Porque razão os bancos centrais asiáticos estão a comprar toneladas de ouro? - Não é ouro em si mesmo que lhes importa neste momento, mas é a forma mais expedita de se livrarem de US dollars!!
Mostrar mensagens com a etiqueta Coreia do Sul. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Coreia do Sul. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

COREIA DO SUL: Do milagre económico ao pesadelo demográfico


 Este documentário da CGTN está muito bem feito; porém, não aborda as causas profundas desta situação dramática. A descida vertiginosa da taxa de natalidade tem de ser vista de modo realmente holístico. Ela não é a causa dos problemas: É o epifenómeno de algo muito mais profundo e complexo.
Vejamos, em particular, a questão do urbanismo: 
Na Coreia, em todo o lado, mesmo em pequenas-médias cidades, perfilam-se arranha-céus ou prédios muito altos com mais de vinte pisos, cada piso tendo um número elevado de apartamentos. O que foi visto nos anos 70 como um progresso, hoje é um grande problema urbano, é um modelo  caduco. 
Mas, como o preço dos terrenos urbanos é muito elevado, devido a especulação contínua, há constantes operações de destruição-construção. Os prédios com mais de vinte anos são abatidos e substituídos por prédios novos. Estes, provavelmente, têm maior capacidade para «enlatar» as pessoas. Os apartamentos novos, dimensionados para pessoas sós, devem estar agora em maioria. 
Toda esta construção frenética é muito cara e devoradora de energia, além de apenas perpetuar o isolamento das pessoas, impedindo ou dificultando a vivência em comunidade. 
Isto, numa sociedade que foi tradicionalmente coletivista. É uma operação ideológica, mascarar o coletivismo natural destas sociedades e atribuir-lhes a etiqueta de «confucionistas». Os valores que promovem o coletivo sobre o indivíduo tinham que ser abatidos e difamados. Só assim, o modelo liberal-capitalista conseguiu reinar de modo absoluto, nos anos do «milagre» sul-coreano. 
Agora, o urbanismo com possibilidade de futuro, é o de cidades mais pequenas, com diversidade de serviços e locais de cultura, de lazer, de desporto. Já não são rentáveis nem gerenciáveis, por razões energéticas, as cidades de arranha-céus. 
O preço da energia, seja qual for sua origem - «renovável», «combustíveis fósseis» ou «atómica» - vai crescer em percentagens de dois dígitos. 
Por outro lado, os «países do Sul» estão a reaver sua soberania. Têm subido os preços das suas exportações para patamares mais elevados,  não apenas os preços dos produtos energéticos, como das matérias-primas minerais e dos produtos agrícolas, que a Coreia tem de importar. 

Creio que o modelo de construção que existe em Seul, assim como noutras grandes cidades do Oriente, desde Dubai até Xangai, está condenado pela sua própria falta de viabilidade energética e, portanto, económica. 
Mas, nas grandes urbes da América e da Europa ocorre - essencialmente - o mesmo fenómeno: O centro das grandes cidades foi inicialmente habitado pelos privilegiados. Depois, foi transformado em centro de serviços, com escritórios e áreas de negócios (bancos, firmas de investimento, bolsas, sedes das grandes multinacionais...). 
Finalmente, com a crise - desde 2008, início  da crise terminal do capitalismo - observa-se a degradação acelerada dos centros das grandes cidades e a migração para uma periferia, cada vez mais distante, dos trabalhadores de serviços e  das «classes médias». 
O efeito é de desertificação, não apenas dos seus habitantes efetivos, como dos serviços do dia-a-dia. Hoje, as grandes cidades do mundo tornaram-se desertos humanos, no seu centro de negócios. Apenas existem nas horas laborais. Fora dessas horas, as suas avenidas desertas são locais pouco seguros.
     
Este modelo urbano teria de ser modificado em profundidade, para resolver as questões humanas e sociais, decorrentes da acumulação de disfunções da sociedade do consumo frenético, do reino da mercadoria acima do humano. 
O mesmo se passa em muitas outras sociedades, inclusive nas que não são classificadas como capitalistas típicas. A razão disto, tem a ver com uma certa imagem de progresso, que impregnou o imaginário dos povos nos últimos 80 anos. 
Este modelo começou a entrar em crise há, pelo menos, 40 anos.  Em vão, os governos e as classes dominantes têm tentado fazer reformas que sustentem a rentabilidade do capital. 
Eles não têm a noção de que o capitalismo entrou na idade senil e que já não é reformável. 

domingo, 12 de março de 2023

FINANCEIRIZAÇÃO, ESPECULAÇÃO E ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: três fatores da crise do capitalismo

Desde sexta-feira passada, que os clientes do SVB (Silicon Valley Bank) não têm acesso às suas contas para levantar dinheiro «em espécie» (cash) de que precisam, ou para pagar contas. Com efeito, o segundo banco dos EUA faliu e essa derrocada foi súbita, efetuou-se em 48 h. O banco falido foi tomado por uma companha de seguros, a «Petro Insurance Corporation».

                                     
Esta falência sucedeu a outra, a do «Silvergate Bank», que detinha o nº16 no ranking das instituições bancárias americanas. 
A economia dos EUA é, há muito tempo, um castelo de cartas, assente em nada, ou seja, no «ar quente» da especulação de Wall Street. 
Parece que este banco SVB perdeu muito dinheiro em empréstimos aos «venture capitalists», porém esta suposição não me parece a mais adequada, para explicar o colapso, pois eles tiveram como principal fator a desencadear a falta de solvabilidade, a subida acentuada dos juros das obrigações.



 No mercado bancário, a compra de obrigações, principalmente de Obrigações do Tesouro, tem importância,  devido a que os bancos podem apresentar melhores ratios entre capital emprestado e capital próprio, o que lhes dá a possibilidade de expansão das suas operações de crédito. Sendo a valorização das obrigações tanto mais baixa, quanto mais a sua taxa de juros sobe, não é surpreendente que a subida, em ritmo acelerado, dos juros das Obrigações do Tesouro nos EUA, provoque a descida da capitalização dos bancos, visto que aquelas obrigações formam boa parte das suas reservas.
A financeirização da economia traduz-se, nos EUA, na perda substancial de rendimento do capital financeiro, quando os juros se aproximam da normalidade, ou seja, da sua média histórica. 




