Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A QUESTÃO NACIONAL: PASSADO E PRESENTE

 


Foto: Trabalho forçado de «indígenas» nos caminhos de ferro do Ghana, enquanto colónia britânica.

A «questão nacional» é das que se vem arrastando desde os mais recuados momentos da História. Ela - ou melhor, a sua confusão com outros conceitos - ensombrou as sociedades, com guerras de conquista e/ou de resistência e pela autonomia perante poderes autocráticos. 

Além disso, a forma como a nacionalidade é percebida, não é a duma simples constatação das diferenças étnicas, com aspetos genéticos, culturais, linguísticos, etc. Porque, a estas constatações, somam-se sistematicamente elementos valorativos, quer subindo, quer baixando, um vasto conjunto de pessoas, dentro das sociedades. Trata-se portanto de afirmar ou reforçar uma desigualdade. Este aspeto da questão é porventura o mais grave, pois funciona como terreno propício comum aos racismos e xenofobias. Ou seja, é o esteio de todas as indignidades e crueldades, que seres humanos têm infligido a outros seres humanos.

Ultimamente, vários povos inseridos em nações, que são sempre conjuntos multiétnicos, têm sofrido (de novo!) as consequências catastróficas da visão racista das etnias, a que gerou as ondas que vieram desembocar na Iª e IIª Guerras Mundiais. 

As pessoas esquecem, demasiado facilmente, que a ciência instituída afirmava, por volta de 1900, como estando provada a superioridade de certa(s) «raça(s)» em relação a outras. Considerava-se que era natural países imperialistas e colonialistas, dominarem os outros. Que povos «indígenas» não-europeus, precisavam de ser «civilizados» pelos europeus. 

Os revolucionários do passado não eludiram as questões da nação e da pátria. Porém, que eu saiba, os autores socialistas, comunistas e anarquistas do século XIX nunca teorizaram a nação num sentido nacionalista. Pode dizer-se que estiveram muito atentos aos fenómenos do nacionalismo e às rebeliões contra a opressão colonial. 

Na visão «ocidental» dominante, pelo contrário, trata-se de fazer passar um discurso de autoabsolvição. Os seus autores, ou quem os encomenda, são, obviamente, os mesmos que levaram os povos das sedes coloniais às guerras e à destruição de etnias e nações, na imensa maioria do que hoje se chama «3º Mundo».

A desmontagem e exposição do conceito de superioridade racial de certas nações, como sendo falso e ideológico, nunca foram efetuadas seriamente na Europa junto do grande público. Isto, apesar das catástrofes que foram a Iª e IIª Guerras Mundiais. Com efeito, nos países ditos do 1º Mundo, não se fez nunca uma correção, nunca se expôs os crimes do colonialismo e imperialismo. Não são os povos em si mesmos, dos países coloniais e imperiais, quem têm a principal responsabilidade: São as classes dirigentes, que ocultam ou deformam, pois nunca quiseram considerar-se culpadas. 

Os estudos aprofundados que instituições académicas possam produzir, apesar do seu mérito, não se traduzem - nos países outrora metrópoles coloniais - numa pedagogia para a generalidade do povo. Pelo contrário, nas camadas populares desses países, pode notar-se, por vezes, um nacionalismo agressivo, com a identificação com as «gestas», que foram as guerras e conquistas. Tal não nos deveria admirar, pois as formas ideológicas e caricaturais do ensino da História, têm sido um dos pilares do obscurantismo e da propaganda. 

A classe dominante não pode sê-lo, senão à custa do engano e da ausência propositada de pensamento crítico no ensino. Não é por acaso que tal acontece, quer no ensino, quer na media e no «entretenimento». Os «bons e os maus», é assim que são construídos todos os enredos, em especial, nas ficções que envolvam  guerra. 

A minha convicção, neste campo, é que as pessoas deveriam ser educadas sobre as origens da nossa espécie. Deveriam perceber, profundamente, que a origem comum da humanidade, não é mais assunto «de opinião»: Transformou-se numa das poucas certezas que a ciência nos pode dar.

A maioria das grandes religiões (cristianismo, islamismo, budismo e outras), são «não-étnicas». Existe predominância desta ou daquela religião, em certas partes do Globo e em determinados países. Porém, salvo manipulação e distorção da religião, não há um assumir de que existam origens separadas, «criações separadas», dos grupos humanos, na base da sua diversidade. O que já é um progresso; nem sempre foi assim. 

