Mostrar mensagens com a etiqueta Obras de Manuel Banet. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Obras de Manuel Banet. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 5 de junho de 2025

ÀS PALAVRAS RENUNCIEI [OBRAS DE MANUEL BANET]

                                                           Imagem: escrita cuneíforme

 Gostava de construir novas palavras,

Delas fazer um vocabulário

Só meu, para meus leitores

Que pudesse partilhar

Como num dicionário

Mas sem o estafado sentido


Só me acodem palavras gastas

Daquelas que são ecoadas 

Em inúmeras canções

De amor ou desesperança

Lançadas ao desbarato

Enfim, palavras chãs


Se ao menos pudesse 

Com elas construir

Algo novo, inaudito

Seria o triunfo do som

Sobre a gramática fria

A síntese genial


Então, como bandeira

Envolveria teu corpo

De cores, sons e sentidos

Na imperfeita obra

Que o poema desvela

E  toda a nudez revela


Pois renunciei  ser

O mago dos versos

A Lua não me aquece

Prefiro o forte abraço

Do vento oceânico

No meu corpo tenso


Colhi todos os perfumes,

Cores e sabores da vida 

Como jardim de mistérios

Serei mais qu' uma ave

Improvisando seu canto

Em harmonia perfeita?


Somos frutos tardios

De jardins tranquilos

Nem mais, nem menos

Nenhuma pretensão

Tivemos de profetizar

A luz que se esvai



-----------

Murtal, 05 de Junho 2025



segunda-feira, 26 de maio de 2025

NO CREPÚSCULO SANGRENTO + POEMA DE FERNANDO PESSOA

NO CREPÚSCULO SANGRENTO




As pessoas não aprendem nada. Ou pelo menos, as que se recusam a aprender... com a História, com os exemplos de homens e mulheres que souberam dizer «não à guerra, a todas as guerras!». Cada geração tem de reaprender o sofrimento, a perda dos seus mais queridos, o rasgão irremediável nas suas vidas? Mas para quê, afinal?

- Para engordar os industriais das indústrias de armamentos, para engordar a corja de jornalistas e de políticos que nos atiram com falsas evidências, com propaganda, quanto mais descarada, mais funciona...

Se os humanos estivessem cientes

De como estão a ser sacrificados,

Certamente haveria uma revolução

Amanhã de manhã!

É por isso, para que não haja revolução, que os pobres proletários de todos os países, são imolados nos campos de batalha. É com sacrifícios à «pátria», mas que na verdade é o negócio dos tais, dos que gritam e se agitam pela guerra.

Se eu vos disser que não tenho inimigo em nenhum povo; que sou incapaz de desejar a destruição da guerra, não apenas do meu próprio país, como de qualquer outro, em especial, o que chamam de «inimigo»

Bem, esses que vivem como abutres, da carniça dos infelizes que caem sob as balas, as bombas ou as baionetas... Esses vão gritar: «És um traidor, um cobarde, não mereces viver! »

E eu direi: «Apenas vos respondo que Jesus Cristo foi julgado, mais ou menos nesses termos, pelo Sinédrio. Não me comparo a Jesus. Mas, é para dizer que cada justo que se erguer e faça valer a verdade fundamental da sua consciência, do seu sentido profundo de justiça, derrota os «Sinédrios» e todos os que o condenam! »

Dizem que hoje seria «o dia da lembrança». Mas hoje mesmo, também se cometem crimes com armas modernas, em populações indefesas, que ficam duplamente soterradaas, primeiro nos destroços dos edifícios, segundo no silêncio cobarde de todos os que olham, ouvem e não dizem nada.

"O inferno é os outros" como diza alguém? Não, o inferno é os outros que são indiferentes, que sabem e se calam, não divulgam, não se indignam, porque são cobardes. Porque estes tais, não parece que cometam um crime, porém é com o seu silêncio que os piores crimes continuam a ocorrer quotidianamente, com toda a impunidade...


Fica aqui, abaixo, um poema anti-guerra do mais célebre e genial poeta português do século XX.



