depois, exactamente no mesmo local.
8/ Sonhei com uma estrela-do-mar, que se encontrava na zona de rochas entre duas praias, próximo de minha casa. Na manhã seguinte, como de costume, fiz um passeio à beira-mar. Lá estava ela, morta ou moribunda, sobre a areia da praia, virada para cima. Escrevi um conto/poema sobre este encontro.
9/ Na mesma zona costeira vi um grande cardume de peixes bastante grandes, do alto de falésias, durante uma das minhas caminhadas quotidianas. Olhei para baixo e vi o mar, o substrato rochoso, as zonas que ficam acima e abaixo do nível do mar. Nunca tinha observado tal espectáculo embora muitas vezes veja o dorso prateado de peixes que aparecem à superfície das ondas. Mas desta vez, cada peixe era perfeitamente visível à transparência das águas calmas. Contei para cima de uma dúzia. Aproveitavam a maré para se chegar à zona intertidal. Nunca mais vi algo assim, pelo que talvez tenha observado o raro momento da desova, neste recanto calmo e nutritivo para a nova geração.