« As públicas virtudes alimentam-se dos vícios privados »
Este autor, Bernard Mandeville, tem sido uma espécie de «esqueleto no armário» dos neoliberais. Ele foi um prolixo autor no século XVIII, no entanto, a sua obra mais célebre é a «Fábula das Abelhas».
A sua teoria fá-lo, de certo modo, um precursor do neoliberalismo. A teoria de que as pessoas estão sobretudo mobilizadas para satisfazer os seus desejos. Ele leva o argumento ao extremo, pelo que fala de «vícios». «Os vícios privados originam as públicas virtudes». A paradoxal e provocatória tese recebe o semblante de demonstração seguinte:
Uma meretriz, para exercer a sua profissão, tem de se vestir com roupa elegante, adornar-se com joias vistosas, para atrair o olhar dos homens e acicatar os seus desejos de luxúria, etc... Mas, ao fazê-lo, está a dar emprego a artesãos e comerciantes, que a vestem, ornamentam, satisfazem os seus caprichos, etc. Ou seja, o dinheiro gasto no vício, acaba por ser reciclado em sustento dos artesãos e comerciantes honestos e serve para aumentar a riqueza da nação, assim como outras atividades que ninguém hesitaria em considerar honestas.
Adam Smith, o «pai» incontestado da economia clássica, aproveitou a ideia, mas eliminando a referência ao vício, que poderia afastar os mais moralistas. Na pena de Smith, o vício é substituído por algo aceitável por todos: O desejo de satisfazer as necessidades da vida. O interesse individual, não só é compatível com os interesses da sociedade, como a própria sociedade tem tudo a ganhar em permitir (e proporcionar) que os indivíduos procurem satisfazer os seus desejos, pois é a partir destes, que nasce a procura para uma infinidade de mercadorias e assim se estimulam a indústria e o comércio e se enriquece a nação.
Mas, o argumento foi "esticado" pelos neoliberais, ao ponto de se transformar na falácia do «trickle-down economics», ou seja, "o escorrer da riqueza dos muito ricos para as classes mais modestas, através de toda a espécie de despesas que os primeiros efetuam".
Esta forma de defender os privilégios e as assimetrias de riqueza seria apenas ridícula em si mesma, não fosse ela ser assumida por inúmeros políticos neoliberais, até aos dias de hoje.
O neoliberalismo foi o "cavalo de batalha" de Milton Friedman e da Escola de Chicago. O neoliberalismo recupera a tal "evidência" de Mandeville. É com base em tal «argumento», que justifica as suas propostas de aliviar os impostos aos mais ricos, promovendo-os a benfeitores da sociedade. Porém, não se ficaram pela falácia intelectual, pois as doutrinas neoliberais por eles desenvolvidas, serviram para justificar e pôr em prática as políticas mais retrógradas: Vejam-se os seus efeitos no Chile de Pinochet (aconselhado pelos economistas da Escola de Chicago) e nas economias mais frágeis do Terceiro Mundo.
O mercado foi deificado, como se fosse "Deus ex maquina", acabando por realizar o milagre de alocar o "preço justo", pondo de acordo os atores deste mercado. Na verdade, a imagem metafórica da "mão invisível do mercado", utilizada por Adam Smith, foi tomada «ao pé da letra», deixando de ser considerada mera figura de retórica, para assumir papel propriamente divino de conciliar compradores e vendedores: Eis o tal "Livre Mercado"... "livre", porque os intervenientes não foram forçados por nada nem ninguém (em teoria), a comprar ou vender por um determinado valor...
O público e sucessivas gerações de estudantes das faculdades de Economia, nos países mais diversos, são doutrinados com "teorias científicas" deste quilate, que pretendem justificar a manutenção da exploração e privilégios como se fossem "forças da natureza", às quais não faria qualquer sentido nos opormos.
MANDEVILLE não poderia imaginar que a sua construção teórica arrojada e escandalosa em sua época, iria ser inspiração para o chamado "neoliberalismo". Este, devia antes ser reconhecido e designado como a "Teoria justificativa do egoísmo e ganância dos ricos".