_____________________________



«O Menino da Sua Mãe»*

Poema de Fernando Pessoa




No plaino abandonado 
Que a morna brisa aquece, 
De balas trespassado 
Duas, de lado a lado, 
Jaz morto, e arrefece. 

Raia-lhe a farda o sangue. 
De braços estendidos, 
Alvo, louro, exangue, 
Fita com olhar langue 
E cego os céus perdidos. 

Tão jovem! Que jovem era! 
(agora que idade tem?) 
Filho único, a mãe lhe dera 
Um nome e o mantivera: 
«O menino de sua mãe.» 

Caiu-lhe da algibeira 
A cigarreira breve. 
Dera-lhe a mãe. 
Está inteira 
E boa a cigarreira. 
Ele é que já não serve. 

De outra algibeira, a lá da 
Ponta a roçar o solo, 
A brancura embainhada 
De um lenço deu-lho a criada 
Velha que o trouxe ao colo. 

Lá longe, em casa, há a prece: 
Que volte cedo, e bem! 
(Malhas que o Império tece!) 
Jaz morto e apodrece 
O menino da sua mãe

sexta-feira, 23 de maio de 2025

ESCOLHAS POÉTICAS: O Mundo [OBRAS DE MANUEL BANET]


O mundo está fora de mim, no sentido trivial

Mas também se pode dizer que ele penetra

Em todos os poros da minha pele,

Pelo ar que respiro, pela comida que ingiro

Pela água e pelo vinho,

Pelas letras, os sons e os cheiros

Ele penetra por todos os canais

Dos sentidos.

Eu não recuso este fluxo constante

De sensações. 


Porém, ficar cativo,

É outra coisa; estar cativo das coisas materiais

Ou até das ideias, das que se originam 

Nas agitações fúteis, sempre procurando

O novo; como se, perante a novidade,

Devêssemos baixar a cabeça, curvar a espinha!


Se quiseres argumentar que eu «estou fora do mundo»

Tens razão, num certo sentido:

No sentido antigo e caído em desuso

da palavra «mundo»... 

Como «mundano» ou «mundanidade»...


Se não sou deste mundo, estou contente

Estou mais aconchegado no mundo 

Da infância, das recordações

Dos momentos felizes, da pesquisa

Científica e intelectual,

Do prazer de conversar com iguais...


Sim, não é com naturalidade, nem com desembaraço

Que «falo» através de telefones móveis, ou de teclados

Digitando palavras, como agora...


Sou realmente antiquado e não tenho complexos! 

Sou capaz de compreender os mais jovens,

Mas duvido que a recíproca seja verdadeira.


Estou fora do mundo e ele está fora de mim.

Sim, do mundo fútil, coisificado e destruidor

Do que há de mais humano na humanidade,

Estou fora!


Por muito que vos custe, pensai de outro modo;

Já será um princípio de emancipação. 

Não pretendo que pensem como eu; 

Mas pensem!

Com alma, espírito e todo o ser, 

Libertos da prisão doirada da tecnologia

Que ambiciona encerrar nossas mentes.

 





terça-feira, 20 de maio de 2025

ESCOLHAS POÉTICAS: Fortuna [OBRAS DE MANUEL BANET]


FORTUNA


Poderia pôr a teus pés, Deusa gloriosa,

Cestas de fruta e flores odoríferas

Das mais exóticas espécies

Que seja possível alcançar.


E poderia declamar a teu ouvido

Versos em rimas obscuras, ofegantes

Sem outra lógica que a do sonhar


Mas tudo em vão seria, Fortuna

Tens ouvidos e cabeça de bronze

Teu gesto amplo ficou para sempre

Parado, na suspensa promessa...


Para lá da Tua casa, velejo em mar

Denso e fluido, no ocaso demente

Enfunando as velas em tributo

À sombra que traça o Sol.

Fortuna seja nome de barco

Destino humano sempre igual.

sábado, 17 de maio de 2025

PERANTE OS TEMPOS DE ESTUPIDEZ [OBRAS DE MANUEL BANET]

 Desesperadamente procuro o sentido; não procuro por pensar que o irei encontrar, mas por impulso irracional,  no que existe de humano, no âmago do meu ser.

