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sábado, 7 de setembro de 2024

A REALIDADE DA CRISE GLOBAL CAPITALISTA


Para muitas pessoas, a «verdade histórica» são os lugares-comuns e as narrativas adequadas a colocar os EUA e o Ocidente, em geral, no centro dessa História, ainda por cima, como «atores bem intencionados» da mesma. Eu vejo que isto acontece também na Europa, fortemente influenciada pelos EUA; existe o mito de que aquilo que acontece nos EUA, vai influenciar o resto do Globo. Primeiro, porque é um país imenso, um país-continente. Depois, porque foi, durante muito tempo, líder mundial na produção industrial; continua a ser o maior na riqueza acumulada, se vista dum prisma financeiro.

As distorções mais graves constatam-se em determinadas narrativas favoráveis aos defensores do capitalismo e dos impérios coloniais, relativamente ao ascenso dos fascismos e como uma crise económica e financeira mundial, se foi transformar na IIª Guerra Mundial. 

De facto, o que acontece hoje em dia, possui muitos paralelos com as relações conflituosas entre potências importantes à saída da 1ª Guerra Mundial (1918) e até ao desencadear da 2ª Guerra Mundial (1939). A existência de graves tensões resultantes das exigências, na negociação de paz de Versalhes, pelos aliados vencedores da 1ª Guerra Mundial, em relação à Alemanha vencida, foi originar uma grave crise de hiperinflação neste último país (de 1922-23), que deu alento a grupos de extrema-direita. Estes coalesceram no partido Nazi. As mudanças de políticas em relação à Alemanha, ao seu rearmamento, a tolerância em relação à Itália fascista de Mussolini, nomeadamente, à guerra na Abissínia e à guerra civil de Espanha (que logo se transformou em guerra internacional), foram fatores importantes na subida e consolidação de fascismos em vários países europeus, quer já tivessem alcançado o poder, quer fossem forças organizadas e prontas para levar a cabo golpes de Estado.   

O que todos podemos constatar - para  lá das divergências relativas à História - é que as crises económicas e financeiras, desencadeadas pelas políticas dos bancos centrais, dos governos, ou de ambos, levam de imediato a crises sociais, as quais vão gerar movimentos revolucionários, tanto de esquerda como de direita. 

As instabilidades no tecido económico e social, não podem ser remediadas pelo tipo de medidas usadas pelos governos, sejam elas fiscais ou económico-financeiras. Os poderes - então - recorrem à repressão. Mas, a deriva autoritária dos governos não tem qualquer efeito benéfico na economia. O que é simples de perceber: Numa sociedade industrial, o escoamento e consumo das mercadorias é fundamental para o funcionamento de todo o sistema. Porém, a capacidade aquisitiva da classe trabalhadora e da classe média diminui acentuadamente, num contexto destes. O fracasso das políticas internas tem levado os governos a procurar «unir a nação» contra um inimigo externo. Leva, também, a que a casta militar e por trás  dela, a indústria bélica, seja ouvida e que suas «soluções» seduzam a casta dirigente. 

Se virmos o período entre o fim da 2ª Guerra Mundial e hoje, constatamos que nunca houve paz, propriamente dita. Houve sempre conflitos armados, quer causados pelo choque entre nações independentes, ou por nações que lutavam pela emancipação do jugo colonial de uma potência europeia, ou contra o neocolonialismo, principalmente dos EUA. Outra constatação, é de que a capacidade instalada e a produção de armas e material de guerra esteve sempre em crescendo. Os fundos atribuídos ao complexo militar nos orçamentos de Estado das grandes potências foram sempre aumentando. 

Tudo o que sabem fazer os Estados, os seus governos e corpos legislativos, sob influência dos lobbies das grandes empresas e grupos económicos, é criar ou aumentar as despesas, aumentando o défice das contas públicas, criando problemas de insolvabilidade, que tentam remediar, criando mais dinheiro. É como se tentassem tapar um buraco no solo, cavando outro ainda maior. 

Chega um ponto em que, ou forçam o «apertar do cinto» na população (as políticas de austeridade) e arriscam-se a desencadear uma revolta; ou continuam a gastar o que não têm, através da «impressão» de dinheiro eletrónico, fazendo disparar a hiperinflação. Teoricamente, existe outra solução: A de transformar a estrutura produtiva e de propriedade, o que se poderá designar como uma transformação socialista. Mas, os partidos de governo nos países europeus excluem esta hipótese, mesmo quando têm «socialista» no seu nome!

As crises no capitalismo estão inscritas no seu próprio «ADN». São motivadas pela impossibilidade do capital auto-moderar o seu apetite pelo lucro. 

O mantra que ensinam nas escolas de economia do Ocidente é que a empresa que não tentasse maximizar os lucros, estaria condenada a prazo, pois as empresas concorrentes não teriam problemas em tomar posições nos mercados para obter esses mesmos lucros.

Os países são empurrados para a guerra pelos dirigentes políticos e por empresários que têm vantagens nisso (ou pensam que têm). A guerra é um meio cruel, brutal e eficaz de destruir o excesso de capital, sob forma de instalações produtivas, excesso esse associado aos excedentes de produção de mercadorias. 

Por detrás de qualquer guerra perfilam-se interesses económicos: Eles são facilmente detectáveis, se descartarmos os argumentos da propaganda, de um lado ou do outro.  

Os EUA empurraram a Ucrânia para a guerra, para poderem colocar em cheque a progressão dos BRICS. Esperavam quebrar a unidade dos BRICS, mas enganaram-se, pois não apenas esta se mantém, como se alargaram os membros e os candidatos. Por outro lado, o imperialismo americano estava muito preocupado com a indústria alemã, com a sua competitividade, em parte devida ao fornecimento de energia barata pela Rússia. Conseguiu o imperialismo, pelo menos no curto prazo, resolver o problema ... com a sabotagem dos gasodutos Nord Stream. Esta sabotagem precipitou a Alemanha na maior crise industrial do pós 2ª Guerra Mundial. Muitas fábricas, por causa do aumento do preço da energia, fecharam portas na Alemanha e foram instalar-se nos EUA. Gigantes como a Volkswagen estão em dificuldades ou à beira da falência, ao  ponto de encararem o fecho de suas fábricas na Alemanha.  