Noutros países, como por exemplo, na Coreia do Sul, a crise manifesta-se num setor diferente: No imobiliário, onde existe o sistema muito particular de Jeonse (40% do mercado dos apartamento para aluguer) . Neste sistema, os inquilinos, em vez de pagar renda ao proprietário, emprestam-lhe, a juro zero, uma soma correspondente a uma certa percentagem do valor do apartamento. O proprietário tem de devolver a quantia, passados dois anos. Nas décadas passadas, o sistema funcionou bem, pois havia uma carência de imobiliário, havia um crescimento vigoroso da economia e os preços dos apartamentos iam subindo  (80% das economias das famílias estão investidas no setor imobiliário, neste país). Agora, com uma das taxas mais baixas de fertilidade do mundo e correlativo envelhecimento da população, a Coreia do Sul encontra-se num contexto completamente diferente dos anos de expansão. Os preços dos apartamentos estagnaram ou diminuíram.  
Os mercados de exportação contraíram-se, a construção do imobiliário parou, em simultâneo com o encarecimento das matérias-primas (incluindo alimentares). 
Este aumento generalizado de preços, ao nível mundial, é resultante da inflação desencadeada pelas sequelas da frenética impressão monetária, das ruturas das cadeias de produção e abastecimento, causadas pelos «lockdowns» do COVID. Finalmente, as subidas bruscas do petróleo e outras fontes de energia, decorrente das sanções ocidentais às exportações de combustíveis da Rússia (o maior exportador mundial de gás natural e de petróleo), afetaram severamente todos os mercados em 2022. 
O resultado destes fatores conjugados, é que a Coreia do Sul (e, provavelmente, outros países com economias similares) deixou de ser um exportador líquido, para ser um importador líquido, ou seja, a economia sul-coreana gasta mais dólares a abastecer-se de produtos que importa do estrangeiro, do que os dólares que obtém pelas suas exportações. Isto é uma inversão muito notável pois, com exceção da grande crise de 1996-7, este país asiático tinha durante décadas um balanço positivo nas trocas comerciais.    
 
Em qualquer dos casos, a economia dos países capitalistas típicos está condenada. 
No caso das economias largamente financeirizadas, como é o caso dos EUA e também do Reino Unido, as sucessivas perdas de rentabilidade do capital tornam insustentáveis todos os esquemas de tipo Ponzi, em que assentam as suas economias, desde a banca, até aos fundos de pensões (sejam elas públicas ou privadas).
No caso das economias industriais e exportadoras muito dinâmicas, como a Coreia do Sul (igualmente para o Japão e outros países do extremo-Oriente), as dificuldades são acentuadas pela insustentabilidade demográfica: Uma economia capitalista tem de crescer para sobreviver e, para isso, tem também de crescer em termos demográficos. Em paralelo, ocorre o «encolhimento» dos mercados-clientes incapazes de absorver a oferta dos produtos industriais produzidos, devido à severa crise prolongada que lavra em países do Ocidente, principais clientes dos produtos industriais do Extremo-Oriente.
O resultado de todos estes fatores conjugados, traduz-se num comportamento caótico global da economia capitalista, num grau tal, que provocará uma grande destruição de capital. Segundo opiniões avalizadas, entrámos numa depressão, pelo menos tão severa como a depressão de 1929.

PS1: O artigo de Michael Hudson, que pode consultar AQUI, dá-nos a panorâmica do que se passa nas falências sucessivas dos bancos americanos. Tal como eu escrevi, Hudson põe à cabeça como causa para estas falências em série, a subida das taxas de juro dos bonds do tesouro, que constituem parte substancial das reservas de qualquer instituição bancária nos EUA. Os valores das obrigações diminuíram acentuadamente (quando o juro aumenta, a obrigação vale menos), esta quebra foi contagiar, por sua vez, as descidas no imobiliário e nas ações.

PS2: O mecanismo de funcionamento dos empréstimos fracionários é explicado por Richard Wolf

PS3: Um grande número de bancos tiveram de suspender a sua cotação nos mercados de ações, tendo as suas ações descido em média de 80%.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

A PROPÓSITO DE UMA FRASE DE D. H. LAWRENCE

Aplica-se, hoje, o dito de D. H. Lawrence, de há um século atrás: “O essencial da alma americana é sua dureza, isolada, estoica, de assassino. Ela nunca chegou a derreter-se.” Citação retirada de artigo de Ed Curtin: https://off-guardian.org/2023/02/19/the-world-wants-to-be-deceived/
Não tenho dúvidas da justeza* de D. H. Lawrence, há um século atrás, como não duvido da justeza* do diagnóstico dececionado de Edward Curtin no excelente artigo: «O Mundo Quer Ser Enganado».

Mas, na realidade, não há assassino sem vítima. Quem se coloca na posição de vítima, são aqueles mesmos que ficam impressionados com «as luzes da ribalta», com retórica humanitária e a imagem totalmente falsa da maior «democracia» do Mundo, que estes assimilam, não vendo que estão a engolir em pequenas doses de veneno, o engano destinado a apresentar o «típico» americano como alguém muito decente, crente, bonacheirão, firme na defesa da «democracia» e respeitoso do poder, seja ele o do dinheiro ou o político.  

Para ilustrar este facto, irei descrever algumas experiências pessoais, embora eu saiba que não têm qualquer significado em termos estatísticos:

1) Há muitos anos, no metro, casualmente, encetei conversa com uma jovem americana. Não me lembro de que conteúdo falámos, só sei que a certa altura, a conversa resvalou para a política, em especial a americana. Não pude evitar falar-lhe das guerras sujas que os EUA estavam a fazer ou a apoiar fações, como no caso da Nicarágua (o diálogo passava-se quando Ronald Reagan era presidente). Ela abriu muito os olhos de espanto e dizendo, com voz ofendida, que a América era uma Nação pacífica, que ajudava os povos mais fracos. 

