Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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terça-feira, 7 de setembro de 2021

[John Pilger] O GRANDE JOGO DE DESTRUIR NAÇÕES*

saur revolution afghanistan

Fig. 1: A real revolução popular no Afeganistão foi em 1978. Desde então, o que aconteceu foram esforços liderados pelos EUA para derrubá-la, apoiando as milícias direitistas do islamismo radical...



                                          Fig.2: Mulheres afegãs sob o regime talibã, em 2000**

* TRADUZIDO DE http://www.informationclearinghouse.info/56741.htm

Por John Pilger 

06-09- 2021

 No momento em que um tsunami de lágrimas de crocodilos submerge os políticos ocidentais, a História tem sido suprimida. Há mais de uma geração, o Afeganistão conquistou a sua liberdade, que os Estados Unidos, Grã Bretanha e seus «aliados» destruíram.

Em 1978, um movimento de libertação liderado pelo Partido Democrático Popular do Afeganistão (PDPA) derrubou a ditadura de Mohammad Dawd, um primo do rei King Zahir Shah. Foi uma revolução imensamente popular que tomou de surpresa os britânicos e americanos. 

Os jornalistas estrangeiros em Cabul, segundo relata o «New York Times», ficaram surpreendidos por descobrirem que «quase todos os afegãos entrevistados estavam encantados com o golpe». O «Wall Street Journal» noticiava que   “150,000 pessoas … defilaram para honrar a nova bandeira … os participantes aparentavam um entusiasmo sincero.”

O «Washington Post» assinalava que “A lealdade dos afegãos para com o governo não poderá ser contestada.” Um programa de governo onde secularismo, modernidade e num grau considerável, socialismo foi declarado, incluindo reformas progressivas como a igualdade de direitos para as mulheres e para as minorias. Os prisioneiros políticos foram libertados e as fichas policiais queimadas em público. 
Sob a monarquia, a esperança de vida era de 35 anos; um em cada três crianças morria na infância. Noventa por cento da população era analfabeta. O novo governo introduziu a gratuidade na assistência médica. Uma massiva  campanha de alfabetização foi lançada.
Para as mulheres, os ganhos não tinham precedente; nos finais de 1980, metade de estudantes universitários eram mulheres. Eram mulheres cerca de 40% dos médicos afegãos, 70 % dos professores e 30% dos funcionários públicos. 

Apoiados pelo Ocidente

As transformações eram tão radicais que permanecem vívidas na memória das que delas beneficiaram. Saira Noorani, uma cirurgiã que fugiu do Afeganistão em 2001, recorda:
“Qualquer moça podia ir ao liceu e à universidade. Podíamos ir onde queríamos e vestir o que nos agradasse .... Costumávamos ir a cafés e ao cinema, ver os últimos filmes indianos à Sexta-feira.... tudo começou a andar para trás quando os mudjahedin começaram a vencer …estes tinham o apoio do Ocidente.”
Para os EUA, o problema com o governo do PDPA era que tinha o apoio da União Soviética. Nunca foi o governo-fantoche caricaturado pelo Ocidente, nem o golpe contra a monarquia foi “com o apoio soviético,” como a imprensa americana e britânica referiam na altura.
O Secretário de Estado do Presidente Jimmy Carter, Cyrus Vance, escreveu mais tarde, nas suas memórias: “Não tínhamos evidências de qualquer cumplicidade dos soviéticos no golpe.” Na mesma administração,  Zbigniew Brzezinski era conselheiro de Carter para a segurança nacional, um emigrado polaco, fanático anticomunista e extremista moral, cuja duradoira influência sobre os presidentes americanos se extinguiu somente com a sua morte, em 2017.
A 3 de Julho de 1979,  sem dar conhecimento ao povo americano e ao Congresso,  Carter autorizou um programa de 500 milhões de dólares, para "ações encobertas" para derrubar o primeiro governo afegão, secular, progressista. Tinha o nome de código da CIA de «Operation Cyclone».
Os 500 milhões compraram, corromperam e armaram um grupo de zelotas religiosos e tribais, os mudjahedin. Na sua história oficiosa, o repórter do «Washington Post», Bob Woodward, escreveu que a CIA gastou cerca de 70 milhões, somente em subornos. Ele relatou o encontro dum agente da CIA designado por “Gary” e um senhor da guerra, chamado Amniat-Melli:
“Gary colocou sobre a mesa um montão de notas de banco: 500 mil dólares empilhados em blocos com um pé de espessura, de notas de 100 $. Ele achava que seria mais impressionante que a soma de $200,000, mais frequentemente usada; seria a melhor forma de dizer que estamos aqui, é a sério, aqui está o dinheiro, nós sabemos que vocês precisam … Gary pediria, em breve, ao quartel-general da CIA, mais $10 milhões em dinheiro líquido e recebê-os.”
Recrutados em todo o mundo muçulmano, o exército secreto da América foi treinado em campos no Paquistão geridos pelos serviços secretos paquistaneses, pela CIA e pelo MI16 britânico. Outros, foram recrutados num colégio islâmico de Brooklyn, em Nova Iorque – à vista das «Twin Towers». Um dos recrutas era um engenheiro saudita chamado Osama bin Laden.
O objetivo era de espalhar o fundamentalismo islâmico na Ásia Central, desestabilizar e destruir a União Soviética.

