quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

FAIRPORT CONVENTION w/ SANDY DENNY: "Who Knows Where The Time Goes?" (1969)



foto: Sandy Denny na sua casa

 Sandy Denny foi um cometa que passou nos céus e só regressa passados uns 80 anos! 
Ou seja: Quem apreciar a sua elaborada poesia e canto, com entrega total, não encontrará facilmente «outro astro» que possa igualar o brilho do cometa Sandy Denny!




Across the evening sky, all the birds are leavingBut how can they know it's time for them to go?Before the winter fire, I will still be dreamingI have no thought of timeFor who knows where the time goes?Who knows where the time goes?Sad, deserted shore, your fickle friends are leavingAh, but then you know it's time for them to goBut I will still be here, I have no thought of leavingI do not count the timeFor who knows where the time goes?Who knows where the time goes?And I am not alone while my love is near meI know it will be so until it's time to goSo come the storms of winter and then the birds in spring againI have no fear of timeFor who knows how my love grows?And who knows where the time goes


Pode apreciar aqui outra versão da mesma canção:



e «Until the Real Thing Comes Along»:



quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A QUESTÃO NACIONAL: PASSADO E PRESENTE

 


Foto: Trabalho forçado de «indígenas» nos caminhos de ferro do Ghana, enquanto colónia britânica.

A «questão nacional» é das que se vem arrastando desde os mais recuados momentos da História. Ela - ou melhor, a sua confusão com outros conceitos - ensombrou as sociedades, com guerras de conquista e/ou de resistência e pela autonomia perante poderes autocráticos. 

Além disso, a forma como a nacionalidade é percebida, não é a duma simples constatação das diferenças étnicas, com aspetos genéticos, culturais, linguísticos, etc. Porque, a estas constatações, somam-se sistematicamente elementos valorativos, quer subindo, quer baixando, um vasto conjunto de pessoas, dentro das sociedades. Trata-se portanto de afirmar ou reforçar uma desigualdade. Este aspeto da questão é porventura o mais grave, pois funciona como terreno propício comum aos racismos e xenofobias. Ou seja, é o esteio de todas as indignidades e crueldades, que seres humanos têm infligido a outros seres humanos.

Ultimamente, vários povos inseridos em nações, que são sempre conjuntos multiétnicos, têm sofrido (de novo!) as consequências catastróficas da visão racista das etnias, a que gerou as ondas que vieram desembocar na Iª e IIª Guerras Mundiais. 

As pessoas esquecem, demasiado facilmente, que a ciência instituída afirmava, por volta de 1900, como estando provada a superioridade de certa(s) «raça(s)» em relação a outras. Considerava-se que era natural países imperialistas e colonialistas, dominarem os outros. Que povos «indígenas» não-europeus, precisavam de ser «civilizados» pelos europeus. 

Os revolucionários do passado não eludiram as questões da nação e da pátria. Porém, que eu saiba, os autores socialistas, comunistas e anarquistas do século XIX nunca teorizaram a nação num sentido nacionalista. Pode dizer-se que estiveram muito atentos aos fenómenos do nacionalismo e às rebeliões contra a opressão colonial. 

Na visão «ocidental» dominante, pelo contrário, trata-se de fazer passar um discurso de autoabsolvição. Os seus autores, ou quem os encomenda, são, obviamente, os mesmos que levaram os povos das sedes coloniais às guerras e à destruição de etnias e nações, na imensa maioria do que hoje se chama «3º Mundo».

A desmontagem e exposição do conceito de superioridade racial de certas nações, como sendo falso e ideológico, nunca foram efetuadas seriamente na Europa junto do grande público. Isto, apesar das catástrofes que foram a Iª e IIª Guerras Mundiais. Com efeito, nos países ditos do 1º Mundo, não se fez nunca uma correção, nunca se expôs os crimes do colonialismo e imperialismo. Não são os povos em si mesmos, dos países coloniais e imperiais, quem têm a principal responsabilidade: São as classes dirigentes, que ocultam ou deformam, pois nunca quiseram considerar-se culpadas. 