2) Num cemitério situado na Coreia do Sul, sob bandeira das Nações Unidas, repousam os soldados americanos e da coligação liderada pelos americanos que combateram na guerra da Coreia. Eu mostrei-me surpreendido ao guia, que a Coreia do Norte e a China não estivessem representadas, pois estávamos num pedaço de território que pertencia (legalmente) à ONU e não à Coreia do Sul. Ele não teve argumentos para me contrariar, mas também que os tivesse, não iria entrar em discussão comigo, visto que ele tinha de ser amável com os turistas. 
Mas a todos os sul-coreanos a quem contei o episódio e a minha perplexidade, não houve um que tivesse respondido o óbvio (para mim): A coligação que combateu as forças da Coreia do Norte e da China Popular, embora nominalmente sob bandeira da ONU, na realidade, eram tropas americanas e das nações que contribuíram com «voluntários». 
Há diferenças até na morte; eles (americanos) não esquecem, nem perdoam nunca. Se és inimigo, nem após a morte, te reconhecem a dignidade de ser humano.   

3) Num curso de Verão, num cantão da Suíça para aprender língua alemã, conheci uma jovem americana. Ela tinha talento musical e preparava-se para frequentar um curso superior de música na Suíça. Eu esteva no curso de Verão para poder beneficiar duma bolsa de investigação dada pela embaixada suíça. Ora, esse curso de língua alemã era frequentado por variados estudantes de ambos os sexos. Não sei por que motivo, a referida jovem, meteu-se-lhe na cabeça ensinar aos colegas dos outros países (ele era a única cidadã dos EUA) o seu hino nacional. As pessoas fizeram-lhe a vontade, não por submissão ou por convicção, mas porque quiseram mostrar-lhe que não tinham nada de pessoal contra ela (nem contra o seu país). Mas, eu fiquei a pensar no que aconteceria, se um Iraniano ou um Chinês (eram vários), tivesse a mesma ideia de querer ensinar aos companheiros de curso, o seu hino nacional? Tal não seria possível, porque nem eu nem os membros das outras nações,  estávamos interessados em manifestar um nacionalismo que ia ao ponto de obrigar os colegas, por cortesia, a aprenderem um hino que não lhes dizia nada.

4) Uma estudante, fazendo mestrado ou doutoramento em Coimbra, de origem curda e de nacionalidade turca, contou-me que, nas zonas curdas sob «proteção» americana, os diversos grupos étnicos, curdos, turcos, cristão sírios, árabes, etc. vivem em comunidades separadas e que cada comunidade tinha seus representantes, «em democracia». Mas isto era exatamente o modelo importado dos EUA (não sei se ela tinha consciência disso), em que as comunidades vivem separadas, têm uma organização comunitária separada por etnias e/ou por religiões: Os representantes políticos locais e regionais, são dum dos grupos étnicos mais fortes na zona, ou têm acordos que asseguram que os interesses dos vários grupos étnicos serão tidos em conta. Não existe nos EUA, qualquer «mistura» de pessoas vindas dos diversos cantos do globo (quanto aos que lá sempre estiveram, os sobreviventes do genocídio, estes foram «aparcados» em reservas e aí continuam). É por isso que, nos EUA, há periodicamente explosões de violência. Por as pessoas se definirem pela cor ou tom da pele: «brancos», «amarelos», «negros» e «latinos». Ou melhor, os poderes tudo fizeram para que as pessoas tenham sua representação mental da sociedade, dividida em comunidades por raças. Assim, a realidade fundamental da identidade de interesses entre oprimidos (seja qual for sua etnia) contra opressores (seja qual for a sua, também) é diluída.

5) Eu tive frequentes contactos com cidadãos dos EUA, enquanto estudante ou como recém-formado. Podia-se falar sobre política de modo civilizado, sendo eu cuidadoso para que não se sentissem ofendidos. Com efeito, mesmo alguém de elevado nível cultural, poderia confundir meu anti-imperialismo com uma forma de exprimir antipatia pessoal pelos americanos. Porém, o que sobressaia era que, os que estavam dentro do espectro político «mainstream», tinham uma abordagem simplista. Por contraste, as pessoas não-académicas, ativistas sociais ou sindicais dos EUA, que encontrei em vários momentos da minha vida, eram pessoas com originalidade; tinham interessantes pontos de vista sobre vários assuntos de política internacional.  

Não se pode generalizar, mas confesso que esta vivência acaba por influenciar o meu modo de ver o povo americano. Tenho lido muitos textos - os de Edward Curtin, Howard Zinn, Noam Chomsky e outros - sobre o modo como têm sido condicionados, nos EUA, geração após geração. 
Sei que a minha abordagem pode parecer simplista; de facto, não vivi nunca nos EUA. Gostava que os americanos não se tomassem pelo povo «excecional», isso - além de ridículo - é mesmo ofensivo para as restantes nações.
Pessoalmente, compreendo o forte sentimento de identidade que se possa ter, em relação à nação onde se viveu a maior parte da vida, da qual são os nossos pais e mães. Sei que o sistema educativo e político acaba por ter muita influência no moldar da mentalidade individual e coletiva. 
Mas, a questão é, simplesmente, de não se colocar numa postura de «superioridade» falsa, pois repousa sobre o poderio, a riqueza e força militar de uma potência, sobre as outras.  
A multipolaridade não vai eliminar as desigualdades entre as nações. Não vai anular diferenças culturais e políticas óbvias. Penso que vai permitir que não haja nenhuma nação hegemónica que dite às outras por que parâmetros políticos, morais, etc. estas outras se devem reger.  Para não falhar, não poderá ser apenas um projeto de força económica, militar, política, etc.: Tem de haver o suporte dum conjunto de regras ou leis internacionais, que permitam os povos viverem e desenvolverem-se, sem colonialismo, neocolonialismo, nem imperialismo. 

-------------------------------------------
* Não duvido da justeza de D.H. Lawrence e de Edward Curtin porque assumo naturalmente que ao falarem de «assassinos americanos» referem-se aos líderes, os que têm real poder, no Governo, na Administração e nos Negócios.



quarta-feira, 15 de abril de 2020

QUAL O VERDADEIRO OBJECTIVO DA ESTRATÉGIA DO CONFINAMENTO?

                     Cerca de um terço dos mortos em Portugal eram utentes de lares ou ...