A guerra económica com a China destina-se a impedir que os aliados dos EUA estabeleçam laços com o maior produtor industrial do mundo (a China): Querem manter o mercado Ocidental cativo, para escoamento dos produtos dos EUA e dos seus comparsas. Para dominar, os EUA não hesitam em dividir o Mundo em dois nos planos político, económico, militar e civilizacional. Mas, tal ambição é desastrosa e - felizmente - já se começa a compreender, mesmo nas fileiras pró-capitalistas, que ela só pode trazer guerra e miséria. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

CRÓNICA (Nº31) DA IIIª GUERRA MUNDIAL: ENQUANTO NA TEMPORADA ESTIVAL ...

 Nós todos estamos habituados a cumprir ciclos anuais. A altura do Verão é ocasião de férias, de turismo, para relaxar, para repousar. Os dirigentes sabem isso muito bem, pelo que costumam  fazer passar legislação que afeta negativamente* as nossas vidas, durante o remanso de Agosto, pois assim terão uma oposição popular muito mais fraca, pelo menos no imediato. 

Lembro que a famosa «suspensão» da convertibilidade do dólar US em ouro, feita por Nixon e que deitou por terra os acordos de Bretton Woods, teve lugar a 15 de Agosto de 1971. Mas, não foi caso único, longe disso. 

Hoje em dia, as fronteiras entre a guerra física (com as suas mortes e destruições) e a guerra económica (com o seu cortejo de sanções, de embargos, de restrições ao comércio normal entre países), essas fronteiras são meramente teóricas. Pois os movimentos das tropas são antecedidos, ou acompanhados por movimentos nas praças financeiras, nos centros de poder e não têm nada que ver com as famosas «leis do mercado», antes pelo contrário.

Quero aqui exemplificar com as taxas proibitivas de 100% , sobre a importação de carros EV chineses, nos EUA e medidas análogas dos seus vassalos europeus. Estas medidas têm sempre «justificações» absurdas e retóricas que acompanham os decretos ou leis em causa. Mas, realisticamente, aquilo que se passa é o erguer de barreiras ao comércio, é uma guerra económica, sob os mais diversos pretextos, mas sobretudo pelo motivo que não nos dizem: é uma forma extrema de proteger a produção do país em causa, de concorrentes exteriores. 

Assim, nas chamadas «democracias liberais», mesmo não havendo um estado de guerra formal e declarado com a China, vão se multiplicando os gestos hostis, sob os mais variados pretextos. Cabe aqui perguntar: Quais são os países realmente liberais, no sentido clássico de comércio livre?  

- Serão os países que proíbem a exportação de «microchips» para a China, que põem tarifas proibitivas na  importação de certas mercadorias chinesas? Serão os que - depois de terem convidado a China a ingressar na Organização Mundial do Comércio (OMC), na viragem do século - lhe fecham as portas do comércio, «matando» de uma assentada essa mesma OMC, organização considerada da maior importância na ordem globalista ( e liberal) mundial?

- OU serão os países que desenvolvem uma rede de vias de comunicação internacionais (New Silk Roads), em cooperação uns com os outros, intensificando laços comerciais, com investimento maciço em infraestruturas (estradas, caminhos-de-ferro, portos, aeroportos) ; serão os países (como a China), que acolhem capitais e indústrias de outras paragens, permitindo que aí se desenvolvam, que produzam para exportação; e que  aceitam que os investidores estrangeiros recolham e exportem os lucros dos seus investimentos?

As barreiras protecionistas são uma confissão de derrota dos países que se autoproclamam de «liberais».  Nem sequer são protetoras para a sua população, pois as classes mais modestas começaram a viver melhor, nestas últimas duas décadas, graças a exportações da China para os mercados ocidentais. Na verdade, os dirigentes ocidentais não se podem escudar no pretexto de que estão a proteger a sua indústria nacional.

 Primeiro, porque duas ou três décadas antes, incentivaram a transferência das indústrias (as mais dinâmicas e rentáveis) para países de mão-de-obra barata, sabendo eles muito bem que estavam condenando as classes operárias dos seus países ao desemprego e à precariedade crónica (os empregos «de merda»). Aliás, esse era um dos objetivos deles; podiam subjugar um segmento, dos mais combativos e reivindicativos, da população: o operariado industrial.  

Segundo, porque o movimento para o Leste da Ásia da indústria de ponta, não podia ser revertido de uma penada. As fábricas e outras infraestruturas materiais, poderiam ser  reerguidas, embora à custa de investimentos intensivos de capital; porém, a formação das pessoas envolvidas na produção, os operários e os engenheiros, é assunto muito mais complicado; demora tempo a formar e mesmo a recrutar, pois é difícil criar apetência para este tipo de empregos... Por outro lado, haveria necessidade dessas tais indústrias pagarem cinco a dez vezes, nos países  ocidentais, os salários que pagavam aos seus operários asiáticos, onde se situam as referidas indústrias. 

Para confirmação disso, apresento dois factos: 

1º Apesar das tarifas de 100%, os carros EV chineses estão a ter uma aceitação muito grande nos mercados, em todo o Ocidente. Os chineses conseguem fabricar carros a um preço imbatível, comparados com EV de marcas ocidentais. Não tarda que sejam encontradas estratégias para rodear as tarifas brutais: Os comerciantes de automóveis sabem que o grande público, ávido de se reconverter aos EVs, não tem posses, na sua imensa maioria, para comprar os carros de gama alta, que têm sido lançados no mercado nos últimos anos.

2º A Alemanha é, politicamente, o país da UE mais alinhado com Washington. Porém, houve uma recente visita de Estado à China, de dirigentes do governo alemão, que trouxeram na sua comitiva muitos empresários. Eles estavam ansiosos em continuar, ou em implantar, as suas indústrias na China. 

Aliás, recorde-se que muitas empresas alemãs  foram para a América, devido ao aumento dos preços da energia (devido à sabotagem dos gasodutos Nord Stream pelos americanos). A potência industrial maior da Europa, a Alemanha, está entre a espada e  parede: Não tem coragem de se autonomizar em relação aos EUA, como gostaria, mas - por outro lado - tem que manter o nível de vida dos alemães, um dos mais altos na Europa (junto com o dos escandinavos), porque estes já estão a entrar em revolta. As medidas autoritárias tomadas pelo governo, durante o COVID e depois, são realmente aplicáveis em quaisquer situações: Agora, têm servido para reprimir os movimentos populares pró-palestinianos e contra o genocídio perpetrado pelos sionistas, amanhã quem sabe para que serão utilizadas?