Os estudos aprofundados que instituições académicas possam produzir, apesar do seu mérito, não se traduzem - nos países outrora metrópoles coloniais - numa pedagogia para a generalidade do povo. Pelo contrário, nas camadas populares desses países, pode notar-se, por vezes, um nacionalismo agressivo, com a identificação com as «gestas», que foram as guerras e conquistas. Tal não nos deveria admirar, pois as formas ideológicas e caricaturais do ensino da História, têm sido um dos pilares do obscurantismo e da propaganda. 

A classe dominante não pode sê-lo, senão à custa do engano e da ausência propositada de pensamento crítico no ensino. Não é por acaso que tal acontece, quer no ensino, quer na media e no «entretenimento». Os «bons e os maus», é assim que são construídos todos os enredos, em especial, nas ficções que envolvam  guerra. 

A minha convicção, neste campo, é que as pessoas deveriam ser educadas sobre as origens da nossa espécie. Deveriam perceber, profundamente, que a origem comum da humanidade, não é mais assunto «de opinião»: Transformou-se numa das poucas certezas que a ciência nos pode dar.

A maioria das grandes religiões (cristianismo, islamismo, budismo e outras), são «não-étnicas». Existe predominância desta ou daquela religião, em certas partes do Globo e em determinados países. Porém, salvo manipulação e distorção da religião, não há um assumir de que existam origens separadas, «criações separadas», dos grupos humanos, na base da sua diversidade. O que já é um progresso; nem sempre foi assim. 

Hoje, as narrativas de criação separada são tidas como míticas pelos antropólogos e outros cientistas e são explicitamente tratadas como tal. Ideologias que postulavam origens independentes umas das outras, de facto, não apenas estavam cientificamente erradas, mas também serviram como doutrinas de pseudo ciência, com consequências graves. Tal aconteceu com o regime nazi, com o apartheid na África do Sul e com outros regimes.

A questão nacional está muito claramente codificada na Carta das Nações Unidas e noutros documentos, assinados pelos Estados-membros da ONU, que proíbem a discriminação dos indivíduos com base na sua etnia, religião e cultura de origem. Não só isso, como é reconhecido o direito duma minoria étnica ou nacional, ver respeitadas as tradições e as vivências culturais próprias, como parte integrante e inalienável dos seus direitos humanos. Além disso, é explicitamente reconhecido o direito à autodeterminação: O direito a qualquer população se emancipar da tutela dum Estado, no qual se encontra e construir as suas próprias instituições. 

Ao nível dos princípios e do seu significado, é possível que especialistas em Direito Internacional se ponham de acordo, mas quanto a políticos, mesmo dizendo respeitar os textos com força legal, não fazem mais, por vezes, do que demagogias e sofismas.

A vontade popular deveria ser expressa diretamente através de referendos. No entanto, isso é impedido - na prática - em muitos casos. Aquilo que impede essa expressão por referendo, é geralmente um contexto de conflito aceso, que pode chegar à guerra civil. Frequentemente, este conflito é acirrado ou provocado pelos próprios governos dos Estados. Por isso, as questões de cunho étnico, têm estado na origem de guerras civis, muito violentas e onde são cometidos graves crimes, de parte a parte.  

Nesta pequena discussão, quis enfatizar o que é o conceito de nação, como afirmação de «superioridade» de um povo em relação a outro(s) e que este conceito está na origem de conflitos. 

Por contraste, a nação enquanto conjunto político multiétnico, é caracterizada por igual respeito pelos vários grupos étnicos e pessoas que os compõem. Este conceito é compatível com um modo de vida pacífico, tolerante, apropriado à nossa época. 

A visão mitificada da nação, como uma espécie de «super tribo», ou seja, baseada somente na origem étnica dos indivíduos, não apenas é racista, também é contrária ao entendimento contemporâneo da ciência biológica e antropológica. 

É uma construção ideológica, um instrumento de dominação de classe que é infundido nas várias camadas do povo, para que considere como seu «dever» oprimir os outros, que podem até ser seus vizinhos e familiares. 