Hesitei muito até produzir esta reflexão publicamente. Certamente, virão alguns com as acusações do costume, mas eu já começo a estar habituado. Na fase da vida em que estou, não dependo de opiniões alheias para o meu sustento e isso dá-me a liberdade de dizer o que me vai na consciência, sem temor de represálias. Sei que esse não é o caso de muito boa gente. 

A única estratégia que resultou, face ao Covid-19,  foi a de países do Oriente como a Coreia do Sul, Singapura e Japão, em que a população não foi confinada. Foram disponibilizadas máscaras e as pessoas usavam-nas sempre e em todo o lado, nos espaços públicos. Houve uma multiplicação de testes para uma grande parte da população, não apenas as pessoas com sintomas; para se ter direito a um teste (gratuito ou subsidiado) bastava ter estado em contacto esporádico com alguém infectado. Desenvolveram-se as terapias de cura: as pessoas testadas como positivas foram eficazmente isoladas e tratadas. 
Agora, vêm-se os resultados e as diferenças entre esses países e os da União Europeia : Perante a epidemia de coronavírus, de forma muito descoordenada e tardia, a atitude da maioria dos governos europeus foi de adoptar a estratégia do confinamento máximo e indiscriminado da população. Os argumentos a favor desse confinamento são conhecidos e não tenho intenção de os analisar um por um, mas antes de constatar os resultados práticos. 
É invocada a necessidade de «achatar as curvas» de hospitalizações, com vista a não haver um excedente de doentes graves, a necessitar de internamento hospitalar e, nomeadamente, de cuidados intensivos. Muito bem; mas esse objectivo não pode ser invocado como justificando o seguinte:
- Em Portugal e noutros países europeus (conheço casos do Reino Unido, da França e haverá outros) houve situações catastróficas, nos lares de terceira idade, em que grande número de idosos ficaram contaminados, sendo necessário promover a sua transferência para outros locais mais seguros e encerrar os referidos estabelecimentos. Ora, isto passa-se quando a crise sanitária já estava claramente instalada, em que era perfeitamente claro que a população de idosos em lares seria muito frágil e necessitando de medidas especiais para evitar - a todo o custo - a sua contaminação. Nestes lares, não existem, às vezes, condições dignas e mesmo de higiene básica, em tempos normais. Imagine-se, em tempo de pandemia como terá sido, com muitas das pessoas dedicadas ao cuidado destes idosos a faltarem ao serviço, por doença, ou por medo de serem contaminadas. Diga-se que são conhecidos casos em que nenhuns ou demasiado poucos equipamentos (máscaras, luvas, etc) foram fornecidos a este pessoal. 
- Em certas unidades da região de Lisboa, dedicadas ao tratamento de toxicodependentes, tive conhecimento de que estes iam às consultas e eram atendidos sem que lhes fosse fornecida sequer uma máscara para usarem. Esta medida, disponibilizar máscaras gratuitamente, para pessoas com alta probabilidade de serem portadoras do vírus e muitas com um sistema imunitário fragilizado, pareceria absolutamente evidente e necessária, para quaisquer técnicos de saúde. Porém, isso não foi feito, pondo em risco os toxicodependentes, os outros utentes e o pessoal de saúde que os atende.  

Se a medida do confinamento geral fosse acompanhada por cuidados especiais e vigilância acrescida  nos grupos de risco citados (idosos em casas de repouso e toxicodependentes ambulatórios), era defensável a sua legitimidade. Mas estes grupos - claramente definidos como «de risco» - foram deixados ao abandono. 
Então, será que o confinamento forçado de toda a população teve, na verdade, como objectivo minorar as contaminações e mortes devidas ao Covid-19, dado que não foi feito o mínimo em relação aos grupos de risco? 
-Desde já, há um número revelador da incompetência criminosa dos dirigentes políticos e sua «gestão política» da crise sanitária: um terço das mortes de coronavírus em Portugal, são em lares de idosos. Note-se que, entre os dois terços restantes, existirão muitas pessoas da terceira idade que, não estando em lares, deveriam ter recebido maiores e melhores cuidados de saúde.
Cinicamente, alguns dirão que «morram os velhos, não fazem cá falta! »: a esses só espero que aconteça coisa equivalente à morte por Covid-19, de estarem forçadamente confinados, sem cuidados básicos, sem apoio médico nenhum, sofrendo de dores horríveis e numa agonia tão dolorosa, que pior é difícil de imaginar!  Mas os defensores do neo-liberalismo e neo-malthusianos que nos governam, pensam exactamente isso, só que não o dizem: preferem chorar lágrimas de crocodilo perante as mortes que eles sabiam de antemão que esta epidemia iria trazer. 

A história de que os governos ocidentais foram apanhados desprevenidos é uma completa falácia!
Com efeito, em Janeiro, as populações da cidade de Wuhan e da província de Hubei, na China, foram as primeiras atingidas; só em Março, cerca dum mês e meio depois, apareceram os primeiros casos em Portugal. 
Quando a província de Hubei estava no máximo da epidemia, em finais de Janeiro, era perfeitamente possível, aos ministros da saúde dos diversos países, atempadamente tomarem medidas adequadas. Mas fugiram a encarar a realidade de frente. Trata-se de criminosa incompetência. 
Com efeito, eu vi na altura que esta epidemia, pelas suas características, não iria ficar confinada à China. O estado de denegação das pessoas comuns é desculpável pela ignorância. Mas os responsáveis políticos tinham e têm conselheiros especialistas de saúde ao seu serviço; têm agências de saúde, que estão sempre a monitorizar o se passa no país e no estrangeiro;  têm toda a facilidade em obter o parecer de outras entidades.
A media inviabilizou um debate sério. Continuou a fazer o seu papel de alarmismo junto da população, com pseudo-especialistas - que sem vergonha - opinam do alto da sua nulidade, sobre tudo e mais alguma coisa. 
O tipo de sociedade em que vivemos é especialmente permeável ao sensacionalismo e ao aproveitamento pelos media; pior ainda, servem-se do ambiente de medo para a criação de uma psicose colectiva. Os governantes esperam assim que seu papel lamentável seja esquecido, ou até mesmo elogiado.
Na minha opinião, o Covid-19 colocou a nu dois enormes escândalos:

- O escândalo da economia baseada em bolhas especulativas (insufladas pelos bancos centrais, em conluio com toda a finança);

- O escândalo dos Estados governados em função dos interesses muito precisos das oligarquias (o 0,01%), onde a política «mainstream» é vista como operação de PR (Public Relations) e destinada à manutenção do Status Quo. 