A guerra foi desencadeada em 2001, pelos EUA e seus vassalos. Foi começada no Médio Oriente Alargado, após o «11 de Setembro» e cujo saldo são milhões de mortos e países em ruínas. Ela foi continuada nas fronteiras da Rússia, com o alargamento sistemático da OTAN aos ex-países aliados da URSS no pacto de Varsóvia,  e depois envolvendo ex-repúblicas soviéticas. Este alargamento ocorreu, contra a promessa solene dos ocidentais, em não alargar um centímetro a OTAN, se os soviéticos aceitassem uma reunificação pacífica das duas Alemanhas.

Decidiram provocar a Rússia, depois, até ao ponto de seus dirigentes sentirem que tinham de pôr um termo a esta situação. A invasão russa da Ucrânia foi deliberadamente provocada, por mais que  os atlantistas repitam que foi uma «invasão não provocada». 

A paz, mesmo após a guerra ter começado, é melhor do que a continuação da guerra. Isto é o que pensam pessoas humanistas, civilizadas. Mas, para os falcões da OTAN, é melhor a sangria do povo ucraniano, para «enfraquecer» a Rússia, dizem eles, como se tal monstruosidade fosse aceitável. Ela foi constantemente levada a cabo - pela preparação do golpe de Estado de Maidan, fomentado pela UE e EUA - na Ucrânia, em 2014. Quanto à guerra, esta começou em 2014. Mas eles, os ocidentais, nada fizeram para a prevenir ou acabar. Durou 8 anos, a guerra civil entre o poder golpista, dos ultranacionalistas banderitas e as regiões do leste da Ucrânia, de maioria russófona. Uma enésima vez, os ocidentais traíram o seu compromisso, ao nada fazerem para implementar os acordos de Minsk (em que participaram como garantes).

Agora, estão os mesmos falcões atlantistas a criar uma situação de guerra com a China, sob pretextos idiotas. 

Mas, na verdade, são eles - políticos no poder, no Ocidente - que, face ao descalabro de suas economias, ao colapso do dólar como moeda de reserva mundial, à diminuição do nível de vida das populações, querem acabar com a globalização que eles próprios promoveram. Numa primeira fase, quando ela só lhes trazia vantagens, foram seus arautos. Agora, vendo as vantagens comparativas dos países dos BRICS querem, a todo o custo, reverter a globalização. 

Mas a globalização não é um «cenário de teatro» que se pode desmontar, uma vez que a peça teatral acabou. Um aspeto fundamental da globalização é que, no domínio da tecnologia e das boas práticas industriais e comerciais, uma vez aprendidas, não se desaprendem. 

Mesmo erguendo nova «cortina de ferro», para se isolarem dos supostos inimigos, os atlantistas do Ocidente não conseguem mais do que isolarem-se a si próprios do resto do Mundo.

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* Muita legislação tem títulos  «bonitos» e «ecológicos», mas realmente são leis anti-ecológicas e anti-agricultura. 

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PS1: Veja o que tem a dizer da China um ex-deputado norueguês, que visitou dezenas de vezes a China, desde os anos 80. https://www.youtube.com/watch?v=P9nA3hX6tG0

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

ENTREVISTA COM O PROF. MICHAEL HUDSON (PARTE I)

Da última vez que falámos foi para o magazine alemão "Four" em junho.  Agora também trabalho para a MEGA Radio, uma estação rádio de notícias para a Alemanha, a Áustria e a Suíça. Emitimos a partir de Viena e estamos localizados em Berlim, Baviera e Áustria.

Gostaria de o convidar para uma entrevista, a gravar no ZOOM, para o programa de rádio. Seria uma atualização da nossa última entrevista. Talvez tenha uma duração de 20-30 minutos.

O leitor, que veja também a nossa conversa anterior.

Aqui estão as minhas perguntas:

(1.) Fez algumas previsões na nossa entrevista para o magazine «Four» que se realizaram.

Falou sobre a crise das companhias alemãs em relação à produção de fertilizantes.  Esse assunto ocupou as primeiras páginas poucas semanas após a nossa entrevista.

Também afirmou:  “O que caracteriza o bloqueio do Nord Stream 2, é realmente a política de comprar americano." Isto tornou-se agora mais do que claro após a destruição dos gasodutos Nord Stream.

Poderia comentar sobre isso?

MH: A política exterior dos EUA tem-se concentrado, há bastante tempo, no comércio de petróleo internacional. Este, é decisivo como contributo para a balança de pagamentos dos EUA e o seu controlo dá aos dirigentes dos EUA a capacidade de impor estrangulamentos noutros países.

O petróleo é um fornecedor chave de energia e o crescimento da produtividade e do PIB das economias principais tende a refletir o aumento de energia usada por trabalhador.  O petróleo e o gás não são apenas para serem queimados, produzindo energia, mas também são uma matéria-prima química básica para os fertilizantes e, portanto, para a produtividade agrícola, assim como para boa parte da produção dos plásticos e doutros produtos químicos. 

Por isso, os estrategas dos EUA reconhecem que cortar os países do petróleo e seus derivados irá bloquear a sua indústria e agricultura. A capacidade de impor tais sanções pode permitir que os EUA tornem os países dependentes das suas políticas como meio para não serem «excomungados» do comércio de petróleo.

Os diplomatas dos EUA têm estado a dizer à Europa, desde há muitos anos, para esta não se basear no gás e petróleo russos. O objetivo é duplo: por um lado impedem um fator decisivo para o superavit comercial da Rússia e, por outro, capturam o vasto mercado europeu para os produtores americanos de petróleo e de gás. Os EUA convenceram os dirigentes governamentais alemães a não aprovar o gasoduto Nord Stream 2 e finalmente, usaram a desculpa da guerra da OTAN com a Rússia na Ucrânia para atuarem unilateralmente e conseguirem sabotar os gasodutos 1  e 2 do Nord Stream.