Importa compreender que, na panóplia ideológica neocolonial e imperial, as narrativas nacionalistas têm um conteúdo totalmente diferente e falso, das abordagens contemporâneas da sociologia, da antropologia ou da história. 

PS:  ​O que é ​«nacionalismo étnico»​?​ 

Desde logo, deve ser visto como radicalmente distinto dum nacionalismo​ ​​POLÍTICO, onde a nação é reconhecida como uma construção política à qual pode pertencer qualquer indivíduo de qualquer origem étnica, na condição de aceitar a constituição e leis pela qual se rege. Esta visão da nação como uma construção política, vem da Revolução Francesa, do conceito de nação dos republicanos franceses, que inclusive aceitaram como nacionais e portanto elegíveis para a Assembleia Nacional, cidadãos da Polónia e da Irlanda, e outros, pois estavam com o regime republicano instaurado.


​Quanto ao caso triste e trágico do nacionalismo OUN, trata-se de algo completamente distinto: A organização terrorista ucraniana OUN nascida nos anos 1920, começa por ser um movimento anti-polaco na região de Lvov, que correspondia à província da Galícia do Império Austro-Húngaro, para derivar para um movimento de apoio ao nazismo na IIª Guerra Mundial, responsável por dezenas de milhares de mortes de civis polacos, judeus e ucranianos soviéticos. São criminosos de guerra, sem qualquer dúvida e realmente torna-se muito preocupante que os poderes ocidentais, em particular, os da U.E. estejam a branquear a origem assumida dos partidos no poder em Kiev e a darem uma ideia falsa, intencionalmente (pois sabem a verdade), ocultando o seu racismo e colaboração com o nazismo, como se eles fossem «democratas» e «patriotas»...
Consultem estes links:





segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Debussy: Suite Bergamasque (interprete: Seong-Jin Cho)

 


Claude Debussy, Paul Verlaine e o Simbolismo

Paul Verlaine (1844 -1896) tem sido considerado um dos chefes de fila do movimento Simbolista. 
Tal era a sua potência poética que - apesar da sua «má vida» e dos amores proibidos com Artur Rimbaud - o elegeram o «Príncipe dos Poetas», do Parnasso Contemporâneo. 
A sua arte é talvez a forma mais acabada de síntese entre o clássico e o moderno.
Quando nos debruçamos sobre a sua obra, valorizando os aspetos estéticos, ficamos extasiados pela musicalidade, subtileza e pela utilização de audácias de estilo que seriam lembradas pelos seus sucessores.
Afinal de contas, é certo que ele seja o Príncipe: Porque, que mais pode uma alma literária desejar para sua posteridade, do que ser admirada, plagiada, estudada, posta em música e isto, em sucessivas gerações!?

A peça Clair de Lune (Luar) de Debussy, integrada na suite «Bergamasque», não sendo um «poema musicado» é uma peça que banha na atmosfera simbolista e possui óbvias referências à poesia de Verlaine. Não apenas o nome «Clair de Lune» é idêntico a um dos poemas da recolha das «Fêtes Galantes» mas, no poema de Verlaine, este menciona «masques et bergamasques»: Trata-se de uma ironia saborosa, pois «masques» (máscaras) estão unidas, pela rima interna, com «bergamasque» a dança renascentista, originária de Bergamo, Itália.
Estou convencido que Debussy escolheu este título da suite «Bergamasque», como forma de homenagear o poeta simbolista.
Os versos de Verlaine têm sido postos em música por sucessivas gerações de compositores, desde Gabriel Fauré e Reynaldo Hahn, a Léo Ferré e Georges Brassens ... e muitos mais! 




Clair de lune

Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.

Tout en chantant sur le mode mineur
L'amour vainqueur et la vie opportune,
Ils n'ont pas l'air de croire à leur bonheur
Et leur chanson se mêle au clair de lune,

Au calme clair de lune triste et beau,
Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d'extase les jets d'eau,
Les grands jets d'eau sveltes parmi les marbres.
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[Tradução de Manuel Banet]

Ao Luar

Vossa alma é a paisagem escolhida
Onde se movem máscaras e bergamascas
Tangem alaúdes, dançam e vão quase
Tristes sob suas roupagens de fantasia.