----- PS1: Como acima, a 15 de Abril afirmava, a situação em Portugal é de desleixe criminoso e de auto-complacência dos governantes. Veja-se o artigo de um epidemiologista português vivendo em Oxford, Pedro Caetano:
Visão Factual Epidemiológica: Portugal é um dos países mais perigosos do mundo na Covid-19

PS2: Como é que se fabrica uma psicose colectiva mundial...
https://www.youtube.com/watch?v=k1trzdmwR2M

PS2: Um artigo que mostra, com factos, como é que os oligarcas - o 0.01% - está a puxar esta pandemia para fazer avançar a sua agenda globalista: 
https://off-guardian.org/2020/04/20/coronavirus-lockdown-and-what-you-are-not-being-told-part-2/

PS3: Onde se prova que o governo do Reino Unido deu directrizes que tornam completamente incertos os números relativos às mortes por Covid-19.
https://off-guardian.org/2020/05/05/covid-19-is-a-statistical-nonsense/

PS4: Hoje 09/05/2020 é por demais evidente a falácia do confinamento (lockdown) para salvar vidas. Ver gráfico seguinte de Off-Guardian: 
https://off-guardian.org/2020/05/09/who-controls-the-british-government-response-to-covid-19/


quarta-feira, 25 de março de 2020

A MASCARADA (denúncia da campanha de ocultação e criação de pânico na media)

             Image result for Hubei health team
                     Figura: Equipa de saúde em Hubei, China




As pessoas julgam que estão a ser informadas, quando - na realidade - estão a ser formatadas.
Está a media a participar maciçamente num «exercício militar, como as manobras de primavera», que envolve milhões de pessoas, sem elas saberem. 
O estado de sítio (sob outro nome) foi decretado abusivamente: estamos perante o golpe de estado mundial do milénio. Sim, o estado de sítio (chamem-lhe estado de emergência ou outro eufemismo) é ilegal - pois a sua legitimidade não está nada comprovada. 
Desde quando se destrói a economia de n países e de milhões de pessoas, para «combater» uma epidemia (mesmo que fosse muito mais severa do que na realidade é)? 

- O «remédio» do confinamento forçado e generalizado está a matar o «organismo social». Além disso, é um falso remédio e é fácil perceber porquê:
O vírus tem um efeito nulo, não causa sintomas, numa fracção importante da população. Os cientistas chineses que estudaram os efeitos do Covid-19 na região de Hubei (35 milhões de habitantes; Wuhan, a capital tem 11 milhões) verificam que cerca de um terço das pessoas que têm um teste positivo para o Covid-19 não apresentam quaisquer sintomas.
- Alguém com o vírus, mas sem sintomas se ignora que é um portador são, mesmo estando «confinado», estará a espalhar o vírus: junto de familiares debaixo do mesmo tecto, mas também junto da vizinhança, porque não é proibido ir comprar coisas essenciais, ou passear o cão, etc... 
- A maneira de combater eficazmente a doença é fazer despistagem sistemática, o mais abrangente possível, para identificar o máximo possível de pessoas portadoras, que não apresentam sintomas, ou com sintomas muito ténues, ou indefinidos. 
- O que é lógico como estratégia é efectuar os tratamentos que já tiveram sucesso na China e na Coreia do Sul (por exemplo) aplicados a todos os portadores, quer estejam gravemente ou levemente doentes. Embora não sejam os mesmos tratamentos, todos devem ser tratados eficazmente, claro. 
- Devem ser mantidos em quarentena os infectados e testados positivos, mesmo que não estejam doentes. Mas a quarentena não é tratamento; tratamento, significa aplicar terapias adequadas com vista a eliminar por completo a carga viral. Esta é a única maneira de curar e, simultaneamente, fazer com que estes indivíduos já não sejam disseminadores do vírus. 
- A população deve ser autorizada a exercer as suas actividades habituais, desde que não seja portadora do vírus. Se houver uma educação do público sobre o modo de propagação das partículas virais, irá colaborar para evitar a sua propagação, não é necessário nenhum «estado de emergência» e não se coloca a economia e a subsistência quotidiana de milhões em risco.
- Com efeito, a paragem da economia por longos meses significa, inevitavelmente, que muitas empresas vão à falência, que muitas pessoas ficam no desemprego, logo em grande fragilidade, não apenas económica, mas também de saúde.
- A situação era controlável como o foram no passado n pandemias - inclusive, outras pandemias de vírus do grupo Corona, que se propagam pelo ar e se alojam no sistema respiratório. 
- Ainda por cima, no Ocidente, pode-se aproveitar a experiência acumulada na China, no Japão, na Coreia do Sul e noutros países do Extremo-Oriente. Ficámos com informações valiosas sobre o modo como o vírus se comporta, quais as terapias mais eficientes, etc... 
- A generalizada histeria, incentivada desde os escalões mais altos do poder, veiculada pelos media «mainstream» é tanto mais estranha que os cientistas mais competentes neste domínio têm as suas vozes caladas ou ignoradas. Os «peritos» que vemos nas televisões e noutros media, frequentemente, são pessoas totalmente incompetentes para falar sobre o assunto.
- A militarização da sociedade, a imposição de um «estado de guerra» é uma forma de neutralizar a futura indignação da população quando esta descobrir que, a coberto do «coronavirus», fizeram mudanças radicais: a reestruturação da economia, das finanças, das leis, atingiu as suas poupanças, anulou o poder de compra (já debilitado) de salários e pensões, e muitas mais calamidades no domínio económico, primariamente, mas que acabam por causar muita mortalidade. 
- Em circunstâncias de crise económica aguda e prolongada, está comprovado que os enfartes do miocárdio, os acidentes vasculares, as crises psíquicas, que podem causar suicídios ou actos de violência, etc... multiplicam-se. 
- A população não deve ter confiança nenhuma nos políticos no poder, pois eles - acima de tudo - querem permanecer no poder. Eles escondem seus erros, que podem ser fatais, para se manterem. 
- O povo deve acordar da sua letargia, deixar de se ver a si próprio como «criança», que precisa de assistência, de um Estado-papá. Se o povo é soberano, deve ser ele a determinar os termos em que se deve organizar a vida em sociedade. 
- Os que escrevem e controlam o fluxo de informação nos media, não têm competência para decidir se tal ou tal especialista é «credível» ou não. Os 12 especialistas no artigo abaixo são considerados profissionais de topo pelos seus pares e isso basta-me. Transcrevo o link do seu depoimento, copiado de Off-Guardian: 