Hoje, as narrativas de criação separada são tidas como míticas pelos antropólogos e outros cientistas e são explicitamente tratadas como tal. Ideologias que postulavam origens independentes umas das outras, de facto, não apenas estavam cientificamente erradas, mas também serviram como doutrinas de pseudo ciência, com consequências graves. Tal aconteceu com o regime nazi, com o apartheid na África do Sul e com outros regimes.

A questão nacional está muito claramente codificada na Carta das Nações Unidas e noutros documentos, assinados pelos Estados-membros da ONU, que proíbem a discriminação dos indivíduos com base na sua etnia, religião e cultura de origem. Não só isso, como é reconhecido o direito duma minoria étnica ou nacional, ver respeitadas as tradições e as vivências culturais próprias, como parte integrante e inalienável dos seus direitos humanos. Além disso, é explicitamente reconhecido o direito à autodeterminação: O direito a qualquer população se emancipar da tutela dum Estado, no qual se encontra e construir as suas próprias instituições. 

Ao nível dos princípios e do seu significado, é possível que especialistas em Direito Internacional se ponham de acordo, mas quanto a políticos, mesmo dizendo respeitar os textos com força legal, não fazem mais, por vezes, do que demagogias e sofismas.

A vontade popular deveria ser expressa diretamente através de referendos. No entanto, isso é impedido - na prática - em muitos casos. Aquilo que impede essa expressão por referendo, é geralmente um contexto de conflito aceso, que pode chegar à guerra civil. Frequentemente, este conflito é acirrado ou provocado pelos próprios governos dos Estados. Por isso, as questões de cunho étnico, têm estado na origem de guerras civis, muito violentas e onde são cometidos graves crimes, de parte a parte.  

Nesta pequena discussão, quis enfatizar o que é o conceito de nação, como afirmação de «superioridade» de um povo em relação a outro(s) e que este conceito está na origem de conflitos. 

Por contraste, a nação enquanto conjunto político multiétnico, é caracterizada por igual respeito pelos vários grupos étnicos e pessoas que os compõem. Este conceito é compatível com um modo de vida pacífico, tolerante, apropriado à nossa época. 

A visão mitificada da nação, como uma espécie de «super tribo», ou seja, baseada somente na origem étnica dos indivíduos, não apenas é racista, também é contrária ao entendimento contemporâneo da ciência biológica e antropológica. 

É uma construção ideológica, um instrumento de dominação de classe que é infundido nas várias camadas do povo, para que considere como seu «dever» oprimir os outros, que podem até ser seus vizinhos e familiares. 

Importa compreender que, na panóplia ideológica neocolonial e imperial, as narrativas nacionalistas têm um conteúdo totalmente diferente e falso, das abordagens contemporâneas da sociologia, da antropologia ou da história. 

PS:  ​O que é ​«nacionalismo étnico»​?​ 

Desde logo, deve ser visto como radicalmente distinto dum nacionalismo​ ​​POLÍTICO, onde a nação é reconhecida como uma construção política à qual pode pertencer qualquer indivíduo de qualquer origem étnica, na condição de aceitar a constituição e leis pela qual se rege. Esta visão da nação como uma construção política, vem da Revolução Francesa, do conceito de nação dos republicanos franceses, que inclusive aceitaram como nacionais e portanto elegíveis para a Assembleia Nacional, cidadãos da Polónia e da Irlanda, e outros, pois estavam com o regime republicano instaurado.


​Quanto ao caso triste e trágico do nacionalismo OUN, trata-se de algo completamente distinto: A organização terrorista ucraniana OUN nascida nos anos 1920, começa por ser um movimento anti-polaco na região de Lvov, que correspondia à província da Galícia do Império Austro-Húngaro, para derivar para um movimento de apoio ao nazismo na IIª Guerra Mundial, responsável por dezenas de milhares de mortes de civis polacos, judeus e ucranianos soviéticos. São criminosos de guerra, sem qualquer dúvida e realmente torna-se muito preocupante que os poderes ocidentais, em particular, os da U.E. estejam a branquear a origem assumida dos partidos no poder em Kiev e a darem uma ideia falsa, intencionalmente (pois sabem a verdade), ocultando o seu racismo e colaboração com o nazismo, como se eles fossem «democratas» e «patriotas»...
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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

«DEMOCRACIA»... PALAVRA VAZIA DE SENTIDO?