Enquanto cantam em modo menor
O amor triunfante e a vida sorridente, 
Parecem não crer na  sua felicidade
E sua canção mistura-se ao luar

Ao luar calmo, triste e belo
Que faz sonhar pássaros nos ramos
E soluçar de êxtase repuxos de água,
Grandes repuxos esbeltos entre os mármores.

CRISE ENERGÉTICA; SUA ORIGEM E A QUEM BENEFICIA

 


A EUROPA E A SUA ECONOMIA SÃO AS vítimas PRINCIPAIS DE SEU SEGUIDISMO DA POLÍTICA DOS EUA! ESTE O RESULTADO , agora CLARO, DO QUE PREVI HÁ CERCA DE UM ANO ATRÁS!!!

«Na guerra híbrida que estão a levar a cabo contra a Rússia, desde 2014 e contra a China, desde 2017, muitas das sanções (Nota: são atos de guerra económica) têm um efeito boomerang: São mais prejudiciais para os países que as fazem , do que para os visados.» (citação de artigo de 26 Dez 2021)

domingo, 1 de janeiro de 2023

FUNDO SOBERANO RUSSO AUTORIZADO A SUBIR PERCENTAGEM DE YUAN ATÉ 60%

 https://www.reuters.com/markets/currencies/permitted-share-chinas-yuan-russian-wealth-fund-doubled-60-finmin-2022-12-30/


A Rússia foi exposta a uma severa guerra de sanções, que começou pouco depois do golpe de Estado pró-ocidental de Maidan, em 2014. Porém, com a invasão russa da Ucrânia, os países do Ocidente, liderados pelos EUA, fizeram uma brutal (e obviamente ilegal) confiscação dos fundos em divisas, presentes nos bancos ocidentais e pertencentes ao Banco Nacional da Rússia (o banco central, detentor de ouro e divisas em reserva) confiscando também os bens de pessoas individuais, apenas por serem russas.
Face a esta atitude de extrema hostilidade dos poderes ocidentais, a reação da Rússia foi totalmente previsível: Desfazer-se das divisas de países hostis, que tinham tido parte nesse roubo. Cerca de metade das reservas em divisas estrangeiras da Rússia, as que se encontravam em bancos ocidentais, foram «congeladas», mas - na realidade - com a intenção de nunca mais as devolverem, pois a UE e os EUA têm estado a fazer planos para «reconstrução da Ucrânia», utilizando os fundos russos «congelados» (ou seja, roubados).
Naturalmente, surge agora a decisão de aumentar para o dobro a participação de ouro (de 20 para 40%) e de yuan (de 30% para 60%) permitidos para esse fundo soberano nacional da Rússia. Sem dúvida, os países hostis à Rússia não poderão esperar um qualquer interesse da Rússia em (continuar a) exportar energia (gás natural e petróleo) para eles. Terão de se abastecer junto de outros, no mercado internacional.
A estratégia deles, países ocidentais, querendo impor ao mundo um preço máximo sobre o petróleo, falhou redondamente com o «não» da Arábia Saudita e dos países da OPEP.