‘Interesses Mais Amplos’

Em Agosto de 1979 a embaixada dos EUA em Cabul comunicou que «os interesses mais amplos dos EUA … seriam servidos pela derrota do governo do  PDPA, apesar de quaisquer inconvenientes que isso possa trazer às reformas económicas e sociais futuras no Afeganistão
Leia de novo as palavras acima que coloquei em itálico. Não é frequente que tão cínica intenção seja enunciada de forma tão clara. Os EUA estavam a dizer que um governo genuinamente progressivo e os direitos das mulheres afegãs podiam ir para  o diabo.  
Após seis meses, os soviéticos fizeram o erro fatal de entrarem no Afeganistão em resposta à ameaça djihadista, criada pelos americanos à sua porta. Armados com mísseis stinger, fornecidos pela CIA e celebrados como «libertadores» por Margaret Thatcher, os mudjahedin acabaram por obrigar o Exército Vermelho a sair do Afeganistão.
Os mudjahedin estavam dominados por senhores da guerra, que controlavam o tráfico de heroína e aterrorizavam as mulheres afegãs. Mais tarde, nos inícios de 1990, os Talibãs emergiram, uma fação ultra-puritana, cujos mulás se vestiam de negro e puniam o banditismo, as violações e os assassínios, mas baniam as mulheres da vida pública. 
Na década de 1980, estabeleci contato com a Associação Revolucionária de Mulheres do Afeganistão, conhecida como RAWA, que havia tentado alertar o mundo sobre o sofrimento das mulheres afegãs. Durante o tempo dos Talibans, elas esconderam câmaras sob suas burcas para filmar evidências de atrocidades e fizeram o mesmo para expor a brutalidade dos mudjahedin apoiados pelo Ocidente. “Marina” da RAWA, contou-me: “Levámos o filme para todos os principais grupos de média, mas eles não queriam saber ...”.
Em 1992, o governo progressista do PDPA foi derrotado. O presidente, Mohammad Najibullah, foi às Nações Unidas para pedir ajuda. Em seu retorno, ele foi enforcado a um poste de iluminação.

O jogo

“Confesso que os países são meras peças num tabuleiro de xadrez”, disse Lord Curzon em 1898, “sobre o qual está sendo disputado um grande jogo para dominar o mundo”.
O vice-rei da Índia referia-se em particular ao Afeganistão. Um século depois, o primeiro-ministro Tony Blair usou palavras ligeiramente diferentes.
“Este é o momento para aproveitar”, disse ele após o 11 de setembro. “O Caleidoscópio foi abalado. As peças estão em movimento. Logo, elas se restabelecerão novamente. Antes que o façam, vamos reordenar este mundo em nosso redor. ”
Sobre o Afeganistão, ele acrescentou: “Não iremos embora, mas garantiremos alguma forma deles saírem da pobreza, que é a sua existência miserável.”
Blair fez eco ao seu mentor, o presidente George W. Bush, que falou às vítimas de suas bombas no Salão Oval da Casa Branca: “O povo oprimido do Afeganistão conhecerá a generosidade da América. Ao atacarmos alvos militares, também lançaremos alimentos, remédios e auxílios para os famintos e sofredores ... “
Quase todas as palavras eram falsas. Suas declarações de preocupação foram ilusões cruéis para a selvajaria imperial que “nós”, no Ocidente, raramente reconhecemos como tal.