   Acontece com esta palavra, carregada de conteúdo político e ideológico, o mesmo que com muitas outras: liberdade, socialismo, justiça, igualdade... 
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As definições das palavras têm algo de arbitrário, num certo sentido, visto que resultam do costume de se utilizar uma dada palavra, num determinado sentido, numa dada sociedade e numa dada época. 

- Pertencer a tal ou tal «pátria», nem sempre significou pertencer a «uma nação, a um estado». 

O mesmo se pode dizer com muitos outros vocábulos: antes e nos primeiros decénios do século XX, a palavra comunismo teve muitos sentidos diferentes do que hoje em dia se classifica como tal (a versão marxista-leninista).

- Também, se eu pronunciar a palavra democracia, não se vai pensar que estou somente referindo o significado etimológico. Nem ninguém pensa que quero designar especificamente o sistema de governo praticado por gregos da antiguidade, a não ser que utilize uma expressão como «a democracia ateniense», ou algo equivalente...

A democracia moderna é resultante do século XIX, das diversas lutas pela emancipação dos povos em relação aos jugos imperiais ou monárquicos. Pesem embora as democracias europeias antigas e monárquicas, como a Grã-Bretanha, a Holanda ou a Suécia, o facto é que a democracia enquanto sistema de representação do povo, foi marcada pelos modelos republicanos da revolução americana e da revolução francesa. 

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Ora, no contexto dessas revoluções, tratava-se de derrubar o poder da aristocracia, que tinha como cabeça o monarca e legitimar um sistema onde os cidadãos, colectivamente, eram os detentores da soberania. Mas, essa tal soberania - desde o início - foi proclamada e exercida «em nome do povo», por representantes eleitos do mesmo. O modo de eleição variou nos mais de dois séculos e só a partir do século vinte existiu um verdadeiro sufrágio universal.
No entanto, poucos foram os casos em que se registaram formas de governo directo, ou «democracia directa»; essas formas foram muito transitórias, na maior parte dos casos. Das poucas excepções que se mantêm na actualidade, contam-se certos cantões da Confederação Helvética, em que as decisões são tomadas por voto de braço erguido, na praça pública, pelos cidadãos do respectivo cantão. 

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Hoje em dia, poucas pessoas defendem uma democracia directa como método generalizado de governo, por oposição a um governo eleito, directa ou indirectamente. 
Quem tem objecções a essa forma de organização da sociedade pensa, em geral, que essa democracia directa tem de ser feita com grandes assembleias, em que centenas de pessoas votam, de braço alevantado, as diversas resoluções.

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 Este tipo de assembleias acontece, em circunstâncias muito especiais: por exemplo, numa assembleia de grevistas (que podem ser várias centenas) onde são tomadas, por este método, muitas decisões relativas à organização da greve. Mas, no dia-a-dia, não existiria possibilidade de realizar frequentemente tais assembleias, reunindo todo o povo. 
Aparentemente, então, a democracia directa só poderia ser exercida em pequena escala ou, se numa escala maior, apenas em circunstâncias muito excepcionais. 

Porém, tal não é o caso. A democracia directa pode ser exercida de forma constante e permanente, desde que se tenha em conta as experiências passadas.
É certo que, historicamente, formas mais ou menos espontâneas de organização surgiram em contextos de luta acesa, de guerra civil, nalguns casos. Porém, isso não retira validade às mesmas. Nomeadamente, a experiência dos primeiros sovietes, durante a revolução russa de 1905 e o sindicalismo revolucionário, do início do século XX até aos anos 30 do mesmo século.
Os sovietes, erguidos pelo movimento operário e sindical no início da revolução de 1905, em São Petersburgo, Moscovo e noutros sítios, eram compostos de vários grupos participantes na insurreição. Neles, estavam presentes várias facções políticas e também os operários agrupados em sindicatos ou em assembleias de fábrica. 
Para garantir a continuidade e levar à prática as decisões tomadas nas sessões dos sovietes, eram mandatados delegados, que tinham um mandato preciso e imperativo. Eles eram eleitos para fazer determinada coisa, de determinada maneira. Os cargos eram - a qualquer momento - revogáveis pelas assembleias que os elegeram: ou seja, se houvesse alguém que - por qualquer motivo - não estava a desempenhar bem a tarefa incumbida, podia ser demitido e substituído por outro. 