Mas, note-se, este desfecho inicia uma nova era, onde as economias dos dois blocos - euroasiático e «atlântico» - estão praticamente divorciadas, a própria China estando mais interessada em exportar para países seus amigos, do que para seus adversários geopolíticos que têm designado (oficialmente) a China como a principal ameaça.
Mesmo que a guerra russo-ucraniana acabe e se estabeleça num acordo de paz, é muito provável que se mantenha a partição entre o domínio do «yuan-ouro», ou seja, onde as notas de crédito em yuan (incluindo as de pagamento da energia) sejam convertíveis em ouro; e a «zona dólar», com os EUA e seus aliados anglo-saxões (Reino Unido, Austrália, Canadá Nova Zelândia), assim como a União Europeia (quase todos, membros da OTAN). Note-se que as zonas monetárias vão estar imbricadas: Existirão países no «Ocidente», que continuarão a ter boas relações com o Eixo Euroasiático, tais como o Brasil (membro dos BRICS), a Venezuela, a Argentina e outros da América Latina e Caraíbas. O mesmo, em relação a muitos países, antes tidos como pró-ocidentais, nos continentes Asiático e Africano. 
Por outro lado, do Extremo Oriente ao Médio Oriente, por maior que seja o crescimento do comércio com a China, através das Novas Rotas da Seda, muitos países quererão manter boas relações com os EUA e o Ocidente, aos níveis económico e militar (armamento, sistemas de defesa, treino de tropas e cooperação em informação e espionagem,...).
Note-se também, que o Mundo, no decurso da 1ª Guerra Fria, experimentou severas restrições ao comércio internacional. Mas, o nível de sanções agora atingido, é tal que a chamada globalização vai apenas ser uma memória do passado. Com o comércio internacional sendo severamente atingido, haverá necessariamente um empobrecimento global. Isso irá também afetar todos os países que pretendem manter-se neutrais.
Creio que vai durar e ser muito significativo, dentro do conjunto de decisões monetárias, económicas e de defesa, o efeito desta decisão do Fundo Nacional russo. Vai estender-se muito para além do ano de 2023, que agora começa.
A guerra entre a Ucrânia (apoiada pela OTAN) e a Rússia, é um momento infeliz e transitório desta guerra mundial híbrida (a IIIª Guerra Mundial). Porém, tudo indica que esta medida não é de simples retaliação, face às sanções massivas dos países ocidentais: Será antes um mudar definitivo de rumo da Rússia, não apenas em termos de política monetária, mas também económica e geoestratégica.




sábado, 31 de dezembro de 2022

A CRISE DA ESQUERDA E PORQUE ISSO É GRAVE PARA TODOS

 Neste fim de ano de 2022, gostaria de vos dar, senão uma perspetiva sorridente do ano que vem aí, pelo menos apresentar-vos alguma paisagem com uma nesga de céu azul de esperança. Mas, tal não será fácil de acontecer, pelo menos na transição de 2022 para 2023, apesar de que todos - subjetivamente - nos sentimos atraídos para o otimismo, nestas épocas. 

É difícil e penoso explicar-vos a enorme revolta que sinto, quando penso na evolução que o mundo está a tomar. Mas, após esse pensamento inicial, pergunto-me: «como é que chegámos aqui?». Qual o fio condutor que nos leva - durante estes anos todos - a chegar com a quase fatalidade da tragédia, ao estado presente do mundo e das nossas sociedades?

As raízes do mal presente são tão fundas, que preciso recuar no tempo (pelo menos) até aos alvores das democracias. Contrariamente ao que muitos podem pensar, as democracias na Europa e América do Norte, não se instauraram de uma vez, como resultado de uma «revolução». Foi um processo lento, com períodos muito conturbados, é certo, mas com a persistente vontade dos povos a serem representados ao nível das estruturas de poder. Qualquer que seja a democracia que daí decorreu, quer mais «parlamentar», quer mais «presidencial», todas elas se basearam no princípio da representação.

O princípio da representação, como fundamento de um Estado democrático, eis o que nos soa a natural, a óbvio. 

Porém, ao nível de grandes conjuntos populacionais, não existe nunca uma representação, sem que o processo ocorra através de representantes políticos eleitos. Então essa pedra-angular da representação (como diziam os revolucionários liberais americanos: não pode haver taxação sem representação) foi substituída por outro critério, muito menos transparente, que é o «princípio da eleição». 

Ora, como tenho várias vezes escrito neste blog e noutros locais, a representação é inevitavelmente falseada pelos mecanismos eleitorais, que dão peso - implicitamente - a quem tem mais poder económico. Os magnates «gostam» de entregar milhares ou milhões a partidos e seus candidatos, não porque estes tenham a sua simpatia ideológica. Mas, antes porque assim os têm «na mão». Ou seja, o partido ou candidato que «morder a mão que lhe dá de comer», já sabe que, na próxima eleição, não terá subsídios (meios de corrupção) para conseguir atender às importantes e inevitáveis despesas eleitorais. Não será eleito, porque a campanha de propaganda de seu(s) adversário(s) estava melhor subsidiada, portanto, as campanhas rivais «convenceram» o eleitorado, em detrimento da campanha do «partido ingrato».