(2.) Para o nosso público:  No seu novo livro “The Destiny of Civilization: Finance Capitalism, Industrial Capitalism, or Socialism”,

...postula que a economia mundial está a fraturar-se em duas partes, os EUA e a Europa, na sua parte dolarizada

...e que esta unidade neoliberal ocidental está a levar a Eurásia - e a maior parte do Sul Global - para um grupo separado. Acabou de afirmar isso numa entrevista dada em Novembro.

https://michael-hudson.com/2022/11/the-rentier-economy-is-a-free-lunch/

Poderia explicar isso para o nosso público?

MH:  A separação não é apenas geográfica, mas sobretudo reflete o conflito entre o Ocidente neoliberal e a lógica tradicional do capitalismo industrial. O Ocidente des-industralizou as suas economias ao substituir o capitalismo industrial pelo capitalismo financeiro, inicialmente na procura de conseguir manter salários baixos e depois ao tentar e estabelecer privilégios de monopólio e mercados cativos, ou ainda elementos essenciais de tecnologia, das armas (e agora de petróleo), transformando-se em economias de rentistas.

Há um século, o capitalismo industrial estava no ponto de evoluir para o socialismo, com os governos a fornecer as infraestruturas básicas (tais como sistemas de saúde, de educação, comunicações, investigação e desenvolvimento) para minimizar o custo de vida e a proporcionar os negócios. Aquilo que são hoje os EUA, a Alemanha e outras nações, construíram desse modo o seu poder industrial, o mesmo que a China e outros países euro asiáticos têm estado a fazer mais recentemente.

Mas a escolha do Ocidente de privatizar e financeirizar a sua infraestrutura básica, desmantelando o papel do governo e entregando a planificação a Wall Street, à City de Londres e a outros centros financeiros,  deixou-os com pouco para oferecer a outros países - salvo a promessa de não os bombardear ou a tratá-los como inimigos, caso eles procurem criar riqueza por suas próprias mãos, em vez de a transferirem para os investidores dos EUA e de corporações internacionais.

O resultado é que, quando a China e outros países constroem as suas economias de modo idêntico ao que os EUA fizeram, desde  o pós Guerra Civil, até à IIª Guerra Mundial, são considerados como inimigos. É como se os diplomatas dos EUA vissem que o jogo está perdido e que a sua economia se tornou tão dependente da dívida, privatizada e com elevados custos de produção, que só esperam conseguir fazer que os outros países sejam seus tributários, dependentes enquanto for possível, até que o jogo chegue ao fim.

Se os EUA conseguirem impor o neoliberalismo financeiro no mundo, então as outras nações acabarão por ter os mesmos problemas que os EUA estão a sofrer.

(3.) Agora os primeiros terminais para gás liquefeito ( LNG) dos EUA estão abertos. Como é que isto afetará o comércio e a dependência /interdependência entre a Alemanha e os EUA? 

MH: As sanções dos EUA e a destruição de Nord Stream 1 e 2 tornaram a Europa dependente dos fornecimentos dos EUA, a um custo tal para o gás LNG (cerca de seis vezes o que os americanos e asiáticos pagam), que a Alemanha e outros países perderam a sua capacidade em competir no aço, no vidro, no alumínio e noutras manufaturas. Isto cria um vazio, que as empresas com sede nos EUA vão preencher com o seu investimento a partir de outros países, ou até dos próprios EUA.

A expectativa é que as indústrias pesadas, químicas e outras da Alemanha e doutros países europeus  tenham de se mudar para os EUA para conseguir petróleo e outros componentes essenciais, que lhes dizem para não comprar na Rússia, no Irão ou noutras alternativas. Assume-se que elas - indústrias europeias - não possam localizar-se na Rússia ou Ásia, pela imposição de sanções, multas e ingerências nas políticas europeias, pelos EUA.  Existem ONGs e satélites da «National Endowment for Democracy», como tem sido o caso desde 1945. Pode-se esperar uma nova Operação Gládio para promover os políticos que desejam manter esta nova Fratura Global e reorientar a indústria europeia para os Estados Unidos.

Uma questão é se o trabalho especializado alemão irá a seguir. Isso é aquilo que acontece tipicamente em tais circunstâncias. Este tipo de redução demográfica foi experimentada pelos Estados Bálticos. É um efeito colateral às políticas neoliberais.

(4.) Qual a sua visão sobre a situação militar atual na guerra Rússia/ Ucrânia? 

MH: Dá ideia que a Rússia irá facilmente vencer em Fevereiro ou Março. O que irá provavelmente criar uma zona desmilitarizada para proteger as áreas russófonicas (provavelmente, incorporadas na Rússia) do Ocidente pró-OTAN em ordem a prevenir sabotagem e terrorismo. 

Á Europa, irão continuar a obrigá-la a boicotar a Rússia e os seus aliados, em vez de procurar obter trocas mutuamente vantajosas por comércio e investimento recíprocos.  O EUA poderão incentivar a Polónia e outros países, a lutarem até ao último polaco ou lituano, à semelhança da Ucrânia. Isto irá pressionar a Hungria. Mas, antes de mais nada, haverá insistência para a Europa gastar somas imensas para se rearmar, sobretudo com armas dos EUA.  Estes gastos irão excluir muitas das despesas sociais, para que a Europa consiga suportar o aprofundamento da depressão industrial, ou distribuir subsídios para fazer reviver a sua indústria. Portanto, será crescentemente uma economia militarizada - ao mesmo tempo que a dívida dos consumidores e das empresas industriais vai aumentando, a par da dívida do governo.

Enquanto isto ocorrer, pode a Rússia decidir que a OTAN se deve retirar para as suas fronteiras de 1991. Este será, muito previsivelmente, um ponto de conflito.

(5.) Qual é sua opinião sobre a situação financeira nesta guerra.  O G7 e os governos da UE já falam de reconstruir a Ucrânia após a guerra. O que significa isso para os capitalismos de negócios e financeiros do Ocidente?

MH: A Ucrânia dificilmente poderá ser reconstruída. Antes de mais, muita população partiu e não é provável que regresse, dada a destruição de habitações, de infraestrutura ... e de maridos. 

Segundo, a Ucrânia é principalmente propriedade dum pequeno grupo de cleptocratas - que estão disponíveis para vender essa propriedade a investidores ocidentais da agricultura e a outros abutres (penso que sabe a quem me refiro).

