domingo, 12 de março de 2023
FINANCEIRIZAÇÃO, ESPECULAÇÃO E ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: três fatores da crise do capitalismo
quinta-feira, 1 de dezembro de 2022
Causas da inflação: Pelo lado da procura ou pelo lado da oferta?
Quando observamos a situação atual da economia e mercados nos países ocidentais, depara-se-nos uma situação estranha.
As causas da inflação podem ser esquematicamente atribuídas a um excesso da procura (quando há mais dinheiro disponível do que bens consumíveis); ou a uma escassez da oferta, quando a produção não consegue satisfazer a procura dos consumidores (há menos produtos do que compradores dos mesmos).
Todos nós sabemos que a «crise do COVID» desencadeou uma resposta coordenada mundial de lockdown (confinamento) durante o mês de Março de 2020, tendo havido uma redução muito grande de toda a espécie de atividades económicas e de trocas comerciais, no mundo inteiro. As restrições draconianas supostamente necessárias para combater o vírus, foram muito pouco eficazes* no combate à epidemia. Porém, foram «eficazes» em perturbar gravemente a logística, o aprovisionamento das cadeias de produção, montagem e distribuição, de toda a espécie de bens manufaturados.
Quem conhece o funcionamento de quaisquer empresas industriais sabe que elas - mesmo as maiores - tiveram imensas dificuldades. Algumas tiveram de interromper a produção - por exemplo, nalguns modelos de eletrodomésticos ou de carros - porque tinham esgotado os stocks de «chips» e de outras componentes essenciais e não facilmente substituíveis. Isto passou-se nos anos de 2020-2021.
O sistema de produção industrial montado nos últimos decénios, adoptou a estratégia industrial do «Just In Time», ou seja, as componentes são produzidas à medida das necessidades de incorporação destas no produto final. Assim, os fabricantes evitam a existência de grandes stocks de componentes, a sua gestão complexa, os espaços de armazém a que obrigam, etc. Mas, por outro lado, é um sistema muito frágil, suscetível de ficar paralisado por causa de uma secção da empresa, ou de um fornecedor externo, que estejam a funcionar mal, ou estejam paralisados, por qualquer razão.
As ruturas nas cadeias de produção foram um dos fatores que levaram a uma situação inédita, nos tempos recentes: Haver nítida escassez da oferta dos bens, em relação à procura.
Depois, a situação não voltou inteiramente ao normal, pois as estruturas mais frágeis tiveram imensas dificuldades, que não foram colmatadas pelas ajudas dos Estados. Estas ajudas foram canalizadas para dois setores: a banca e as grandes empresas e o «dinheiro de helicóptero», as ajudas diretas para as pessoas, numa espécie de antevisão de um «rendimento universal» em certos países. As repercussões desta rutura ainda hoje se notam na estrutura produtiva, principalmente nos países do Ocidente, pois houve demasiados elos da cadeia de produção que foram interrompidos. Como sabemos, há muita externalização de serviços no funcionamento concreto das economias dos países afluentes. São estas, em geral empresas pequenas ou médias, as mais afetadas pela crise desencadeada pela resposta ao COVID. Quantas ficaram debilitadas? Quantas acabaram por fechar? Todos estes casos vão traduzir-se numa «escassez da oferta», que - muitas vezes - tem efeitos de desorganização noutros setores. Ao nível dos preços, houve uma subida não motivada pelo aumento da massa monetária em circulação (ou independente disso).
Por outro lado, criou-se um ambiente de «Guerra Fria nº2», com as sanções drásticas contra a Rússia e a criação de dificuldades nas relações com a China. As consequentes dificuldades dos países ocidentais, no abastecimento de gás natural e de petróleo, fizeram com que houvesse - a partir de Março de 2022 - uma subida muito grande dos preços da energia. Esta inflação também é causada pela «falta de oferta», por escassez dos combustíveis: Aqui, trata-se de escassez autoinfligida, pois a Rússia não utilizou a «arma do petróleo» como contraposição às sanções muito duras dos países da NATO, em consequência da invasão da Ucrânia, em Fevereiro de 2022. Temos aqui uma segunda causa, muito importante, de inflação. O preço da energia não descerá facilmente para níveis semelhantes aos que vigoravam há apenas três anos atrás. O efeito direto é no consumo das famílias, afetadas pelas faturas bruscamente crescentes do gás, da eletricidade e de gasolina. Porém, muitas atividades económicas são severamente castigadas pelo aumento da componente energética nos seus custos de produção: A maior parte das empresas fica no dilema de aumentar os preços dos seus produtos devido ao aumento da fatura energética, ou de manter os preços para não perder clientes e ficar afetada no seu rendimento, podendo mesmo ter de decretar falência.