Perante este esquema de corrupção estrutural, não existe verdadeira democracia, pois a representação do dinheiro (quem tem mais dólares, mais euros, etc. e que os podem investir nas campanhas) é quem inevitavelmente ganha. Não são mesmo necessárias grandes fraudes, ao nível da votação ou da contagem dos votos. Os partidos que compõem o leque parlamentar e sobretudo, o leque dos elegíveis para cargos de governo, acabam sempre por ser partidos em consonância com o sistema, mesmo que alguns tenham posturas radicais de direita ou de esquerda. 

O que se constata da história das democracias, é que não são poucos os casos históricos de partidos de esquerda que chegaram ao poder, para logo - ou passado pouco tempo - governarem, não em função da vontade dos seus eleitores (em geral, da classe trabalhadora e da burguesia mais modesta), mas dos interesses dos grandes capitalistas. Justificam estas viragens com o «interesse nacional», ou outra frase-feita, suficientemente vaga, para que não seja fácil demonstrar a  falácia.

A partir de certo ponto, que começou no início do século vinte, deu-se a rendição da social-democracia; eram partidos inicialmente revolucionários, que pretendiam derrubar o capitalismo e instaurar o  socialismo. Sucessivas ondas de (ditos) representantes do proletariado, nas democracias ditas liberais, tiveram o mesmo destino; iniciaram a sua atividade parlamentar como forças de «fora» do sistema, mas em pouco tempo integraram-se inteiramente na mecânica parlamentar. Quando vemos isto, podemos ficar desencorajados, pois é um mecanismo que não pode ser mudado facilmente; o mecanismo da cooptação é o que melhor garante a continuidade do status- quo.

Aquilo que se está a passar neste momento trágico na Ucrânia, é devido à rendição das diversas esquerdas, que jogaram o jogo do belicismo. Isto é válido em todos os países da Europa, incluindo claro, a Rússia. Mas, sobretudo, as forças mais poderosas da esquerda, as que se agrupam na chamada 2ª Internacional Socialista, que têm tido governos ou forças parlamentares de oposição fortes em praticamente todos os países da Europa ocidental, todas se alinharam com o belicismo: Marcharam todas integrando o desfile militar, a passo cadenciado, a mando dos que dominam, da oligarquia. Uma guerra, sobretudo destas dimensões (pan-europeia, na verdade), é sempre impulsionada pela ínfima minoria que explora e domina a maior parte da  riqueza criada e que tem manobrado os governos, através do seu controlo das finanças, da média, da corrupção dos partidos, dos peritos e especialistas. 

O dilema de uma força de esquerda parlamentar é, hoje, bastante claro: 

- Ou se retira da fantochada eleitoral e a breve trecho desaparece, como força organizada ao nível nacional, reduzindo-se à dimensão de «seita»; 

- Ou se mantém, mesmo que diga que o faz «criticamente», mas o seu objetivo acaba por ser a manutenção e expansão  da representação parlamentar, com o objetivo de vir a ser convidada e participar num governo de centro-esquerda. 

Não creio que possa existir uma «terceira» via, para partidos de esquerda, que escolheram a via de colaboração com o sistema. É esta a mensagem implícita que nos dão as suas estratégias e táticas, as suas tomadas de posição e declarações. Claro, não vão dizer ao eleitorado, largamente das classes mais pobres, «nós vamos continuar a política de centro-direita/centro esquerda» e «vocês devem votar em nós, porque nós somos os bons, os competentes, etc.» Claro que a sinceridade está fora do jogo do parlamentarismo. São enganadas muitas pessoas, convencidas de que a transição para o socialismo está ao virar  da esquina, bastando para isso votar nos partidos que têm advogado o socialismo. É dentro desta alienação que opera toda a esquerda parlamentar, hoje em dia.

