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sábado, 17 de abril de 2021

A FETICHIZAÇÃO: ARMA DE CONTROLO E OPRESSÃO



A minha reflexão parte da seguinte constatação: 
A verdadeira questão não é as "performances" de um instrumento, mas sim nas mãos de quem ele está.

Este princípio aplica-se a muitas situações. 

Por exemplo, uma arma de fogo bem pode ser um excelente exemplo de tecnologia industrial, de grande qualidade técnica, etc... Mas isso, importa muito menos do que as mãos que seguram essa arma; se as mãos são as dum tresloucado, de um guerrilheiro, de um soldado que combate numa guerra, etc.

O mesmo se aplica em relação ao Estado, quando este é considerado «instrumento de organização da sociedade e de redistribuição da riqueza»: poderá estar nas mãos de uma oligarquia, de um ditador, dum pequeno grupo «revolucionário»... mas, também, nas mãos de corruptos políticos, mesmo que as leis básicas e a organização desse Estado sejam as mais democráticas...

Ao dinheiro que, em si mesmo, não é um bem ou um mal, aplica-se o mesmo princípio: pode ser usado de forma a promover o investimento produtivo, o bem-estar da população, a consolidar e renovar infra-estruturas dum país, a educar de forma adequada as futuras gerações, etc... mas também pode ser usado para a especulação, para favorecer ainda mais os que já estão muito favorecidos, para acumular riqueza, para esbanjar em luxo, etc. 

Mesmo a Natureza, obedece a esta regra: a Natureza é fonte de recursos para a humanidade, mas não deve ser vista como algo que se pode usar de modo egoísta. 
Quem detém o controlo sobre áreas vastas e não modificadas pelo Homem, como os parques naturais, as reservas da Natureza, a protecção de espécies e paisagens, deve ter uma atitude respeitosa, prudente, conservacionista. 
Mas, pensemos nos chamados capitalistas verdes, eles utilizam a Natureza como pretexto para implementar uma política regressiva. Apesar da retórica «de esquerda», vejam-se as políticas liberticidas e eugenistas lançadas pelos oligarcas mais poderosos (Gates e companhia), sob pretexto de salvaguarda da sustentabilidade do Planeta.

O que importa, sobretudo, é aquilo que se faz com o instrumento. Isto é válido, em relação a qualquer objecto, natural ou tecnológico, ou ainda, em relação a qualquer organização/instituição na sociedade e à sua cota parte de poder na mesma. 

Daí que a fetichização, quer dos objectos, quer de organizações, apesar de tão comum que passa despercebida, é indício dos problemas, nesta civilização materialista, consumista, desenraizada.

No caso das armas ou do dinheiro, trata-se de objectos/fetiches. Repare-se como a fetichização destes objectos é comum, a todos os níveis, quer nos que as possuem, quer no modo como se fala deles. 

No caso do Estado, trata-se duma organização/fetiche. A fetichização passa pela redução do mesmo, de organização complexa da sociedade, a «instrumento». 

Quanto à Natureza (objecto tão geral que assume quase um estatuto filosófico) os discursos bem intencionados não conseguem ocultar que - por detrás - há intenção de utilizar com finalidade de lucro, de poder, um bem que é colectivo, que é comum. Fala-se muito e faz-se o oposto do que se preconiza em termos teóricos. A fetichização exerce-se, neste caso, degradando a Natureza a mero «depósito de recursos» de que os humanos se vão apropriar. Na prática trata-se dum processo de apropriação e espoliação pelo qual alguns capitalistas (ditos «verdes»), causam prejuízo irremediável (depredação) aos recursos.

Não digo que a fetichização esteja na raiz de todos os problemas, porém compreende-se que este processo ajuda a obscurecê-los e, portanto, afasta a sua solução. 
Parece-me notório que este mecanismo contribui para obscurecer o debate sobre quaisquer problemas. Neste ano de 2020/2021, «o ano do COVID», tivemos a fetichização de um vírus. Tal proporcionou que os responsáveis políticos agissem ao arrepio da legalidade democrática, da própria ciência, dizendo que «seguiam a ciência»... com medidas absurdas que nos foram impostas em modo totalitário.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

«DEMOCRACIA»... PALAVRA VAZIA DE SENTIDO?

   Acontece com esta palavra, carregada de conteúdo político e ideológico, o mesmo que com muitas outras: liberdade, socialismo, justiça, igualdade... 
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As definições das palavras têm algo de arbitrário, num certo sentido, visto que resultam do costume de se utilizar uma dada palavra, num determinado sentido, numa dada sociedade e numa dada época. 

- Pertencer a tal ou tal «pátria», nem sempre significou pertencer a «uma nação, a um estado». 

O mesmo se pode dizer com muitos outros vocábulos: antes e nos primeiros decénios do século XX, a palavra comunismo teve muitos sentidos diferentes do que hoje em dia se classifica como tal (a versão marxista-leninista).

- Também, se eu pronunciar a palavra democracia, não se vai pensar que estou somente referindo o significado etimológico. Nem ninguém pensa que quero designar especificamente o sistema de governo praticado por gregos da antiguidade, a não ser que utilize uma expressão como «a democracia ateniense», ou algo equivalente...

A democracia moderna é resultante do século XIX, das diversas lutas pela emancipação dos povos em relação aos jugos imperiais ou monárquicos. Pesem embora as democracias europeias antigas e monárquicas, como a Grã-Bretanha, a Holanda ou a Suécia, o facto é que a democracia enquanto sistema de representação do povo, foi marcada pelos modelos republicanos da revolução americana e da revolução francesa. 

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Ora, no contexto dessas revoluções, tratava-se de derrubar o poder da aristocracia, que tinha como cabeça o monarca e legitimar um sistema onde os cidadãos, colectivamente, eram os detentores da soberania. Mas, essa tal soberania - desde o início - foi proclamada e exercida «em nome do povo», por representantes eleitos do mesmo. O modo de eleição variou nos mais de dois séculos e só a partir do século vinte existiu um verdadeiro sufrágio universal.
No entanto, poucos foram os casos em que se registaram formas de governo directo, ou «democracia directa»; essas formas foram muito transitórias, na maior parte dos casos. Das poucas excepções que se mantêm na actualidade, contam-se certos cantões da Confederação Helvética, em que as decisões são tomadas por voto de braço erguido, na praça pública, pelos cidadãos do respectivo cantão. 

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Hoje em dia, poucas pessoas defendem uma democracia directa como método generalizado de governo, por oposição a um governo eleito, directa ou indirectamente. 
Quem tem objecções a essa forma de organização da sociedade pensa, em geral, que essa democracia directa tem de ser feita com grandes assembleias, em que centenas de pessoas votam, de braço alevantado, as diversas resoluções.

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 Este tipo de assembleias acontece, em circunstâncias muito especiais: por exemplo, numa assembleia de grevistas (que podem ser várias centenas) onde são tomadas, por este método, muitas decisões relativas à organização da greve. Mas, no dia-a-dia, não existiria possibilidade de realizar frequentemente tais assembleias, reunindo todo o povo. 
Aparentemente, então, a democracia directa só poderia ser exercida em pequena escala ou, se numa escala maior, apenas em circunstâncias muito excepcionais. 