Uma subida das taxas de juro vai encarecer o crédito e logo, em muitos casos, vai «arrefecer» a procura. Por exemplo, juros mais altos = menos crédito à habitação = menos compradores de casas. Mas, tais subidas de taxas de juros funcionam para situações em que haja maior disponibilidade das empresas e dos particulares para consumirem mais. Ou seja, a subida da taxa de juros, só tem efeito se e somente se houver um excesso de capital disponível no sistema. Não se trata disso, no caso atual, mas da escassez ao nível da produção, da oferta de produtos. Logo, os «remédios» que os bancos centrais - a pedido dos governos - aplicam, são totalmente ineficazes para minorar a crise. Pior: são prejudiciais, pois limitam o crédito à produção das empresas, quando justamente, era preciso aumentar tal produção. As medidas levadas a cabo pelos governos e bancos centrais ocidentais não servem, porque é a capacidade produção em variados setores que está a ser afetada. As economias ocidentais sofreram uma retração - brutal nalguns casos - da oferta: A única política económica eficaz passará por criar condições materiais, concretas, para acabarem os estrangulamentos artificiais da produção.
Um levantamento das sanções absurdas contra a Rússia impõe-se. Aliás, estas sanções são causadoras do maior dano aos próprios países que as decretaram. A Rússia tem-se mostrado capaz de lhes fazer frente. Tem mostrado possuir uma economia muito mais resiliente do que os políticos do ocidente julgavam. Sobretudo, não sofreu de isolamento ao nível internacional, como aqueles esperavam. Tem alargado as relações a todos os níveis com a China, a Índia e os países da Ásia do Sul e do Médio Oriente.
Há quem pense que a política monetária e financeira seguida no Ocidente está a precipitar os países para o colapso. Porém, será um colapso desejado, procurado, pois vem tornar possível, aquilo que em circunstâncias «normais» não o era. Refiro-me à digitalização a 100%, ou seja, os únicos instrumentos monetários legais seriam as divisas digitais emitidas pelos bancos centrais. A economia seria mais controlável pelos governantes, mas isso não implica melhorias para as pessoas comuns, antes pelo contrário. Mas, tal como na saga da pandemia de COVID, uma psicose de medo pânico pode levar as pessoas a fugirem para «soluções» que vão ao contrário da sua autonomia. As pessoas trocam, com demasiada facilidade, as parcas liberdades de que AINDA gozam, pela segurança (FALSA) que lhes promete um Estado todo poderoso, em união com as grandes corporações**.
A definição do fascismo - segundo o próprio Mussolini - está a ser realizada, agora, em frente dos nossos olhos, pela plutocracia e governos «ocidentais»: A união do Estado com as corporações.
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(*) sabemos que as poucas nações (como a Suécia, mas não é caso único) que não entraram numa política mais estrita de confinamentos, tiveram taxas de morbilidade e de mortandade causadas pelo vírus Sars-Cov-2, da mesma ordem de grandeza e não superiores, às que fizeram confinamentos estritos.
(**) pense-se nos setores de AI, robótica, comunicação massificada, redes sociais cujos proprietários são magnates, redes de distribuição mundiais, etc.
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Para saber mais sobre o assunto, consultar:
https://www.goldmoney.com/research/winter-in-central-europe-and-for-the-dollar
https://goldswitzerland.com/in-the-end-the-goes-to-zero-and-the-us-defaults/
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/11/crise-sistemica.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/09/colapso-progrmado.html
sexta-feira, 14 de outubro de 2022
DIÁLOGO SOBRE O FENÓMENO HUMANO III
Imagem: Acampamento de Beríngios, os primeiros a povoar a América.
No diálogo sobre o fenómeno humano II, tínhamos abordado alguns aspetos relacionados com a sexualidade. Hoje iremos prosseguir o diálogo entre um Paleoantropólogo e uma Geneticista, abordando aspetos relacionados com a saúde humana em geral, e com a nutrição em particular.