PS1: Vejam o vídeo de 26/03/2020 de George Gamon: ele mostra como é absurda e destruidora do valor das divisas o «estímulo à economia» (na realidade, à finança, à banca) dos bancos centrais.

PS2: Entrevista com o eminente médico e especialista em doenças do grupo do «coronavírus», Prof. Didier Raoult. É importante ver até que ponto a nossa informação corporativa distorce e oculta, mesmo em casos de vida ou morte: thesaker.is/interview-with-professor-didier-raoult-in-the-parisien-newspaper-22-march-2020/

PS3: Pepe Escobar descreve a campanha da clique no poder para «anexar» para si a hidroxi-cloroquina, ao mesmo tempo que entra em guerra com o Prof. Raoult, por este advogar a estratégia «coreana» para a crise, ou seja, testar o máximo de pessoas para as tratar e assim impedir a progressão da epidemia (como eu disse no artigo acima): https://asiatimes.com/2020/03/why-france-is-hiding-a-cheap-and-tested-virus-cure/


domingo, 6 de outubro de 2019

BANDOS DE CRIMINOSOS ESTÃO A CASTIGAR OS CIDADÃOS INOCENTES DE HONG-KONG

https://www.scmp.com/news/hong-kong/politics/article/3031732/hong-kong-protesters-outraged-anti-mask-law-return-streets

                         A corridor in Mong Kok MTR station is turned into a mini river as protesters break in and vandalise facilities, setting off water sprinklers and a fire hose. Photo: Sam Tsang
                         Estação de metro de HK depois de vandalizadas as bocas anti-fogo


Será que a população tem algo a ganhar com a continuação deste estado de caos e vandalismo permanente?
A táctica dos contestatários não será a de provocar as forças da ordem para estas cometerem actos de repressão desproporcionados, de modo a depois acusá-las nos fóruns internacionais?
Será que eles, grupos de radicais violentos, não sabem que assim impossibilitam qualquer hipótese de diálogo com o governo de H-K?
Durante quanto tempo as pessoas do ocidente continuarão a tomá-los por «uns jovens um bocado exaltados» em vez de os tomarem por aquilo que são, na realidade?

No jogo complexo de guerra mista, comercial, económica, financeira, monetária, de propaganda ... o imperialismo apostou que a China fizesse um novo «Tien An Men», mas desta vez em Hong Kong.




A minha intuição era boa; acertei... mas é triste ver pessoas jovens a destruir tudo, o seu futuro, o de muitos cidadãos de HK, visto que a instabilidade irá desviar muitos negócios para Singapura... 

Quanto aos governos ocidentais, aos meios de comunicação de massas envolvidos numa propaganda anti-China, é isto mesmo que desejam: o máximo de caos para (numa esperança fútil e criminosa) dificultarem, atrasarem a progressão das «Novas Rotas da Seda» junto das mais de 130 nações, que possuem projectos com a China. Neste número inclui-se Portugal. 

Claro que eles não se indignam quando um polícia (que, de qualquer maneira, apenas estava a cumprir sua função) é agarrado e incendiado ou quando um jornalista do jornal oficioso do PC Chinês é cercado e recebe uma tareia que o deixa quase morto (entre outros exemplos de «respeito pelos direitos humanos» e de «liberdade e democracia» por parte dos manifestantes de cara tapada). 

A manipulação da percepção pela media corporativa internacional, sobre o que se passa em HK, é ainda mais óbvia, se nós a compararmos com a ausência de notícias (black-out) sobre o que se passa na Coreia do Sul, desde há um mês, onde se sucedem manifestações com milhões de cidadãos, sem qualquer violência... 

Vivemos numa espécie de redoma, de matrix, onde as pessoas estão dissociadas da realidade, são manipuladas constantemente. A media corporativa no Ocidente desempenha um papel essencial de «polícia da mente», obedecendo aos interesses da banca, da finança e todos os lóbis, que puseram os governos ao seu serviço.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

CRÓNICA SINO-COREANA - PARTE III (EDUARDO BAPTISTA)

     
Na semana passada, explor​á​mos questões​ relativas ao​ povo Joseonjok de Yanji, com foco especial na relação que eles têm com a Coreia do Sul e com a China. Esta semana, desviamos o nosso olhar das duas grandes etnias da cidade de Yanji, coreana e ​h​an, para podermos concentrar-nos numa comunidade de imigrantes muito especial: os norte-coreanos de Yanji. Sim, para quem não saiba, há muitos norte-coreanos, vivendo tranquilamente fora das fronteiras do regime totalitário.