Este modelo de tomada de decisão era corrente na época nas associações operárias dos finais do século XIX, inícios do século XX e foi assumido por muitos sindicatos regidos pelos princípios do sindicalismo revolucionário. 

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Os seus princípios foram consagrados na Carta de Amiens, no Congresso dos sindicatos da CGT francesa, em 1906. 
Esta poderosa corrente, em Portugal formou a CGT, em 1919, seguindo o mesmo princípio dos mandatos delimitados, imperativos e revogáveis como norma estatutária. Nenhum dirigente se podia arvorar em «ditador» dos restantes sindicalizados, visto que o controlo sobre a sua actuação repousava sempre nos seus camaradas, que o tinham eleito. Estes participavam realmente na vida interna do sindicato, a sua «associação de classe», na terminologia adoptada. A participação permanente dos associados na vida interna de uma estrutura é o que permite manter a sua democracia interna.

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As mesmas regras de funcionamento podem aplicar-se em muitas outras instâncias, com as necessárias adaptações. Tem sido aplicada em várias ocasiões e em várias latitudes, em associações culturais, em assembleias populares, em associações de vizinhos, etc. Em todos os casos, a democracia interna tem de ser garantida pela participação regular dum conjunto vasto de associados, nas reuniões. 

Quando se passa de um nível local, a um mais geral, haverá necessidade de órgãos coordenadores: para estes, as diversas assembleias mandatam (esta é a palavra-chave) alguém, ou um certo número de entre seus membros. Este mandato é, como referido acima, temporário, revogável a qualquer momento e deve incluir uma orientação concreta, da parte da assembleia que os elegeu, sobre qual o sentido do seu voto, ou a sua orientação. 
Esta forma de projectar a vontade das assembleias de base, através de delegados devidamente mandatados, chama-se federalismo. [Não tem nada que ver com as estruturas estatais que assim se denominam, ou designações dadas por medíocres analistas políticos.] 
Image result for fédéralisme proudhon oeuvreO verdadeiro federalismo corresponde à aplicação da democracia directa, em vários patamares, onde os patamares de base elegem e controlam o modo como os eleitos exercem seus mandatos.
As resoluções duma estrutura federal são, em princípio, o resultado da confluência dos elementos federados. Numa assembleia federal ou confederal pode haver e é natural que existam, uma maioria e uma minoria, mas não de forma permanente, constante, o que seria equivalente a partidos parlamentares. Pois, numa verdadeira federação, os elementos das bases podem estar em contradição entre si, mas isso será temporário e não incidirá sobre todas as questões. 
Num movimento democrático autêntico, não se evacuam ou reprimem as visões discordantes, elas são tidas em conta, sempre. Mas isso não implica nenhum consenso forçado. Alguns manipuladores têm recentemente tentado instaurar uma espécie de «religião do consenso», mas esta imposição do consenso é essencialmente estranha ao federalismo e à democracia directa. 
Na democracia directa, existe maior liberdade de opinião e mais facilidade em manifestá-la, por muito minoritária que seja. É, aliás, uma das «pedras de toque» de uma tal organização, o respeito pelas minorias: o permitir, sem coação, a expressão de qualquer ponto de vista.

Penso que a democracia directa está ainda na sua infância, embora seja a forma mais natural e mais real de participação na «coisa pública». 
Estou convencido que a questão da escala não é um problema insolúvel: a democracia directa pode ser exercida de forma articulada com o federalismo autêntico, onde assembleias de base definem os mandatos e controlam os portadores desses mesmos mandatos.
Os sistemas ditos de «democracia representativa», não são representativos, verdadeiramente, nem são, de facto, democráticos. Invariavelmente, têm segregado novas oligarquias: os «representantes», uma vez eleitos, quase sempre «esquecem» os compromissos assumidos perante os eleitores. 
Não nos pode surpreender que a democracia representativa esteja cada vez mais desacreditada. Perigosamente, tem desacreditado também a própria ideia de democracia, de participação política, de exercício da cidadania. 
Tem-se perpetuado tal estado de coisas, pela passividade dos cidadãos, pelo alheamento de muitos, pela desistência em participar. Isso é desejado e promovido pelas «elites» que nos governam, embora, hipocritamente, digam o contrário. Os poderes querem reduzir a democracia a uma escolha de «representantes», de tantos em tantos anos; essa é a «participação» desejada por eles, mas afastam e mesmo reprimem, qualquer tentativa de participação na resolução directa dos problemas pelas pessoas. 