Não sei se isto é defeito ou virtude, sinceramente. Mas, de facto, talvez seja defeito, pois sofro e nada ganho, nem meu sofrimento a outros aproveita.

Gostava de ser como a árvore ou como o rio que se estende sem perguntar para onde corre, sem se importar com as pedras nas margens.

Mas não sou árvore, nem rio, nem pedra.  Gostava de ser animal e sentir. E meu saber ser instinto, e minha vida ser instantes sucessivos.

Mas também não sou o animal, simples produto da Natureza, nela imerso e dela participante. Sou homem, por isso sofro, pois vejo a degradação da espécie e seu sofrimento sob a opressão sádica e violenta.

Mas como posso fazer face a esta monstruosidade? - Deus não tem plano nenhum para nossa espécie, nem para todas as outras. Esta é a conclusão a que chego, agora.

Confortável ou não, esta conclusão parece-me o princípio de racionalidade neste tempo de violência, de desprezo pelas leis dos homens e da Natureza, de triunfo da morte, a par da estupidez e da vaidade...

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Obras Vol. I, II & III: «Todas as Manhãs do Mundo»

 Não estava completo o livro «Opus Vol.I, II & III» ; não tinha posfácio. Vou escrevê-lo na contracapa ...



Todas as Manhãs do Mundo


Há melros no meu jardim, onde chove a cântaros.
Nesta manhã, respiro o mundo novo que renasce
Que me entra pelas narinas dilatadas

Espero que a água do céu deixe de regar o meu jardim
Depois, irei passear com a cadela, como de costume

Ela sabe tudo o que precisa saber
Olha para mim, assim como eu para ela
Um olhar basta; somos cúmplices!

E as manhãs com dores de cabeça?
São como encerrado capítulo 
A chuva vem e lava tudo

Todas as manhãs penso 
O que farei no meu dia
Como será uma dádiva 
A Deusa-Natureza

Mas como conceber algo
Como o amor...
Algo que não descreve nada
Que se aplica a tudo?


(11 de Fevereiro de 2025)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

OPUS VOL. III. 32: MEDITAÇÕES FILOSÓFICAS


VAI O PEIXE NA CORRENTEZA, ASSIM EVITA GASTO EXCESSIVO DE ENERGIA.

ALIÁS, OUTROS SEGUEM O MESMO CAMINHO. 
FORMAM IMENSOS CARDUMES SEM PÁTRIA. SEU TERRITÓRIO É A CORRENTEZA. POUCOS SÃO OS TRANSGRESSORES DA CORRENTEZA.

ELES ARRISCAM MUITO, MAS QUANDO ATINGEM DETERMINADO TAMANHO, CONSEGUEM DEFENDER-SE MELHOR DOS OUTROS PREDADORES.

MAS, TODOS OS PEIXES, PEQUENOS OU GRAÚDOS, SÃO CONSUMIDORES.

Podes ignorar a questão, admitir que não nos diz respeito. Ficamos a olhar o rio escoar-se suave ou agitado.  Muitos ignoram a complexidade dos ecossistemas, que não  sejam o seu. 

Por que  se preocuparia um bovino com o que há na profundeza do rio?  Só  lhe interessam os pontos onde pode beber ou os vaus, para  chegar à  outra margem, onde se encontram ervas frescas. 

A CRIAÇÃO  É  DESVIO CRIATIVO, MAS  A SOCIEDADE PRECISA DE ESTABILIDADE. ISSO NÃO É  O MESMO QUE RIGIDEZ,  ESTA É O ATRIBUTO DOS CADÁVERES.  

PORÉM,  A RUPTURA CRIATIVA ARRISCA TORNAR-SE NUMA DERIVA CAÓTICA. ENTÃO, É NECESSÁRIO UM HOMEM AO LEME.

 SEREMOS OS TIMONEIROS DA BARCA DO NOSSO SER. 




quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

OPUS. VOL. III. 31: AS PALAVRAS SÃO NOSSAS AMIGAS

 


As palavras são nossas amigas

Mas, como nossas amigas também

Podem levar-te ao engano

Não por maldade, nem perversidade,

Mas porque a complexidade 

É tal que nós cremos numa coisa

E, afinal, não era nada disso


Igualmente, as máquinas são nossas

Amigas, foram feitas e concebidas 

Por mãos e cérebros humanos

Para nos ajudar nas mais diversas

Atividades:  resultaram

De muito esforço e inteligência.