A Ucrânia está já atolada em dívida e tornou-se um feudo do FMI (o que significa, na prática, da OTAN). Será pedido à Europa para «contribuir» e as reservas do Banco Central Russo apreendidas podem ser gastas a contratar companhias dos EUA, que irão fazer um negócio ótimo em fingir que estão a recuperar a economia da Ucrânia - deixando o país ainda mais enterrado em dívida.

Um novo Secretário de Estado do Partido Democrata irá fazer eco a Madeleine Albright, dizendo que a morte da economia, das crianças e dos soldados da Ucrânia «mereceram totalmente a pena», enquanto custos para espalhar a democracia ao estilo dos EUA. 

(continua, veja Parte II)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A ALEMANHA E AS MENTIRAS DO IMPÉRIO [por Patrick Lawrence*]



Por Patrick Lawrence

Original em  Consortium News:

https://consortiumnews.com/2022/12/13/patrick-lawrence-germany-the-lies-of-empire/


 “A Alemanha é Hamlet,” escreveu uma vez Gordon Craig. O grande historiador daquela nação (1913-2005) era famoso pelas suas frases sugestivas, intuições que mostravam sob nova luz os recônditos antros da psique alemã, o que fazia este povo pestanejar. 

Estará a Alemanha virada para o Atlântico ou para Leste, para a massa continental Eurasiática? De que tradição vai beber? Onde se situam as suas lealdades? Isto são questões de geografia, de uma cultura antiga e rica e de uma longa e complicada história que se colocam aos alemães. Não penso que Craig pretendia sugerir que esta condição fosse um fardo. Não, não havia nada para resolver. Neste estado ambíguo - no Oeste, mas não integralmente nele, no Leste mas não totalmente dele - a Alemanha era igual a si própria, verdadeiramente.

Os alemãs viveram assim, sem pedir desculpas, durante muito tempo. Podiam permitir que os EUA estacionassem 200,000 militares no seu território - efetivos presentes no fim da guerra-fria — enquanto prosseguiam com a Ostpolitik de Willi Brandt, a abertura da República Federal à República democrática alemã e por extensão a todo o Bloco de Leste. Foi a Alemanha que investiu juntamente com Gazprom, o conglomerado russo da energia, nos gasodutos Nord Stream I e II, mesmo durante as crescentes tensões Leste - Oeste.

No longo percurso para a entrada em Moscovo, a partir do aeroporto internacional de Domodedovo, as largas vias estão bordejadas com stands de negociantes de carros alemães, de guindastes de construção alemã, de fábricas de companhias alemãs. Os meios industriais alemães assim como muitos cidadãos alemães, têm sido críticos sonoros do regime de sanções que os EUA impuseram à Rússia  — e efetivamente à Europa, de facto — após o golpe de Estado em Kiev, orquestrado pelos EUA, ter desencadeado a corrente crise na Ucrânia.

Eu leio as duas extraordinárias entrevistas dadas por A. Merkel ao Der Spiegel e ao Die Zeit na semana passada com pano de fundo desta historia, deste assente, deste organizado estado de ambiguidade. Se existe uma verdade que possa erguer-se acima de todas as outras nas espantosas revelações que a ex-chanceler fez, sobre  duplicidade de Berlim em suas relações com Moscovo, é a de que a República Federal abandonou a sua herança — o seu estado natural, de facto — assim como as responsabilidade consideráveis que o passado e a geografia lhe atribuíram.

Separação Leste-Oeste

Seria difícil exagerar o significado desta mudança para todos nós. A separação global tornou-se mais ampla, agora. A Guerra Fria II também se tornou mais fria. A separação do Leste e Oeste tornou-se agora uma situação mais ou menos permanente. E o mundo acabou de perder aquele país que tinha a capacidade de mitigar as atuais circunstâncias péssimas, graças à peculiar posição, talvez única, na comunidade das nações.

É estranho considerar o Príncipe Henrique XIII, o aristocrata alemão que acaba de ser preso por liderar uma conjura para derrubar o governo de Berlin (uma coleção de alegações absurdas, devo referir desde já, não tomo nem por um minuto a sério esta ausência de provas credíveis e não espero que jamais venham a ser apresentadas) Consta que o príncipe teria desenvolvido argumentação de que a Alemanha não se tinha tornado uma nova nação, após a Segunda Guerra Mundial, mas uma colónia subsidiária e pertença dos EUA.

“Não somos alemães. Não somos um verdadeiro Estado alemão" isto é citado como declaração dos seus adeptos numa peça (muito enviesada) do New York Times, publicada Domingo. “Somos apenas um ramo duma SARL”, que significa «sociedade anónima de responsabilidade limitada».

É tão estranho ler isto na mesma semana em que Merkel removeu qualquer laivo de dúvida, de que isto é precisamente a condição da Alemanha, seria este o caso desde os anos pós- guerra, e certamente o foi desde que Washington se comprometeu a si própria e aos seus aliados nesta campanha de expansão e inclusão de novos países na OTAN, para a levar até às fronteiras da Rússia e com o objetivo último de subverter a Federação Russa. 

Embora eu não saiba muito sobre as posições políticas do príncipe, é deveras interessante ouvir um cidadão alemão ter objeções, d facto, de que a República Federal se atraiçoou a si própria e à sua herança histórica, na mesma semana em que a ex-chanceler disse aos mis lidos magazine e jornal da Alemanha, que a frutuosa ambiguidade do passado da nação foi abandonada, em favor de uma desonestidade manipulativa e russófoba, que está no centro da guerra por procuração que os EUA têm levado a cabo contra a Rússia na Ucrânia.

Tem sido amplamente referido e analisado — salvo na imprensa americana «mainstream» em que as palavras de Merkel , na semana passada, não foram mencionadas — que a ex-líder alemã tenha descrito a sua traiçoeira e cínica atitude com Moscovo, nas negociações dos dois protocolos de Minsk, o primeiro assinado em Setembro de 2014 e o segundo, no Mês de Fevereiro do ano seguinte.

 

Outubro de 2014: O presidente russo, Vladimir Putin, à esquerda, falando com o presidente da Ucrânia Petro Poroshenko, à direita, e com a Chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês François Hollande. (Kremlin.ru, CC BY 4.0, Wikimedia Commons)

Tanto Berlim como Paris, o regime de Kiev resultante do golpe e Moscovo, foram todos signatários dos acordos.  Lembro-me muito bem do empenho que o presidente russo Vladimir Putin pôs nestas conversações. Muitos de nós esperávamos que, tendo Kiev violado os acordos de Minsk I, o segundo acordo iria produzir aquilo que o presidente russo procurava - um acordo duradoiro que deixasse a Ucrânia unida e estabilizasse a segurança e ordem na fronteira sul-oeste da Rússia e no flanco leste da Europa.