Só uma retomada em mãos pelo povo, colectivamente, dos instrumentos de governação, poderá trazer maior democracia. 
Neste século, com o aumento da cultura e do esclarecimento das pessoas, com a exigência maior de transparência, a democracia terá de evoluir. 
Se, em vez de evoluir, a vida política se fossilizar ainda mais, a disjunção entre os princípios proclamados pelos Estados e as suas práticas, irá tornar-se muito patente, a governação será cada vez mais autoritária e isso irá catalisar transformações. 
A democracia directa será, duma ou doutra forma, cada vez mais adoptada: primeiro, em pequena escala e depois, de modo generalizado.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O COLETE DE FORÇAS DA UNIÃO EUROPEIA



Como é que a União Europeia se tornou uma prisão para as Nações e para os Povos?

Muitas pessoas argumentam hoje em dia, em relação ao Euro e à implicação da austeridade sem fim, o seguinte: os países do Sul e - em particular - Portugal, que permanecerem na «Eurolândia» estão fadados a constantemente perder competitividade, sem outro recurso senão o de baixarem as remunerações laborais e as prestações sociais da população mais desfavorecida.
Esta espiral descendente, que faz com que há vinte anos os países do Sul estejam em défice crónico, enquanto a Alemanha e uma mão-cheia de outros Estados (Finlândia, Áustria, Holanda...) tenham um superavit crónico nas suas trocas com os países do Sul, foi sendo «remediada» com crescentes empréstimos pelos Estados do Sul. 
Assim, cada vez maiores quantidades de dívida se foram acumulando. No momento da grande crise do Euro de 2011, estas economias foram quase até ao fundo, à bancarrota. 
Apenas foram «salvas» pela promessa do BCE e de Mario Draghi em fazer tudo o que fosse necessário, para salvar a moeda única. Isto implicou políticas ditas de «quantitative easing» ou seja, de comprar dívida soberana, emitida pelos Estados mais débeis, Itália, Portugal, Grécia, Espanha... por forma a baixar artificialmente o custo da mesma dívida, podendo assim evitar o descarrilar completo das economias da região do Sul.
Como é evidente, este recurso de compra de activos pelo BCE foi uma medida transitória, terminada em janeiro deste ano. Mas, pela sua natureza, também foi uma medida meramente paliativa, visto que não teve qualquer efeito benéfico, em relação às causas do problema.
Com efeito, manteve-se a assimetria, a enorme disparidade, entre as economias do Norte da Europa e as do Sul, com a capacidade agressiva das primeiras em colocar uma série de produtos de elevada incorporação tecnológica nos mercados mundiais, enquanto os países meridionais eram uma espécie de mercado «cativo» para os gigantes do Norte europeu. 
Para que o Sul tivesse hipótese de se desenvolver autonomamente, permanecendo dentro da UE, esta teria de caminhar para um regime verdadeiramente federal, em que as carências/défices de uns eram compensadas pelo superavit de outros. Mas a Alemanha «nem quer ouvir falar» de pagar dívidas dos outros.
 Esta solução implicava que as regiões europeias menos desenvolvidas receberiam um apoio especial e que os seus défices seriam cobertos, na perspectiva de se diminuir progressivamente o fosso entre regiões «ricas» e «pobres». 
Isto seria muito bonito e belo, mas simplesmente, não poderá acontecer porque a Alemanha tem uma visão tacanha, que não lhe permite compreender que superavits crónicos foram obtidos à custa dos défices doutros ou, por outras palavras, se as suas grandes empresas de automóveis, de metalomecânica, de electrónica, etc., conseguiram uma grande fatia do mercado do Sul europeu, isso deve-se ao facto do Sul se ter endividado para comprar esses mesmos bens. 
Por exemplo, a Grécia, durante muito tempo, foi estimulada pelo lóbi alemão de fabricantes de armamentos (e pelos generais da NATO) a sobre-equipar-se com gadgets bélicos caros. Em Portugal, aconteceu uma situação semelhante, com os submarinos encomendados na vigência de um governo de direita.