Desprezar as máquinas é 

Não compreender o que são

Desprezar a cultura, a arte, a ciência

São atitudes equivocadas

Elas baseiam-se numa visão

Mágica; a de que as coisas

Têm vontade própria

Que têm intenção

Que são animadas

As crianças pequenas

Podem pensar assim.

Mas os adultos, como é

Possível?


Eu creio que o auto-engano

Leva as pessoas a crer

Naquilo que lhes dá

Mais conforto intelectual

Ou emocional

Aquilo que lhes diminui 

O sofrimento 


- Mas Saber

É ser modesto, humilde

Porque saber é como

Uma faísca que ilumina

Brevemente a escuridão.



12 de Dezembro de 2024



quarta-feira, 27 de novembro de 2024

OPUS VOL. III, Nº30: DESTINO ERRANTE




Sonhos inacabados embotaram a memória

deste imóvel viajante de viagens estelares

Arrastando ilusões entre fantasmas irónicos

destroço de barca encalhada em praia remota



Cego contando contos à criança sábia

em dias iguais confundindo os passos

Ou voando com as aves migratórias

sobre horizontes em brasa de ocaso



Cumprindo a promessa de peregrino

de ir por bosques, rios e mares, sempre

pela senda sem parar, até ao seu destino

Coração e alma nus, na ficção do real.










sexta-feira, 8 de novembro de 2024

OPUS VOL.III Nº29: DESALMADA



 Caminha pela rua, bamboleia-se 

Ao ritmo da música dos auscultadores

Imagina-se a deslizar numa onda, 

Surfando sobre a música, quase voando

Voando pelos ares irradiando energia

Não vê nada além do sonho

O sonho sem os limites do mundo


Tudo o que tem de fazer

É mover o corpo, esse avatar

Obedecendo ao ritmo 

Que se desprende incessante

Obsessivo, hipnótico

E, muito mais que isso,

Um espesso vidro, inquebrável


Vive no simulacro do corpo

Mas habitado pelo som 

Em todas as moléculas

Vibra e ondeia no espaço

No interior/exterior

Da sua fantasia


Evolui em espirais

Pelo espaço-tempo

Ao ponto muito elevado

De onde observa a rua

Com a sua banalidade


E as pessoas cansadas

Ou vagarosas, distraídas

Ou pensativas, raivosas

Ou sorridentes, enfim

Se elas soubessem 

Se elas acordassem

Se elas escapassem

Coitadas...

Só que nunca o fazem!


Um vulto no passeio

Avança com passos

Cadenciados gestos

Nos dedos e nas mãos

Trejeitos na boca

Oscilando a cabeça

Possuído pela música

Indiferente ao resto 





 

sábado, 26 de outubro de 2024

OPUS VOL. III nº 28: IMPENITENTE

 


Há um cadafalso que te espera

Impenitente verdadeiro

Fugidio relapso 

Insensato herege

Amante da vida 'té à morte

"Ela que entre" dizes, sorrindo

"E nos teus braços se extinga 

O fraco pulsar do coração".


Murtal, Parede

Outubro, 2024


OPUS. VOL. III nº27: REGISTO



Vivi em parte incerta, em tempo remoto

Dos humanos desprezado, confidente dos bichos

Sua língua falei;  foi também a minha

Desenhei quantas nuvens se desdobram no céu

Fui escrivão de sonhos, as palavras eu comi

E o vento, d'erva fresca temperado, eu bebi 

Debaixo de terra permaneço; aqui fico

Tranquilo espero a eternidade.


quinta-feira, 24 de outubro de 2024

OPUS VOL. III. Nº26: METAFÍSICO




 Ah,  pudesse eu mais que em sonho abraçar-te

Se estivesses comigo agora, sentindo teu respirar 

Ser ou não ser, não importa mais qu'este  sofrer

O destino frio desta matemática ausência


Por que persigo o impossível com a aplicação

Dos loucos ou dos heróis, não posso desculpar-me.