P- Da última vez que falámos, abordámos a questão fundamental para a sobrevivência da espécie que é a da reprodução e a sexualidade e os fenómenos associados, mesmo que sejam a um nível bastante indireto. Hoje, gostaria de abordar a problemática da nutrição nos humanos, quer passados, quer presentes.
G- Este tema que propões é, pelo que vejo em termos de divulgação em magazines populares e ao nível das crianças e adolescentes, um dos temas mais mal abordados, mais mitificados, talvez tanto como o da sexualidade.
P- Sim; a verdade é que a sociedade contemporânea se baseia num princípio de acumulação; consumir e consumir até mais não poder. A ciência realmente não é divulgada, ou apenas aspetos fragmentários, que não dão uma verdadeira educação elementar aos indivíduos, quer sobre as regras verdadeiras de comer saudavelmente e de maneira equilibrada, quer de possuir uma autonomia na confeção dos alimentos, permitindo às pessoas, às famílias, compor as refeições de acordo com o seu prazer gustativo e respeitando as leis da dietética.
G- Não achas que a sedução joga em desfavor das pessoas, permitindo ou levando a que elas se intoxiquem, ou se envenenem lentamente, para satisfazer o afã de lucro de grandes empresas de alimentação industrializada? As pessoas estão completamente submetidas à indústria alimentar. Compram os produtos já embalados, nalguns casos pré-cozinhados; têm uma preferência pelo que lhes parece mais apetitoso, mas isso não é quase nunca o mais saudável: Os alimentos são sobrecarregados de sal; são adicionados açúcares que despertam o apetite (têm um efeito aperitivo) em múltiplos alimentos confecionados. Além disso, para que o produto tenha uma maior durabilidade nas estantes dos supermercados, são acrescentados vários conservantes; para que esse produto tenha aspeto saudável (só aparência) são acrescentados corantes.
P- Pois, a sociedade industrial, por um lado fornece tudo com o menor esforço. As pessoas podem portanto dedicar-se às tarefas profissionais durante mais tempo, sendo as horas dedicadas aos afazeres domésticos cada vez menores. O cozinhar em família, é apenas atividade para os fins-de-semana, no melhor dos casos. Mas, lembremos que a sociedade humana, nasceu e cresceu em torno da partilha na preparação e confeção dos alimentos. A sociedade e a família organizavam as relações em torno da fogueira, da lareira, do forno... As crianças ouviam histórias contadas pelos adultos, as várias gerações encontravam-se para refeições conjuntas, partilhadas.
G- A produção de grande parte dos alimentos de que dispunham as comunidades agrícolas era comum; a autarcia era quase total. As pessoas comiam essencialmente aquilo que a terra produzia. Faziam algumas trocas comerciais, mas a um nível muito reduzido. Daí que as trocas envolvendo dinheiro não tivessem papel relevante, ao nível das aldeias.
P- Estamos no cerne da questão, pois a uma dada sociedade, organizada de determinada maneira, corresponde um padrão de organização da economia determinado. Ora a economia da produção e consumo alimentar é um aspeto fundamental. Hoje em dia, é tão verdadeiro como há 50 mil anos atrás. Só que as prioridades mudaram; hoje a sociedade está organizada para os produtores/consumidores dedicarem o máximo do seu esforço e tempo a atividades profissionais, e/ou «lúdicas». A alimentação foi industrializada e as pessoas não valorizam, como dantes, as refeições em comum, desde o ato de cozinharem, até à partilha à mesa dos alimentos confecionados, ocasião especial para convívio. Este tipo de convívio está a ser desencorajado pela civilização individualista «extremista», em que é frequente ver-se cada membro da família comer no seu cantinho, vendo o programa de TV, ou jogando no computador ou smartphone, num alheamento total dos outros.
G- A destruição das relações familiares e de amizade, será um aspeto muito negativo de uma sociedade de consumidores «autistas». Mas, para coroar o todo, temos uma epidemia de obesidade, devida à ingestão de comidas hipercalóricas, conjugada com a perda da saciedade natural. Existem mecanismos psicossomáticos e hormonais desencadeando uma sensação de saciedade; na pessoa frustrada, ansiosa, ou desinserida socialmente, estes mecanismos não operam tão bem. Isto explica por que razão a epidemia de obesidade afeta mais pessoas com certos perfis psicossociais. Nos países afluentes da Europa e da América do Norte, verifica-se que as pessoas das classes mais baixas, as mais destituídas do ponto de vista económico e social, são as que possuem maior taxa de obesidade e doenças associadas (diabetes, cardiopatias, carências vitamínicas...)