Orifa

Em 2001, o Afeganistão foi atingido e dependia das caravanas de socorro de emergência vindas do Paquistão. Como relatou o jornalista Jonathan Steele, a invasão causou indiretamente a morte de cerca de 20.000 pessoas, pois o fornecimento de ajuda para as vítimas da seca parou e as pessoas fugiram de suas casas.
Dezoito meses depois, encontrei bombas de fragmentação americanas não detonadas, nos escombros de Cabul, que muitas vezes eram confundidas com pacotes de auxílio humanitário amarelos lançados do ar. Eles explodiam quando crianças aí buscavam alimentos.
Na aldeia de Bibi Maru, vi uma mulher chamada Orifa ajoelhar-se perto do túmulo de seu marido, Gul Ahmed, um tecelão de tapetes, e de sete outros membros de sua família, incluindo seis filhos, e de duas outras crianças que foram mortas na casa ao lado. Uma aeronave americana F-16 saiu dum céu azul claro e lançou uma bomba Mk82 de 500 libras na casa de lama, pedra e palha. Orifa estava ausente nesse momento. Quando ela voltou,  juntou as partes dos corpos.
Meses depois, um grupo de americanos veio de Cabul e deu-lhe um envelope com 15 notas: um total de $ 15. “Dois dólares por cada morto de minha família”, disse ela.
A invasão do Afeganistão foi uma fraude. Na esteira do 11 de setembro, os Talibans procuraram distanciar-se de Osama bin Laden. Eles eram, em muitos aspetos, clientes dos americanos, com os quais o governo de Bill Clinton havia feito uma série de acordos secretos para permitir a construção dum gasoduto de US $ 3 bilhões, por um consórcio de empresas petrolíferas dos Estados Unidos.
Em grande sigilo, os líderes dos Talibans foram convidados a vir aos Estados Unidos e foram recebidos pelo CEO da empresa Unocal, na sua mansão no Texas e pela CIA, na sua sede na Virgínia. Um dos negociadores foi Dick Cheney, mais tarde o vice-presidente de George W. Bush.
Em 2010, eu estava em Washington e consegui entrevistar o idealizador da era moderna de sofrimento no Afeganistão, Zbigniew Brzezinski. Citei sua autobiografia, na qual ele admitia que seu grande esquema para atrair os soviéticos ao Afeganistão havia criado “alguns muçulmanos excitados”.

"Você tem algum arrependimento?" perguntei.

"Arrependimento! Arrependimento! Qual arrependimento? ”

Quando assistimos às atuais cenas de pânico no aeroporto de Cabul e ouvimos jornalistas e generais em distantes estúdios de TV lamentando a retirada de "nossa proteção", não é altura de darmos atenção à verdade do passado, para que todo esse sofrimento nunca volte a acontecer?

** Foto extraída do artigo de Pepe Escobar «Back to the Future»

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O CAMINHO PARA A PAZ PELO COMÉRCIO

                        Image result for trade new silk road

No passado remoto, as rotas comerciais eram abertas a golpes de espada ou tiros de canhoneira.
Basta pensarmos na maneira como Vasco da Gama e seus sucessores no Índico impuseram um monopólio comercial português e expulsaram os comerciantes árabes, aí instalados desde há vários séculos.
Ou ainda, como o Reino Unido, no tempo da Rainha Vitória, impôs o comércio de ópio à China, através de duas guerras cruéis, das quais resultaram tratados humilhantes para os chineses.
Com efeito, a «liberdade de comércio» que foi imposta pelos marinheiros e soldados dos impérios ocidentais não tem grande coisa que ver com as teorias de livre comércio dos liberais. Em vez de livre comércio trataram de impor o seu domínio imperial, a todo o mundo não europeu. Muitas das desgraças de hoje têm as suas raízes diretas nessa época, de expansão agressiva e bélica dos colonialismos.
Porém, por outro lado, constata-se que a realização de tratados comerciais ou a aceitação de regras comuns às trocas comerciais é um primeiro passo para a normalização de relações diplomáticas ou que estas têm como corolário imediato, o desenvolvimento das relações comerciais.
A abertura da China, ainda no período de Mao nos anos 70,  foi devida de facto, ao seu desejo de fazer comércio e esse desejo foi correspondido por poderosos interesses privados ocidentais.
A negação de comércio, como sejam as guerras de tarifas ou ainda pior, as sanções, os embargos, os bloqueios, são armas muito cruéis e absolutamente ineficazes, no mundo de hoje. Tal tem sido a atitude dos EUA e seus vassalos «aliados» da OTAN e UE …
A guerra comercial ou económica começou com a Rússia depois do golpe na Ucrânia, que depôs um governo legítimo, mas que tinha optado por união económica com o espaço Russo e não com a União Europeia. Essa guerra económica só trouxe dificuldades aos comerciantes, agricultores e industriais dos países ocidentais.
No campo russo, trouxe uma reação de defesa nacionalista, de se autonomizar do «Ocidente»; sobretudo, de produzirem eles próprios, tendo – portanto - um efeito estimulante na indústria e na agricultura.