Porém, tal não é o caso. A democracia directa pode ser exercida de forma constante e permanente, desde que se tenha em conta as experiências passadas.
É certo que, historicamente, formas mais ou menos espontâneas de organização surgiram em contextos de luta acesa, de guerra civil, nalguns casos. Porém, isso não retira validade às mesmas. Nomeadamente, a experiência dos primeiros sovietes, durante a revolução russa de 1905 e o sindicalismo revolucionário, do início do século XX até aos anos 30 do mesmo século.
Os sovietes, erguidos pelo movimento operário e sindical no início da revolução de 1905, em São Petersburgo, Moscovo e noutros sítios, eram compostos de vários grupos participantes na insurreição. Neles, estavam presentes várias facções políticas e também os operários agrupados em sindicatos ou em assembleias de fábrica. 
Para garantir a continuidade e levar à prática as decisões tomadas nas sessões dos sovietes, eram mandatados delegados, que tinham um mandato preciso e imperativo. Eles eram eleitos para fazer determinada coisa, de determinada maneira. Os cargos eram - a qualquer momento - revogáveis pelas assembleias que os elegeram: ou seja, se houvesse alguém que - por qualquer motivo - não estava a desempenhar bem a tarefa incumbida, podia ser demitido e substituído por outro. 

Este modelo de tomada de decisão era corrente na época nas associações operárias dos finais do século XIX, inícios do século XX e foi assumido por muitos sindicatos regidos pelos princípios do sindicalismo revolucionário. 

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Os seus princípios foram consagrados na Carta de Amiens, no Congresso dos sindicatos da CGT francesa, em 1906. 
Esta poderosa corrente, em Portugal formou a CGT, em 1919, seguindo o mesmo princípio dos mandatos delimitados, imperativos e revogáveis como norma estatutária. Nenhum dirigente se podia arvorar em «ditador» dos restantes sindicalizados, visto que o controlo sobre a sua actuação repousava sempre nos seus camaradas, que o tinham eleito. Estes participavam realmente na vida interna do sindicato, a sua «associação de classe», na terminologia adoptada. A participação permanente dos associados na vida interna de uma estrutura é o que permite manter a sua democracia interna.

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As mesmas regras de funcionamento podem aplicar-se em muitas outras instâncias, com as necessárias adaptações. Tem sido aplicada em várias ocasiões e em várias latitudes, em associações culturais, em assembleias populares, em associações de vizinhos, etc. Em todos os casos, a democracia interna tem de ser garantida pela participação regular dum conjunto vasto de associados, nas reuniões. 

Quando se passa de um nível local, a um mais geral, haverá necessidade de órgãos coordenadores: para estes, as diversas assembleias mandatam (esta é a palavra-chave) alguém, ou um certo número de entre seus membros. Este mandato é, como referido acima, temporário, revogável a qualquer momento e deve incluir uma orientação concreta, da parte da assembleia que os elegeu, sobre qual o sentido do seu voto, ou a sua orientação. 
Esta forma de projectar a vontade das assembleias de base, através de delegados devidamente mandatados, chama-se federalismo. [Não tem nada que ver com as estruturas estatais que assim se denominam, ou designações dadas por medíocres analistas políticos.] 
Image result for fédéralisme proudhon oeuvreO verdadeiro federalismo corresponde à aplicação da democracia directa, em vários patamares, onde os patamares de base elegem e controlam o modo como os eleitos exercem seus mandatos.
As resoluções duma estrutura federal são, em princípio, o resultado da confluência dos elementos federados. Numa assembleia federal ou confederal pode haver e é natural que existam, uma maioria e uma minoria, mas não de forma permanente, constante, o que seria equivalente a partidos parlamentares. Pois, numa verdadeira federação, os elementos das bases podem estar em contradição entre si, mas isso será temporário e não incidirá sobre todas as questões. 
Num movimento democrático autêntico, não se evacuam ou reprimem as visões discordantes, elas são tidas em conta, sempre. Mas isso não implica nenhum consenso forçado. Alguns manipuladores têm recentemente tentado instaurar uma espécie de «religião do consenso», mas esta imposição do consenso é essencialmente estranha ao federalismo e à democracia directa. 
Na democracia directa, existe maior liberdade de opinião e mais facilidade em manifestá-la, por muito minoritária que seja. É, aliás, uma das «pedras de toque» de uma tal organização, o respeito pelas minorias: o permitir, sem coação, a expressão de qualquer ponto de vista.

Penso que a democracia directa está ainda na sua infância, embora seja a forma mais natural e mais real de participação na «coisa pública». 
Estou convencido que a questão da escala não é um problema insolúvel: a democracia directa pode ser exercida de forma articulada com o federalismo autêntico, onde assembleias de base definem os mandatos e controlam os portadores desses mesmos mandatos.
Os sistemas ditos de «democracia representativa», não são representativos, verdadeiramente, nem são, de facto, democráticos. Invariavelmente, têm segregado novas oligarquias: os «representantes», uma vez eleitos, quase sempre «esquecem» os compromissos assumidos perante os eleitores. 
Não nos pode surpreender que a democracia representativa esteja cada vez mais desacreditada. Perigosamente, tem desacreditado também a própria ideia de democracia, de participação política, de exercício da cidadania. 
Tem-se perpetuado tal estado de coisas, pela passividade dos cidadãos, pelo alheamento de muitos, pela desistência em participar. Isso é desejado e promovido pelas «elites» que nos governam, embora, hipocritamente, digam o contrário. Os poderes querem reduzir a democracia a uma escolha de «representantes», de tantos em tantos anos; essa é a «participação» desejada por eles, mas afastam e mesmo reprimem, qualquer tentativa de participação na resolução directa dos problemas pelas pessoas. 

Só uma retomada em mãos pelo povo, colectivamente, dos instrumentos de governação, poderá trazer maior democracia. 
Neste século, com o aumento da cultura e do esclarecimento das pessoas, com a exigência maior de transparência, a democracia terá de evoluir. 
Se, em vez de evoluir, a vida política se fossilizar ainda mais, a disjunção entre os princípios proclamados pelos Estados e as suas práticas, irá tornar-se muito patente, a governação será cada vez mais autoritária e isso irá catalisar transformações. 
A democracia directa será, duma ou doutra forma, cada vez mais adoptada: primeiro, em pequena escala e depois, de modo generalizado.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