Mais cedo, este ano, o primeiro presidente ucraniano pós- golpe Petro Poroshenko, chocou toda a gente quando afirmou publicamente que Kiev nunca tinha tido qualquer intenção de honrar os compromissos feitos quando assinou os protocolos de Minsk: As conversações na capital da Bielorrússia e todas as promessas queriam simplesmente dizer, para ele, um processo de ganhar tempo enquanto a Ucrânia construía fortificações nas regiões a leste e que treinava e armava um exército suficientemente forte para levar a cabo uma guerra de agressão total contra as  regiões com inclinações pró-russas, de Donetsk e Lugansk.

Nunca houve qualquer interesse em implementar a estrutura federal desenhada em Minsk II. Nunca houve qualquer intenção em fornecer às regiões separatistas a medida de autonomia reclamada, que a própria História da Ucrânia e seu mosaico linguístico, cultural e de tradições, justificavam. Tornou público que isto era uma astúcia para enganar Moscovo e as repúblicas do Donbass, enquanto a Ucrânia se rearmava e bombardeava estas repúblicas, em antecipação da guerra que rebentou em pleno em Fevereiro.

É chocante, sim. Mas Poroshenko é um magnate da doçaria que montou o regime, largamente irresponsável e furiosamente russofóbico que tinha tomado o poder em Kiev.  Portanto: Chocante, mas também conforme com a conduta desse bando de ninguéns, corruptos até às raízes dos cabelos, com nenhuma noção de sentido de Estado ou de governança responsável.

Tomam outra dimensão, para vincar o óbvio, quando as mesmas coisas são ditas por Merkel. Era suposto a ex-chanceler ter liderado a posição da diplomacia ocidental, juntamente com François Hollande, o presidente francês na altura e claramente formando equipa com a figura mais importante na política europeia. Pelo seu próprio relato, estava a usar a diplomacia exatamente como o fazia Kiev, para inviabilizar o acordo que, pretensamente, ela apadrinhava.

Convém lembrar os leitores de que os EUA não foram parte nas conversações de Minsk. Por um lado, posicionou-se totalmente contra qualquer acordo quer coma Rússia, quer com as Regiões Separatistas. Por outro lado, não fazia sentido convidar os EUA para Minsk porque a sua posição era óbvia e sua presença seria contraproducente. Agora, que Merkel falou nestes termos, a posição alemã era a de que o Ocidente precisava do acordo - que não interessava a ninguém, no Ocidente -  apenas como forma de ganhar tempo para a Ucrânia se rearmar. 

As entrevistas de Merkel com o Der Spiegel e o Die Zeit foram efetuadas como retrospetivas, em que os correspondentes amistosamente proporcionavam à ex-chanceler um olhar para o passado. Os tópicos de Minsk e da Ucrânia eram apenas dois entre muitos. Os textos dão a impressão de que Merkel falou deles de forma casual e sem reticências. Os fragmentos em causa, são curtos, mas muito claros.

Der Spiegel:

Ela pensa que… depois, durante as conversações de Minsk, ela conseguiu comprar tempo que a Ucrânia precisava para melhor enfrentar um ataque russo. Ela diz que é agora um país forte e bem fortificado. Nessa altura, ela tem a certeza de que seria varrido pelas tropas de Putin.

No Die Zeit, na segunda das das entrevistas, Merkel descreveu as negociações de Minsk como “um meio para dar tempo à Ucrânia... para ela se fortalecer,” mais adiante exprime satisfação de que esta estratégia - um claro abuso dos procedimentos diplomáticos - tenha tido sucesso.

Há várias interpretações das palavras de Merkel. São, em geral, tomadas como o reconhecimento sem máscara da sua duplicidade - e por extensão, do Ocidente - na sua forma de lidar com a Rússia sobre a questão da Ucrânia. O «Moon of Alabama», um blog feito por um alemão, vê as entrevistas como a tentativa de Merkel em proteger sua reputação, junto dos meios de liderança da Alemanha, onde há uma viragem para posições de russofobia, comuns nos EUA, mas não o eram, até agora na Alemanha.

Acho ambas as leituras plausíveis. De qualquer modo, o grande assunto que enfrentamos agora é  o prejuízo causado por Merkel em 2014 e 2015 e as consequências das suas declarações na semana passada.  

Muito se disse e escreveu sobre o golpe fatal que Merkel desferiu na confiança em assuntos diplomáticos, e penso que «fatal» é a palavra adequada. Ray McGovern foi esclarecedor neste assunto, trazendo a sua experiência profissional a esta questão, numa longa conversa com Glenn Diesen e com Alexander Mercouris, na semana passada.

Um certo grau de confiança era essencial entre Washington e Moscovo, mesmo durante as etapas mais perigosas da Guerra Fria. A Crise dos Mísseis de Cuba foi resolvida porque o Presidente John F. Kennedy e Primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, foram capazes de confiar o suficiente um no outro. Esta confiança já não existe, como Putin e outros membros do governo russo deixaram claro em declarações feitas em resposta às duas entrevistas alemãs.

Moscovo e Pequim disseram repetidamente que, desde que Joe Biden assumiu o cargo, nem sequer há dois anos atrás, já não existe confiança com os americanos. A consequência disto, é que não vale a pena negociar com eles num contexto diplomático. Para os diversos membros do governo russo, desde afirmações de Putin, até figuras menores, as declarações de Merkel parecem ter confirmado, lamentavelmente, as conclusões anteriores. 

Trata-se de uma viragem maior, que Moscovo agora inclua os europeus e em especial os alemães, nesta avaliação. Agora os alemães dizem as mentiras de que o império americano  é feito - um motivo de ansiedade e tristeza, juntas. Se a diplomacia da terra-queimada é nome adequado para as manobras que o Ocidente tem estado a fazer no relacionamento com a Rússia desde 2014, como eu penso que seja, então a ponte alemã entre o Ocidente e Leste foi queimada.