P- A dominação do lobby da alimentação industrial penetra nos interstícios do Estado. Faz obstáculo a que as crianças e adolescentes recebam nas escolas a educação básica que permitiria a cada um deles, depois de atingido o estado adulto, adotar um comportamento alimentar responsável, favorecendo o seu equilíbrio. O mesmo se pode dizer em relação à medicina acéfala, destituída de preocupação em prevenir as doenças. Ela fica muito feliz pelo investimento que o Estado faz em aparelhos caríssimos, ou em subsidiar os doentes que recorram a essa medicina tecnológica.
G- É uma das questões mais graves, a da incapacidade ao nível da sociedade, como um todo, de promover ativamente as boas práticas, não apenas em nutrição, como numa vida saudável, ativa, para todas as idades. A população vive cada vez mais tempo, mas esse aumento de esperança de vida total não tem sido acompanhado por aumentos equivalentes de anos de vida com saúde. Por outras palavras, as pessoas vivem, mas com a carga de doenças múltiplas, resultantes de hábitos errados adquiridos, que se fazem sentir com maior gravidade nos últimos anos de vida. A tecnologia médica progrediu bastante em relação a determinado tipo de doenças que antes eram causadoras de morte. Por exemplo, as doenças causadas por bactérias começaram - há uns 75 anos - a ser tratadas e curadas, graças a antibióticos: Porém, se isso permitiu salvar muitas pessoas jovens ou de meia-idade, aumentando assim a esperança de vida, não foi dar uma melhor qualidade de vida às pessoas...
P- Verifica-se que as sociedades não ocidentalizadas do Terceiro Mundo, têm uma população não obesa, mas em sociedades semelhantes, mas que tenham sido culturalmente colonizadas pelo «fast food» e pelas bebidas açucaradas industriais, observa-se os mesmos níveis de obesidade, diabetes, cardiopatias, etc, que no mundo «rico»!
G- O que mais me entristece é que tenho a certeza que os responsáveis pelas medidas políticas dos diversos Estados, sabem perfeitamente, têm conhecimento das estatísticas, têm acesso a estudos, têm técnicos e conselheiros que não podem ignorar as realidades no terreno. Porém, as situações perduram e vão-se mesmo agravando. Não tenho dúvidas que os médicos individualmente lamentam este estado de coisas. Mas existem alguns pequenos grupos, que eu chamaria dos capitalistas da medicina (e da saúde) que têm toda a vantagem num alargamento das necessidades de tratamentos caros, envolvendo aparelhos sofisticados, etc. Esta medicina tecnologizada pode parecer a marca de uma sociedade «desenvolvida» ao eleitor incauto; mas tal sociedade é «mais desenvolvida» apenas na sua forma de exploração.
P- Muitas vezes interrogo-me, quando sei de alguém que está a fazer terapia por motivo de cancro, se não seria infinitamente melhor, evitando um terrível sofrimento humano, serem drasticamente reduzidas as causas ambientais dos cancros. Como sabemos, muitos cancros têm génese ambiental. Entre as causas mais comuns para o aumento de incidência de cancros, tem-se os alimentos com determinadas toxinas, com conservantes, corantes, ativadores do paladar, açúcares, outras substâncias nocivas desde antibióticos a inseticidas, a metais pesados, etc. que se encontram especialmente nas dietas das pessoas urbanas, com alimentação industrial. A maioria dos cancros deve-se a erros da alimentação (por exemplo: insuficientes fibras ingeridas), à ingestão frequente de substâncias cancerígenas, ao abuso de bebidas alcoólicas, etc.
G- Muitas pessoas têm avitaminoses não diagnosticadas, mas que irão potenciar outras doenças. A sociedade atual vive numa redoma de ilusões, de mitos, em relação às «maravilhas» da medicina. Esta não pode fazer mais, do que ajudar que a Natureza faça o seu trabalho. O melhor que a medicina pode fazer, é ajudar o indivíduo a curar-se ou - dalguma forma - a superar a doença. A crença numa medicina «milagrosa», tem como efeito perverso que as pessoas já não sejam responsáveis pelo seu corpo e saúde, confiando que podem fazer todos os disparates, pois a medicina «encontrou maneira de resolver muitas doenças»!