FALSA EDUCAÇÃO E NEO-COLONIALISMO

Ouvir histórias verídicas, passadas no sistema escolar, contadas pelas próprias pessoas que as viveram, custa-me. Mas não tenho dúvida de que as pessoas que as contam (quando adultas), sofreram traumas, enquanto crianças ou adolescentes. 
Pergunto aos meus botões ...«como é possível»? 
- Como é possível haver pessoas que fazem coisas assim a crianças indefesas? Como é possível haver uma instituição «cega» em relação aos comportamento de certas pessoas, funcionários da sua instituição, só reagindo quando as situações se tornam demasiado conhecidas, em que já não é possível «abafar» o escândalo?
A escola de hoje é uma espécie prisão onde as crianças e adolescentes são torturados de todas as formas, para se transformarem, algumas, em monstros torturadores de professores, funcionários e progenitores, num ciclo vicioso sem fim. 
Nada do que, supostamente, as crianças e adolescentes «aprendem», fica; pelo menos, nada daquilo que seria suposto ficar. 
O ensino é mera «decoração», no sentido de «decorar» textos, quase sempre sem apreender nada do seu real significado, para logo em seguida os esquecer. 
Mas também, «decoração», como se «decora» um apartamento, com mobílias, com bibelots, etc. Também neste sentido, é algo efémero, nada que fique para «a vida». É como o «décor» que se coloca no palco para uma peça de teatro.
Por estes motivos, tenho vindo a alertar para a necessidade de se subverter a ideia-feita de que a «educação» é sinónimo de progresso, de fornecer ao indivíduo instrumentos para ele se poder desenvencilhar na vida. Este é sempre o grande (pseudo) argumento dos arautos do sistema. 
Mas, estão a distorcer completamente - com fins de propaganda - a realidade nua e crua!
Pois a escola tornou-se, em geral, uma antecâmara para o insucesso na vida. 
As pessoas que colocam a ambição dos seus filhos e filhas em determinada carreira lucrativa, em geral exigindo estudos difíceis e exigentes (sob todos os pontos de vista, também tempo e dinheiro), estão a criar neles frustração para a vida inteira. 
Até mesmo isto se passa com os chamados «muito bons» alunos: acontece que há imensos casos de jovens que chegam ao segundo ou terceiro ano dum curso de medicina ou engenharia, desencantados. Muitos, prosseguem apenas por obrigação, sem entusiasmo; outros, têm a coragem de dizer «afinal não era nada disto que eu queria» e abandonam esse curso. 
Note-se que estamos a falar dos tais 1% ou 0.01%, que viram o seu «sonho» (ou o dos pais) realizar-se e entram para o almejado curso superior, que iria conferir prestígio social e um posto de trabalho e um rendimento, confortáveis, seguros!!!
A imensa maioria dos alunos acaba por não ficar com uma formação-base, com pés e cabeça, com alguma empregabilidade, quando teoricamente deveriam ter idade para se bastar a si próprios. 
Muitos, vão para cursos que não desejaram e para os quais não têm apetência real, apenas desejam ter um «dr.» ou «eng.» apenso ao seu nome. A chancela de diplomado no ensino superior seria a «porta de entrada» nas classes médias superiores, segundo o imaginário das multidões, apenas. Este preconceito está arreigado na generalidade das pessoas, na altura em que isso deixou de ser assim. 
Do ponto de vista económico, as sociedades imbuídas de elitismo, produzem grande número de desempregados de longa duração. Muitos destes não são contabilizados, porque «frequentam um curso superior». Outros, têm frequência de cursos superiores com especializações que nunca irão exercer na vida activa. Por fim, uma minoria de licenciados ou mestrados, encontra empregos correspondentes à sua formação académica. E, destes poucos, em boa justiça, seria preciso descontar os que exercem docência, em qualquer nível de ensino, porque manter esta função docente, é condição para perpetuar o próprio sistema. 
Do ponto de vista humano, as coisas não são mais positivas. As múltiplas patologias - as depressões, o bullying ou assédio, o burn-out ou exaustão, etc...-  relacionadas, a um ou outro nível, com insucesso escolar e profissional, seriam demasiado complexas para serem descritas em alguns parágrafos. 
São, porém, uma carga de sofrimento humano, que se estende a toda a sociedade. Esta, está «cega» a tais patologias. Elas são vistas como se fossem primariamente culpa do indivíduo e/ou dum conjunto muito particular de circunstâncias. O célebre reflexo de «enterrar a cabeça na areia» é aquilo que mais se vê. Poucas são as pessoas situadas em postos de responsabilidade e decisão que tentam abordar de modo sério as diversas patologias decorrentes da organização da nossa sociedade.

O pior, é a sociedade e o poder político resignarem-se a este estado de coisas. O primeiro passo deveria ser a classe média aceder ao grau de consciência do que está a suceder, para - ela própria- exercer pressão sobre o poder político e empresarial, por forma a que tal estado de coisas evolua. Para que não se perpetuem estas aberrações, de geração em geração!

Algo de alternativo aos diplomas superiores deveria existir e funcionar, neste país. Não seria algo inédito ou estranho, pois existe noutros países: sistemas de «creditação» fora dos percursos clássicos. Isto deveria ser tentado seriamente: a importância da formação na empresa, como meio de proporcionar aos indivíduos formas de acesso ao emprego com remuneração digna e de acordo com as suas capacidades e expectativas e de proporcionar às empresas as modalidades de formação em recursos humanos adequadas à sua actividade. A fluidez de percursos académicos e profissionais deveria ser muito maior. 
Não se compreende que não exista uma planificação flexível, ao nível do Estado, das Autarquias, das Universidades, estabelecendo prioridades e quantificando necessidades. A não ser que isso seja visto como sintoma típico dum país neo-colonizado, mas simultaneamente com veleidades de país «rico». 
Portugal dá-se ao «luxo» de não gerir seus recursos humanos em múltiplas áreas... se exceptuarmos algumas empresas ditas de «ponta», algumas multinacionais. 
O «material humano» é o mais precioso bem que se tem numa sociedade, mas os nossos dirigentes ignoram isso, não se importam que este país seja exportador líquido de «cérebros», nomeadamente para outros países europeus ....

Se as pessoas avaliassem os dirigentes (na política, na instituição escolar e universitária, no meio empresarial, etc.), não por aquilo que eles proclamam, mas por aquilo que fazem, efectivamente, talvez as coisas pudessem correr melhor para Portugal e os portugueses.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

MERCADO DE OBRIGAÇÕES SOBERANAS = ESQUEMA DE PONZI PLANETÁRIO

                

Para as pessoas não embrenhadas nas subtilezas dos mercados financeiros mundiais, a diminuição constante das taxas de juro das obrigações, nomeadamente as que são emitidas pelos Estados (obrigações «soberanas» ou «do tesouro»), pode parecer misteriosa(*). De facto, a media convencional faz tudo para ocultar a realidade, admitindo que os jornalistas económicos tenham um acesso, pelo menos igual ao meu, à informação sobre estas questões.



A explicação que é dada - normalmente - prende-se com o «relançar da economia». Com efeito, segundo o esquema clássico, um investimento em obrigações (a taxa fixa durante um certo número de anos) terá um retorno inferior ao investimento do capital num mercado mais dinâmico, como o das acções cotadas em bolsa. Em termos de rendibilidade /segurança, os investidores que tiverem um apetite maior para o risco, irão escolher investimentos com maior rendibilidade (as acções), em detrimento dos que ofereçam maior segurança (as obrigações). Se o ambiente económico geral é de optimismo, haverá maior tendência para os investimentos com maior risco, o inverso se passando quando se entra em recessão, ou quando a economia abranda e se perfila uma recessão no horizonte.