Já no caso da Venezuela, o bloqueio e guerra económica por parte dos EUA, já duram há cerca de um decénio, mas a severidade foi aumentando neste último ano, ao ponto de um relator especial das Nações Unidas, considerar que as políticas de sanções dos EUA podiam configurar um crime contra a humanidade, nos termos da definição da ONU.
A guerra económica dos EUA contra Cuba vem desde o triunfo da revolução que depôs o ditador favorável aos EUA. Ela perdura desde há 60 ou mais anos e não trouxe mais do que sofrimento e privações para a população da ilha, sem nenhum efeito de fragilização do regime castrista. Claro que, para eles, este objectivo de subversão de um regime adverso é perfeitamente válido e «moral»: para eles, imperialistas, não contam as populações que serão sempre as primeiras vítimas de tais bloqueios.
A noção de que estes países, que se designam a si próprios por «democracias ocidentais», não são mais do que países governados por mafiosos, que querem impor, por meios de chantagem e pela força, a sua lei a outras nações, pode parecer exagero às pessoas imbuídas de cultura «ocidental», porém nos países que agrupam três quartos da população mundial, esta noção é absolutamente trivial.
A existência de uma fina capa ideológica de «liberalismo», não resiste a dois segundos de análise, quando nos debruçamos sobre políticas concretas. Se «liberalismo», significa sobretudo liberdade de comércio, representada pela tradição liberal de Locke, Adam Smith, etc., então a China e Rússia de hoje, assim como vários dos seus parceiros são porta-estandartes e verdadeiros obreiros desse liberalismo.
A liberdade de comércio é vital para aquela enorme parte de humanidade (no mínimo, 6 mil milhões), pois ela tem como meio de subsistência essencial a produção de bens agrícolas, de matérias primas minerais, ou de bens manufacturados.
A evolução dos países «ocidentais» [América do Norte, Europa ocidental, Austrália, Nova Zelândia e Japão] no último quarto de século, foi no sentido da «terciarização» da economia, da desindustrialização ou seja, do abandono da economia produtiva para a economia especulativa.
Nestes países, cuja riqueza assentou sobre séculos de pilhagem das colónias e escravidão, a estratégia de «terceirização» foi saudada pelos mais míopes e corruptos, visto que é realmente preciso fazer um esforço para acreditar que uma economia se pode sustentar com «serviços» e onde o lema tem sido «consumir, consumir, nem que seja a crédito».
As transformações na estrutura produtiva na China, mas também na India, Paquistão e outros, foram muito rápidas e conseguiram produzir a maior transformação de que há memória, de populações secularmente carenciadas, com padrões de nível vida muito baixos; uma saída da pobreza para grande parte da população. O enorme crescimento da classe média, nestes países, tem permitido um crescimento exponencial, pois os produtos manufacturados já não terão como escoadouro exclusivo a exportação, mas também vai crescendo o mercado interno para estes produtos, incluindo os de gama alta, o que permite não estarem tão dependentes dos caprichos das ex-potências coloniais e imperialistas.
As «Novas Rotas da Seda» são realmente a concretização imparável deste extraordinário florescimento económico, o qual terá repercussões benéficas também noutros países, que tinham mantido um grau incipiente de desenvolvimento.
Para todos os intervenientes nas redes comerciais, a questão central vai ser a estabilidade das condições de trocas. Daí que haja um interesse material pela paz, o que é sempre muito mais poderoso do que qualquer ideologia.
Mas, se ideólogos no Ocidente quiserem defender o liberalismo na sua pureza, pois aí terão oportunidade de se colocarem do lado dos que querem manter abertas as rotas comerciais, querem estabelecer e manter trocas benéficas para todas partes… deverão repudiar os militaristas, os loucos que querem o mundo inteiro sob sua hegemonia e relações baseadas na força e no medo.
A evolução das relações internacionais pode sofrer muitos episódios, nem todos beneficiando a liberdade de comércio. Mas, no longo prazo, a humanidade que produz irá decidir como e em que termos se farão as trocas, aplicando as boas práticas de reciprocidade, de não ingerência, de relações mutuamente vantajosas, de resolução pacífica dos diferendos…
… será um renovo da civilização.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