A gravidade destas conclusões, as suas implicações à medida que avançamos, são imensas para o Ocidente e para o que não seja Ocidente, de igual modo. Um mundo cheio de hostilidades é o que nós todos conhecemos. Um mundo destituído de confiança e de diálogo será outro patamar. Tal como vemos no contexto ucraniano, não há possibilidade de diplomacia, de negociação ou de diálogo de qualquer espécie, sem confiança. Nós lemos quotidianamente os resultados disso nas poucas publicações que descrevem com honestidade esta guerra.

*Patrick Lawrence, tem sido correspondente estrangeiro durante muitos anos, principalmente para International Herald Tribune, ele tem escrito colunas, ensaios, é autor de livros e conferencista. O seu livro mais recente é intitulado «Time No Longer: Americans After the American Century».


domingo, 16 de outubro de 2022

RESERVAS DE GÁS DA UE? NÃO SE ILUDAM

 Numa guerra de propaganda, que invade não só as redes sociais, como (sobretudo) os «respeitáveis» órgãos da media «mainstream», não esperem que notícias como esta e os factos aqui relatados, sejam largamente difundidos. Mas, o seu conhecimento antecipado pode significar muito ao nível individual ou das famílias, ou seja, saber-se quais as medidas adequadas a tomar. De igual importância, são as medidas que os industriais poderão adotar, em previsão dos cortes drásticos de energia (quer energia elétrica, quer gás natural). 

As pessoas estão a ser iludidas por um écran de propaganda, que tem origem nas declarações de diversos membros do governo, de membros da comissão europeia e de outros com cargos oficiais, por um lado e pela media, por outro. 



  Uma das primeiras mentiras é dar a impressão de que o LNG poderá facilmente substituir o gás via gasodutos,  necessário para o aquecimento de lares e indústrias na UE. Nada mais longe da verdade:

1- A frota de navios capazes de transportar LNG é muito insuficiente para satisfazer as necessidades europeias. O aumento desta frota  especializada, para níveis adequados, irá demorar - no mínimo - 3-4 anos.

2- Os terminais nos portos, que poderão servir o LNG estão por construir, do lado europeu. Ainda por cima, é um empreendimento de engenharia muito caro, cuja rentabilidade não está garantida. Que financiamentos a construção das instalações receberão? O risco para os bancos será elevado, a não ser que estes tenham garantias dos Estados...

3- Os depósitos de gás natural que a UE possui, não são suscetíveis de ser mobilizados, sem um fluxo de gás natural de superfície, que venha arrastar o gás depositado. Por outras palavras, enquanto houve gás natural russo a circular pelos gasodutos, era possível mobilizar as reservas. Estas, não deveriam constituir mais do que 10 % da mistura. Veja a explicação técnica AQUI. Não se pode portanto contar com o gás em «reserva», pois ele não pode ser mobilizado na ausência de gás de superfície, circulando nos gasodutos. 

4- O LNG é um gás «sujo», ou seja, com muitos resíduos resultantes do fracking. Há portanto um custo acrescido em «limpá-lo» de impurezas. É mais difícil o armazenamento e com maior possibilidade de explosão do que para o gás importado da Rússia. 

5- O preço do LNG já é 4 vezes maior que o gás russo, transportado por gasodutos, mas ainda estamos no princípio da subida. Ninguém pode prever o seu preço, quando não houver gás russo. Apenas um pouco de gás russo continua a ser distribuído, via o gasoduto Turkstream. Este, foi sujeito recentemente a uma tentativa de sabotagem. Ele serve a Hungria, a Áustria, a Sérvia e a Itália. Porém, é impossível, através dele, de  fornecer os maiores consumidores europeus. A sabotagem dos gasodutos sob o Báltico NS1 e NS2 (ordenada pelos EUA) torna mais difícil a retoma do fluxo de gás para a Alemanha.  Com o Inverno que se aproxima, o preço do LNG vai subir até às nuvens. 

6- Não vejo que o governo americano esteja disposto a subsidiar os europeus para que estes não sofram tanto com esta subida brusca do preço do gás. Vejo o contrário! Várias empresas europeias estão já a considerar seriamente relocalizar-se nos EUA, pois aí o custo da energia é muito menor. Sem dúvida, nos EUA serão bem acolhidas, pois eles têm desejo de se re-industrializar!


Se os alemães e outros povos do Norte europeu estão a armazenar lenha para o Inverno, eles têm muitas razões para fazê-lo. Mas, as indústrias não poderão mudar o abastecimento de gás ou eletricidade, para lenha! Vai - portanto - haver uma onda (que já começou) de fecho de empresas, cuja fatura energética subiu de tal maneira, que deixaram de ser rentáveis!

A crise energética, fabricada pelos globalistas que nos governam, não é causada pela guerra na Ucrânia. Ninguém pode dizer que os russos querem «estrangular» energeticamente a UE, pois eles têm sido boicotados, sujeitos a sanções, diabolizados e têm continuado a fornecer o gás a países que se tornaram claramente hostis. Mas, como de costume, a «culpa» é sempre do «outro», neste caso «do Putin»!

Quando é que as pessoas acordam e percebem como têm sido manipuladas? 



terça-feira, 11 de outubro de 2022

Crise energética na UE e oportunidade para os EUA...

 ... de que falava Blinken: Sim, é uma oportunidade para o business americano, sem dúvida. 

O Gás Natural Liquefeito (LNG na sua sigla em inglês) é obtido, nos EUA, a partir de depósitos de gás de xisto. A indústria de produção de petróleo e de gás de xisto apresentou-se primeiro como um grande negócio e muitos investiram nas ações das empresas do xisto. 

Porém, a enorme dívida que se acumulou no setor, tornou-o pouco rentável ou mesmo não rentável. O segmento menos rentável era justamente relacionado com a extração e todo o processamento que leva ao LNG. Com a agudização da crise ucraniana, os poços de gás de xisto e as respetivas empresas tornaram-se de novo rentáveis. 

A garantia de um mercado cativo, o dos súbditos europeus, permite tornar rentável algo que raramente ou dificilmente o podia ser. Com efeito, as operações de compressão e  liquefação do gás natural são onerosas e gastam energia! A armazenagem do LNG, o transporte em navios-cisterna especialmente desenhados para o efeito, a necessidade de instalações portuárias especiais, tanto nos portos de origem como de destino, tornam a margem de lucro destas operações muito pequena.