Se aceitamos a lógica tradicional, então esta descida constante das taxas de juro das obrigações soberanas, em paralelo com a subida das bolsas, seria sinal de que «tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis».
Porém, o mercado das obrigações soberanas, como todos os mercados financeiros hoje em dia, sofre distorções, está viciado, é um jogo em que Estados, os bancos centrais e a grande banca exercem uma pressão constante.
Hoje sabemos que os bancos centrais de muitos países (cerca de 30), retomaram o caminho de «quantitive easing», ou seja, de fornecer dinheiro (aos bancos comerciais) em grande quantidade.
O banco central americano - a «FED» - tem estado ultimamente a fornecer 60 a 75 biliões (segundo Jeff Berwick, o montante diário é de $160 biliões) aos bancos comerciais, para que não «seque» o mercado inter-bancário de empréstimos a curto prazo («overnight lending»).
Este afluxo de dinheiro fresco é obtido pela compra de activos financeiros, que os bancos possuem em reserva, nomeadamente obrigações do tesouro desses mesmos países. Os bancos dos EUA terão uma grande quantidade de reservas sob forma de obrigações do tesouro americano, o banco central europeu e os bancos comerciais da zona-euro, têm uma percentagem elevada de obrigações do tesouro dos países membros da zona-euro, etc. Portanto, havendo procura elevada, mantida pela compra constante dos bancos centrais destas obrigações, os respectivos juros vão diminuir. Isto deve-se ao facto dos portadores de obrigações ficarem com uma maior garantia de que conseguirão facilmente vendê-las, havendo sempre compradores, quanto mais não seja, os bancos centrais.
Chega-se a um ponto em que a procura de obrigações soberanas aumenta, por parte de investidores particulares e institucionais, devido às incertezas da economia.
Nesta altura, aquelas obrigações são percebidas como investimento-refúgio, não são adquiridas com o objectivo de obter lucro, mas de garantir o capital. As obrigações começam a ter uma remuneração muito baixa, abaixo da taxa de inflação do país de emissão, para atingir, depois, uma taxa negativa: ou seja, chega-se à situação dos investidores comprarem obrigações, por exemplo, 1000 euros a dez anos, com a certeza de que, após dez anos, irão recuperar 998 euros.
Em artigo anterior, já tinha explicado como é que o mecanismo destas obrigações com juros negativos, se instalou: a incerteza dos actores institucionais, em relação aos mercados, a incerteza quanto à continuidade no longo prazo do Euro, tem levado a que as obrigações soberanas alemãs (e outras) sejam compradas com taxas de juro negativas. Com efeito, o marco alemão, no qual seria pago de volta o capital investido nas obrigações, no caso dum rebentamento da zona euro, seria cotado - segundo várias estimativas - muito acima (cerca de 20% acima, segundo alguns) do valor do euro, nessa altura.
Mas o investidor particular, que faz o cálculo e avaliação acima descritos, não pode ser responsável exclusivo da enorme quantidade de dinheiro aplicado em obrigações com rendimento negativo que existem hoje, ao nível mundial (cerca de 14 triliões de dólares).
Os diversos investidores institucionais são obrigados, pelas regras em vigor dos seus países, no que respeita à estrutura das suas reservas, a deter significativa percentagem de activos em «valores seguros».
Nestes, estão incluídas as obrigações do tesouro, nomeadamente, dos países onde estas instituições estejam sediadas. Tais imposições legais na estrutura dos activos detidos em reserva, dizem respeito a bancos comerciais, a fundos de pensões, a fundos das seguradoras, etc.
Nos EUA e noutros países, os governos têm estado cronicamente a pedir emprestado mais do que recebem sob forma de impostos. O resultado, é um crescimento da dívida soberana, ao longo dos anos. Com o aumento da dívida, dá-se o aumento dos juros da mesma, que tem de estar incluído nas contas dos orçamentos dos respectivos Estados. Se parte significativa do orçamento é destinada a pagar juros, estas somas não vão ser canalizadas para outros fins, investimentos - directa ou indirectamente - produtivos (e, portanto, não poderão gerar receitas de impostos).
Esta espiral descendente não pode prosseguir de modo indefinido: o dinheiro que é necessário subtrair para pagar os juros da dívida torna-se incomportável para a economia desses países.
Os Estados têm interesse em que baixem os juros da sua dívida soberana, pois assim podem liquidar com dinheiro recém-emprestado, as dívidas antigas, pagando juros mais elevados: por exemplo, se obtiverem um novo empréstimo com juro de 2%, poderão, com esse dinheiro, liquidar dívida que tinha um juro de 4%.
Mas, se este movimento descendente dos juros alivia as contas dos Estados, do ponto de vista da poupança, ele é lesivo. As taxas de juro dos depósitos e dos fundos de poupança estão indexadas à taxa de juro das obrigações soberanas. Se o juro da dívida pública diminui, a remuneração do dinheiro, mantido nas contas a prazo, irá diminuir, mais ou menos na mesma proporção. Os particulares e os investidores institucionais são induzidos a procurar maior rendibilidade do capital, investindo em fundos especulativos, portanto com muito maior risco associado.
Mas, o pior de tudo é o comportamento de risco, induzido nos investidores institucionais: observa-se o aumento do risco, na procura de maior rendimento na Segurança Social pública, ou nos fundos de pensões privados, pois estas instituições têm uma pressão muito grande pelo aumento de pessoas que atingem a idade da reforma, enquanto devido ao desemprego elevado e à baixa natalidade, há cada vez menos pessoas a descontar para estes fundos. Isto significa que a bolsa e os mercados de derivados vão ser áreas financeiras com maior peso destes grandes investidores, como forma de manterem os pagamentos das reformas presentes e futuras, a que estão obrigados.
Devido a isto, quer os fundos de pensões públicos, quer os privados, estão demasiado expostos; corre-se o risco das pensões não serem pagas, por falência. Já ocorreram situações destas em fundos de empresas (privados) e públicos (fundos municipais e outros) nos EUA. Numa eventualidade de crise severa, os sistemas público e privado de pensões irão à falência, nos países de economia de mercado.
A diminuição das taxas de juro da dívida pública, sendo um «alívio» para as finanças públicas, por um lado, por outro é uma catástrofe em perspectiva (cuja dimensão se vai avolumando com o tempo) para as instituições que são garantes das nossas pensões ...
Existe portanto uma contradição insanável entre o interesse da generalidade das pessoas (os pensionistas de hoje e os de amanhã) e o interesse dos que governam os Estados. Estes, são entidades orientadas pela classe política, essencialmente, para ela própria se manter no poder. «Custe o que custar» e «depois de mim, venha o dilúvio» são estes os motes que norteiam a classe política. Evidentemente, ela não diz isso ao seu eleitor!
O esquema de redução da dívida, por redução das taxas de juro das obrigações soberanas, tem sido praticado por todos os Estados europeus sobre-endividados graças ao BCE. São realmente muito poucos, os que não têm precisado de pedir dinheiro emprestado.
Se os empréstimos fossem destinados ao investimento produtivo, o lançamento de dívida pública não seria um problema, desde que a rendibilidade dos investimentos públicos fosse garantida, dentro de um certo prazo. Neste caso, as dívidas contraídas seriam pagas pelo acréscimo de receitas em impostos, em consequência do maior desenvolvimento económico. Porém, não é nada disto que se passa, na generalidade dos casos.
- Em muitos casos, trata-se de cobrir despesas do próprio serviço da dívida, os juros e o capital em dívida, com o novo empréstimo contraído, o que significa - ao fim de certo tempo - uma acumulação incomportável de dívida e de juros.
- Muitos governos lançam programas ambiciosos, mas sem sustentabilidade, para agradar aos eleitores. Depois, têm de cobrir os défices do orçamento com mais empréstimos.
- Noutros casos, «têm de» socorrer instituições bancárias ou outras, que entram em incumprimento. Os governos preferem ter perdas severas, a terem de gerir a situação de bancarrota de um banco, causando pânico generalizado. Por exemplo, tal foi o caso em Portugal, com a falência do BES [Banco Espírito Santo] e de vários outros bancos...
Quando as dívidas públicas e privadas se acumulam de forma exponencial, os Estados e respectivos bancos centrais emitem mais moeda, para «pagar» a dívida, arriscando deste modo fazer disparar a espiral da inflação. Desta maneira, estão a diluir o poder de compra da divisa, ou seja, o seu valor real. É assim que ocorre a perda do poder de compra dos salários, das pensões, das poupanças. Em suma: rouba-se os pobres. É este o caminho que os Estados do Ocidente, mesmo os mais poderosos, têm trilhado, após a crise de 2008.
Agora, nos EUA, na UE, na China, foi retomado ou ampliado o «quantitive easing» (ou seja, impressão monetária, use-se este ou outro eufemismo!). Esta impressão monetária destemperada não é uma escolha dos bancos centrais. Estão encurralados a fazer isso, pois a alternativa era deixar o sistema evoluir sem intervenção. Eles temem que, se não houver intervenção, os valores inflacionados desçam bruscamente, desencadeando um crash e uma brutal recessão mundial. Como se vê, estes banqueiros centrais e governos, entalaram-se a si próprios, colocaram-se a si próprios num beco sem saída.
Globalmente, este estado de coisas é insustentável e a próxima recessão não vai ser suave e passageira, mas antes uma longa depressão, em que muito vão sofrer as classes menos abonadas. Mesmo uma fatia significativa das classes médias será duramente afectada.