                            

Pessoalmente, acho irónico que só depois dos 20 anos é que tenha começado a aperceber-me como a Coreia do Norte é incorrectamente caracterizada por muita da média ​a​mericana, o que naturalmente influencia a média ​p​ortuguesa.
Antes, eu também fazia parte da distribuição de informação falsa ou exagerada sobre este regime. Ansioso ​por​ impressionar compatriotas portugueses, que nunca tinham conhecido um luso-coreano, muitas conversas decorriam desta maneira:
"Ah, não és chinês? Então esses olhos em bico vêm donde?" pergunta um bacano qualquer à frente do Bar 148, fornecedor das cervejas de meio-litro mais baratas do Bairro Alto. O tom dele é simpático, revela ignorância e ingenuidade, mas não tem conotação racista.
"É porque a minha mãe é coreana..."
"Do norte ou do sul?" responde ele com um sorriso malandro.
Eu respondo-lhe com outro sorriso, ainda maior. Tendo ouvido esta pergunta tantas vezes, a minha resposta já estava bem ensaiada; era uma que dava para puxar mais conversa.
"Mas estás maluco ou quê? Os do norte não podem sair do país, nem para viajar, quanto mais para emigrar."
"A sério? Mas então o que é que acontece se um deles tentar sair dali?" pergunta o meu ouvinte de boca aberta.
"Quase de certeza, vai ser apanhado, arrastado de volta para a Coreia do Norte, torturado e finalmente fuzilado. Ás vezes a sua família recebe o mesmo castigo!"
"É pá, isso nem a PIDE faria!"
E assim ​prosseguia​ a conversa, uma exageração após outra, até eu finalmente ​decidir alcançar os meus amigos que, entretanto se tinham distanciado,​ fartos da minha ​tagarelice​.
Proceder por generalizações, a torto e a direito,​ é marca da estupidez, enquanto a nuance é indício de maturidade e reflexão​. ​Espero ​afastar-me da primeira e aproximar-me da segunda​; ​espero que a história verídica de hoje vos motive​ a pesquisar mais acerca da Coreia da Norte, ​a ​questionar as narrativas da televisão … até mesmo​ a passar uma semana em Pyongyang. Tendo eu​ feito esta mesma viagem, garanto-vos que ela é perfeitamente segura, o passaporte português é visto lá com bons olhos.
                 

Em Yanji, o Hotel Ryugyong (류경호텔​   ​/ 柳京) não se esconde num qualquer beco. Não há nenhuma palavra-passe para entrar, ​ ​nem se vêm guardas armados​. Parece ​orgulhoso da sua identidade norte-coreana. ​ "Pyongyang" (평양/平) encontra-se​ em letras​ perfeitamente ​visíveis​ no letreiro.
Ao aproximar-me da porta giratória do hotel vejo, através do vidro, uma moça jovem a sorrir-me. Contente com esta recepção inicial, entro pela porta. A minha amigável anfitriã​, vestida de trajes tradicionais (​hanbok), cumprimenta-me​ em coreano e ​conduz-me​ para o segundo andar, onde se encontra o restaurante. A clientela parece ser composta quase inteiramente por norte-coreanos, nota-se apenas ​um casal chinês, uns turistas ​como eu.
A moça transfere-me para uma camareira alta, de olhar frio, que​ me​ ​conduz a uma mesa, rodeada por mesas onde estão instalados clientes norte-coreanos. Pergunto-lhe em coreano que especialidades me recomenda. Sem parecer preocupada, ou surpreendida com a minha pronúncia sul-coreana, responde-me: «massa de Pyongyang, tortilha​ coreana, carne de pato grelhada». Decidi-me pela opção mais barata e enquanto esperava, fui ouvindo os diálogos à minha volta, na minha língua materna: … Negócios com chineses e com josondjok, queixas sobre colegas, viagens de regresso a Pyongyang.
Estes norte-coreanos de Yanji parecem ter desprezo pelos​ chineses e falta de confiança no povo que partilha a mesma língua. Recordo ter ouvido uma conversa, aproximadamente assim​:
'Então, já fechaste o negócio com aquela companhia de Tumen (uma cidade que faz fronteira com a Coreia do Norte, a 50km de Yanji)?’ perguntou uma voz rouca, algo enfadada.
'Não sei o que está a acontecer, irmão, mas aqueles ​djosonjok ​[nome dado aos cidadãos chineses de etnia coreana] estão a demorar anos a finalizar o contrato...' respondeu de forma educada​ a​ outra voz, mais nervosa.
'É difícil confiar nessa gente...dizem que são coreanos, mas a verdade é que pensam como Han zu [a etnia ​maioritária​, constituindo 90% da população chinesa]; são matreiros, não penses por um segundo que eles ​nos veem​ como irmãos, ou ​o quer que seja​. Se eles não soubessem falar chinês, garanto-te que me mantinha bem afastado deles,' disse o mais idoso.
'Sim, precisamos deles mais do que eles precisam de nós. O que dava jeito era ter uma dessas tradutoras treinadas em Pyongyang para nos acompanhar nos negócios, estas miúdas daqui não aprendem nada, passam o dia inteiro a falar coreano e a servir pessoas como nós, o chinês que elas falam só dá para descrever os pratos e contar números,' desabafou o mais jovem.
'Nem sonhes com isso, as tradutoras são valiosas demais, o país precisa delas para o turismo, ou para ajudar na comunicação do partido com estrangeiros, Pyongyang não as iria desperdiç​ar em negócios pequenos, como o nosso;' o mais velho acendeu um cigarro, dando grandes bafos que passavam ​por cima das nossas cabeças​. ​Continuei de ​costas viradas, a ouvir, ocasionalmente ​fingindo ​que estava a falar ​em chinês​ ao telefone, para eles não suspeitarem ​de mim​.
'Se as cantoras lá de baixo pudessem passar uns anos a estudar chinês, talvez nem fosse preciso pedir ajuda a Pyongyang...' sugeriu o mais novo.
'Não sejas parvo! Achas que eles nos deixariam fazer isso? Essas raparigas são filhas de gente poderosa do partido,​ entendes? Achas que um general ou um ministro iria deixar a sua filha subordinar-se a um negociante? Nunca na vida!' ​exclamou​ o mais idoso, ​numa​ voz claramente ​enfadada​.
'Sim; mas, se calhar, até lhes fazia bem aprender chinês, pode ser útil no futuro, quem sabe...'
'Cala-te e não fales de gente que nos pode trazer problemas.' disse o mais idoso friamente, parando de falar durante alguns segundos, enquanto uma empregada de mesa passava por eles.
Acabada a refeição​ fiquei a pensar​: quem serão estas cantoras? Chamo a empregada, que me informa que todas as noites há um concerto, depois do jantar, ​em que atua​ um grupo de jovens muito belas, cheias de talento.
Pago a conta e desço, encontrando a moça do sorriso esplendoroso, que me leva até uma sala grande. Num palco iluminado por luzes holográficas fluorescentes, ​encontram-se quatro ​mulheres, das mais belas ​que já alguma vez vi.
Parecem ter saído de um conto de fadas; as suas saias são compridas, largas nas ancas, em tecido reluzente​ diferindo entre elas apenas na cor dos vestidos e nos instrumentos que cada uma toca. A de verde esmeralda empunha uma guitarra eléctrica, a de azul um saxofone, a de amarelo claro uma flauta, e a de cor-de-rosa um baixo eléctrico. As suas faces, perfeitamente maquilhadas, emitem um brilho pálido; suas expressões serenas ​dão uma certa solenidade à ocasião, como se isto não fosse meramente uma rotina diária, para ajudar à digestão do jantar de uns quantos turistas.
Pouso a minha mala no chão, com intenção​ de tirar a minha máquina fotográfica, mas reparo num cartaz ao lado do palco, onde está escrito em caracteres grandes: "Proibido tirar fotografias." Limito-me a aguardar o espectáculo sentado a uma das mesas vazias. No outro lado da sala, um grupo de turistas chineses ​parece estar entusiasmado​ com a actuação que se aproxima.
De repente, as luzes da sala escurecem e o quarteto dá um passo em frente. Uma faz o sinal de «O.K.» e a música de fundo começa a tocar.
A música não é nada parecida com a que se ouve nos canais de rádio do Ocidente. Os temas são clássicos e conservadores; as letras falam de paixão inocente entre dois amantes, de nostalgia pela terra natal, e de tristeza ​pelos pais envelhecerem​.
O fado português também se baseia nalguns destes temas, mas leva o sentimento de angústia até ao extremo, o que não é compatível com a placidez desta música. O descontrolo, que em doses​ pequenas, confere calor humano à música, é alheio totalmente aos valores éticos impostos pelo governo norte-coreano, ​​contrário​ a qualquer tipo de experimentalismo ou de libertação ​individual. Os versos falam sobre paixão sem introspecção, de tristeza sem que se considere jamais a autodestruição, ou duma nostalgia sem o pessimismo que a torna verosímil.​ Apesar de Yanji estar longe dos centros urbanos de Pequim e de Xangai, senti que estava a observar algo muito comercializado, ​como um anúncio muito bem produzido, mas que só consegue​​ aliciar os olhos do espectador, não o coração.