Não quero deixar a impressão de que tenho uma saída - de curto prazo - para este problema. Não a tenho e confesso-o sem hesitar. 

Porém, a única forma de transformar a realidade política e social em profundidade é através da educação, é pela educação que as pessoas se tornam críticas, que são capazes de raciocinar e de estudar por si próprias, aprendendo não só aspetos «técnicos» dos assuntos, mas também as questões mais profundas. Uma educação verdadeira implica conhecimento, o estudo de livros e artigos sobre Filosofia, Política, Sociologia, Psicologia e História. É de constatar que a escola de hoje está muito longe de encorajar a independência de espírito. As pessoas que organizaram os curricula - desde curricula da escola primária até ao ensino superior- são pessoas da inteira confiança da classe dominante. A escola não é um corpo separado do resto da sociedade, mas é atravessado pelas contradições que nela se exprimem. Apesar disso, a educação, mesmo que não tenha sequer uma réstia de crítica ao poder dominante, é sempre perigosa para este, pois alguns filhos da classe oprimida, conseguem atingir um nível de compreensão aprofundada das matérias e destes, uns poucos, serão críticos da realidade social que se lhes depara. 

Concedo que um partido pudesse ser o veículo dessa educação independente,  não enfeudada a interesses de classe, que são os tipos de ensino dominantes nas escolas superiores e universidades, controladas por vários arautos da burguesia. Mas, a verdade é que este tipo de educação, muitas vezes, se limita a formar quadros do próprio partido. Assim, a educação popular, em todas as esferas da atividade não pode ser veiculada por qualquer partido, mesmo que este tenha as melhores intenções do mundo. Porém, organizações populares de base, não enfeudadas a nenhum partido, poderiam desempenhar um papel  muito mais relevante do que o fazem hoje: Cooperativas, associações populares, associações de vizinhança, sindicatos (não controlados por nenhum partido) etc., podem ser um bom terreno para a emergência duma cultura não-elitista, que proporcione as mesmas oportunidades a todos .  

Se o mundo sobreviver entretanto, talvez daqui a muitos anos haja uma transformação qualitativa nas sociedades e seja ultrapassada a etapa capitalista, em que nos encontramos. Parece-me afinal mais construtivo apontar para um objetivo longínquo mas realizável, do que insistir na fórmula vazia (corrompida e corruptora) do parlamentarismo. Os políticos «profissionais» de esquerda, que sabem isso melhor que ninguém, vivem do engano dos seus eleitores. 

Não é verdade que a «esquerda», por o ser, tenha uma qualquer vantagem moral sobre as formações políticas de direita, ou de centro. A mitificação da esquerda, como superior moralmente às outras forças, traduz-se numa autoilusão, numa alucinação mesmo (nalguns casos) de militantes de base sinceros; enquanto os outros, sobretudo dos escalões de topo e intermédios, têm sobretudo uma enorme sede de poder e não são de modo nenhum sinceros. 

Costumo dizer que a melhor maneira de nos corrigirmos, é olharmos para nós próprios e vermos realmente aquilo que nós fizemos de certo ou de errado. É uma autoanálise praticada pelos filósofos desde a antiguidade greco-romana, pelo menos. Também faz parte do ensinamento de muitas escolas filosóficas do Oriente: do Confucianismo, do Budismo Zen. Está igualmente presente no Cristianismo, no Judaísmo e no Alcorão. Em correntes leninistas e maoistas, encontramos apelos à «crítica e autocrítica»; encontramos semelhante apelo para a introspeção em filósofos influenciados pela psicanálise, ou em pós-modernistas. Podemos encontrar em muitas filosofias, não-europeias, este apelo; a própria «sabedoria das nações», repositório da  experiência multissecular dos povos, vai nesse sentido. Seria de esperar que tal fosse praticado pelo povo de esquerda também, ou seja, pelos que não se deixaram corromper e que não têm a soberba de achar que o mundo todo está errado, que eles é que estão certos.

Um bom ano de lutas para 2023!


Uma ilustração de humor satírico de William Banzai

                               https://www.zerohedge.com/news/2022-12-30/stay-woke