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(*) NOTA: Pode-se pensar que o aumento da dívida vá fazer subir as taxas de juro. Porém, é exactamente o contrário. 
Harry Dent, cita o economista Lacy Hunt, que explica o fenómeno:
 https://www.silverdoctors.com/headlines/world-news/harvard-trained-economist-what-higher-debts-do-to-bond-rates/

terça-feira, 15 de outubro de 2019

O VALOR-FÉTICHE DO DINHEIRO-PAPEL E A RAZÃO ÚLTIMA DA SUBIDA DO OURO



         
Considero irónico que seja alguém como Egon Von Greyerz, um gestor de armazenamento de ouro de grandes fortunas, na Suiça, que nos venha mostrar de forma clara e inequívoca, no artigo «Num mundo ilusório, é o ouro que fala verdade», a inanidade do pensamento económico contemporâneo, a criminalidade dos que gerem os nossos destinos e a obscuridade em que nos deixa a media corporativa!

A realidade é a coisa mais difícil de se reconhecer, especialmente quando se tem sido toda a vida condicionado por um conjunto de crenças, alicerçadas em práticas sociais, em pseudo-ciência, em coação também; em suma... a pensar-se dentro do rebanho.
Porém, há verdades evidentes que acabam por furar a redoma de ilusão na qual é mantida a sociedade, para benefício de alguns poucos e para grave prejuízo da imensa maioria.
Uma das ficções mais persistentes que a nossa sociedade tem suportado, e que está agora a ruir, é a do valor do papel-moeda.
Com efeito, as moedas de todos os países, estão (desde há cerca de 45 anos) adossadas em nada mais que à promessa do governo respetivo que a emitiu, em reconhecer e aceitar esse papel impresso, como forma válida dos cidadãos pagarem as suas dívidas, nomeadamente ao Estado, sob forma de impostos, taxas, etc.
Estão hoje em dia à vista os malabarismos decorrentes deste extraordinário postulado, que seria extravagante, não fosse ele suportado pelos muito reais e materiais meios de coerção que os Estados possuem para obrigar os cidadãos a cumprir com as suas obrigações fiscais.

No entanto, os que estão a destruir a moeda-papel, são - nada mais, nada menos - que os próprios bancos centrais e os Estados respectivos. 
Com efeito, a impressão monetária (quer se chame QE = quantitative easing, ou outro nome) constante e em grandes quantidades, vai parar às contas da banca, supostamente «demasiado grande para ir à falência», não da economia comum, do dia-a-dia. Este dinheiro é também responsável pelo inflacionar de bolhas, sobretudo nas bolsas e no sector financeiro, embora as pessoas comuns possam notar mais isso no imobiliário, pois vai inviabilizar o seu acesso à habitação, sob forma de casa própria, ou de aluguer.

