Estou certo de que existe esse inconsciente de que a psicanálise fala. Parece-me ser a emanação espontânea das pulsões, que todos experimentamos em nossas vidas. Freud hipertrofiou as pulsões sexuais, talvez devido ao seu próprio psiquismo e ao dos seus pacientes. As pulsões dominantes, porém, relacionam-se com o medo da morte, da perda da integridade física, com a conservação do indivíduo e da sua subsistência. No meio social afluente de Viena do início do século XX, as pessoas não se sentiam particularmente ameaçadas, na sua integridade física e na sua subsistência. A histeria social desencadeia-se de modo semiautomático quando estão reunidas certas condições: A imaturidade, em indivíduos de ambos os sexos, na idade adulta, que foram condicionados a achar que tudo lhes é devido, sem terem de contribuir, de uma ou outra forma, para a sociedade. A ausência de referentes positivos, no que toca ao comportamento. Os referentes, são somente pessoas que enriqueceram ou que se tornaram muito populares. Junte-se a isto, uma infantilização deliberada e constante da cidadania, conjugada com o falsear do debate na média, através de técnicas de manipulação. Os elementos referidos acima, estão na base de 90% das formas de manipulação social das emoções.
As poucas pessoas que escaparam a essa "lobotomia social", seja qual for seu substrato ideológico, serão incapazes de ter uma influência regeneradora no seio da sociedade: Algumas adotarão um quixotismo que os impele a brigar dentro ou fora dos partidos tradicionais. Estas pessoas estão destinadas ou a serem relegadas para a marginalidade cívica, pelo chamado "assassinato de caráter ", ou - como alternativa - servirão como "idiotas úteis" de partidos.
Estamos a anos-luz dos regimes delineados nas constituições, dos vários países da Europa, embora tal não pareça: Pode-se ver tal degradação em países fortes ou fracos economicamente, grandes ou pequenos, com população culta ou inculta, homogénea ou plurinacional. Todos estamos perante o mesmo fenómeno, porque a difusão da falsa informação predomina, porque quem está no controlo os meios de informação não precisa de suprimir fisicamente os seus opositores, como nos regimes totalitários do passado. Basta que as suas vozes estejam sujeitas a blackout. Se isso não chegar, usam a difamação maciça nas redes sociais. Alternativamente, podem comprar vozes dissidentes, de maneira que aparentem continuar a sê-lo, mas sem causar real prejuízo.
O desfigurar dos sistemas de democracia liberal efetua-se por dentro. Seus sabotadores estão no seu centro. Conscientemente, ou não, fazem o papel de seus piores inimigos. Ao serem corruptos, ou transigirem com a corrupção, ao manterem-se graças ao clientelismo, ao comportarem-se como se fossem "monarcas de Direito Divino", em vez de assumir o papel de mandatários, etc.
Quando toda a política se degrada em politiquice, as pessoas íntegras, nos diversos quadrantes, afastam-se por si próprias, ou são arredadas. Os medíocres, os arrivistas, os oportunistas, os sociopatas têm então sua oportunidade de ouro, os seus momentos de glória.
Não se pode saber a forma exata da política no futuro. As classificações como fascismo, comunismo, democracia, nacionalismo, etc. não ajudam grande coisa. Sei que estamos num momento de viragem. Já o sentira há muito tempo, já o tenho exprimido várias vezes neste blogue. Porém, agora oprime-me pensar que as mais negras distopias são verosímeis.
Tudo o que há de mais abjeto vem à superfície, nestes tempos. A abjeção resulta do facto de que as pessoas estão completamente destituídas de valores, duma forma ou outra de moral. Devemos antes falar de ética, pois a moral invoca necessariamente conformidade com a sociedade. Ora, muitos - pensemos em Sócrates ou Jesus, e tantos outros no passado - foram considerados contrários à moral do seu tempo, ou à maneira de pensar dominante.
Perguntareis: Quem és tu para te fazeres difusor de sabedoria, duma visão profética, de soluções para os males que afligem a sociedade?
É uma pergunta legítima. «Eu sei que não sei» e que estamos, quase todos, num mesmo grau de ignorância. Mas, no meu entender, o estudar os fenómenos do passado, adotando um pluralismo deliberado, ou seja, não nos autolimitando a uma corrente de opinião, seja ela qual for, parece-me o melhor para não cairmos nas ilusões, nos cantos das sereias das ideologias.
O pior inimigo da nossa clarividência, do rigor do nosso pensar, somos nós próprios: Seria bom que as pessoas se debruçassem sobre o que dizem os mais eminentes intelectuais (que os há, sempre) do campo contrário ao nosso.
Acredito que os profetas da Bíblia e os outros, foram pessoas clarividentes, que tinham uma inteligência aguda do que se estava a passar nas suas sociedades e conseguiram chamar a atenção do seu povo.
Diz-se que não há bons profetas no seu próprio país; que os santos e os profetas são sempre de fora: Esta ideia tem por base um certo desprezo das pessoas, por tudo o que lhes seja demasiado familiar, não conseguindo distinguir valor, talento ou génio, em pessoas que estejam próximas. Será porque se desencadeia um mecanismo de inveja, a maior parte das vezes inconsciente e, portanto, mais forte?
Tudo o que vem do estrangeiro tem um certo fascínio, sobretudo se trouxer consigo a auréola do «sucesso». Isto passa-se a todos os níveis em Portugal, um país muito «aberto» ao exterior, mas muito pouco atento aos valores que brotam no seu seio. Mas, o contrário disto não é ter um comportamento xenófobo. Devia-se adotar uma avaliação crítica de uma produção, seja qual for a sua origem. Não faz sentido, nas letras, nas artes, nas ciências, haver «preferência nacional». Mas, também não faz sentido manterem os valores de um povo, de uma nação, injustamente ignorados, enaltecendo toda a bugiganga e fancaria que venha com o selo do estrangeiro.