A sombra que somente eu vejo não me esconde

É um sudário que recobre levemente o cadáver


Mas no espaço de infinitas dimensões, quem sabe?

Talvez nos encontremos, um átomo, um instante

Na impulsão de sonhar que nos propulsiona


Talvez nos encontremos em uma vida paralela

Á beira mar, com suave brisa e serena plenitude

Unida alma fluirá, bailando no céu de estrelas




domingo, 13 de outubro de 2024

OPUS VOL. III, nº25: SECRETOS PENSARES


SE outrora vivera em redoma de amor, há muito dela me esqueci

SE nosso espírito no corpo se compraz, é que estamos de boa saúde

SE pudesse voltar ao passado, já não seria o passado mas outro presente

SE hoje sou como sou, à história do mundo e do universo o devo

SE caminho pelos bosques e veredas, não admira que seja bicho do mato

SE a felicidade é ausência de dor, escolhi não ser feliz e loucamente amar

SE estes versos te parecem estranhos, percorre mais um pedaço da vida

SE o espanto da Natureza te assalta, é porque a criança em ti não morreu

SE alguém me ignora, eu não levo a mal; ele será incompatível comigo

SE a vida duns vale mais ou menos que a doutros, só Deus o sabe.

SE , no entanto, queres um conselho meu, segue o teu caminho




terça-feira, 8 de outubro de 2024

OPUS VOL. III, nº 24: VERSOS RECOLHIDOS NOS ESCOMBROS




Tantas luzes se consumiram

Nos fogos fátuos, na escuridão

Tantos corpos se quebraram

Num sopro, rente ao chão

Tantas vidas viveram

No Universo eterno

Tantos amores escolheram

Serem felizes no instante

Tantos falharam. Dizem

Aqueles que nem tentaram

Descolar os pés do chão

Promessas de Prometeus

Brotaram obras nos cumes

Que os deuses para si

Mesmos reservavam

Por tudo isto e muito

Mais, nos confrontam

Águias depenadas

Mas com fortes garras;

Dominam

Ovelhas humanas

E aos penhascos as lançam

Pelo prazer de rasgar

Suas carnes tenras

Algum dia virá o fim

Das pulsões de morte

Algum dia chegará

Em segredo, o Eros

Que vencerá o obscuro

Dentro dos humanos

Algum dia regenere

A Terra-Mãe

Dos estragos

Causados apenas

Por alguns, poucos

Mas que todos

Estamos sofrendo

Só há dois possíveis:

Ou projetas teu ser,

Tua energia no futuro

Ou constróis, instante

A instante, o presente

De cada um e de todos

A construção, aqui e agora

Do Mundo Humano

É sempre possível

Mas fizeram-nos descrer

Homens, desta saída

Atirando a felicidade

A justiça e igualdade

Para o futuro incerto

Os poderosos enganam

Os povos, arrastados

Por novas/velhas utopias

Á procura de paraísos

Na Terra ou no Céu

Só se podem libertar

Aqueles que percebem

Como seus corações

Foram escravizados

Logo, libertos

No cosmos infinito

Voarão como anjos

Mas de carne e osso

Ensinando aos outros

A voarem, também
































quarta-feira, 25 de setembro de 2024

OPUS VOL III, 23: ILUSÃO

 


Peguei no telemóvel 

Marquei aquele número que me disseram 

Uma voz maviosa respondeu

Ouvi um longo desfiar de frases

Que me preveniram supostamente

De todas as infrações / penalidades 

Eximia-se de qualquer responsabilidade 

E eu apenas tinha de dizer "sim"

Por fim, após uma musiquinha

Que se repetiu quinhentas vezes 

Veio a voz (real) de alguém 

Um homem que se identificou 

Mas não percebi seu nome

Da maneira como o pronunciou 

Apenas queria saber o meu nome

Completo, meu número da Seg. Social

Número fiscal, data de nascimento 

E depois perguntou-me:

"O que deseja?"

Já não sabia se desejava

Falar com alguém assim.

Afinal, tinha sido impulsionado

Por um agudo sentimento

Como se fosse uma vertigem,

Um mal-estar, de impotência 

Para continuar a arrastar

Comigo a sombra do passado

E de encarar o presente.