Todas elas possuem vozes de soprano, capazes de reproduzir o timbre de cantora de ópera. Mas não há ​teatralidade​ nesta atuação; elas não se deixam levar pelas emoções, mantendo sempre a mesma expressão serena e a coreografia sincronizada, um joelho alternando com o outro, a dobrar ligeiramente para dentro, de acordo com o ritmo da música. No fim de cada canção, elas trocam de posição no palco e de instrumento, mostrando-se​ capazes de executar peças ​com​ elevado grau de dificuldade.
Há uma perfeição mecânica na sua rotina bem oleada, ​de tal maneira que, ​de cada vez que um turista​ com ​um bouquet de flores sobe para o palco, obrigando uma delas a forçar um sorriso​ e a​ pegar no fardo perfumado e ​colocá-lo delicadamente num canto qualquer, o resto do grupo ajusta-se automaticamente, ou​ cantando​ mais alto para compensar, ou deixando a música de fundo tocar mais alguns segundos até​ ao​ próximo compasso, recomeçando então ao mesmo tempo, ​sem um piscar de olhos​ que seja. 
Entediado, olho para trás. Três empregadas de mesa, incluindo a moça do sorriso esplendoroso, estão sentadas numa mesa ao fundo, ocupadas a compor flores em bouquets para venda aos turistas. Ao lado delas, de pé, está o patrão do restaurante; um norte-coreano de calças pretas e camisa formal cinzenta, com os botões apertados até ao pescoço. Apesar dum corpo magro, a cara dele é larga e um pouco espalmada, algo realçado pelo seu corte de cabelo, rapado nos lados, com um bloco rectangular no topo. Observa a actuação de braços cruzados e sobrancelhas franzidas, um olhar de avaliador, em vez de apreciador.
Tendo decidido​ que tinha visto o suficiente, levanto-me e caminho em direcção à saída. O patrão vai ao meu encontro, substituindo o seu ar sério por um sorriso artificial de vendedor. Este matreiro, não sabendo falar chinês, só diz "​xie xie" ​mil vezes, ao mesmo tempo que gesticula com os dedos apontando as flores. Aceno ​com a​ mão (gesto que significa "não", em muitos países orientais) e faço cara de cansado, e ele afasta-se, retomando​ a sua pose de​ inspector.
Antes que eu ​chegue​ ás portas giratórias da saída do hotel, a moça de sorriso esplendoroso de repente aparece-me à frente. Parece estar preocupada com a minha saída.
"O patrão diz que parece não ter gostado do concerto; porqu​ê?" pergunta com exagerada curiosidade. Decido ser diplomático.
"Mas eu nunca disse isso! Adorei, achei as cantoras tão bonitas, cantam muito bem também," respondi, com um sorriso artificial, como o do patrão.
"Então porque é que não comprou flores?" perguntou ela num tom magoado, que parecia ser genuíno.
"Mulheres como aquelas quatro senhoras merecem que lhes ofereçam carros, não flores. Se eu não fosse apenas um pobre estudante estrangeiro, de certeza que lhes comprava um," respondi, na esperança que isto fosse ​dar uma conclusão à conversa.
A moça franziu a sobrancelha; não parece ter percebido o meu sentido do humor, mas aproveitei-me do seu estado de confusão para finalmente sair do hotel Ryugyoung.
Atravessei a rua, chamei um táxi usando a aplicação Didi e, ao fim de 2 minutos, um Audi A4 apareceu-me​ ​à​ frente. De dentro do carro, olhei uma última vez para as portas giratórias. A moça ainda lá estava, seguindo-me com os olhos, mas sem o sorriso esplendoroso ou a expressão amistosa, antes um olhar de desconfiança.
Reflectindo no que tinha feito, rapidamente tornou-se tudo muito óbvio​: o Hotel Ryugyong é um dos muitos estabelecimentos norte-coreanos na China vocacionados para gerar ​o maior lucro possível, para benefício do regime de Pyongyang​, que tem estado a sofrer por causa das sanções impostas pelo Ocidente.