EM DEFESA DOS BURROS

                       Voice of a...donkey? Rescue animal with incredible vocal range goes viral (VIDEO)

                  https://www.rt.com/business/450405-pakistan-donkeys-export-china/

Uma notícia muito séria (ver acima), sobre exportação de burros do Paquistão para a China, esteve na origem desta reflexão.
Sabemos que o burro é tido - nas fábulas e nos provérbios - como um animal extremamente estúpido, limitado, teimoso.

Este retrato do burro é absolutamente injusto, pois o asno não tem menos inteligência que qualquer outro equídeo. Simplesmente, as imaginações românticas vêem, no cavalo, o animal «nobre», um animal muito dedicado ao seu dono, etc...
Ora, na verdade, quase ninguém tem contacto quotidiano com cavalos. Praticamente, não se vêem cavalos no dia-a-dia: apenas em filmes ou em concursos hípicos, ou nas guardas de honra aquando das visitas de presidentes estrangeiros... Daí que  lhe seja atribuída uma «nobreza» de carácter e muitas outras virtudes, porque é usado, actualmente, em situações de aparato, de gala, ou de desporto  de alta competição. 
O cavalo - como todo o animal domesticado - foi sujeito a selecção. No tempo em que a força animal era praticamente exclusiva, houve raças dedicadas ao transporte, ao trabalho nos campos, assim como à guerra, etc. 
Os cavalos que conhecemos são fruto de 5 mil anos de selecção pelos humanos. Os poucos cavalos selvagens que restam nas estepes Ásia Central mais se parecem com burros, na verdade, pela sua anatomia. 
Quanto aos burros, eles foram também usados em larga escala, durante sensivelmente o mesmo tempo que os cavalos. Mas, as suas características fizeram do burro um animal ideal para o transporte e os trabalhos agrícolas. É muito mais resistente que o cavalo, capaz de se contentar com uma ração menos nutritiva.
Porém, o burro tem outras características muito interessantes, em si mesmo. 
O preconceito social é que impede as pessoas de compreender que o burro é um animal com uma inteligência bastante maior, da que lhe é atribuída.
Tem uma grande paciência, não se enfurece facilmente, embora o coice de burro possa ser mortífero; colabora com o seu dono e transporta-o sem fazer capricho...
«Mais vale burro que me carregue do que cavalo que me derrube» (um provérbio popular, já existente antes de mestre Gil Vicente o ter para sempre celebrizado na «Farsa de Inês Pereira»).

Nos países do Norte da África, que eu visitei e em muitos outros, que apenas conheço indirectamente, o burro continua a ser um animal essencial como ajudante nos trabalhos agrícolas e no transporte de bens para os mercados. 
Na minha infância (há quase 60 anos), viam-se burros a puxar carroças, que entravam em Lisboa - pela praça de Espanha - de madrugada,  e se dirigiam para os diversos mercados (nessa altura, não havia super e hiper mercados) com os produtos hortícolas e frutícolas da região saloia. 
No interior norte de Portugal, principalmente, é vulgar a presença de burros nos campos e nas estradas, transportando toda a espécie de produtos ou alfaias.

Se faz sentido ou não, do ponto de vista económico, tal como no Paquistão (ver notícia acima), desenvolver a criação de burros em Portugal ... não sei. 
Mas o facto é que existem raças de burros, tal como existem de cavalos. Estas raças podem ter um potencial genético muito apreciado para determinados fins. 
Sabemos que a coudelaria de Alter do Chão é muito célebre pela qualidade dos seus cavalos, de raça Lusitana. É bem possível que faça sentido existir algo equivalente para as raças autóctones de burros. Penso que algumas poderão estar em vias de extinção.  
Mesmo que a conservação das raças autóctones de burros não pareça prioritária para pessoas desprevenidas, parece-me que existe todo o interesse - e não apenas da ciência - em conservar a sua diversidade genética.
Afinal de contas (tal como o cavalo) o burro é um produto de milénios de criação, cruzamentos selectivos, apuramento de raças. 
Como qualquer outro animal doméstico, a espécie burro/asno e todas as suas raças são património da cultura, da história, do saber humanos.