Como a solução de federalismo equilibrado dentro da UE não é possível, os países mais fracos apercebem-se que a UE se tornou - de facto - um império, um colete de forças que mantém os países sob um jugo. A situação é muito vantajosa para as classes empresariais dos países do Norte. Estas fazem beneficiar com umas migalhas suas populações respectivas, para estas se manterem submissas. 
Quanto aos países do Sul, eles são submetidos ao ciclo infernal da austeridade: a austeridade significa uma restrição grande no consumo da maioria; logicamente, o comércio e indústria -  dependentes do consumo interno para prosperarem - entram em falência; as falências trazem mais desemprego, emigração para os jovens e piores salários e pensões, para os restantes; estas condições agravadas tornam cada vez pior a economia destes países, visto que muitas indústrias e serviços dependem fortemente do mercado interno. 
Por verem este descalabro, é que os italianos elegeram partidos ditos «populistas» (ou seja, que defendem o povo!). Isto traduziu-se numa imediata hostilidade dos «grandes» (França e Alemanha, sobretudo) e da «Comissão Imperial de Bruxelas». 
  
A perversidade do Tratado de Lisboa faz com que um país não possa facilmente retirar-se do Euro. Para tal, terá de se retirar TAMBÉM da própria UE. 
Nesta saída, vemos a Grã-Bretanha (que nunca pertenceu ao Euro) envolvida. É um processo longo, penoso e causador de grandes perdas... é exactamente o que os burocratas de Bruxelas querem para «tirar as peneiras» aos países que queiram fazer uma saída, negociada ou não, da UE. 
O mecanismo congeminado neste Tratado de Lisboa, absurdo, perverso, contraproducente, está agora a dar os seus «amargos frutos». 
Mas o que estes processos todos revelam é a impossibilidade de genuíno federalismo «top-down». O federalismo genuíno, por essência, tem de ser um processo levado a cabo com muita prudência, para que o povo esteja em condições de não aderir ou de poder retirar-se, a qualquer momento. Uma associação voluntária de pessoas a uma organização, pode ser usada como comparação: se a retirada da organização tem um custo incomportável - económico, jurídico e político - essa tal organização não é muito diferente das «máfias», as associações de criminosos, para as quais as pessoas são recrutadas e depois não têm outra saída possível, senão a morte. 
Neste caso, o das Nações na UE, é um facto que não têm como recuperar a sua autonomia, mesmo que o façam por um processo democrático de autodeterminação. 
Uma eventual decisão de saída, no caso da UE, terá um custo político, social e económico tal, que as pessoas acabam por renunciar, não por convicção, mas por medo e por cansaço.

Não existe «refundação» possível, para uma coisa destas. 
Poderia haver dissolução da UE, seguida de acordos bilaterais, mas numa base completamente diferente: hipoteticamente, tal comportamento permitiria restaurar a confiança. A Europa ficaria unida por uma série de acordos bilaterais, benéficos para ambas as partes, que poderiam ser reformulados, ampliados, restringidos ou até revogados, por acordo entre Estados. 
Ao pretenderem uma «refundação» da União Europeia, os grandes (Alemanha e França) querem apenas mostrar que a sua visão da Europa tem de prevalecer sobre todas as outras. A sua «refundação» é somente uma tentativa de imposição da sua liderança do processo. Penso que é tarde demais.
A União Europeia está no ocaso. Os governos de vários países, dentro e fora da UE, aperceberam-se bem deste fenómeno.  Porém, a opinião pública portuguesa tem sido mantida na ignorância total do que se está a passar. 
A maior parte do «establishment» político de Portugal está visceralmente dependente das benesses vindas da UE. São esses privilégios que custam muito sacrifício para a generalidade dos portugueses, sem qualquer benefício no horizonte. A casta dos políticos do poder são um insulto ao povo, mesmo ao povo que vota neles!

- É assim que a União Europeia se tornou uma prisão para as Nações e para os Povos.