Como é evidente, o papel-moeda em si mesmo, vale - na medida e somente na medida - em que as pessoas lhe atribuem e reconheçam valor. O valor facial ou nominal de uma nota bancária não é mais do que uma unidade de contabilidade. O valor reside na capacidade ou potencialidade desse bocado de papel ser trocado por outras coisas. 
Ora, as pessoas trabalham por esses bocados de papel porque sabem que estes lhes permitem comprar os bens e serviços indispensáveis para si e para suas famílias, sem o que é evidente que não se incomodariam a trabalhar longas e penosas horas, cinco dias por semana (ou mais) para «um papel sem valor». É aqui que nasce o duplo paradoxo:
- a atribuição (universal) de valor a algo que não tem intrinsecamente nenhum; algo que pode ser fabricado a custo zero pelo Estado; o dinheiro-papel é um símbolo.
- mas símbolo de quê, da equivalência ao trabalho, directamente ou indirectamente, investido na obtenção desse tal papel colorido?
Afinal, essa era a tese de Marx, de que o dinheiro é apenas uma forma «congelada» e condensada  de capital, resultante do trabalho. Com efeito, esse tipo de relação com o dinheiro está inegavelmente presente nas sociedades contemporâneas. A imensa maioria precisa de trabalhar para obter a quantidade suficiente dessas unidades, às quais é atribuído valor (é quase magia) para aquisição de bens e serviços.
Porém, a esta forma de obter dinheiro, por transformação de trabalho em mercadoria ou serviço (a essência da economia capitalista), sobrepõe-se outra, que atingiu um volume deveras monstruoso e não tem nada que ver com a progressão das forças produtivas, com produção de mercadorias ou serviços. 
Refiro-me ao dinheiro criado «ex nihilo» pelos bancos centrais e pela banca comercial. Este dinheiro serve, directa ou indirectamente, para alimentar a especulação. 
Fortunas, baseadas nesta economia de casino, têm esta origem: a riqueza, como a matéria e a energia, não se destrói...transforma-se.
Quando vemos mansões que são autênticos palácios, iates, carros de luxo, ou grandes edifícios de grandes companhias multinacionais, muitos deles, obras de arte dos melhores arquitectos, recheadas de equipamento e decoração dispendiosos, sabemos que estes correspondem a um excedente, que não foi resultante do trabalho árduo e honesto dos proprietários (ou dos accionistas, no caso das multinacionais), mas de uma qualquer manigância ou duma soma de manigâncias, que permitiu amassar uma fortuna. 
Esta fortuna, embora tenha uma componente de exploração directa do trabalho assalariado de outrem, é - sobretudo - resultante da especulação, do acesso a empréstimos a custo zero (ou quase), aos quais certos indivíduos e empresas têm acesso, como privilégio da sua proximidade ao poder. 
A obtenção a custo zero, por uma pequeníssima oligarquia, do dinheiro «fiat» (= não tem suporte, senão a palavra do governo) constitui um fenómeno totalmente novo no capitalismo, ao qual nem Marx, nem outros depois dele (incluindo vários contemporâneos) podiam ter sequer imaginado. No século XIX a especulação existia, nas bolsas e noutros domínios da economia mas, no tempo de Marx (e mesmo bem mais tarde), era um fenómeno marginal. 
Quando Marx explicou o início dos empórios capitalistas através da ACUMULAÇÃO PRIMITIVA, sobre os despojos coloniais, não podia prever que outras e novas formas de acumulação teriam lugar, século e meio depois de sua morte! 
Hoje em dia, a acumulação de capital que permite amontoar de fortunas colossais é obtida por meios bem diferentes dos séculos passados. Hoje, trata-se simplesmente de obter dos Estados e dos respectivos bancos centrais, empréstimos de elevadas somas, com juros a praticamente zero. 
Estas benesses, porém, não estão ao alcance de qualquer pessoa, nem mesmo de capitalistas de média dimensão. Apenas as multinacionais, a grande banca, os fundos bilionários e as esferas mais próximas do poder, possuem este privilégio. 
Por exemplo, ao postular que um banco «não pode ir à  falência»... o que se está a proporcionar? 
- Que todas as apostas, mesmo as mais arriscadas e as mais idiotas, que a direcção desse banco faça, terão a cobertura do respectivo Estado: lá estará ele para «amparar», «limpar», «reparar», os estragos feitos!

Mas afinal, o Estado obtém o dinheiro dos impostos, os quais são pagos pelos cidadãos. Estes, de uma forma ou de outra, contribuíram com o seu trabalho para criar valor e foram remunerados em dinheiro. É apenas devido à ocultação de todo o esquema fraudulento,  que esse dinheiro, resultante do trabalho, vai impunemente parar às contas das empresas, da banca e dos fundos que se portaram mal... mas que o Estado - supostamente- não poderia deixar falir! É um autêntico ataque em forma, um saque, feito às pensões de reforma  e aos salários dos assalariados, levado a cabo a partir do Estado e governo, pelos dirigentes que choram lágrimas de crocodilo...
Uma media ao serviço dos poderosos encarrega-se de ocultar e baralhar os factos - insofismáveis - que emergem duma análise rigorosa das políticas económicas e financeiras.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

SEGURANÇA SOCIAL PERDEU 18,6 MILHÕES POR FALÊNCIA DE FUNDO ESPECULATIVO


                           
Comentário à notícia «Fundo de pensões perde 18,6 milhões de euros» (Jornal «Observador») por Manuel Banet:



O Fundo de Estabilização da Segurança Social não é uma estrutura sem importância; é este fundo que assegura que as pensões sejam pagas no futuro.
Abaixo, lendo a notícia do «Observador», verifica-se que afinal se trata de mais um ataque à Segurança Social, POR QUEM MAIS DEVERIA ZELAR PELA SUA SUSTENTABILIDADE, mais precisamente por Vieira da Silva, quando ministro de governo Sócrates, o mesmo que preside à pasta no governo de António Costa.
A FINPRO vai à falência mas, desde o princípio, esta foi uma aposta arriscada. O que o ministro dá como «justificação» é apenas uma constatação da sua incompetência. Mas é muito provável que tenha havido, além de incompetência, favoritismos, pois este fundo, FINPRO, que a cidadania comum nunca ouviu falar, obteve logo a participação de 10% pela Segurança Social e de 17,2% da Caixa Geral de Depósitos (banco do Estado). Isto tem contornos muito estranhos. No mínimo, seria caso para o Ministério Público abrir inquérito judicial sobre esta empresa financeira, como foi constituída, que gestores teve, o que ocorreu na sua curta existência, quais as perdas que acabaram por levar à declaração de falência… 
As responsabilidades políticas, mas sobretudo civis e criminais – a existirem neste caso – não deverão continuar impunes! 
Só o Fundo de Estabilização da Segurança Social perdeu 18,6 milhões de euros. Para se ter uma ideia da gravidade de tal perda, basta saber-se que o valor total das pensões pagas em 2018, rondou os 20 milhões de euros!

 NOTÍCIA: O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), onde se concentra o dinheiro que pagará, no futuro, as pensões, perdeu 18,6 milhões de euros devido à falência de um dos principais investidores, a Finpro, diz hoje o Correio da Manhã na sua edição impressa. A empresa era, de resto, uma das maiores devedoras da Caixa Geral de Depósitos, que com a falência da Finpro perde igualmente uma quantia considerável de 23,8 milhões de euros, já que detinha 17,2% da empresa. O FEFSS detinha 10% da Finpro, daí ter perdido menos do que o banco.
O investimento da FEFSS na Finpro surgiu em 2005 e, mais tarde, em 2007, durante o Governo de José Sócrates, no qual o ministro da Segurança Social era precisamente o atual, Vieira da Silva. Na altura, o investimento na empresa foi justificado com o objetivo e a vontade de se “diversificar a carteira” do fundo. Passados 14 anos, a aposta parece agora ter sido errada, mas o Ministério da Segurança Social já identificou o que correu mal: segundo o ministro Vieira da Silva, citado pelo diário, a crise económica que se espoletou em 2008 não permitiu a dispersão do capital da empresa em bolsa, “não deixando alienar a participação detida pela FEFSS em caso de evoluções menos favoráveis”.
Há que destacar que numa auditoria feita ao FEFSS em 2010, o Tribunal de Contas considerou o investimento “muito arriscado pela alavancagem associada”, acrescentando ainda que o processo de investimento na Finpro não foi “absolutamente transparente numa primeira fase”, quando se estabeleceu o contacto entre FEFFS e a empresa.
Contudo, desde o ano de 2011 que o Fundo de Estabilização da Segurança Social valoriza ano após ano. Os últimos dados, por exemplo, dão conta que de 2016 para 2017 a FEFSS valorizou 10,7%, passando de 14.246 milhões de euros para 15.768 milhões, respetivamente. O FEFSS foi criado em 1989 com o intuito de contribuir para o equilíbrio e sustentabilidade do sistema de pensões. 
O seu objetivo principal era gerar sempre valores que cobrissem 24 meses de pensões. Em 2017, o fundo tinha capital suficiente para pagar 15 meses.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

MEDIA MANIPULA PÚBLICO: ADSE E GREVE DOS ENFERMEIROS

                              Conselho da ADSE diz ser preocupante evolução do saldo para 2019

Nesta guerra suja de grandes empresas  de saúde, contra o Estado e o sub-sistema de apoio aos funcionários, vulgo ADSE, a media (quase toda) avança com argumentos que, objectivamente, favorecem e fortalecem a posição dos tais grupos privados. 