Estava realmente na ponta

Final da luta comigo próprio,

Mas a fatalidade jogava

Tudo para me empurrar 

Para dentro dum poço 

Sem fundo de meu

Desespero...

Não encontrei palavras

Para lhe responder.

Os pensamentos atravessavam

Meu cérebro como raios

U.V. e nem ouvia já 

Aquela voz insistente 

Ao meu ouvido

Que me repetia 

De maneira polida

"O que desejava ?"

Por fim, disse-lhe:

- Desculpa , não é nada.

E desliguei.




quinta-feira, 12 de setembro de 2024

OPUS. VOL. III, 22 DIÁLOGO ENTRE O REFLEXO E O REFLETIDO


- Se tu sabes, não digas.

- Confesso que não sei

Ignoro tudo, nada sei

Se olho prá Lua

Vejo um queijo

Cada coisa é nova

Inédita, um mistério

Um inexplicado

Movimento 

Sem causa aparente

- Muito bem, rapaz:

Vejo que aprendeste 

Bem e depressa; 

Mas, ainda melhor 

É ficares calado.


domingo, 11 de agosto de 2024

OPUS VOL. III 21: AGUARELA


O pincel desloca-se suavemente sobre o papel branco

Este absorve a tinta fixando espirais de cinzento

Recolhe mais tinta no tinteiro; aplica curtos traços

Nos intervalos brancos do papel; surge uma figura

Uma paisagem, um céu que se destacam do fundo

Como se sempre lá estivessem, mas invisíveis

Esta arte de pintar é toda em subtileza

A mais ambiciosa, na modéstia dos meios usados

Não admira que vejam nela meditação profunda.



Os esfumados que nos dão a espessura, os vazios

Que se enchem de luz, as linhas apenas sugeridas,

Os relevos de corpos gráceis ou pesados

As humanas formigas que descem a colina

Encosta abaixo, até aos telhados de colmo


Arte pensada, imaginada, antes de executada

Toda ela tensão entre o interior e o exterior

Poesia realista e onírica que mais aprecio

Mas que nunca alcançarei!

sábado, 27 de julho de 2024

OPUS VOL. III, 20: A CINZA DE GAZA



 Já não restam lágrimas, só cinzas

Que sobre as cabeças caem 

Vindas do céu mortífero

Da crueldade despejada

Sobre a cidade esventrada

Vê-se nos écrans digitais

Olhos vidrados já não veem

Outros olhos não querem

Outros são indiferentes 


O sangue das vítimas

inocentes espalha-se

Sobre as pequenas cabeças

Ensopa-lhes os cabelos

Escorre pelas faces


A degradação humana

Atinge esta civilização

Ela perdeu o senso moral

Demasiado poderosa

Totalmente impiedosa


A monstruosidade

e a cobardia

Não se apagarão:

Estão para sempre

por cima das cabeças

Dos que cometem 

Dos que abençoam

Dos que viram a cara


Haverá cinza suficiente,

Suficiente para enterrar 

A cinza dela própria

Sua autodestruição

Material e simbólica?





domingo, 7 de julho de 2024

OBRAS VOL. III, 19: IRREVERSÍVEL



Fotos desbotadas, imensa tristeza que vem da lonjura

Enterrada na presença pungente que dilacera o espírito 

Viver com lastro de tantas recordações, tantas presenças 

Ausentes para sempre, que povoam as memórias 

Algo que nunca imaginei na juventude , o mundo 

Parecia estável apesar de todos os redemoinhos

Mas foi retirando os entes que eu amava

Restando apenas a distância incomensurável 

De um passado e todo o absurdo de sermos

Passageiro único de um imenso navio

Ou  dum longo comboio sem vivalma

Atravessando planícies monótonas 

Para destino nenhum , velozmente.

E o passado, em sonhos esfarrapados

Que me agitam e fazem acordar,

Desfila em sequências caóticas .

Aprendi então a viver no meio

De meus fantasmas familiares 

E , enquanto posso, vou saboreando

Os instantes poucos que me restam

De alegria e gratidão, que sabedoria

Me dá, agora que juventude se foi.