O processo só pode ser rentabilizado com um preço de monopólio, ou seja, se os compradores estiverem obrigados a abastecer-se de gás natural (LNG) proveniente dos EUA e não da Rússia. 

O atentado terrorista dos gasodutos Nord Stream encontra aí o beneficiário do crime. Os executores podem ter sido, além dos americanos, os britânicos  também, pois estes tinham a motivação, o interesse e a capacidade técnica para isso. Também podem ter colaborado ativamente  os noruegueses e os polacos, que estavam quase a estrear a entrada em funcionamento doutro gasoduto, trazendo gás natural da Noruega para a Polónia. Lembro que são países inteiramente «fieis» à NATO. 

         Reprodução do selo «comemorativo» do atentado contra a ponte da Crimeia.

É bem possível que vários outros países tenham participado, pois as águas onde se deu o atentado são constantemente vigiadas por satélite, por dispositivos de sonar, por câmaras submersas etc., para impedir que qualquer submarino russo possa atravessar essas águas sem ser detetado. Este sistema apertado e sofisticado não podia ser iludido nem pelos russos, nem por ninguém. Logicamente só dando o conhecimento prévio aos países (da NATO) vizinhos (Dinamarca, Alemanha, Suécia e Polónia) esta sabotagem poderia ter sido levada a cabo, não fossem os «sabotadores legítimos» ser confundidos com os mauzões dos russos. 

De qualquer maneira, este atentado não foi isolado. Lembro a frequente utilização da central nuclear de Zaporozjnie (ocupada pelos russos) como alvo dos mísseis ucranianos, arriscando um acidente nuclear com disseminação  de radiatividade no ar e nos rios. Houve também uma central em território russo, que foi alvo de tentativa de sabotagem por parte dum comando ucraniano. 

O atentado contra a ponte que liga a província russa da Crimeia à parte continental da Rússia foi endossado pelo governo e serviços secretos ucranianos. Ele não foi a única causa de retaliação dos russos. Poucas horas depois, houve uma barragem de mais de 70 mísseis russos contra alvos governamentais em Kiev e noutras cidades da Ucrânia. Também foram destruídas centrais elétricas e centros de retransmissão de energia elétrica. 

Os russos deram um claro sinal ao governo do «Banderastan» e às forças políticas que o apoiam, que são teleguiados pelo Pentágono, pela CIA e pelo Departamento de Estado do Tio Sam (juntamente com outros comparsas da NATO). 

 Pelo menos, desde o atentado - por uma agente dos serviços secretos ucranianos - que vitimou  Daria Dugina perto de Moscovo (início de Agosto), os ucranianos intensificaram sabotagens em solo russo e bombardeamentos contra a república do Donestsk, em zonas urbanas sem interesse militar, causando muitos mortos civis. 

Se os americanos, usando os seus fantoches de Kiev, estavam convencidos de que iriam poder continuar com estes atos de terror impunemente, eles iriam redobrar de audácia e criminalidade. 

No geral, muitos países que não estão debaixo da tutela americana percebem as razões que assistem à Rússia, a qual teve (e tem) uma ameaça existencial às suas portas, desde 2014, desde o golpe de estado, cozinhado pela administração americana e vários países da UE.

Pode dizer-se que - na guerra pelos recursos energéticos - a húbris de americanos e outros ocidentais, faz com que estes acabem por perder. Por exemplo, o projeto petrolífero na península de Sakalina, no extremo oriente russo, já não terá a participação de 30% da Exxon-Mobil. Os russos convidaram a Índia a tomar o lugar dos americanos. 

Os países da OPEP irão reduzir a sua produção em 2 milhões de barris diários. Eles argumentam que precisam de sustentar os preços. No entanto, nunca se tinha visto a Arábia Saudita dizer «não» aos americanos, seus protetores e fornecedores de armas. Os americanos estão furiosos e dizem que agora a Arábia Saudita está a «fazer o jogo dos russos». 

O Império não consegue manter sua hegemonia, nem sequer consegue fazer-se respeitar. Mesmo entre os seus vassalos mais submissos, como vários países da NATO, têm uma cidadania que já acordou e compreende que tem sido instrumentalizada por mentiras, contra os seus próprios interesses vitais. 

Os dirigentes destes países só têm duas saídas possíveis: 

- Eliminam ou flexibilizam as sanções, como a Hungria, a Bulgária e agora a Itália, que não deseja com certeza «suicidar-se» para agradar aos americanos... 

- Ou então, vão continuar a política cega contra a Rússia, como fazem o Reino Unido e outros, com o risco do povo perder a paciência e derrubar o governo. 

Aliás, as cidadanias alemã e checa têm demonstrado recentemente que não se identificam com a política dos seus respetivos governos, em relação às sanções contra a Rússia. 

Ângela Merkel, líder de partido conservador e chanceler alemã durante dez anos, teceu fortes críticas à maneira como as relações com Moscovo têm sido levadas a cabo pelas diplomacias do seu país, da UE e dos EUA. 

Espero que os dirigentes europeus, pressionados pelos eleitores, encontrem um caminho para negociar a paz com a Rússia. 

O governo da Ucrânia é totalmente fantoche. Zelensky até sugeriu aos países da NATO que façam uma escalada, usando mísseis nucleares contra a Rússia. É um sociopata perigoso, pois não está preocupado com a aniquilação dos povos, incluindo do seu próprio. Está convencido de que irá sobreviver, num cenário destes. Está tomado pelo «papel de herói»  (de mau ator teatral), querendo que o seu povo e o mundo tomem como verdade a ficção grotesca que ele encarna.

PS1: Um dos números de Zelensky ator!

https://www.armstrongeconomics.com/international-news/ukraine/zelensky-profiting-from-the-war/

PS2: Biden e seu governo devem achar que os europeus são muito estúpidos! Veja: https://www.youtube.com/watch?v=LIg_bluzx_s&feature=youtu.be


PS3: A Alemanha está a jogar cavaleiro solitário, no que toca à crise energética. Ela arrisca causar uma quebra na UE: 

https://www.youtube.com/watch?v=c5SLK_ywJb8


PS4:  Vê este vídeo bem documentado 

https://www.youtube.com/watch?v=zIF2MCGBNOI