Quando se enfatiza, exclusivamente, como nesta notícia, entre muitas outras, o aumento enorme que os utentes do sistema ADSE terão de pagar a partir de meados de Abril, para obterem consultas em unidades destes grupos, está-se a aumentar a pressão sobre o governo e sobre a ADSE, para ceder naquilo que os grupos privados de saúde pretendem. Não se esclarece, porém, qual a posição respectiva de cada parte em litígio.

Eu tentei compreender o que estava na origem do diferendo entre a ADSE e esses grupos de saúde (hospitais privados da Luz, dos Lusíadas, da CUF...). 
Segundo os protocolos assinados entre a ADSE e esses grupos, os tratamentos aplicados nos internamentos hospitalares eram reembolsados aos hospitais, até um montante de 10% a mais (110%) do seu valor médio de mercado: 
- Ou seja, se uma unidade de tratamento (por exemplo, uma dose de medicamento) tiver o preço médio de 1 €, os hospitais serão reembolsados integralmente, se cobrarem até ao montante de 1,1 €. 
Porém, é frequente os hospitais privados carregarem a nota relativa a todos esses componentes das facturas dos internamentos. Segundo o protocolo em vigor com a ADSE, os hospitais são obrigados, nestes casos, a devolver tudo o que cobraram, acima do referido montante. Este mecanismo tem como objectivo evitar que a ADSE seja defraudada, com facturação excessiva de medicamentos e outros elementos consumidos no interior das estruturas hospitalares. 
A dívida de hospitais privados relativa a tal retorno de facturações excessivas, em relação à ADSE atingiu montantes enormes - salvo erro, da ordem de 48 milhões de € - o que, note-se, é inteiramente da culpa das referidas estruturas privadas de  saúde. 
- Que sentido tem cobrar 2000% a mais por cada comprimido em relação ao seu preço normal, quando este é fornecido num internamento? 
- É um meio abusivo de sacar à ADSE verbas muito acima do serviço realmente prestado aos utentes. É uma fraude, ainda por cima, massiva e continuada. 
Pois, os referidos grupos privados de saúde queriam forçar a ADSE a renunciar à cobrança desses montantes, o que mostra a total ausência de boa-fé destes grupos capitalistas da saúde. 
Eles usam uma arma muito poderosa: o medo dos utentes de ficarem sem os cuidados a que estão habituados, nesses hospitais e clínicas. 
Mas a ADSE estaria em maus lençóis se cedesse à chantagem e os utentes da ADSE também, obviamente: seria um entorse ao contrato entre as partes, constituindo um precedente preocupante, pois significaria que os privados iriam continuar a cobrar somas astronómicas pelos diversos materiais fornecidos aos doentes da ADSE, em internamento naqueles hospitais privados.
                                  

A luta dos enfermeiros, que se radicalizou ultimamente, já vem de longe, assim como as lutas doutros grupos profissionais (professores, outros funcionários...). Estas greves têm sempre uma media apostada em difamá-las. As pessoas não se indignam talvez o suficiente, com isso. 
Aquilo que fazem os media, é sabotar as greves, com reportagens em que pessoas se queixam (justa ou injustamente) dos prejuízos que lhes causa a greve X. 
Pois as greves têm que ter efeitos, ou não seriam eficazes. O hipertrofiar desses efeitos nos media, pela exposição dos mesmos em contínuo, equivale a anular (psicologicamente) a justeza, as razões legítimas, dos grevistas. Também não se costuma ver, ou apenas muito rapidamente, os sindicalistas e os grevistas a explicar as razões de seu movimento, porque motivo tiveram de recorrer à greve, etc... Isto mostra a parcialidade e ausência de deontologia dos media (sobretudo, dos que controlam o fluxo das notícias nos mesmos).

Tal como em relação aos movimentos de greve, a imprensa ao serviço dos interesses corporativos, está a fazer campanha (de forma hipócrita!) a favor dos grupos privados de saúde, contra a ADSE e contra o Estado. 
No meio disto, os interesses legítimos dos funcionários públicos e dos reformados da função pública, não contam, senão como objecto de manipulação e de contenda política.
Seria o mínimo, os responsáveis da Saúde e da ADSE clarificarem completamente a situação e garantirem o acesso aos cuidados de saúde da população. 
O público, em geral, está também a ser instrumentalizado de forma a isolar os «privilegiados», que beneficiam da ADSE, ou seja, pôr uma parte da população contra a outra, para servir a agenda da medicina corporativa.
Sabe-se que os utentes da ADSE descontaram e descontam ao longo de suas carreiras, quer no activo, quer depois de reformados, montantes elevados (da mesma ordem que seguros de saúde). 
Têm direitos que devem ser respeitados por todos. 


quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

QUAL É O VERDADEIRO CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES?

Neste início de 2019, escrevo reflexões que podem - ou não - estar caducas, obsoletas, dentro de pouco tempo. Mas, de qualquer maneira, se escrevo «para a posteridade», é só para a posteridade de mim próprio, ou seja, para eu próprio saber me situar no futuro em relação ao presente, uma medida do caminho que o mundo percorreu e que eu acompanhei, ou não...

Em primeiro lugar, estamos perante uma viragem tectónica de civilização. De uma civilização mundializada sob um paradigma totalitário tecnológico, estamos a passar para um paradigma onde se podem afirmar uma multiplicidade de actores, de poderes, de produtores de saber e técnica. Neste aspecto sou optimista, pois este tipo de evolução - creio  - será mais benéfico para a humanidade e para a civilização, do que uma monstruosa centralização de poder, por cima de diferenças culturais e de desenvolvimento económico, como o globalismo mais desenfreado nos queria (e quer) impor. 

Em segundo lugar, confirma-se a tendência para a perda de hegemonia do dólar enquanto moeda principal das trocas comerciais e como moeda de reserva dos bancos centrais ao nível mundial. Assim, estou convencido de que os próprios EUA vão estar mais centrados em si próprios, mais interessados em desenvolverem o seu próprio potencial e menos interessados em projectarem o seu poderio em todas as direcções. 
O mundo vai sofrer uma crise económica de grande amplitude, esta vai ser um banco de ensaio para novas soluções ao nível monetário.
Consoante ganhe a visão totalitária tecnológica ou a visão multipolar soberanista, teremos um tipo de relacionamento diferente ao dinheiro e à forma como o encaramos: Como reserva de valor, ou como instrumento de submissão e chantagem; como fruto do trabalho, ou como produto de extorsão (mais-valia)...

As múltiplas facetas do dinheiro vão estar em jogo neste período de transição. Vai continuar a tentativa de digitalização absoluta e total, o que forneceria aos Estados e grandes corporações um meio de controlo totalitário dos cidadãos, até ao pormenor mais ínfimo das suas  vidas. Mas também se vão desenvolver criptomoedas completamente fora do controlo dos Estados, assim como esquemas de troca, de partilha, de construção de relações sociais não-mediadas pela visão capitalista de valor. 


A perda de centralidade do valor "trabalho" para a estruturação das sociedades e das vidas individuais das pessoas vai continuar a desenrolar-se e a causar muito sofrimento e disfunções: por muito que sofram desta disjunção as actuais gerações, a continuidade da sociedade, enquanto tal, deverá obrigar a um salto qualitativo dos valores que enformam a mesma: Vai haver outros meios para manter uma coesão social, para permitir um funcionamento colectivo do organismo social. 
Não posso adivinhar quais serão esses outros meios, nem sequer quanto tempo durará este processo de desagregação da sociedade baseada no valor trabalho. Mas, tenho a certeza que esta tendência se irá reforçando, pois ela se verifica, no mínimo, há três décadas; não é uma novidade.

O binómio capital-trabalho precisa de ambos os pólos para subsistir: se o pólo «trabalho» é inviabilizado, o pólo «capital» está imediatamente condenado, também. Por isso mesmo, embora tenha esperança na transição para uma sociedade pós-capitalista, não posso concebê-la como um tipo de capitalismo de Estado, vulgarmente designado como «socialismo» ou «comunismo», isso seria uma aberração. 
O Estado está para o capital, como o cofre está para o dinheiro ou as jóias que contenha. A função do Estado é preservar a estrutura da sociedade, onde se procura uma concentração de poder cada vez maior. O desígnio do Estado, enquanto tal, e de todos os seus actores políticos relevantes, ou seja, que disponham de alguma forma de poder, é de centralizar - cada vez mais - o referido poder sob todas as suas formas: político, jurídico, militar, policial, administrativo, económico, educacional e cultural... Por isso mesmo, qualquer partido é tendencialmente totalitário, mesmo que se auto-defina como «anti-totalitário», na sua ideologia. Com efeito, todos os partidos aspiram ao poder e, uma vez no poder, não desejam realmente partilhá-lo com os outros; se o fizerem, é porque não têm outra escolha. 

No sistema político dos países ditos «ocidentais», o poder dos aparelhos ideológicos e dos partidos, em particular, está fortemente limitado. Não é que as suas propostas tenham perdido actualidade, ou sejam menos adequadas ao mundo de hoje, do que o foram no momento do seu auge (talvez o auge, na sociedade portuguesa, tenha sido nos anos 70 -80 do século passado). 
A verdadeira razão da decadência do pensamento ideológico e partidário é que todos estão espartilhados por uma série de dependências económicas profundas, de conivências, cuja trama apenas é perceptível para os que observam o lado de dentro, do outro lado do palco, dos bastidores. 
O regime instaurado nas chamadas democracias liberais é um sistema intrinsecamente corrupto, independentemente da integridade pessoal do actor A ou B ou C. 
Isto, porque a capacidade de ganhar ou perder eleições está constantemente dependente de enormes máquinas de propaganda, que custam dinheiro, muito dinheiro mesmo. 
Todos os que querem ascender a presidentes ou primeiros-ministros, sabem que a  possibilidade de o serem depende - em primeiríssimo lugar  -da capacidade de veicular a sua mensagem, de «vender» a sua pessoa, ao eleitorado. 
Para tal, os conselheiros de imagem, que fazem o marketing eleitoral, são pagos a peso de ouro e dispõem de somas colossais para as suas campanhas de imagem. Sem isso, não haverá hipótese de qualquer candidato vencer. 
Por outro lado, os que fornecem os fundos são grandes capitalistas, empresas, entidades ou pessoas que têm algo a ganhar em termos muito pragmáticos, se o eleito for o candidato A e não B. As doações de tais entidades estão implícita ou explicitamente associadas a promessas e favores... 
O simples cidadão pode ter a ilusão de fazer uma escolha, mas esta, na realidade, não existe pois o jogo é determinado pelas forças do poder económico (incluindo potências estrangeiras e empresas multinacionais).

As pessoas só tomarão as vidas nas suas próprias mãos, quando descobrirem como têm sido desapossadas, menorizadas, como lhes tem sido extorquida a seiva vital. 
Todas as formas de autonomia, de cooperação, de entre-ajuda, de associativismo, que a humanidade já experimentou e experimenta, são bases perfeitamente adequadas para a construção duma sociedade política e económica do futuro: a única coisa que falta é lucidez e vontade de autonomia. 
As jovens gerações irão ser constantemente desviadas por ideologias e por consumismos, umas e outros com aparência de serem soluções «fáceis», imediatas, que vão ao encontro das aspirações confusas dos jovens. Acredito que algumas comunidades intencionais possam realizar - em parte - uma aproximação a esse novo paradigma social. 
Não acredito que uma revolução política possa trazer isso. 

As revoluções políticas que vimos ao longo do século XX trouxeram sofrimento, opressão, injustiças, por vezes ainda piores que as que vigoravam anteriormente. Os motivos profundos que levaram ao seu triunfo e manutenção têm a ver com o estádio de desenvolvimento das sociedades respectivas e da necessidade de consolidação dos Estados, como esteios do modo de produção capitalista. 
Pouco importa, se estes sistemas produziram capitalismos baseados na propriedade individual ou colectiva (capitalismo de Estado). O facto, é que em ambos os casos, oprimiram - tanto quanto o necessário - os seus povos. 
Não interessa reproduzir os erros do passado; por isso mesmo é muito importante estudá-lo atentamente, de forma a que se compreenda o que não fazer... 

É mais fácil agora imaginar sociedades funcionando segundo esquemas descentralizados, com as revoluções das comunicações e das energias renováveis. 
Uma e outra, que - aliás - estão muito estreitamente associadas, foram desviadas pelos senhores do capital para obterem um suplemento de centralização e de poder. Mas basta pensar um pouco, para vermos como podem ser instrumentos excelentes nas mãos de pessoas apostadas em fazer surgir núcleos económicos e sociais de autonomia, como «cogumelos» de nova forma de organizar a vida, a produção, o relacionamento de uns com os outros. 
Não é preciso, nem é conveniente, esperar pacientemente que venha uma hipotética «transformação cataclísmica». Podemos, em qualquer momento, pôr as mãos à obra e na nossa família, no nosso entorno social, na nossa comunidade, criar as bases para isso. 

Afinal, este será o verdadeiro «choque de civilizações»: o choque entre uma civilização caduca, esgotada e aquela que está nascendo debaixo dos nossos olhos (mas... é preciso abri-los, para a ver!)